Revista Cásper #3

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´ CASPER Nº 3 – Abril de 2011

Hugo Rodrigues

O novo garoto de ouro da publicidade

Em cartaz, o

Cinema

brasileiro Conar

Desvendamos esse órgão regulador

Apple

Por que ela é a queridinha?


´ CASPER Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintende Geral Sérgio Felipe dos Santos

Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade

Revista Cásper Núcleo Editorial de Publicações Coordenador de Ensino de Jornalismo Igor Fuser Editor-chefe Carlos Costa Editor Thiago Tanji Conselho Editorial Adalton Diniz, Carlos Costa, Elisa Marconi, Igor Fuser, Luiz Alberto de Farias, Rodney Nascimento e Welington Andrade Reportagem Henrique Koller, Ítalo Fassin, Jaqueline Gutierres, Lidia Zuin, Louise Solla, Paulo Pacheco e Tiago Mota Editor de Arte e Fotografia Henrique Koller Assistente de Arte e Fotografia Louise Solla Diagramação Henrique Koller Colaboraram nesta edição Luís Mauro Sá Martino, Mariana Kindle, Petrus Lee e Roberto Chiachiri Projeto Gráfico Danilo Braga e Gilberto Maringoni Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper@casperlibero.edu.br Site: http://www.casperlibero.edu.br Capa Divulgação / Alexandre Lima

Do noticioso ao

Reflexivo

Para uma instituição de ensino tão longeva quanto a Faculdade Cásper Líbero – há sessenta e quatro anos atuando no ensino da Comunicação Social –, editar uma revista parece simples, mas todos nós sabemos que nem sempre tradição e experiência garantem o sucesso de uma publicação. A Cásper nasceu da necessidade – muito bem acolhida por professores e alunos, diga-se de passagem – de a Instituição poder estabelecer vínculos mais estreitos com a sociedade, de modo geral, e, mais especificamente, com o mercado de trabalho em torno do qual transitam jornalistas, publicitários, relações públicas e profissionais de rádio e tevê. O desafio das matérias é o de interessar aos especialistas e, ao mesmo tempo, atrair a atenção do grande público, por meio de uma consistente articulação que dê conta tanto do aspecto noticioso quando do viés reflexivo. Assim, acreditamos que o terceiro número da revista, que chega agora às suas mãos, caro leitor, indica que a publicação está trilhando o caminho certo. A reportagem “As tentações da maçã” trata da relação bem-sucedida de uma marca emblemática como a Apple com a mídia. A cobertura da Campus Party 2011 (“Festa muito além do computador”) radiografa o maior evento de tecnologia do mundo. Um acurado balanço da produção cinematográfica no País e sua relação com a famigerada “realidade brasileira” são apresentados em “O Brasil no cinema, o cinema no Brasil”. A história e a atuação recente do Conar – o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – são exploradas em um perfil da entidade. E o teor de duas entrevistas pode levar a muitas discussões: Luis Francisco de Carvalho Filho, consultor jurídico da Folha, comenta algumas das contendas vividas pelo jornal, enquanto o publicitário Hugo Rodrigues discorre sobre os mais recentes desafios vividos pelo mercado publicitário. Diariamente nas salas de aula e nos laboratórios da Faculdade Cásper Líbero, o mundo da Comunicação é examinado, analisado e posto de cabeça para baixo, a fim de que os alunos possam desenvolver uma bemvinda percepção crítica de sua futura atuação profissional. Estendendo muitas dessas discussões para as páginas da Cásper, a Faculdade deseja potencializar os excelentes resultados acadêmicos e profissionais que vêm obtendo já há seis décadas. Boa leitura a todos! Tereza Cristina Vitali Diretora

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Sumário 06 16 24 06 16 21 24 32 42

O novo fenômeno da publicidade Hugo Rodrigues, um dos comandantes da Publicis, revela: o

Maçã de ouro

A Apple é a empresa mais comentada do momento. Qual o segredo dessa popularidade?

Para nerd nenhum botar defeito

Em sua quarta edição, a Campus Party reuniu os apaixonados por tecnologia em uma celebração hi-tech

Conar para quê?

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária nasceu durante a ditadura militar e existe até hoje, em meio a discussões sobre a sua existência

As telas do Brasil

Dona Flor e seus dois maridos e Tropa de Elite 2: trinta anos separam as duas produções recordistas de bilheteria. O que mudou no cinema nacional?

Nas passarelas e nos jornais

O jornalismo de moda vai além dos desfiles de grife. A editoria torna-se cada vez mais valorizada.

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54 A RP que quer tocar violão

Meire Fidelis, diretora de relações coorporativas do Grupo Abril, fala sobre a profissão, a rotina e o sonho de criança

“A imprensa não tem de ser fiscalizada”

Luis Francisco Carvalho Filho, conselheiro jurídico da Folha de S.Paulo, fala sobre as polêmicas do jornal

Com chave de ouro

Os trabalhos de conclusão de curso das graduações da Cásper Líbero: o último desafio antes da formatura

Relações Públicas Estratégicas Luis Alberto de Farias, coordenador do curso de Relações Públicas da Cásper, lança livro sobre a profissão

Resenha

As questões mais difíceis do jornalismo,

Crônica

“Altivo, lépido e faceiro sai às ruas de

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ENTREVISTA DIVULGAÇÃO

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CHAPÉU

criatividade, talento e

Resultados “Fenômeno” da publicidade nacional, Hugo Rodrigues mostra que a inovação é a maior arma para conquistar o consumidor

por Thiago Tanji e Tiago Mota

Além de serem grandes multinacionais, com faturamentos astronômicos, Nestlé, Vivo, Sony, General Motors e Swatch têm outra coisa em comum. Confiam suas campanhas publicitárias, elementochave para o sucesso ou fracasso das vendas, nas mãos de Hugo Rodrigues, COO (Chief Operating Officer) e CCO (Chief Creative Officer) da Publicis. A Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

empresa, com sede na França, detém no Brasil o controle das agências Publicis Brasil, Salles Chemistri e Publicis Dialog. Rodrigues decidiu ser publicitário quase que por acaso. Em 1990, cursava Engenharia quando leu uma entrevista com Washington Olivetto, “papa” da publicidade no país. Foi o suficiente para decidir mudar de profissão. Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


Graduado em marketing, o iniciante Hugo Rodrigues foi redator, diretor e vicepresidente de criação antes de ser um dos comandantes da Publicis. Focado nos resultados de seus clientes e na eficiência das agências, o publicitário aposta na inovação para alavancar uma marca. Em 2004, por exemplo, criou as peças publicitárias Tô nem aí e Poeira, que fez com que a Chevrolet alcançasse a inédita liderança de vendas no país. Dois anos depois, novamente com uma campanha para essa marca automobilística, ganhou um Leão em Cannes na categoria “automóveis”, uma

das mais disputadas daquele festival que é o sonho de consumo dos melhores publicitários do mundo. Apesar de afirmar que “Ninguém faz nada sozinho”, os números não deixam mentir: em 2009, quando era vicepresidente de criação, Rodrigues ajudou a empresa a crescer 47% a mais do que no ano anterior, subindo 19 posições no ranking das maiores agências brasileiras. O publicitário é sintético na hora de revelar o segredo do sucesso: “A transpiração e a dedicação são as melhores ferramentas para conseguir resultados. E persistência com algum talento”.

O mais importante? Experiência e conhecimento do negócio do cliente e necessidades do consumidor. E só se consegue isso se apaixonando pela marca ou produto

O senhor fez algum curso ou faculdade de PP, além da graduação em marketing? Formei-me em Comunicação Social com especialização em marketing. Em uma entrevista concedida ao programa Reclame, o senhor disse que decidiu ir para a publicidade após ler uma entrevista com o Washington Olivetto. Além dele, quem mais o inspirou e ainda inspira na publicidade? Quem são as suas referências? Se eu falar de um nome apenas que me inspirou, estarei cometendo uma das maiores injustiças da minha vida. Todos os profissionais que passaram pelo meu caminho profissional me acrescentaram alguma coisa, e isso não é demagogia. Mesmo quando você não concorda com alguém ou não gosta do jeito de alguém, você está crescendo profissionalmente no convívio e na discordância com essa pessoa. Procuro participar do máximo de palestras e ler muitos livros, não só de publicitários e anunciantes, mas de

economistas, administradores, físicos, pessoas que fizeram de suas empresas, ou mesmo de suas vidas, um case de sucesso. Eles me influenciam sempre. Recentemente, criei uma palestra chamada “A palestra das palestras” e reuni pensamentos desses profissionais para passar adiante. Uma das reflexões do Jon Landau, produtor de filmes como Avatar e Titanic (ambos dirigidos por James Cameron), sobre persistência é muito interessante: “James Cameron teve a ideia de Avatar 15 anos atrás. Quanto tempo você dedicaria e perseguiria uma ideia?” O senhor se vê como “a nova geração” da publicidade? Eu só consigo me ver como um aprendiz. Não tenho a menor vergonha de aprender com quem sabe mais do que eu e, graças a Deus, existem muitas e muitas pessoas que sabem. Da nova geração, da geração de ontem e da geração de décadas atrás. O importante é ter a mente aberta para aprender. Sempre. Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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CHAPÉU As campanhas publicitárias da Chevrolet deram resultados: a marca automobilística alcançou a inédita liderança de vendas

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Rodrigues e sua equipe de criação: (da esquerda para direita) Gustavo Alves, Rodrigo Panucci e Kevin Zung

Nas horas de sufoco ou dúvida, quem é o seu santo protetor? Algum amigo, telefona para alguém? Acredito e tenho muita fé em Deus. Com disciplina, dedicação, dignidade e fé, todos nós podemos ajudar o mundo a ser um pouco melhor. Qual o anúncio ou campanha que o senhor daria um bilhão para ter sido o criador? Não é um anúncio, mas um produto: o iPad. Trabalho para ver a Publicis transformando comunicação em cases como o iPad, uma agência que crie trabalhos apaixonantes para o consumidor e admirados pela indústria, exatamente como esse produto da Apple. Por isso, acabo de montar um

time de criativos que vão me ajudar a comandar a criação da Publicis Brasil, formado pelos diretores Denis Kakazu, Leo Macias, Kevin Zung, com o suporte do head of art Sidney Araújo. O Ayrton Senna passava madrugadas vendo vídeos de corridas de Fórmula 1 para aprender com erros e acertos, analisando suas performances e dos outros pilotos. O senhor vê muitos vídeos de premiações para ter novas ideias? Não vejo vídeos de premiações. Mas vejo muito o que atrai o consumidor, o que encanta os clientes. Se você analisar com cuidado, percebe que nem sempre o maior sucesso do mundo vai Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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Em campanha para a Swatch, a agência confeccionou pulseiras de acesso no formato dos relógios

Um case de sucesso Com direção criativa de Hugo Rodrigues, campanha para a marca de relógios Swatch conquista o mundo Propagandas para TV, rádio, internet e impressos. Um caminho seguro e tradicional para a divulgação de uma marca. Mas por que não inovar e criar uma maneira diferente de conversar com o consumidor? Foi justamente com esse intuito que, em 2010, a Publicis-Brasil realizou a campanha Wristbands, divulgando a coleção Colorcodes da marca de relógios suíça Swatch. A ideia foi sutil: a agência confeccionou pulseiras de acesso, utilizadas em grandes

eventos e casas noturnas, no formato dos novos relógios da Swatch. Em pouco tempo a marca estava, literalmente, no pulso dos convidados VIPs de festas badaladas, inclusive em um dos camarotes do carnaval do Rio de Janeiro. Celebridades e outros membros do jet set apareceram com a pulseira personalizada na internet, canais de televisão, revistas e jornais. Alguns meses após o início da campanha, a coleção Colorcodes já era a terceira mais

procurada nas lojas da Swatch. Um resultado que coroou a inovação da agência e fez com que Hugo Rodrigues e sua equipe conquistassem o Publicis Lions 2011, na categoria “mídia”. A premiação, realizada anualmente em Paris, reúne os melhores trabalhos de todas as Publicis do mundo. Além disso, a campanha Wristbands tornou-se plataforma mundial da Swatch: as pulseiras estilizadas estarão em todas as festas promovidas pela empresa suíça.

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Campanha para a Colírio Moura Brasil: a agência produziu um aplicativo que elimina os olhos vermelhos das fotos digitais

A humildade de olhar do lado e ver que tem alguém fazendo algo melhor do que você. Essa é a melhor maneira de se reinventar Acima de tudo, o respeito pelo outro, pelo consumidor, pelo produto ou serviço de seu cliente. É como na vida, o bom senso é o melhor censor. Como as novas mídias são utilizadas na publicidade brasileira? É algo ainda incipiente ou o senhor considera que os publicitários já dominam e tiram de letra essas novas linguagens? A tecnologia está mudando todos os dias, permitindo coisas novas também. Muita coisa boa e eficaz tem sido feita somando boas ideias, tecnologia e o alcance das redes sociais. Criamos um aplicativo para o Colírio Moura Brasil que é um exemplo de utilização adequada da mídia digital. Na vida real, o colírio elimina a irritação dos olhos. Fizemos o mesmo no mundo virtual com o aplicativo para Facebook, iPhone e iPad que elimina os olhos vermelhos das fotos digitais. A marca presta um serviço para os usuários que não gostam de exibir suas fotos com olhos vermelhos, tornando-se relevante também no mundo virtual. E a utilização do aplicativo é muito fácil e prática. Esse aplicativo foi eleito entre as melhores ideias para web do Ads of the World (www.adsoftheworld.com). E tenho certeza que esse prêmio veio pela simplicidade e pela eficiência da ideia. Só não podemos entrar no que eu chamo de histeria coletiva: a do “vamos fazer porque todo mundo está fazendo”. A Publicis-Brasil cresceu 47% entre os anos de 2008 e 2009. Quais as estratégias para competir com outras grandes agências? Trabalho, trabalho, trabalho (sem esquecer que as vírgulas são pausas –, copiando o autor dessa frase

e grande publicitário Eugênio Mohallen). Mas, de verdade: eu acredito que a transpiração e a dedicação são as melhores ferramentas para conseguir resultados. E persistência com algum talento. O senhor se vê como protagonista dessa “arrancada” da Publicis? Ninguém faz nada sozinho. A Publicis tem uma das melhores e mais dedicadas equipes do mercado: gente focada e apaixonada que continua trabalhando para garantir resultados ainda melhores. Como foi receber alguns Leões em Cannes, por exemplo, na disputada categoria “automobilística”? O gostinho de sucesso e de quero mais? O prêmio é a parte de ser admirado pela indústria. Claro que é bom. É um reconhecimento. Mas a melhor recompensa é ver os resultados dos clientes superando suas metas. Não há prêmio melhor que esse. E quem me conhece sabe que eu penso e ajo assim: eu não sou artista e nem sou pago para ser premiado, contratam-me para entregar resultados. Se gerar prêmios, melhor ainda. Que conselho o senhor daria a um estudante de publicidade? O que ele deve valorizar mais nesse momento de preparação para o mercado? Com disciplina, você consegue organizar seu tempo e sua vida. Há sete pontos que considero essenciais para essa profissão: 1) Persistência; 2) Flexibilidade; 3) Diferenciação; 4) Rapidez; 5) Reinvenção; 6) Resultado; 7) Humildade Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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O excesso de efeitos especiais não “pasteuriza” as mensagens? Muitas vezes, após assistir a um comercial, o espectador nem sabe dizer ao certo qual foi a mensagem. Como o senhor vê isso? Acho que em tudo é preciso ter cuidado. No excesso inclusive. A tecnologia deve ser usada a favor da mensagem: se os efeitos roubarem a cena, você perdeu a chance de falar com o consumidor. Mas, se forem pertinentes com a mensagem, ponto para a ideia. Falando especificamente sobre as propagandas de varejo, qual o principal critério responsável pela sua remodelagem? Ainda funcionam propagandas com um personagem saltando e gritando ofertas? Eu acredito que toda propaganda tem que vender. Vamos construir marca? Vamos. Vamos fazer algo que toque o consumidor? Vamos. Mas tem que vender. No Brasil, convencionou-se que propaganda de varejo é ter pessoas gritando ofertas, mas nunca acreditei nisso. Em 2004, nós mudamos a forma de fazer varejo e hoje, graças a Deus, tem muita gente fazendo um varejo apaixonante, envolvente e eficaz. Tenho muito orgulho de ter vindo do varejo. Como “entrar” na cabeça do consumidor? Além da pesquisa, o “feeling” é um fator preponderante? Eu diria que a experiência e o conhecimento do negócio do cliente e das necessidades do consumidor. E você só consegue isso se entregando e se apaixonando pela marca ou produto que vai anunciar.

ao encontro do que você gosta ou acredita. E criar com o objetivo de vender ou construir uma marca é abdicar do gosto próprio. O senhor utilizou estratégias de cinema na campanha da GM. Como o cinema e a publicidade dialogam? A publicidade tem que beber de todas as fontes. Tem que falar com o consumidor onde quer que ele esteja e atrair a atenção dele. O cinema sabe fazer isso muito bem. E essa campanha foi muito gratificante, não só pelo processo de passar pela aprovação dos estúdios de Steven Spielberg e Michael Bay, como pelos resultados positivos de vendas. Afinal, é para isso que trabalhamos.

Como se dá hoje a relação com o cliente: ele também é mais exigente, ou sabe confiar e delegar, acreditando no resultado em longo prazo? Ou ele continua querendo “aumento de vendas amanhã”? Nós queremos que ele aumente as vendas hoje, amanhã e depois. Os clientes sabem disso, e temos uma carteira de clientes que são líderes em suas categorias porque confiam na comunicação. Para ter sucesso nesse mercado é preciso contar com a parceria do cliente. Como se reinventar sem cair na repetição? A humildade de olhar do lado e ver que tem alguém fazendo algo melhor do que você. Essa é a melhor maneira de se reinventar. Muitas vezes, propagandas bem-humoradas são consideradas ofensivas e são punidas. Afinal, qual a linha limite entre bom humor e ofensa? Como saber definir esse limite? Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3




TECNOLOGIA

As tentações da

Maçã

Considerada, juntamente com o Google, a empresa mais citada pela mídia especializada, a Apple tem seus motivos para ter se tornado a “queridinha” da imprensa e dos fãs de tecnologia

por Lidia Zuin colaboração: Henrique Koller Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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Fascínio e desejo. Duas palavras que conseguem resumir o sentimento dos consumidores e mídia especializada em relação à marca fundada por Steve Jobs e Stephen Wozniak em 1976. Tornando-se uma empresa de vanguarda no mercado tecnológico, a Apple continua a surpreender

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como negativo o alto preço do aparelho. “As críticas se multiplicaram quando a empresa decidiu reduzir drasticamente o preço, dois meses depois. Nesse caso, Steve Jobs fez uma carta aberta aos consumidores e garantiu a eles um bônus de U$100 a ser gasto na rede da Apple Store”, conta. Mesmo assim, Grego acredita que a Apple tem acertado muito. Ainda com o diagnóstico de um problema com a antena do iPhone 4, o editor indica que as vendas continuaram um sucesso. “Isso prova que a Apple tem outros atrativos e que este foi um problema menor.” Um desses chamarizes, então, seria o marketing que a companhia mantém. Para Daniel dos Santos, editor especial da Macworld Brasil, com o lançamento do iPod, em sequência do iPhone e iPad, os produtos da Apple se tornaram sinônimo de inovação. “A empresa faz questão de alimentar uma estratégia que inclui pouca divulgação antecipada sobre seus produtos. Esse ar de segredo, somado à imagem de criadora de equipamentos inovadores, gera muitos rumores na internet, os quais também se transformam em notícia”, explica.

com as pessoas que valorizam o design, que se veem como modernas e que têm alto poder aquisitivo”, aponta Grego. Como comparação, ele aborda a Nokia: sendo a maior fabricante de celulares do mundo, produz aparelhos mais baratos e para consumidores de todos os países. “A Apple vende apenas para a América do Norte, Europa e Japão. E esse público-alvo, inclusive, também abrange jornalistas, publicitários e gente de marketing”, afirma. O editor-chefe complementa, contando que “Essas pessoas não veem graça nos aparelhos

Apple iPhone 4: objeto de desejo dos consumidores

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Uma pesquisa realizada pelo instituto americano Pew Research, e divulgada em setembro do ano passado, constatava que a Apple e o Google são as duas empresas de maior destaque na cobertura realizada pela imprensa especializada. Segundo os dados desse estudo, aproximadamente 15% das notícias sobre tecnologia são referentes à empresa de Steve Jobs, enquanto 11,4% têm a ver com a corporação por trás do maior sistema de busca do mundo. Para Maurício Grego, editor-chefe da revista Info e autor do blog Estação Windows, há boas razões para a Apple ter tanto espaço na mídia. “Ela simboliza uma época de inovações tecnológicas. Historicamente, outras empresas tiveram o mesmo papel”, diz ele, lembrando-se da década de 70, quando a IBM produzia os primeiros grandes computadores, da mesma forma que a Microsoft foi, nos anos 80 e 90, a grande incentivadora dos computadores pessoais. “O Google veio à tona nos anos 2000, com a bolha da internet, e agora temos a Apple”, afirma. Roberto Tietzmann, professor da Famecos (Faculdade de Comunicação Social da PUC-RS), acredita que a Apple tenha tal destaque por causa do grande investimento da empresa na área de pesquisa e desenvolvimento na criação de novos produtos com diferenciais tecnológicos, estéticos e funcionais. No entanto, o professor de publicidade lembra-se do lançamento do iPhone, quando a imprensa norte-americana apontou

O fascínio da marca Desde os primeiros anos de atuação no mercado, no final da década de 70, a Apple conserva o design de seus produtos como um grande diferencial. Dessa forma, torna-se possível indicar um público-alvo específico para qual a empresa se volta. “Eles estão preocupados

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Para Jean Chican (ao fundo), “a Apple atrai por ter uma imagem moderna”

da Nokia, pois consideram a Apple muito mais sofisticada, uma empresa arrojada”. Para Jean Chican, estudante de publicidade e propaganda e fã da marca de Steve Jobs, os anúncios, o ambiente de uma loja Apple e o site são exemplos de como a empresa cria uma cultura própria. “A Apple me atrai por ter uma imagem moderna, de produtos fáceis de usar, práticos, com tudo que ‘sempre quis’. Eles aliam o melhor do design com performance e praticidade, além de serem inovadores. O iPad, iPod e iTunes revolucionaram o modo de consumir informação e música.” E é assim que se forma uma legião de fãs-consumidores da empresa que tem como ícone a maçã mordida. Tietzmann reconhece que há um grupo de consumidores que prefere escolher os produtos Macintosh

da Apple de maneira consciente quanto aos benefícios e limitações da escolha. Porém, o professor também enxerga que há uma parcela maior que passou a conhecer a empresa desde a difusão do iPod e iPhone. “Para eles, a Apple está posicionada como uma marca destacada, mas acessível”, opina. E em terceiro lugar, o publicitário lista aqueles que consomem os clones da Apple. “São cópias da aparência dos produtos originais, vendidas a um preço baixo, mas que, obviamente, são tecnicamente inferiores em muitos sentidos. É por pegar carona nas inovações de design que vêm da Apple que esses clones se destacam”, indica. Ainda sobre as falsificações, Tietzmann conta que a assistência técnica da Apple recebe várias pessoas que chegam com seus “genéricos” de iPod pedindo conselhos de uso ou

conserto. “A marca permanece forte e sedutora, mesmo para aqueles que não vão consumi-la com os produtos originais”, afirma. Isso justifica as práticas sociais dos fãs-consumidores, nas quais a marca transita entre um modo de vida e assunto de discussão entre usuários de aparelhos da Apple ou não. Tieztmann, no ambiente universitário, observa entre seus alunos as conversas sobre compra de notebooks. “Ao escolher, sempre dão uma olhada para o que o colega está usando e se está funcionando bem ou não. Muitos escolhem Mac por causa desta boa impressão também”, conta. Essa influência da marca na vida dos consumidores é grande justamente por causa da propaganda focada no emocional, no design e no estilo. “É por isso que eles ganham tantos fãs”, considera Grego. Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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“Eu não consigo pensar em outra empresa desse ramo que possua tantos fãs, gente que se anima com os lançamentos e tudo mais. Na Dell, eu não vejo isso, a não ser a linha Alienware, que é voltada para gamers. A Apple acaba seduzindo.” Para Chican, ao fazer qualquer tipo de anúncio, a Apple acaba transmitindo um posicionamento. “O consumidor, por sua vez, absorve tais conceitos. Esses e muitos outros fatores presentes no dia-a-dia do usuário definem se ele pertence ou não à ‘cultura Apple’”, explica.

Relação preço-desempenho

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cional, o Mac OS, que acaba restringindo as possibilidades de software. “A Apple tradicionalmente vem se tornando uma empresa mais fechada”, diz Tietzmann lembrando que a máquina que estabeleceu a empresa no mercado, o computador pessoal Apple II, vendida a partir da década de 1970, era bastante aberta e customizável. Em oposição a ele, o Macintosh de 1984 restringia a expansão de capacidades ao software que era rodado. “A defesa que a empresa dá para esta escolha é que, ao controlar o hardware e o software de seus produtos, eles são capazes de oferecer uma experiência mais rica e interessante aos usuários”, argumenta o professor. Como consumidor, Chican relata a eficiência do sistema operacional: “Não trava e é bem mais simples de usar do que o Windows, além de ser inteligente e ter recursos inéditos”. Para Tietzmann, a tese protecionista é em parte verdadeira, especialmente quando se trata do mercado brasileiro, em que a experiência é incompleta. “Não opera aqui uma iTunes

Além da praticidade, a Apple conquista pelo visual de seus produtos DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO

Pelo fato de a Apple não possuir uma fábrica no Brasil, os produtos da empresa acabam chegando com quase o dobro do preço em dólares vendido nos Estados Unidos – por causa da tributação. “Dessa forma, os aparelhos da Apple se tornam muito mais caros que os de outras marcas, mas com características similares. Um Macbook Pro tem mais ou menos as mesmas especificações de um LG, mas este custa metade do preço”, diz Grego. Contudo, o jornalista da Info considera que os compradores que escolhem produtos da Apple “Pagam pela marca”. “Isso acontece por causa da maneira como ela é comercializada”, garante. Mesmo assim, os altos preços não são uma particularidade da Apple. “Na área dos smartphones, há o caso do Galaxy S da Samsung. Ele possui mais recursos que o iPhone 4, como televisão, mas também é bastante caro”, exemplifica Grego. Isso pode se desdobrar em certo elitismo, no qual os custos elevados regulam o capital simbólico que os aparelhos com a maçã possuem. Com o boato de que o empresário Eike Batista poderia trazer a marca para o Brasil, alguns usuários do Twitter se manifestaram, dizendo que os produtos da

Apple não poderiam se tornar populares, porque iria “Perder a graça”. O estudante de publicidade Chican acredita que a vinda da empresa seria “sensacional”. “Isso desde que os funcionários sejam treinados como são os ‘escravos de Jobs’, em Cupertino, na Califórnia”, opina, acrescentando a preocupação com os preços, que precisariam ser reduzidos sem diminuir a qualidade. Grego, editor da Info, conta que já recebeu reclamações de leitores que pediam matérias sobre produtos mais baratos, mas a equipe acabava dando mais destaque para os melhores aparelhos. “A revista Info possui uma edição especial em que analisamos 109 produtos, indicando tanto os de maior qualidade quanto os mais econômicos. Tentamos equilibrar, mas se um fabricante se destaca, temos de noticiar.” Mais do que destaque, esses aparelhos com mais funções e melhores condições, por consequência, acabam sendo mais caros. Não fosse apenas isso, os computadores Macintosh possuem um sistema opera-

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Store vendendo filmes e música da mesma maneira que as norte-americanas. Aqui é mais complicado para um usuário clicar para comprar uma música ou álbum, já que esta pessoa pode preferir extrair as faixas dos CDs que possui, por exemplo.” Mais do que elitismo, o professor pensa que os altos preços tenham a ver mais com uma circunstância de mercado e de tarifas de importação do que com uma intenção direta da empresa. “É consenso que se uma empresa puder vender mais para mais gente, provavelmente escolherá isto a vender menos para menos consumidores”, aponta.

Os pecados da maçã Por um lado, a Apple se mostra forte na área de marketing, enquanto o atendimento à imprensa, de acordo com Grego, se mantém fechado. “É muito difícil entrevistar alguém da empresa. Eu já entrevistei muita gente da Intel e da Microsoft, mas nunca um diretor da Ap-

ple”, conta o jornalista. Para ele, essa atitude é favorável para a companhia, porque evita que declarações ruins sejam dadas. No entanto, alerta: “Com o tempo, como já está acontecendo, pode ser que comecem a achar que a Apple é uma empresa arrogante”. Já Daniel dos Santos, editor da Macworld, acredita que isso faz parte da atitude de “Manter segredo e gerar rumores” adotada pela companhia, algo que reforça as estratégias de marketing da Apple. “Steve Jobs pegou uma empresa em baixa e transformou em um grande sucesso de vendas, com produtos populares e com vários itens inovadores.” Tietzmann confirma essa “proteção” aos dados da empresa, dando como exemplo o lançamento da linha Macintosh baseada em processadores Intel. “Em seu lançamento, Jobs afirmou que há quase uma década havia testes completos desta tecnologia, uma informação que nunca vazara”, diz o professor. Entretan-

to, ele acredita que a intenção da companhia liderada por Steve Jobs é a de “Controlar o espetáculo de lançamento dos produtos, embora resenhas e análises ruins ou mesmo o protesto de consumidores também sejam ouvidos”. Apesar do fascínio e admiração que a Apple impõe no mercado, Santos explica que a imprensa não se abstém em fazer críticas à empresa, “Pelo menos nos veículos mais sérios e que sabem o que se passa”. Como representante da Macworld Brasil, ele se lembra de reportagens em que denunciaram iMacs sendo vendidos com telas rachadas; pane no relógio do iPhone que fazia com que os usuários perdessem a hora; atualizações de software que deixavam os equipamentos lentos, entre outras. “Apesar desses problemas, a Apple também cria produtos muito bons, capazes de mudar a forma como nos relacionamos com equipamentos como computadores e celulares.”

Amigos e fãs da marca mostram seus gadgets: a Apple é uma das únicas empresas de tecnologia que reúne uma legião de fãs

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Festa muito além do

computador Campus Party 2011 atraiu o público com programação diversificada por Paulo Pacheco

Computadores, jogos e internet de alta velocidade são ingredientes bem conhecidos dos frequentadores da Campus Party. Engana-se, porém, quem imaginava o maior evento de tecnologia do mundo limitado a um galpão repleto de nerds presos às suas máquinas como se fossem órgãos do corpo

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EVENTO

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O encontro aconteceu entre 17 e 23 de janeiro


Variedade de programação e público caracterizaram a quarta edição do encontro hi-tech no Brasil, entre os dias 17 e 23 de janeiro, em São Paulo. A maior inovação da Campus Party 2011 foi permitir novas combinações de endereços IP (Internet Protocol), que indicam o local do computador na rede. “A nova geração da internet ainda não está sendo utilizada nas residências e nem na vida de todos, mas será fundamental, pois a rede entrará em colapso, não poderá mais crescer. É como se fosse a troca do número do telefone: acabaram os números do telefone, acabaram os números da internet. Se não iniciar uma nova geração da internet, não teremos mais expansão”, adverte Mario Teza, diretor-geral da Futura Networks do Brasil, empresa organizadora da Campus Party. Como Teza apontou, a nova geração veio para preencher um provável esgotamento dos endereços IP na versão 4, de 32 bits, ainda utilizada no Brasil. A versão 6, de 128 bits, foi apresentada ao público na Campus Party 2011. “Já estamos aqui na nova geração.

Isso permite conectar carros, geladeira, microondas, o que a gente quiser. A possibilidade é infinita”, ressalta. A organização do evento apostou na diversidade da programação para atrair público. E foi bem-sucedida. Aproximadamente 7 mil pessoas visitaram o Centro de Exposições Imigrantes – há três anos o endereço da Campus Party Brasil –, dividido em quatro grandes zonas: Ciência (que reuniu as áreas de Astronomia e Espaço, Modding e Eletrônica, e Robótica); Criatividade (dividida em Design, Foto e Vídeo, Mídias Sociais e Música); Inovação (Desenvolvimento, Segurança e Redes e Software Livre); e Entretenimento Digital (a área de Games). Para um público acostumado a dividir as atenções entre um site e outro, foi fácil acompanhar palestras como a do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore; do cientista e criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee; e, simultaneamente, aproveitar a internet de 10 GB de velocidade. Para ter uma ideia da rapidez dessa conexão, uma música de 5 MB no formato MP3 pode ser baixada em apenas cinco segundos.

Quem também atraiu a atenção dos fãs de tecnologia foi Steve Wozniak, co-fundador da Apple, responsável por uma das palestras mais descontraídas do evento. Woz, como é conhecido, permitiu que o público subisse ao palco para lhe fazer perguntas. Após a coletiva, autografou seu livro iWoz e os MacBooks, iPhones e iPads dos “campuseiros”, que ficaram por mais de três horas em uma fila que atravessava todo o Centro de Exposições Imigrantes. No meio de tanta inovação, surgiu um espaço para recriar. Na zona de Criatividade, a oficina de gambiologia (mistura de “gambiarra” e “tecnologia”) adicionou novas funções a objetos eletrônicos que antes não passavam de lixo. “A oficina se chama Geek Toy Art. Tentamos incorporar elementos eletrônicos, sucata e transformar em alguma coisa que a pessoa vá levar para casa e colocar na estante como brinquedo”, esclarece o designer de produto Lucas Mafra. Na zona de Ciência, um carrinho montado pelo CMID (Centro Marista de Inclusão Digital) chamou a atenção de quem passava pela área de

Mais de sete mil pessoas foram conferir as novidades da feira


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ternet começa a alcançar um público cada vez maior”, diz o programador Danilo Batista, que acampou pela primeira vez no evento. Mesmo “isolados” em seus computadores, os “campuseiros” conseguiram interagir com outros internautas durante o evento, fazendo novos contatos. “Conhecemos outras pessoas, outras tecnologias, tudo em um espaço que permite conversar cara a cara, não somente pela internet”, comemora Takashi. Também na opinião de Deive Pazos, um dos criadores do blog Jovem Nerd, a passagem do contato virtual para a interação real é um dos méritos da Campus Party. “A maioria do público é de nerds, mas percebo que o pessoal está discutindo mais, fazendo mais negócios, há mais gente interagindo. Por mais que estejam coladas no computador, as pessoas estão conversando, saindo do mundo virtual e vivendo o mundo real”, avalia. O êxito da Campus Party

no Brasil simboliza o próprio avanço da internet entre nós. De acordo com o instituto Ibope, entre outubro de 2009 e outubro de 2010, o número de usuários que acessa a web regularmente cresceu 13,2%, alcançando 41,7 milhões de pessoas. As políticas de redução de preço do computador e da banda larga, que provocaram uma explosão de consumo no país – só em 2010 foram vendidos 13,7 milhões de computadores, 23,5% a mais do que em 2009 –, tornam-se termômetros para medir o sucesso ou o fracasso de eventos voltados à tecnologia. A Campus Party começou na Espanha, em 1997, e atualmente conta com edições em outros seis países. Em julho, os Estados Unidos receberão pela primeira vez o evento, na Califórnia, reduto tecnológico mundial. E, em janeiro de 2012, os brasileiros terão mais uma oportunidade de curtir – pessoalmente ou virtualmente, pelo Facebook – essa grande festa hi-tech.

Steve Wozniak, co-fundador da Apple, “autografa” iPad de fã DIVULGAÇÃO

Robótica. “Ele funciona com um motor de máquina de Xerox, que faz o carro ir para a frente e para trás, e um motor de limpador de para-brisa, que faz dobrar as rodas da frente”, explica o monitor do CMID, Clean Rodrigo Costa. Segundo o estudante, todos os componentes foram doados, inclusive os motores e o laptop que faz as vezes de painel do veículo. “O automóvel funciona com uma bateria de carro de 12 volts e 45 ampères, não polui o meio ambiente, é totalmente reciclado para não prejudicar nada.” Todos os alunos do CMID, que fica na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, participaram da fabricação do carro, que contou com o auxílio de dois professores. O público da Campus Party 2011, aliás, também pode ser caracterizado pela diversidade: havia aqueles que passaram a semana acampados no Centro de Exposições Imigrantes – os chamados “campuseiros” – e os que apenas levaram o computador para aproveitar a conexão de alta velocidade. “A internet tornou-se ferramenta indispensável, pelo menos na minha profissão eu não consigo mais trabalhar sem ela. Acho que cada vez mais a rede entrará no cotidiano das pessoas de um jeito benéfico. Agora mesmo, estava conversando com meu primo que está no Japão. O mundo ficou menor com a internet”, garante o programador Fábio Takashi, que visitou a Campus Party pela segunda vez. Embora a web tenha cada vez mais espaço no dia a dia das pessoas, a acessibilidade poderia ser maior, se não fosse o alto custo dos equipamentos. “Algumas pessoas ainda têm dificuldade de acesso ao computador pelos valores, mas a tendência é melhorar. Inclusive, aqui na Campus Party, há ações de inclusão digital, ações do governo. Vemos que a in-

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PUBLICIDADE

Para desvendar o

Conar Criado durante o regime militar e responsável por regular a propaganda brasileira, o Conselho tenta mostrar o porquê de continuar existindo no século XXI por Tiago Mota Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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PETRUS LEE

O mercado publicitário brasileiro conta, além de muita criatividade e bom humor, com outro elemento que o destaca no cenário mundial. É o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o famoso e muitas vezes polêmico Conar

Para tentar fugir da censura imposta pelos militares, as agências publicitárias criaram o Conar

Responsável pela regulamentação da propaganda desde 1980, o Conselho é apontado como eficiente, por ter construído respeitabilidade e influência no mercado e tornar-se referência internacional. No entanto, poucos são os que conhecem as particularidades do funcionamento desse órgão. Examinando alguns casos, a revista Cásper mostra o Conar em seus bastidores e explica, afinal, o porquê da sua existência.

Uma saída para a censura Antes mesmo do nascimento do Conar, em 1978 foi aprovado por iniciativa das próprias agências o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP). Entre outras coisas, o Código apontava que a publicidade fosse regulada por

Peça publicitária Anjo & Diabo. O Conar pediu a sustação do anúncio por racismo

seu próprio mercado. Surgia, assim, o primeiro passo do que se tornaria anos depois o Conar. Mesmo com o CBARP, o governo militar expressou desejo de impor mecanismos de censura a toda forma de publicidade. Deste modo, assim como já acontecia com a imprensa e a produção cultural em geral, as peças publicitárias deveriam passar por um censor e receber autorização para publicação. Caso a propaganda não estivesse de acordo com as determinações dos militares, teria sua veiculação proibida, acarretando prejuízos às empresas e agências. No entanto, o mercado brasileiro publicitário conseguiu se organizar e apresentar uma solução para evitar a censura ditatorial: a criação de um conselho de autorregulamentação. Foi Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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costuma pedir suspensões das peças irregulares. A demanda, no entanto, não é grande. Para ter uma ideia, o levantamento mais recente do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, o Sindec, divulgou que das 104.000 queixas de consumidores em Procons pelo Brasil, entre setembro de 2008 e agosto de 2009, apenas 1,19% foram relacionadas à publicidade irregular. Entre 2007 e 2008, a quantidade foi menor: 0,86% das queixas.

Da denúncia à sustação

3º Congresso Brasileiro de Propaganda, aprova o CBARP, em 1974

assim que a iniciativa privada, envolvendo anunciantes, agências e veículos de comunicação, criou o Conar. A partir de então, o próprio mercado passou a se regular, pautado pelo CBARP. Embora sempre respeitado e influente, foi apenas em 1990, já com o país num regime democrático, que o Conar se consolidou. Naquele ano, o Código de Defesa do Consumidor foi redigido e passou a ser base para as decisões do Conselho. Nos artigos 36 e 37, o Código determinou que a publicidade deve ser facilmente reconhecida pelo consumidor como tal. Assim, são consideradas abusivas, e, portanto, proibidas “Propagandas enganosas, por falsidade ou omissão, publicidade discriminatória de

qualquer natureza, que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Portanto, o Conar avalia o grau de abuso das propagandas apresentadas a ele. Além de agir de acordo com o interesse público, sustando casos de abusos, o Conselho também age em defesa de seus membros sob o princípio da leal concorrência. Se alguma peça publicitária fere a reputação de uma marca concorrente, como, por exemplo, em casos de propaganda comparativa ou plágio, o Conar

Dividido em sete câmaras julgadoras, o Conselho recebe denúncias de propagandas irregulares e apura se as peças publicitárias ferem ou não seu código. Isso significa que ele não faz análise prévia de anúncios que ainda não estão em veiculação. Após a apuração, muitas denúncias se mostram desnecessárias, uma vez que não violam nenhuma das normas. Porém, quando se observa irregularidade, o órgão aciona o anunciante e a agência responsável pela propaganda para a abertura de um processo administrativo. As denúncias podem ser feitas por agências de publicidade, empresas, consumidores ou inclusive por órgãos estatais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Qualquer pessoa que se sinta prejudicada ou ofendida por uma peça publicitária pode denunciar o anúncio no website do Conar, especificando o anunciante e o produto anunciado. O Conar também é pró-ativo. Dentro do Conselho existe uma equipe que monitora toda publicidade veiculada nos diferentes meios de comunicação. Assim que uma propaganda irregular é localizada, o Conselho entra com uma queixa de ofício, ou seja, ele próprio abre um processo. “Sempre que a Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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A atividade mais próxima de uma punição que o Conselho exerce é uma advertência pública. Estes casos acontecem quando um de seus membros desobedece a essas sugestões, age de maneira diferente da especificada pelo órgão ou demora mais que o necessário para regularizar sua propaganda. Embora raras, essas advertências costumam ser publicadas em meios de comunicação, especificando seus motivos para tal e os dados do advertido. Mas, afinal, se o Conar não tem poder legal para proibir a veiculação de anúncios, o que faz com que ele seja tão respei-

tado no mercado? O professor e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero, Rodney Nascimento, explica que “Todos os membros do Conselho estão interessados em primeiro lugar que seja praticada a ética na profissão. Assim, as agências e empresas acabam acatando as decisões do órgão”. Para Oswaldo Capasso, diretor de operações da agência publicitária JWT Brasil, “Não faria sentido qualquer agência não acatar a decisão de uma entidade criada pelos próprios publicitários para regulamentar e proteger sua atividade”.

Pautado pelo CBARP, a publicidade busca fazer sua própria regulamentação DIVULGAÇÃO

equipe identifica situações que possam configurar desrespeito ao CBARP, uma representação é aberta. A equipe é instruída a acompanhar de perto assuntos mais relevantes, como os de bebidas alcoólicas, proteção à saúde, crianças e adolescentes”, explica Edney Narchi, vice-presidente executivo da entidade. A peça publicitária, quando denunciada, é direcionada ao Conselho de Ética, responsável pela fiscalização, julgamento e deliberação dos casos. Ali, conselheiros julgadores debatem e discutem qual decisão deverá ser tomada. Assim como em um tribunal, mas sem caráter jurídico oficial, o anunciante tem espaço para a defesa e pode recorrer às decisões em segunda ou terceira instância. Depois dessa reunião, que dura em média 20 minutos, o Conselho pode decidir a favor do anunciante, mantendo a propaganda; pedir alterações na peça publicitária; ou sustar sua veiculação, sugerindo a retirada dos meios de comunicação. Além dos conselheiros julgadores, em sua maioria advogados e publicitários indicados pelos membros fundadores do Conselho, o Conar também escolhe profissionais da sociedade civil para participar dessas decisões. Segundo Edney Narchi, “Eles são convidados a partir de uma análise de suas trajetórias profissionais, sendo preferencialmente pessoas que tenham se distinguido no estudo, ensino e defesa das relações de consumo e dos interesses da sociedade”. É importante ressaltar que o Conar não possui qualquer previsão legal, visto que é criação da iniciativa privada. Em outras palavras, possui status de ONG, logo não há por trás dele uma legislação que lhe confira autoridade para suspender ou vetar propagandas. Ele apenas sugere a seus membros alterações ou sustação de peças publicitárias consideradas irregulares.

Sit reped quatius, unt haruptate consequi andis

27 Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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Ama de Leite: o processo contra a peça foi arquivado

Racismo não faz parte do negócio Os casos mais polêmicos e emblemáticos tratados pelo Conar envolveram peças publicitárias da Benneton. Criadas pelo publicitário italiano Oliviero Toscani, os anúncios da empresa sempre visaram chocar pessoas ao redor do mundo. Não foi diferente aqui no Brasil. A responsável pela distribuição do anúncio no país foi a agência publicitária JWT Brasil. Quando procurada pela reportagem para comentar sobre este e outros casos específicos, a agência se recusou a atender. O primeiro processo aberto contra a empresa no Conar ocorreu em 9 de agosto de 1990, antes da criação do CBDC, em setembro daquele ano. O órgão recebeu denúncia contra a propaganda intitulada Ama de Leite, que trazia a imagem de uma afrodescendente amamentando uma criança de pele clara. Segundo a Benneton, essa propaganda fazia parte de uma série de imagens veiculadas pela campanha United Colors of Benneton e visava

abordar preconceitos raciais sem incitar discriminação, mas colocar diferentes etnias em um mesmo patamar. No entanto, as denúncias que chegaram à entidade alegavam que a campanha era racista. Na ocasião, o Conar decidiu a favor do anunciante e manteve o anúncio em veiculação sem alterações. Um ano depois, em 1991, outro anúncio da Benneton se tornou centro das atenções, mais uma vez por denúncia de racismo. A propaganda Anjo e Diabo trazia na mesma imagem duas crianças, uma branca e outra negra. A primeira representava um anjo, com cabelos loiros encaracolados e olhos azuis, enquanto a segunda se assemelhava à figura de um diabo, com cabelos em forma de chifres pontudos. O processo teve início com duas menções de protesto emitidas pelas Câmaras Municipais de São José dos Campos e de São Paulo. A cobrança de medidas cabíveis foi solicitada tanto para o Conar quanto para o Ministério Público, fazendo com o que o caso fosse ampla-

mente coberto pela imprensa da época. Após extensa discussão, o órgão decidiu pela sustação imediata da propaganda. Em recurso de segunda instância, a Benneton questionou o papel do Conar alegando que “Sua função como órgão de regulamentação não é de impor limites à criatividade e à arte publicitária (...), seja porque não é órgão judicante, seja também, e principalmente, porque este tipo de limitação esbarra nas garantias constitucionais do país”, como consta no processo nº. 229-1991. Mesmo em segunda instância, a decisão foi mantida.

Sensual demais Um dos casos mais polêmicos do Conar envolveu o grupo Schincariol e a agência Mood de publicidade graças aos anúncios Devassa nua e crua e Bem Loira, Bem gelada e Bem Devassa. Em 2010, as peças publicitárias estreladas pela socialite americana Paris Hilton foram objeto de denúncia de consumidores, Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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da cervejaria Petrópolis e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. O motivo dos denunciantes: os anúncios abusavam da sensualidade e exploravam um estereótipo feminino vulgar. O filme para TV trazia a herdeira Hilton se insinuando da janela de um prédio para os pedestres que ali passavam. Na mão, Paris segurava uma lata de cerveja Devassa e a passava pelo seu corpo usando um vestido curto preto. Neste caso, o Conar decidiu contra o anunciante, pedindo a sustação dos teasers, alteração para os filmes e peças de mídia impressa e internet e arquivamento (liberação) para os spots de rádio. Inconformada com a decisão em primeira instância, a Schincariol abriu um recurso ordinário, alegando que usos parecidos de estética feminina já foram feitos sem a represália do Conselho. Em sua defesa, a entidade alegou não ter julgado de maneira equivocada e que o uso de sensualidade em anúncios de bebidas alcoólicas sempre foi reprovado por seus conselheiros julgadores. Mais especificamente no caso Devassa, a entidade alega que o anúncio fez da sensualidade sua principal mensagem em vez do produto. A propaganda foi sustada. A decisão causou rebuliço no mercado. Com a polêmica, a marca Devassa foi amplamente difundida, principalmente pelos veículos de imprensa que cobriram o caso. Procuradas pela reportagem para comentar sobre o assunto, tanto a Schincariol quanto a Mood não se pronunciaram. Para Rodney Nascimento, é possível sim que a empresa tenha tirado proveito da situação. “Há um risco calculado. A propaganda da Devassa foi muito bem orquestrada sabendo que, quando estourasse, a propaganda poderia entrar no Conar. Entrou no Conselho, virou polêmica”, explica o professor.

Paris Hilton, estrela da Devassa. Ousada demais, a propaganda foi sustada

Embora anúncios de cerveja explorassem a sensualidade feminina por muito tempo, Nascimento aponta para uma mudança de padrões na atualidade. “A Skol tem campanhas maravilhosas sem recorrer a isso. A própria Schincariol retomou a propaganda com Ivete Sangalo e outras personalidades fazendo a liga entre cerveja e curtição, mas sem mostrar ninguém pelado. Isto porque o público exige um limite de posicionamento das campanhas”, aponta.

Que a justiça seja feita Em 30 anos de história do Conar, somente dez casos tiveram de ser resolvidos pela

Justiça. Trata-se de ocasiões em que os próprios anunciantes entraram com um processo judicial contra o Conselho por terem suas propagandas sustadas. Em todos os casos, a Justiça decidiu a favor do órgão, mantendo sua decisão. Inúmeros podem ser os motivos para uma empresa ir a tribunal contra o Conar. Para Rodney Nascimento, o principal deles é o sentimento de injustiça. “A empresa pode achar que aquilo não fere as normas do mercado, ou que o Conar não tem argumentos necessários para sustar a sua propaganda”, expõe o professor. Mesmo sendo a publicidade brasileira regulada por Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


TIAGO MOTA

ros julgadores não tinha certeza da irregularidade cometida. “A internet está em todos os lugares ao mesmo tempo, em que não está em lugar algum”, resume o advogado.

Terra de ninguém

Para Rodney Nascimento, o Conar busca a ética na publicidade

seu próprio mercado, a Justiça pode decidir em alguns casos de propaganda abusiva. Não o faz porque a imensa parte dos casos costuma ser solucionada no próprio Conar. Por entender que o Conselho de autorregulamentação é eficiente, a Justiça considera intervenções desnecessárias. O caso mais recente que teve de ser solucionado no Judiciário ocorreu em 2009. O site britânico de apostas Sportingbet.com veiculou propagandas no Brasil incentivando o jogo. O Conar abriu processo administrativo por iniciativa própria e decidiu pela sustação deste material com a justificativa da ilegalidade de tal prática no país. Os anunciantes Internet Opportunity Entertainment e Traffic Assessoria e Comunicação argumentaram em sua defesa que não há no Brasil legislação proibitiva quanto à prática de jogos de azar pela internet, permitindo, então, sua atuação e publicidade. Após o Conselho ter mantido sua decisão em recurso ordinário, os anunciantes contestaram a decisão na 27º Vara Civil de São Paulo. Em trechos da decisão, o juiz Frederico Kümpel afirmou que “Se não

existe atualmente expressa legislação federal autorizando a exploração da modalidade de jogo de azar pela autora no Brasil, por óbvio não poderá ser anunciada, no Brasil, tal modalidade de apostas para que os brasileiros pudessem utilizar a internet para jogar”. Logo, a Justiça decidiu concordando com o Conar e proibiu a veiculação. Mas o site continua no ar, porque de fato não há lei que o proíba de existir. Os Drs. Paulo Gomes de Oliveira Filho e Juliana Abruzzio, advogados de defesa respectivamente dos processos administrativo e judiciais, foram procurados pela reportagem. Por possuírem cláusula de confidencialidade em seus contratos, nenhum dos dois declarou sobre o caso. O Dr. Luis Carlos Galvão participou do caso Sportingbet. com e detalha a decisão do Conselho. “O Conar considerou aquilo como uma violação da lei brasileira, embora o site de apostas ficasse no exterior. Foi uma situação controvertida, por não ter sido uma decisão unânime dentro do órgão.” Como se trata de uma empresa que trabalha na internet, Luis conta que parte dos conselhei-

O Conar encontrou o seu desafio do século XXI. Mesmo retirados dos meios de comunicação convencionais, anúncios irregulares são vistos diariamente por milhares de internautas. Só a propaganda vetada Devassa Nua e Crua foi vista por mais de 100.000 pessoas no website de vídeos Youtube. Oswaldo Capasso, diretor de Operações da JWT Brasil, alega que a agência toma as mesmas precauções tanto para filmes exibidos na televisão quanto para os publicados na internet. “Mas a internet é rede colaborativa e comerciais censurados podem ser exibidos inúmeras vezes por qualquer pessoa, independentemente da vontade do anunciante e da agência”, destaca. Para o Dr. Luis Carlos Galvão, “A internet é um lugar vazio, uma lacuna no código. O Conar ainda não sabe lidar bem com isso, mas a Justiça sim”. Isto porque vários casos de vídeos publicados na internet que ofendem alguém ou uma parcela da população foram rastreados e tirados do ar pelo Judiciário. Na regulação da propaganda, porém, nada parecido com isto foi desenvolvido. Por sua parte, o Conselho não mostra iniciativa ou vontade para atuar na mídia digital. Edney Narchi, vice-presidente executivo do órgão, descarta esta possibilidade e afirma: “Espaços editoriais de qualquer natureza estão fora do alcance do Conar e não temos a menor pretensão em controlá-los. A divulgação de anúncios pelo Youtube e outros sites é uma característica própria da internet com a qual temos de conviver”. Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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A ética continua a mesma O contexto em que o Conar está inserido hoje em muito se diferencia ao de sua fundação. Sem mais ditadura militar ou grandes ameaças de controle estatal sob o mercado publicitário, é possível afirmar que as razões de existir do Conselho de Autorregulamentação não são mais as mesmas daquele tempo. “Hoje já não há mais aquela mesma ideologia, mas crescemos na convicção de que a ética tem que imperar”, comenta o professor Rodney Nascimento. No entanto, o Dr. Luis Carlos Galvão discorda. “A busca pela ética da propaganda que originou a criação do Conselho existe até hoje e sempre existirá. Nós, do mercado, estamos convencidos de que o Conar deve ser preservado. Posso dizer que este é um dos melhores órgãos do mundo a exercer este tipo de atividade”, afirma categoricamente. O Conar repudia publicamente toda e qualquer tentativa do Estado em regular a publicidade. Motivo pelo qual critica com tanto vigor as portarias propostas pela Anvisa, que

procuram criar novas sanções para propagandas de alimentos de baixo teor nutricional, principalmente os direcionados a crianças, e bebidas alcóolicas. Edney Narchi explica que “O Conselho segue à risca o preceito constitucional que determina que a regulamentação da publicidade seja matéria privativa do Congresso Nacional. Isto, porém, não impede que participemos rotineiramente de audiências com as autoridades de todos os níveis, inclusive no próprio Congresso, para a discussão de projetos de lei que envolvam publicidade”. Visto o histórico do Conselho, o próprio Estado brasileiro, assim como outras entidades mundo a fora, reconhece seu bom funcionamento e costuma não realizar grandes intervenções no mercado de propaganda. O professor Nascimento resume, afirmando que “A regulamentação pelo Estado é desnecessária. O governo entende que a função é bem feita pelo Conar, logo não faz sentido gastar para mudar algo que já funciona tão bem”.

Membros Fundadores do CONAR ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) ABAP (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) ANER (Associação Nacional de Editores de Revistas) ANJ (Associação Nacional de Jornais) Central do Outdoor.

Entidades Aderentes ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) FENEEC (Federação Nacional de Empresas Exibidoras Cinematográficas) IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau – mídia interativa).

PETRUS LEE

Reunião de conselheiros do Conar decidindo um dos casos

31 Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


CINEMA

Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


O Brasil no cinema, o

cinema no

Brasil

Com competência e muito talento, as produções nacionais vivem uma boa fase depois de um longo período de oscilações por Jaqueline Gutierres e Luana Fagundes


ÇÃO

Por 34 anos, a comédia de Bruno Barreto foi o recorde de bilheteria nacional

Há 34 anos a comédia Dona Flor e seus dois maridos, dirigida por Bruno Barreto, chegou às telonas brasileiras para ser um sucesso. Baseada no livro homônimo de Jorge Amado, a produção foi a então recordista nacional de bilheteria, atraindo 10,6 milhões de espectadores às salas de cinema. Recorde que se manteve de 1976 até o ano passado. A trama conta a história da professora de culinária Dona Flor, personagem interpretada por Sônia Braga, que tenta remediar a morte do marido

boêmio Valdomiro (vivido por José Wilker), casando-se com o recatado farmacêutico Teodoro Madureira (Mauro Mendonça). A falta do antigo companheiro de boas safadezas leva Dona Flor a trazê-lo de volta em espírito, o que a deixa em dúvida sobre o que fazer com os dois maridos. Um salto no tempo nos leva ao ano de 2010 com Tropa de elite 2, do diretor José Padilha, que destronou Dona Flor e bateu o até então recorde nacional de público. A produção chegou com a responsabilidade de fazer jus ao primeiro lon-

ga, Tropa de elite, de 2007. E foi muito além dos 3 milhões alcançados pelo antecessor. O enredo traz à cena o ex-capitão do BOPE do Rio de Janeiro, Nascimento, agora promovido a coronel, vivido por Wagner Moura, diante de novos inimigos: políticos corruptos e milícias que agem nas favelas cariocas. A trama levou 12 milhões de espectadores às telas. Mais de três décadas separam Dona Flor de Tropa de elite 2. O que mudou no cinema brasileiro de lá para cá? Por que filmes tão distintos caíram no gosto do público? De acordo com o cineasta, produtor de TV e professor da Faculdade Cásper Líbero, Ninho Morais, o cinema brasileiro herdou características estéticas e temáticas de outros meios de comunicação. “Dona Flor fez muito sucesso porque utilizou artifícios narrativos radiofônicos e televisivos, tanto que depois virou minissérie. Além disso, nas décadas de 1960 e 1970, as pessoas tinham o hábito de ir ao cinema, era um programa de família”, relata. Se por um lado assistir a um filme deixou de ser motivo para reunir parentes, o vínculo do cinema com a televisão permanece evidente até os dias de hoje. Sobre essa influência, a crítica de cinema da revista Veja, Isabela Boscov, aponta que se trata de um processo natural. “O público se identifi-

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Luzes, câmera, ação! Para filmar um bom longametragem é preciso muito mais que isso: o sucesso de filmes que marcam a história do cinema brasileiro é consequência não só de uma boa produção, mas do senso de oportunidade dos diretores, que sabem falar a língua de seu tempo e retratar cenas de um país que precisa ser visto e vivido


ca quando vê o ator da novela contracenando no filme. Não vejo como poderia ser diferente, pois a teledramaturgia foi um grande unificador nacional. É uma cultura forte, por isso ainda se reproduz numa parte do cinema”, opina. É claro que não basta um pouco de teledramaturgia para realizar um filme bem aceito. Há muitos fatores externos que colaboram para o sucesso de uma produção e um deles é a próspera situação financeira do país. O cineasta e vice-coordenador do curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero, Marco Vale, exemplifica essa evidência relembrando o contexto histórico que o Brasil vivia quando a trama de Bruno Barreto foi exibida. “Períodos de euforia econômica geram sucessos de bilheteria. Com Dona Flor, se vivia o milagre dos militares, época em que o Brasil foi, talvez, o país que mais cresceu no mundo”, comenta. A atual realidade econômica do país também é positiva e Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

conta com o aumento do poder aquisitivo da classe C, o que colaborou com a grande repercussão de Tropa de elite 2. É o que reitera Ninho Morais ao afirmar que “O ingresso é caro, mas as pessoas estão elevando a capacidade de compra”. Deve-se destacar também que o sucesso se deve à competência com que o longa foi produzido. Para Morais, “O filme é um fenômeno porque é magistralmente bem feito. A violência e a corrupção são mostradas de forma bem costurada, com roteiro elaborado e boa trilha sonora”. Outro fator importante para o sucesso do filme de Padilha é apontado por Marco Vale: saber registrar a contemporaneidade de um povo. “O Tropa de elite 2 é o filme certo na hora certa. A economia está aquecida e o filme está entrosado com seu tempo, porque soube captar, como todos as produções de grande sucesso sabem, o momento da sociedade”, pontua. Ainda de acordo com o cineasta, em

Tropa de elite 2, o diretor José Padilha não se detém a repetir a fórmula que funcionou no primeiro longa. “O filme vai além. O Padilha mostrou que tinha muito mais a dizer sobre o assunto”, afirma. Como um dos méritos da produção, o jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e crítico de cinema, Gabriel Carneiro, comenta que “Tropa de Elite 2 é um filme que conseguiu fazer voltar o público popular ao cinema – aquele mesmo que lotava as salas nos anos 1970 e 1980 para ver filmes nacionais, incluindo Dona Flor”. Porém, Carneiro faz uma observação: com o passar do tempo e o aumento da população, o número de salas de cinema diminuiu. “A população em 1975 era de 90 milhões. Hoje, são 185 milhões, o dobro. Em 1975, havia quase 4 mil salas. Hoje, não são nem 3 mil”, conta o jornalista. Nos anos 1970 e 1980, o ingresso do cinema tinha o mesmo preço de uma passagem de

O diretor José Padilha comanda as gravações de Tropa de Elite 2

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Chico Xavier, de 2010, fez com que a temática religiosa ganhasse espaço

ônibus. Atualmente custa em média R$ 20, o que dificulta a frequência das classes C, D e E. Na opinião de Gabriel Carneiro, o aumento de preço é um dos motivos do recorde nacional de bilheteria só ter sido batido em 2010. Além disso, para o crítico, ainda há a pequena distribuição dos filmes nacionais se comparados aos de Hollywood. “No Brasil, os blockbusters conseguem assombrosas bilheterias e os filmes pequenos disputam a tapa algumas poucas salas, torcendo para se manter em seu circuito limitado”, comenta. Carneiro complementa sua crítica afirmando que “50 mil espectadores, para um filme brasileiro, é uma vitória. Isso porque ainda há um preconceito grande com a nossa produção – de quem distribui, de quem exibe e de quem assiste”.

O cinema brasileiro e os outros Algumas marcas registradas das produções brasileiras mostram o que seria a “cara” da nossa ci-

nematografia. Para Ismail Xavier, teórico de cinema brasileiro, no país há duas temáticas que recebem boas respostas do público: a comédia e a violência. Ele explica que isso se repete ao longo do tempo. “Quando se compara Tropa de elite 2 com Dona Flor, não se pode esquecer que no momento em que este fez sucesso, o filme Lúcio Flavio, o passageiro da agonia, do diretor Hector Babenco, também fez”, aponta. “E agora, nós vivemos o mesmo momento: as várias comédias que têm relação com a TV e estão fazendo sucesso e um filme que trata da questão da violência, que é o Tropa 2”, conclui. Além das duas vertentes principais, o ano de 2010 contou com um fator específico: os filmes espíritas, como Chico Xavier e Nosso Lar. Ismail comenta que as produções de cunho religioso conquistaram espaço. “Apareceu um ciclo que fez enorme sucesso. O fator religião tem uma penetração muito maior aqui no Brasil do que as pessoas pensam e esses filmes vieram provar isso”, comenta.

Além da temática que cada produção aborda, para Ninho Morais, há características da cinematografia nacional que são muito ligadas a roteiro e direção. O cineasta afirma que “o cinema brasileiro se habituou a ter o diretor como roteirista” e que essas e outras questões se deram por fatores culturais. “Os cinemas argentino e uruguaio, por exemplo, não tiveram influências radiofônicas como o nosso. Na Argentina, há esse distanciamento entre roteiro e direção”, esclarece o produtor, contando que “Eles têm uma boa indústria, sabem fazer bem, bonito e barato”. Além de se diferenciarem na produção, os cinemas argentino e brasileiro também buscam abordar assuntos distintos. Segundo Gabriel Carneiro, os diretores argentinos dominam um tema que os brasileiros não conseguem: o retrato da classe média. “Parece-me que o cinema argentino consegue levar a classe média do país a ver seus filmes justamente por falar dela, o que não acontece no Brasil”. Uma


Nos anos 60, o cinema brasileiro foi muito melhor que o argentino. Isso depende do momento cultural de cada país Considerando as características singulares de cada produção e a necessidade de valorizá-las, Ninho Morais comenta a atual desordem do cinema mundial. “O cinema perdeu a convicção do que é. O cinema australiano, por exemplo, vinha muito bem, inclusive exportando atores, como Nicole Kidman, Russell Crowe, até que se perdeu, por não conhecer mais o público a que pretendia atingir”, relata.

Sem limites, nem parâmetros Além do trabalho árduo de produção comum a qualquer um que se disponha a realizar um longa-metragem, no Brasil há uma outra questão. O número de películas que estão sendo produzidas é muito grande – são 300 filmes em montagem – comparado à baixa visibilidade que a maioria deles terá nas salas de exibição. O “boom” de produção, para Ninho Morais, se deve a dois fatores: os avanços tecnológicos que aumentaram a qualidade e baratearam a produção audiovisual, e as facilidades da Lei Rouanet, que simplificaram o processo de levar adiante um filme. Segundo ele, a questão é que “Há uma lógica meio perversa. Por ser democrática e permitir que todo mundo faça, permite também que ninguém veja”. Nessa mesma discussão, a crítica à Lei Rouanet é que se, por um lado ela é positiva, ao

Ninho Moraes: “A indústria do audiovisual é uma das que mais cresce no mundo” THIAGO TANJI

característica relevante que diferencia os dois cinemas, na opinião de Ismail Xavier, é a cinefilia argentina ser maior que a nossa. “A Argentina estava em crise econômica e isso não diminuiu a vitalidade enorme de seu cinema. A cultura cinematográfica argentina é vivida com intensidade”, destaca. Para a crítica Isabela Boscov, a Argentina se destaca em termos de qualidade. “É um cinema que tende a ser consistente do ponto de vista criativo e qualitativo. Eles têm um domínio de narrativa que nem sempre é encontrado no Brasil”. De acordo com Boscov, enquanto a vocação narrativa brasileira é a comédia, o ponto ao qual tende o cinema argentino é o drama. “Um drama elaborado, equacionado narrativamente. Os diretores têm uma autoridade mais eficaz da narrativa cinematográfica se comparados aos produtores brasileiros”, reforça. A qualidade da dramaturgia da vida urbana produzida na Argentina também é reconhecida por Ismail Xavier, “São filmes capazes de dialogar com plateias do mundo inteiro. Não há dúvida de que tenha uma capacidade maior do que o cinema brasileiro”. Xavier enfatiza que a boa recepção dos filmes argentinos no exterior é um fenômeno oscilante, que acontece com produções de todo o mundo. “Nos anos 1960, o cinema brasileiro foi muito melhor do que o argentino. Isso depende do momento cultural”, conta.

incentivar a produção nacional, por outro é pouco rígida e não cobra os resultados de quem se beneficia dela. Para Ninho Morais, o debate é longo e está longe de ter um fim, mas não se pode ignorar que o incentivo “Alimenta uma indústria, o que é fundamental. A indústria do audiovisual é uma das que mais cresce no mundo, até porque tudo hoje é audiovisual”, argumenta. Já Marco Vale comenta que a criação da Lei foi uma manobra muito esperta. “Ela faz com que o governo não dê o dinheiro, se adaptando muito bem ao momento neoliberal”, explica. A existência desta lei, no entanto, possibilitou que o cinema brasileiro saísse da crise em que se encontrava depois do fechamento da estatal Embrafilme, nos tempos de Fernando Collor, e que reconquistasse seu espaço. Porém, ela tem suas falhas. Marco Vale aponta uma, “Com a Lei de Incentivo você passa a decisão do que é produzido para o departamento de marketing das

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O Segredo de Seus Olhos. Para os críticos, o cinema argentino usa uma linguagem universal

empresas. Então, muitos projetos aprovados não conseguem patrocinador, pois não se quer a empresa vinculada ao tema”. Há ainda outros problemas que surgem com a Lei de Incentivo. Isabela Boscov acredita que quase não há quem fique à margem dela, o que mostra seu uso indiscriminado. “A Lei contribui muito mais do que deveria”, comenta, emendando que “Os grandes precisam de muito dinheiro e os pequenos estão pedindo pouco. Além disso, as empresas quase nunca concentram as verbas em uma só produção.” Outro ponto, além verbas destinadas à produção, é a desigualdade entre os setores – produção, distribuição e exibição – que a Lei deveria atender. Na opinião de Ismail Xavier, “Há muito mais dinheiro para a produção do que para distribuição e exibição. Com verbas incentivadas, são poucos que se

preocupam se seu filme será visto – o que é uma pena”. O crítico ainda comenta a responsabilidade social que vem junto com a Lei, “Acho ainda mais preocupante o governo e o povo não se mexerem, pois, afinal, é verba pública, vinda de impostos”. Ademais de uma maior cobrança pela população e pelo governo, para Marco Vale o mais importante é discutir quem, de fato, está decidindo o que é produzido no Brasil. “O ideal mesmo é que se tenha incentivo à diversidade, a vozes dissonantes, ao contraditório, à busca de propostas e olhares diferentes e não a um discurso hegemônico”, opina.

A cara do Brasil A imagem do Brasil lá fora, formada pelo que a maioria da população vê nos filmes – e não pelo que chega aos festivais ou aos olhos dos cinéfilos – é um estereótipo criado com base

nos grandes sucessos como Cidade de Deus, Carandiru e Central do Brasil. Isso não é uma característica apenas do cinema brasileiro, acontece em todo o mundo. Um bom exemplo desse fenômeno são os Estados Unidos, exportados por Hollywood de tantas maneiras diferentes, que até parecem familiares para os espectadores de outras regiões do planeta. Segundo Ismail Xavier, pela variedade de filmes produzidos, há a ilusão de se conhecer várias realidades diferentes daquele lugar. “No caso de um país cujo cinema exporta menos, se tem menos chances de mostrar aspectos variados, se você tivesse 50 filmes brasileiros exportados por ano como Hollywood tem, você teria a diversidade”, afirma. A pequena exportação de filmes que o Brasil faz acaba criando sua imagem ao mesmo tempo em que autoriza os cineastas dessas produções serem os únicos grandes nomes


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Com Central do Brasil, o cinema brasileiro voltou a ser uma vitrine para os estrangeiros

o pesquisador, existe também uma questão que não se pode ignorar: “A contundência do tempo mostra que, em geral, quando um filme trata de violência é porque há algum problema social que está incomodando”. A questão da violência não é novidade no país e, segundo Marco Vale, é relacionada a um problema social que ainda não foi superado: a miséria. “O legado do cinema novo continua atual: a temática sobre a miséria. Mudou-se a forma de abordar, mas continua-se abordando”, comenta. “O dia em que os cineastas e o público brasileiro passarem a não precisar ter tanta urgência em abordar esses temas pode ser que a coisa no país esteja melhor.” Apesar dos percalços, Marco Vale se diz confiante no futuro de nossa dramaturgia. “Sou muito otimista com relação ao nosso cinema, acho que ele tem uma diversidade que não tinha há um tempo.”

PETRUS LEE

no exterior. Para a historiadora e professora da Faculdade Cásper Líbero, Mônica Campo, a “cara” do cinema brasileiro acaba ganhando um quê de estrangeira devido à “Produção de filmes com uma linguagem comum internacional”. “Alguns cineastas são percebidos como internacionais, como é o caso do Fernando Meirelles, Walter Sales, José Padilha. Eles dão um caráter específico para a cinematografia e marcam um tipo de leitura do que se deve ser um filme feito no Brasil”, opina a professora. Já o que acontece dentro do país com relação aos filmes de violência, é uma maneira de o cidadão conhecer e confirmar algo que ele acredita ser verdade. Na opinião de Ismail Xavier, “O povo reconhece no filme aquilo que ele tem como visão do processo; ou o modo como o filme traz aquilo que ele não sabe o convence de que seja o que acontece de verdade”. Para

O teórico do cinema brasileiro Ismail Xavier

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JORNALISMO

mundo do

Fashion news

Ganhando cada vez mais destaque no país e quebrando preconceitos, os jornalistas especializados em moda mostram que seu dia a dia vai muito além do luxo e glamour

por Louise Solla Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


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Salto alto, maquiagem e roupas extravagantes. Para muitas pessoas, é dessa maneira que se resume o mundo do jornalismo de moda

N

o entanto, repórteres, editores e fotógrafos das grandes revistas e sites dedicados ao assunto sabem que o seu trabalho é muito mais complexo do que simplesmente comentar as últimas tendências do verão. A moda vem ganhando cada vez mais destaque nas últimas décadas. Não é para menos: além de se apresentar como uma vertente cultural e artística contemporânea, a indústria da confecção também se transformou em significativa fonte de lucros. No ano de 2010, segundo dados da Abit (Associação Brasileira de Indústria Têxtil e Confecção), a produção têxtil brasileira gerou 1,7 milhão de empregos e uma receita de 52 bilhões de dólares, produzindo cerca de 5,6 bilhões de peças de vestuário. Apenas em São Paulo, o setor foi responsável por 15,7 bilhões de dólares e mais de 550 mil empregos. O desenvolvimento comercial da confecção no Brasil teve início na segunda metade do século XX, quando diversas indústrias têxteis estrangeiras desembarcaram no país e passaram a investir na produção nacional. Isso abriu espaço para que a imprensa relacionada com esse segmento também se desenvolvesse, e permitiu que diversas publicações entrassem no mercado, como as revistas Claudia, Manequim, Desfile, Noticiário da Moda e Moda Brasil. O editor de cultura da revista Veja, Mario Mendes, um dos protagonistas desse processo de consolidação do jornalismo de moda no Brasil, explica que, mesmo na década de 70, a Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

moda era pouco discutida, pois era considerado fútil escrever sobre o assunto. “Quando comecei no jornalismo, em 1978, não se falava em cobertura de moda por aqui. Vivíamos em uma ditadura e a tradição de esquerda da imprensa não via esse tipo de coisa com bons olhos. Afinal, ‘pessoas estão sendo torturadas nos porões da ditadura’, diziam.” Deborah Bresser, editora da seção de moda do portal de notícias IG, também acompanhou esse crescimento. Segundo ela, foi um curso de jornalismo de moda organizado pelo setor têxtil da indústria química francesa Rhodia que a fez descobrir as possibilidades de cobrir esse segmento. “Na década de 80 não se falava de jornalismo de moda. Era uma coisa incipiente e eu peguei o fortalecimento dessa área. Foi esse curso que me possibilitou ver as possibilidades da área”, se recorda. Hoje o cenário é diferente. O jornalismo de moda tornouse uma editoria valorizada e bastante disputada por profissionais. A jornalista Vivian Whiteman, que mantém um blog de moda no site da Folha de S.Paulo e edita a revista Serafina, suplemento mensal do jornal, confessa que não foi fácil se estabelecer como jornalista de moda. “Comecei fazendo outras coisas, sempre puxando para cultura, uma área que sempre gostei, mostrando a influência da moda. Esse mercado é ainda restrito, é difícil entrar logo de cara”, afirma. A restrição do campo de atuação é um problema enfrentado por diversos profissionais que acabam de sair da facul-

dade e desejam escrever sobre moda. Glauco Sabino, formado em jornalismo pela Cásper Líbero, roteirista do programa de televisão GNT Fashion e blogueiro do portal IG, concorda: “É muita gente para pouca vaga. Foi difícil entrar nesse meio, começar a me inserir. É um clubinho fechado, mas não é uma coisa impossível”.

Palpiteiros x jornalistas Para conseguir tornar-se um jornalista de moda, o importante é ter não apenas um grande conhecimento do assunto, mas também o entendimento e domínio das práticas do jornalismo, algo que nem sempre acontece com os formandos de moda. “Hoje em dia a gente percebe que a formação das faculdades de moda gera muitos palpiteiros sobre o assunto. Dar palpite é fácil. O jornalismo tem determinados princípios que não estão sendo observados por muita gente”, reclama Deborah Bresser. “Conheço muito jornalista bom que não fez graduação específica em comunicação, mas o curso dá os instrumentos para realizar um jornalismo correto”, pondera Glauco Sabino, que, além do curso de diploma da Cásper Líbero, tem no currículo cursos de história e produção de moda realizados na Central Saint Martins College of Art & Design de Londres. Miti Shitara, professora de História da Moda da Faculdade Santa Marcelina, afirma que estudantes de moda estão cada vez mais interessados em se tornar jornalistas, especialmente após a queda da obrigatoriedade do diploma.

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Em 2010, a produção têxtil brasileira gerou uma receita de 52 bilhões de dólares

“Os estudantes de moda representam uma concorrência para os jornalistas, e estão sendo contratados, já que não se exige mais o diploma”. No entanto, ela afirma que os aspirantes a jornalistas de moda devem estudar ambas as áreas. “Ambas as formações são necessárias, jornalismo e moda. Quando alunos meus apresentam interesse no assunto, eu encaminho para cursos de pós-graduação em jornalismo.” Deborah concorda que apenas a formação de moda não é suficiente para a profissão e conta que prioriza can-

didatos que tenham um curso de jornalismo em sua redação. “Muitas vezes, só a formação de moda não é suficiente para que a pessoa exerça o jornalismo. Prefiro ter um jornalista na redação a um consultor de moda”, admite. Como forma de atender às exigências do mercado, o jornalista e também ex-casperiano Hermano Silva cursou História da Moda na University of the Arts, em Londres, e atualmente estuda fotografia em Berlim. “Acho que o curso de jornalismo é ainda muito genérico, tentando abarcar um

universo de informações sem deixar a escolha para o aluno fazer as matérias que lhe interessam. Quando os alunos se formam, vejo que ainda há um déficit enorme em termos de bagagem cultural para a área que pretendem seguir, independentemente de qual seja, esportes, economia ou moda”, afirma Hermano. Devido a essa procura, diversas instituições, como as escolas São Paulo e Panamericana e a EmModa, oferecem cursos voltados para o jornalismo de moda. “Não acho que seja necessário uma graduação


Embora o jornalismo de moda seja visto muitas vezes como glamouroso, cheio de eventos

Glauco Sabino: “A cobertura de moda no exterior é mais profissional que a brasileira” ACERVO PESSOAL

Trabalho sem champagne

LOUISE SOLLA

FOTO DE MELISSA SZYMANSKI

em moda. O importante é ir atrás das informações, livros, ser autodidata. Para quem quer, não faltam fontes”, afirma Vivian Whiteman, que, além da formação de jornalista pela Cásper Líbero, fez dois anos de curso de moda na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), mas foi obrigada a interrompê-lo devido ao acúmulo de trabalho na redação.

e festas badaladas, o dia a dia na redação é semelhante ao de qualquer outro campo jornalístico. Segundo Deborah, “Não tem champagne todo dia na redação. As pessoas trabalham normalmente, vão apurar, porta a porta, exatamente como em qualquer outro segmento do jornalismo”. Essa “glamourização” também não existe para Mario Mendes. “Escrever sobre moda é o mesmo que falar sobre qualquer outro tema relacionado com a cultura. Nunca fiz essa separação”, conta. Ele ainda ressalta que a mistificação que gira em torno da moda é algo novo e infundado. “Só de uns tempos para cá surgiu essa febre de jornalismo de moda, quase como se estivéssemos falando de algo hermético e importantíssimo, sobre o qual poucos têm entendimento. Jornalismo é jornalismo, cobrindo um crime ou um desfile”, esclarece. No entanto, ainda existe uma grande separação entre o jornalismo de moda e outras manifestações do jornalismo cultural, devido ao preconceito de muitos profissionais contra o assunto. “Senti certo preconceito até mesmo na faculdade, como se o jornalismo de moda fosse um jornalismo menor”, lamenta Glauco. “A moda cresceu de tal maneira que se alguém ainda acha que ela é só futilidade, é um desinformado”, sustenta Vivian. De acordo com a jornalista, esse preconceito é parcialmente produto do trabalho realizado por alguns dos próprios profissionais da área da moda, que nem sempre tratam o assunto com a seriedade que ele merece. “Existem jornalistas que realmente analisam um filme, pesquisam sobre o trabalho do diretor, por exemplo, e os que apenas fazem o resumo pedido. A mesma coisa acontece com o jornalismo de moda. Tudo depende de quanto esfor-

Para Deborah Bresser, “O jornalista de moda apura de porta em porta como em qualquer redação”


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Com a chegada de novas grifes, o Brasil ganha destaque na moda

ço e empenho você vai colocar na cobertura”, argumenta. Outro preconceito comum é o de que os jornalistas especializados em moda investem grande parte do seu tempo e dinheiro em looks extravagantes. “Me visto com que gosto e com o que cabe no meu orçamento”, simplifica Mario. Já Vivian admite que existem jornalistas bastante preocupados com a aparência, mas que isso não é tão importante quanto produzir um bom texto. “Tem quem ache que deve estar sempre vestindo a última tendência. Como tem que escrever sobre moda, precisa mostrar que está por dentro, mas é uma opção. Alguns se vestem desse jeito, seguindo à risca os ditames da moda, mas escrevendo não chegam aos pés disso. No fundo, acho uma besteira”, confessa. Deborah reforça a opinião de Vivian e afirma que, embora

existam jornalistas que investem no visual, isso não é sinônimo de bom profissional. “Existem as figuras glamourosas, mas, no dia a dia, tem de trabalhar. Tem os que trabalham e os que passeiam”, afirma. Já Erika Palomino, editora do Moda, caderno da Folha de S.Paulo, e autora do site com seu nome no portal IG, admite que existe, sim, um pouco de luxo na profissão, mas que nem por isso o trabalho é fácil. “Existe glamour. Mas não é só isso. A imagem de glamour acaba dominando uma vida de muita ralação.” Glauco também acredita que o glamour faça parte do universo da moda, e que acaba influenciando na maneira com que os jornalistas se vestem. Mas ressalta que, mesmo existindo profissionais que levam isso muito a sério, a extravagância acontece nos grandes eventos e desfiles, não no cotidiano. “Quando vou a

um evento onde sei que encontrarei as pessoas da indústria, tenho uma preocupação maior. Não é se exibir, mas é importante passar credibilidade. Mas jornalistas sérios também têm seus bad hair days”, brinca. Erika concorda: a preocupação com o visual faz parte da vida profissional. E garante que, mesmo trabalhando com moda, não ocupa todo o seu tempo pensando em tendências. “Me preocupo com o que visto somente em ocasiões profissionais. Trabalho com a moda, mas não sou escrava da moda, não penso nela todos os minutos de meu dia, nem sou uma consumista louca. Existem coisas bem mais importantes nesse mundo do que roupas”, esclarece.

Um “baby” promissor Vivian Whiteman lembra também que não existe espaço e


Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

lizada. “O amadurecimento é do mercado como um todo. Da moda, e também do jornalismo”, comenta Glauco. E assim como ele, Vivian se mostra otimista em relação ao futuro do jornalismo de moda no país. “O Brasil está num bom momento, várias grifes estão se instalando aqui, as criações de nossos estilistas fazem sucesso lá fora, mas ainda é algo recente. Mais a moda se desenvolve, mais a imprensa ganha espaço, e é o que está acontecendo.” Embora durante muito tem-

po fosse considerada apenas futilidade e “perfumaria”, a moda e profissões relacionadas com ela ganharam espaço e atenção nas últimas décadas, não apenas pelo poder econômico dessa indústria, responsável por cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto), mas também pelas possibilidades artísticas e midiáticas que apresenta. Estabelecendo-se cada vez mais como uma vertente cultural e forma de comunicação, o trabalho na área ainda mostra potencial de expansão em nosso país. Afinal, o Brasil está na moda.

São Paulo Fashion Week: a consolidaçao da cobertura de moda DIVULGAÇÃO

estrutura para tanta produção como ocorre no exterior, pois no Brasil não há tanto investimento na cobertura de moda. Assim, a ostentação das grandes revistas e profissionais das editorias de outros países, como Estados Unidos, França ou Itália, não existe por aqui, onde tudo é mais modesto. “No Brasil não existe essa besteira, nem tem espaço para isso”, explica. Segundo Glauco, o próprio jornalismo realizado no Brasil ainda não alcançou a qualidade do existente no exterior. “O jornalismo de moda no exterior é mais profissional do que o brasileiro. Tem mais investimento, mais estrutura”, afirma. Ele acredita também que isso está relacionado com o fato de que a própria moda ainda é algo novo por aqui. “O Brasil começou a se profissionalizar com a criação do SPFW (São Paulo Fashion Week), que completa 15 anos agora. Então a moda no Brasil é ainda um baby, está caminhando”, esclarece. Erika também acredita que ainda falta espaço aqui. “Nosso jornalismo de moda poderia se desenvolver mais se tivéssemos mais veículos. Novos nomes e títulos precisam ainda aparecer e se firmar com o respaldo do mercado.” Ela também entende que esses novos jornalistas poderiam ir para as redações dos grandes jornais diários, que ainda investem pouco em cobertura de moda. “Os grandes jornais não tem críticos importantes (de moda), o que é uma pena, pois eles poderiam fazer críticas independentes, protegidos pela natureza da própria mídia impressa diária”, lamenta Érika. Mesmo assim, o Brasil vem ganhando mais atenção no panorama internacional. Diversas marcas e indústrias abriram filiais no país, o que deve ter reflexos no crescimento da imprensa especia-

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FOTO DE MELISSA SZYMANSKI

A fotografia é essencial na cobertura de moda

Essencialmente

imagem

Personagens importantes da cobertura de moda, fotógrafos comentam sobre seu trabalho por Louise Solla Nenhuma revista, site ou jornal é feito apenas com textos. Os fotógrafos são figuras fundamentais na hora de narrar os fatos. E como o jornalismo de moda, com a popularização da profissão e desenvolvimento da área, seu papel se torna ainda mais relevante. O fotógrafo italiano Danilo Russo, que já clicou editoriais para as “bíblias” especializadas ao redor do mundo, como Vogue, Harper´s Bazaar, Elle e Marie Claire, defende que a fo-

tografia de moda não é menos jornalística do que outras imagens de fotojornalismo. “Existe um certo preconceito contra o jornalismo de moda, mas eu comunico tanto quanto os fotojornalistas, apenas uso linguagens ou sentidos diferentes. Não é uma fotografia menor, é apenas outro assunto. O fotojornalismo trata da atualidade em geral. A fotografia de moda trata do costume, de comportamento”, esclarece. Ele também explica que,

embora não seja uma forma de fotografia artística, a fotografia de moda dialoga constantemente com outras formas de expressão. “A fotografia de moda tem uma história própria desde sua origem, no começo do século 20. Como um registro fotográfico de uma época, ela se inspira em diversas áreas, como cinema ou arte.” Atualmente, Danilo trabalha também como professor em sua própria escola, o Instituto Internacional de Fotografia. A


Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

No set, além do fotógrafo e da produtora, sempre existe uma equipe de apoio, formada por maquiadores, cabeleireiros e outros profissionais que contribuem para o bom resultado. Segundo Danilo, uma boa imagem não é apenas mérito de quem está atrás das câmeras, mas de toda a equipe. “Não é só o fotógrafo que cria uma imagem, nem só a produtora, nem só a modelo. É a equipe. Se a luz ou a maquiagem ou qualquer outro elemento está errado, tudo sai errado. No dia da realização do ensaio, todo mundo tem que estar muito aliado, pensando da mesma forma.” “Esse negócio de fotógrafo trabalhar isolado é uma balela, tem sempre uma equipe envolvida. É o conjunto que faz sair uma foto boa, não apenas um elemento isolado. Todos os envolvidos têm que entender da imagem que vai ser realizada”, reforça Melissa. No entanto, Danilo lembra que nem sempre é fácil fazer parte dessas equipes. Assim como o jornalismo de moda, a

fotografia também ainda é um mercado restrito. “É um ambiente muito pequeno. Muitas pessoas vêem esse meio como ‘cheio de panelinhas’, mas isso é networking. Um fotógrafo tem que trabalhar com pessoas que tenham o mesmo estilo dele, a personalidade parecida. Senão, cada um puxa para uma direção diferente e não sai um produto legal.” Segundo o fotógrafo, embora seja um mercado pequeno, a fotografia de moda está em expansão no Brasil. Além de atrair novos fotógrafos, também está ganhando reconhecimento internacional. “A fotografia de moda ainda não é tão reconhecida lá fora, mas isso está mudando e o mercado está crescendo. O olhar brasileiro, além de estar sendo apurado, está sendo reconhecido no mundo”, explica Danilo. Tão importante quanto os textos, a fotografia de moda cresce no Brasil juntamente com as publicações, pois afinal, como afirma a jornalista Deborah Bresser, “Moda é essencialmente imagem”.

Melissa Szymanski acredita que a fotografia de moda pode ser mais autoral ACERVO PESSOAL

maioria dos cursos é voltada para a fotografia de moda. Melissa Szymanski, que trabalhou na revista de moda italiana Moda Pelle e atualmente dá cursos de fotografia de moda na Escola São Paulo, na Faculdade Santa Marcelina e no Instituto Europeu de Design, acredita que é na fotografia de moda que existe maior liberdade estilística. “Na fotografia de moda você pode ir mais longe em termos criativos. Uma revista sempre impõe uma linguagem própria, mas no fotojornalismo, por exemplo, existem limites maiores, você tem de mostrar as coisas in natura.” Ela também lembra que, embora exista essa liberdade em algumas publicações, essa não é a moeda corrente da mídia brasileira: “Ainda falta espaço para os fotógrafos buscarem uma linguagem mais autoral”, lamenta Melissa. Danilo considera que, embora as revista ainda concedam bom espaço criativo para os fotógrafos, isso está mudando devido à forte influência do fator comercial nas redações. “O mercado está mudando muito. No passado, os editoriais de moda das revistas eram mais criativos do que as campanhas publicitárias, mas atualmente, devido às crises e corte de custos, além de um controle maior do setor comercial sobre as redações, elas estão mais contidas, investindo menos em editoriais”, diz. O controle da execução de um editorial de moda é realizado pelos produtores da redação, que além de escolher os fotógrafos, acompanham o processo criativo e as sessões de fotos. “Primeiro, existe uma exigência jornalística, uma mensagem que a redação quer passar. Depois, a redação escolhe um colaborador que tenha afinidade com esse tema. A partir daí, a produtora de moda mantém contato direto com o fotógrafo”, explica Danilo.

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PERFIL

Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


outro

Para entender o

Formada quando a profissão era quase desconhecida, Meire Fidelis viu a área de Relações Públicas crescer e sua função no Grupo Abril ganhar importância por Jaqueline Gutierres imagens Petrus Lee

De fala clara e bem articulada, típica de quem está acostumada a se comunicar com o público, Meire Fidelis é a diretora de Relações Corporativas do Grupo Abril, onde construiu uma carreira de mais de duas décadas Com 50 anos completos e um cargo de chefia, não foram poucas as situações em que os funcionários da Abril a ouviram falar sobre inovação. Dessa vez, porém, o assunto da conversa foi outro: contar o passado, relembrar como ela chegou onde está. Um sorriso acompanhou toda a entrevista. Meire se divertia com o exercício de recordar os tempos de faculdade e seus olhos brilhavam quando comentava sobre os dois filhos e sobre a profissão, que exerce há 26 anos. Graduada em Relações Públicas pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM), é apaixonada pela carreira. “Não me vejo fazendo qualquer outra coisa na vida”, enfatiza.

Escolha inovadora Quando Meire decidiu cursar Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

Relações Públicas, em 1980, poucas pessoas sabiam do que se tratava ou qual a função deste profissional. Alguns achavam que o curso era destinado apenas à produção de eventos; outros, ainda menos informados, não sabiam ao menos completar o nome da graduação. “Me perguntavam: ‘o que você faz, relações?’”, relembra. Em sua família a reação também não era muito diferente. Seus pais, favoráveis a carreiras mais tradicionais, sugeriam outros cursos. “Eu ouvia perguntas do tipo: ‘Por que não escolhe Medicina? Por que você não faz Direito?’”, recorda. Deixando de lado a resistência da família, Meire escolheu o curso com que mais se identificou. Confessa que não fez uma análise aprofundada para saber o que estudaria nas aulas ou com o que poderia trabalhar depois, mas afirma que

tinha uma convicção: “Queria viver com gente, não com objetos”. Ela diz que acertou quando optou por Relações Públicas: “A profissão trata, entre outras coisas, do modo de entender as pessoas e de se colocar no lugar do outro, e isso me encanta”, explica. Do aprendizado da faculdade, a RP – como se apelidam os profissionais da área – se lembra de professores bem preparados, que exploravam o senso crítico dos alunos, e dos programas de estágio de que participava. Ela considerava importante aprender na prática antes de entrar no mercado de trabalho. Em suas palavras, “Tudo o que surgia eu fazia”, mesmo quando os salários eram baixos e as tarefas pouco

˜Queria viver com gente, não com objetos˜, afirma

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Para Meire, “as grandes chances irão passar na vida de todos”

elaboradas. O esforço deu resultado e, no último semestre do curso, Meire se candidatou a uma vaga na Editora Abril, onde trabalha até hoje.

Saber ouvir o outro O dia do processo seletivo para a vaga de RP na Editora foi marcante. O exercício proposto era um estudo de caso sobre o qual os candidatos deveriam tomar algumas decisões e depois justificá-las. Meire estava rouca e gripada, por isso evitou falar muito; fez sua colocação quase no final da dinâmica e selecionou o que achava realmente importante para ser dito. Ela acredita que o fato de ter sido concisa, levantando um argumento relevante, ajudou em sua seleção e lhe ensinou algo para a vida toda. “A forma como eu entrei

me mostrou a importância de ouvir o outro, imaginar o que é significativo para ele naquela situação e descobrir como se pode colaborar”, conta. Desde que foi contratada para um cargo júnior na Abril, acompanhou duas evoluções: a da empresa e a dela própria. Afinal de contas, com o passar dos anos, tornou-se diretora de Relações Corporativas, cargo que abrange a produção de todos os materiais institucionais, o cuidado com a imagem da companhia, o relacionamento com a imprensa e o projeto de sustentabilidade do Grupo. Cada um dos campos implica compromissos diferentes, por isso Meire não tem uma rotina de trabalho rígida. Na Abril os horários não são fixos, o que colabora com a agenda da RP. Entre seus encargos, reuniões dentro do departamento

de Relações Corporativas, encontros com outros setores e unidades da empresa, além de almoços com o público externo são as principais tarefas. Para assumir tanta responsabilidade, Meire precisou ir além da faculdade. Fez um curso de pós-graduação em Marketing na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e depois, um MBA em Finanças, Comunicação e Relações com Investidores na Universidade de São Paulo (USP). Além desses cursos, ela afirma que teve muita determinação: “O que tento aplicar na minha vida é: busque excelência no que faz, assim o reconhecimento virá”.

Os projetos para o futuro Conciliar a rotina corrida de quem ocupa um alto cargo com uma boa vivência em fa-


mília é um desafio. Na opinião de Meire, para uma mulher é ainda mais difícil. “Mesmo sabendo que ter sempre um bom desempenho como esposa, como mãe e como profissional é humanamente impossível, nós nos culpamos.” No tempo livre, a RP procura estar junto da família, o marido e o casal de filhos. O importante para ela é assumir totalmente o papel que cada momento pede. “Quando meu filho está doente, eu cuido até ele melhorar e depois vou para o trabalho. Do mesmo jeito, quando estou na empresa, penso: meu papel agora é profissional.” A palavra mais importante para Meire é equilíbrio, “Nem muito a vida pessoal, nem muito a profissional”. Quando começou a trabalhar, não era casada e não tinha filhos. Hoje, com muitos papéis a administrar, se doutrina: “Olho para o espelho e faço a seguinte pergunta: ‘preciso? quero? Sim, então vou aprender a lidar com essas funções diferentes que terei ao longo da vida’”. Nos momentos difíceis ela se mantém firme: “Se for preciso, volto lá para frente do espelho e falo para mim mesma: ‘lembra quando você disse que precisava e que queria? então, fique bem e faça as coisas ficarem em equilíbrio’”. E os próximos papéis que pretende assumir? Depois de se aposentar, quer ter mais tempo para ficar com a família e voltar a estudar. “Tenho grande vontade de fazer um curso de filosofia. Minha vida acadêmica sempre foi voltada para a empresa privada, agora quero fazer algo mais abrangente”, planeja. Além disso, guarda um projeto não concluído de quando era jovem, “Eu tenho aquele sonho de aprender a tocar violão, quem nunca começou a estudar violão?”, diz, entre risos. Mesmo procurando novos caminhos, Meire não pretende abandonar a profissão. Ela faz parte do Conselho Regional

dos Profissionais de Relações Públicas São Paulo/Paraná, na função de conselheira suplente. Depois da aposentadoria, pretende participar mais ativamente. “Vejo que os profissionais saem das empresas com muita coisa para ensinar para quem está começando na profissão e eu gostaria de transmitir esse conhecimento.” Mas Meire não quer conviver com jovens apenas para ensinar, quer também aprender. “Eles criticam, fazem perguntas, nos fazem repensar algumas coisas”, acrescentando que “Isso é o processo natural da vida. Se tivéssemos jovens apáticos, não haveria mudanças”. A troca de conhecimento com os mais novos a ajuda no exercício mais importante de sua profissão: tentar ver o mundo com os olhos de outra pessoa. Se parasse de trabalhar hoje, Meire já se sentiria muito realizada. Chegar à posição que ocupa não passava por sua cabeça há 31 anos, quando entrou na faculdade. Ser apaixonada pelo trabalho e aproveitar as oportunidades que apareceram foram fatores essenciais. Por isso, ela aconselha aos futuros profissionais: “As grandes chances irão passar na vida de todos, é preciso estar atento para capturar a oportunidade”. Com relação à empregabilidade, comparando à época em que se formou, em 1984, ela aponta que o momento é dos melhores para o profissional formado em Relações Públicas. “A profissão passou por mudanças, hoje é mais estratégica e menos tática, cada ferramenta e cada posicionamento são estudados e avaliados dentro de uma estratégia, antes não havia esse planejamento”, explica. Em sua opinião, a mudança aconteceu porque as empresas e o mercado passaram a dar mais atenção à área. “As pessoas estão percebendo que precisam cada vez mais entender o outro e um RP pode ajudar nisso.”

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ENTREVISTA

Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


THIAGO TANJI

“A imprensa não tem de ser

FISCALIZADA

Consultor jurídico da Folha de S.Paulo, o advogado Luis Francisco de Carvalho Filho comenta casos do jornal e opina sobre o atual cenário vivido pela imprensa por Tiago Mota

Advogado criminalista, editorialista, escritor, articulista e atual conselheiro jurídico do jornal Folha de S.Paulo. O currículo do Dr. Luis Francisco de Carvalho Filho é extenso sistema penitenciário brasileiro, e Nada mais foi dito nem perguntado (Editora 34, 2001), que aborda detalhes de casos jurídicos de dentro dos tribunais. O ponto marcante de sua carreira ocorreu na década de 90, durante o Governo Collor. Após o então presidente mandar a Polícia Federal invadir a redação da Folha em busca de irregularidades fiscais em 1990, Fernando Collor abriu processo contra os repórteres Gustavo Krieger, Josias de Souza e

Nelson Blecher por calúnia. O mote do processo se referia às notas publicadas no jornal que mal continham o nome do presidente. Luis Francisco foi o advogado de defesa da Folha no episódio, e hoje ainda é consultado pelo jornal em casos excepcionais. Nesta entrevista para Cásper, o advogado fala sobre o episódio, além de comentar outros momentos de sua carreira e discutir o recente e polêmico caso do jornal contra o blog satírico Falha de S.Paulo.

Além de consultor da Folha, Carvalho Filho também escreveu livros jurídicos GUSTAVO SCATENA

Além destas funções, Luis Francisco também foi presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995 em Brasília. De 2005 a 2008, assumiu a diretoria da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo, sendo responsável pelas reforma e recuperação do prédio e acervo. Nascido em São Paulo, no ano de 1957, Luis Francisco se formou em direito na Universidade de São Paulo (USP) em 1980. Hoje, com carreira e nome consolidados, possui respeitabilidade no mercado, principalmente entre os órgãos de imprensa. Aventurando-se como repórter, participou da cobertura de casos jurídicos polêmicos, como o julgamento de Guilherme de Pádua em 1992, condenado pelo assassinato de Daniela Perez; e de Darly Alves da Silva em 1988, condenado pelo homicídio de Chico Mendes. A proximidade diária com jornalismo o influenciou também a iniciar atividades como literato. Dentre os livros que publicou estão A prisão (Publifolha, 2002), sobre a situação do

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Este episódio com o Collor se enquadra como um risco á liberdade de imprensa? Sem dúvida, sim. Havia uma pressão política enorme para a condenação dos jornalistas, não só na imprensa, mas também no processo que arguia a suspensão dos juízes e uma série de outras coisas. O Collor tinha uma personalidade estranha. Nós já havíamos vivido um processo de redemocratização, já tínhamos a Constituição e já havia se encerrado o Governo Sarney, porém, desacostumado com a liberdade de imprensa, ele tentou nos intimidar e assim criar uma situação de medo em outros órgãos de imprensa. Como foi possível, naquele conturbado período, fortalecer a imprensa, em especial a Folha, numa democracia recém-saída do regime autoritário? Tínhamos de enfrentar. A Folha fez uma defesa absolutamente transparente, mostrando ao público tudo aquilo que estava acontecendo. A disputa com o Collor evidenciou o crescente poder da imprensa livre no Brasil? Não acho que havia uma disputa com o Collor. Havia um processo de caráter inédito. Foi a primeira vez na história que um presidente da República processou pessoalmente um jornal, pedindo a condenação criminal de seu diretor e de três dos seus principais repórteres. Havia, nesse caso, uma ameaça à liberdade da imprensa, mas, enfim, o jornal resistiu e sobreviveu, assim como outros jornais resistiram e também sobreviveram no decorrer da história da imprensa. Tratase de um caso emblemático e histórico que, sem dúvida, fortaleceu nossa livre imprensa. Esse episódio deixou claro o papel da imprensa como “cão de guarda” da

vontade pública? Ora, o jornal não praticou nenhum delito, apenas se dedicou a informar com correção. Eles não queriam que fosse a público essa questão da publicidade oficial, sob o controle do secretário particular do presidente da República, que centralizava em suas mãos a distribuição de verbas bilionárias sem licitação e favorecendo empresas sem expressão no mercado publicitário. O movimento estudantil contra Collor serviu de apoio ou pouco influenciou em sua queda? Não influenciou quase nada. O Collor caiu porque se isolou politicamente. Outras instituições tiveram um papel mais importante, como a imprensa e o Parlamento. O que aconteceu com o jornal argentino Clarín em 2009 foi algo semelhante à invasão da Folha? É difícil dizer. O caso da Folha foi uma situação muito particular, decorrente de um plano econômico. Não conheço suficientemente o ocorrido com o Clarín, mas a minha impressão é que existe na América Latina, como nos governos Lula e Chávez, um sentimento de que imprensa atrapalha. Eles querem a imprensa apenas jogando a favor. Há uma tradição de censura? Sim, há uma tradição de censura na América Latina. Inclusive vi isto no Governo Lula. Primeiro, tentou expulsar o correspondente do The New York Times, cassando o registro de trabalho, por causa de uma reportagem que não agradou o governo. Segundo, procurou criar mecanismos de fiscalização da imprensa. A imprensa não tem de ser fiscalizada. A vontade da ANJ (Associação Nacional de Jornais) de criar um conselho de regulamentação da imprensa é, portanto, um equívoco? Não acredito nessa proposta. É difícil de viabilizar e não há utilidade. Nenhum jornal vai se submeter a isso. Pior ainda se o poder público estiver envolvido nas decisões. O que exatamente deve ser evitado em um editorial a fim de não trazer problemas para um jornal? Não apenas em um editorial, mas em tudo, tem que haver exatidão. Os mecanismos de controle do jornalismo são muito importantes. É preciso ouvir todos os lados, conferir documentação, ter fontes confiáveis, redigir informações objetivas e assim por diante. Grande parte dos problemas jurídicos relacionados com a imprensa é

THIAGO TANJI

Como foi traçada a estratégia para lidar com o caso Collor? A invasão da Folha foi uma retaliação em virtude da independência do jornal durante o período eleitoral. A Polícia Federal invadiu suas imediações alegando que o jornal teria praticado irregularidades em relação ao plano Collor, que nunca se comprovou. A Folha cumpriu fielmente a cartilha enviada pelo Ministério da Fazenda, mas depois alegaram que esta cartilha estava errada. Posteriormente, a Folha publicou uma série de reportagens a respeito de contratações sem licitação de empresas de publicidade pelo governo Collor, e estas geraram uma acusação por parte do presidente contra o diretor de redação da Folha e três jornalistas pelo crime de calúnia. Logo, foi instaurada uma ação penal à Polícia Federal em São Paulo. Este processo terminou, eles foram absolvidos em primeira instância e não houve recurso.


decorrente da pressa em edição e fechamento. Quanto mais bem preparada é a redação, menos provável a ocorrência de problemas desse tipo. Nas últimas eleições o jornal Estado de S. Paulo declarou apoio ao candidato tucano, José Serra. Quais as conseqüências que uma tomada de partido como esta pode trazer ao jornal? Nenhuma. O jornal pode apoiar quem quiser. Isto é absolutamente comum e pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo. A Folha tem um princípio de apartidarismo que se tornou uma espécie de referência para que todas as publicações a sigam, o que não é totalmente verdade. É normal que um jornal apóie um ou outro candidato, pois, se feito com transparência, o público percebe e pode ponderar o que é publicado. Nada impede que o jornal tenha uma opinião a favor ou contrária a governos ou a determinados atos de governos. O importante é que cubra aquilo com correção. O que não pode é uma emissora de televisão fazer campanha para um ou outro candidato, uma vez que é uma concessão pública e, por consequência, deve ser apartidária.

Hoje os cuidados tomados são menores ou maiores que há anos passados? Há uma grande evolução em relação a isto. Existem maiores cuidados na revisão, maior preocupação na credibilidade das fontes, na checagem documental. Como consultor jurídico da Folha, o material passa por sua revisão antes da publicação? Algumas reportagens. Eu levanto pontos que me chamaram atenção, converso sobre eles e esclareço certas coisas. Nunca tive a pretensão de corrigir ou alterar o texto. Muitas vezes apenas mostro uma maneira de afirmar certas coisas com o mesmo efeito, mas sem trazer riscos. É importante que o jornal tenha cuidados como, por exemplo, ao tratar de menores de idade, assuntos ligados à privacidade e outros que envolvem questões jurídicas e devem ser discutidos previamente. O senhor se recorda de algum grande problema no texto? São muitos. O caso Collor foi um deles, não que o jornal estivesse errado. Outro exemplo foi durante

“Existe na América Latina um sentimento de que a Imprensa atrapalha”


contra este blog foi autoritária? É difícil dizer. É um caso de problema de marca efetivamente. O problema não é a Falha de S.Paulo, mas sim isto levar a uma confusão de marca. A paródia pode continuar sendo feita.

o governo Fernando Henrique Cardoso em que a Folha teve acesso a conversas do presidente que haviam sido grampeadas ilegalmente. Publica-se ou não? Sabendo dos riscos, decidiu-se publicar a reportagem, não pelo conteúdo da conversa, mas pela circunstância de ter sido violada a privacidade do próprio presidente da República.

Então a Folha não se incomoda com a crítica? Não. Não há dúvida nenhuma sobre isto.

Como se lidou com os documentos vazados do WikiLeaks, a que a Folha teve acesso? Nunca tive nenhuma conversa em relação a isto. Neste caso, não houve necessidade de consulta prévia a meu escritório. Tem-se o documento, logo, publica-se se for da vontade política editorial. Até porque, a princípio, o WikiLeaks não fere nenhum direito constitucional.

“O problema não é a Falha de S.Paulo, mas sim isto levar a uma confusão de marca”

Não seria melhor para a própria reputação do jornal buscar uma solução de acordo? Não sei. Mas tem outro lado: o sujeito que criou o blog está adorando isto. Ele está sendo muito procurado. Por ser uma paródia, o “mau humor” da Folha em abrir um processo contra o blog não seria um “tiro no pé”? Difícil te dizer isto. Trata-se de uma decisão empresarial que envolve o valor da própria marca. É natural que não gostem que mexam com a marca. A preocupação é só com a marca mesmo. Tanto é que a tentativa não foi de tirar o blog do ar, mas somente proibir o uso do logotipo do jornal neste site.

Quando o jornal é processado pelo conteúdo publicado, que diretrizes deve seguir? Deve-se fazer uma avaliação do que aconteceu, do material publicado. O grande desafio será provar para o juiz que o jornal cumpriu o seu dever. Há também a preocupação permanente de provar o mesmo para seu público leitor. Para tal é preciso usar os editoriais, as cartas dos leitores, a abertura para a crítica e, principalmente, o Ombudsman, que tem um grande destaque na atuação diária da redação. O Ombudsman faz uma crítica interna do próprio jornal e tem total liberdade para isso, sem nunca ter havido interferência formal em sua atuação. No entanto, divergências sempre irão existir.

Mas impor a multa de R$1000,00 por dia que o blog estivesse no ar não foi exagero? Isto é consequência de um processo que está correndo. Eles podiam ter tomado o cuidado para não levar o episódio a estes termos.

No caso Falha de S.Paulo, a atitude da Folha THIAGO TANJI

Para um jornal que defende a livre expressão e o Estado Democrático de Direito, não foi paradoxal a tomada desta decisão? A Folha não tirou nada do ar. Tanto é que o sujeito continua escrevendo. Foram tomadas as medidas necessárias para que o logotipo do jornal não fosse usado, é este uso que esta sob o pagamento de multa. Se ele não usar a marca, não haverá problema. Pode falar o que quiser. Você chegou a ler o blog? O que achou? Passei por ele algumas vezes. Achei que o sujeito que lá escreve está esperneando e acho normal que faça isso, como também acho normal que o jornal defenda a sua marca. A crítica não incomoda. O jornal que já enfrentou ao mesmo tempo o presidente da República, o governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura da cidade de São Paulo, não vai se preocupar com quem escreve a Falha de S.Paulo. O blog poderá agir da maneira que quiser, dizer exatamente o que quiser, só não poderá usar o logotipo do jornal, evitando confusões em volta de uma marca difundida até internacionalmente. O conteúdo não tem importância. Mesmo não sendo graduado em jornalis-


THIAGO TANJI

mo, o senhor realizou diversas coberturas de casos importantes. Concorda com o fim da exigência do diploma para o exercício da profissão? Essa exigência nunca deveria ter existido. Não é papel de faculdade formar jornalistas. Pode até formar, mas não criar reservas de mercado. Tem que ter espaço para todo mundo. Naturalmente, há pessoas que procuram o curso por estarem interessadas na profissão, mas nada impede que profissionais de outras áreas atuem nas redações. Hoje cada vez mais são necessárias pessoas especializadas. Não que as redações deixarão de ter jornalistas formados, mas o que não pode é impedir que outros profissionais se envolvam. Sobre o caso Guilherme de Pádua, acredita que houve excessos da imprensa na cobertura? Este caso não se diferencia de outros tantos casos em que houve uma grande comoção pública. Há jornais que, nestes casos, procuram realizar uma cobertura isenta, como também há jornais que assumem uma posição condenatória. A cobertura da Folha foi isenta em todo seu processo.

É possível afirmar que o modo como a cobertura foi feita influenciou o júri em sua decisão? Não tenho dúvida. Ele não seria absolvido nem na Lua. Isto é prejudicial, mas também é, de certa maneira, inevitável. Ocorreu da mesma maneira no julgamento do caso Chico Mendes: o assassino foi condenado em um ambiente absolutamente massacrante. Nestes casos criou-se toda uma carga condenatória no ar. Como no caso Nardoni? Também é um exemplo. Independentemente de existir ou não a prova física que condene o casal, a maneira como o caso foi tratado pelos meios de comunicação levou à decisão que foi tomada. Hipoteticamente, a decisão poderia ser diferente se a cobertura não tivesse seguido por este caminho? Isto depende de uma série de elementos. Nesses casos, podemos nos arrepender de tê-los condenado? Sim. O erro judiciário sempre existirá, assim como a espetacularização da notícia. É preciso procurar se aperfeiçoar como órgão de imprensa para evitar tais ocorrências.

“O erro judiciário sempre existirá, assim como a espetacularização da notícia”


CHAPÉU

TCC

O último dos

primeiros passos Professores e ex-alunos da Cásper falam sobre o trabalho de conclusão de curso, último desafio para ingressar no mercado de trabalho por Ítalo Fassin Ao chegar ao 4º ano dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero, os estudantes vivem um momento especial. Afinal de contas, além de estarem encerrando uma etapa da vida acadêmica, precisam aplicar o conhecimento assimilado ao longo destes anos em uma tarefa: o trabalho de conclusão de curso (TCC) ou projeto experimental. “Assim que começam as aulas, o Manual do TCC é divulgado e fica à disposição do aluno para consultar todas as informações necessárias para a realização do trabalho e sua apresentação na defesa perante uma banca avaliadora no final do ano”, instrui a professora e coordenadora de TCCs de Jornalismo, Helena Jacob. Os formatos dos projetos variam conforme o curso. Em Publicidade e Propaganda, existem dois formatos de trabalhos: o Projeto Experimental e a monografia. “O Projeto Experimental tem foco mercadológico e a monografia, um foco mais acadêmico”, explica a professora Roberta Iahn, coordenadora dos Projetos de Publicidade. Neste curso, o trabalho é desenvolvido em equipe – de quatro a oito alunos – que formam uma agência e devem estudar diferentes possibilidades para propor campanhas publicitárias ao cliente escolhido – em

sua maioria, companhias nacionais e multinacionais com destaque no mercado. Já a monografia é um trabalho individual de pesquisa abordando temas de comunicação, marketing e publicidade. Roberta Iahn comenta a visível preferência dos quartanistas: “Em média, temos 25 grupos desenvolvendo projetos todos os anos e dez monografias em Publicidade”. Para o curso de Relações Públicas, o TCC é chamado de Projeto Experimental. Trata-se da formação de uma agência de comunicação, cujos trabalhos já começam no final do 3º ano, quando os alunos devem produzir um portfólio de sua agência. No 4º ano, os estudantes buscam clientes reais, que façam parte do mercado de empresas privadas, do governo ou do terceiro setor e, a partir daí, desenvolver um plano de comunicação corporativa completo para este cliente. Em média, vinte trabalhos são desenvolvidos todos os anos. Apesar da procura dos estudantes ser menor, também há a possibilidade da realização de monografias. Os alunos de Rádio e TV também realizam Projetos Experimentais. Desde o final do 3º ano, devem começar a escrever seus

trabalhos, que podem ser monografias, programas de rádio, programas de TV ou roteiros. Em 2010, 24 projetos foram realizados pelos estudantes. “Os alunos que optarem pelo formato de vídeo podem escolher entre ficção e documentário”, especifica o professor Rodrigo Esteves, coordenador dos Projetos de Rádio e TV, ressaltando os dois últimos formatos como os mais escolhidos. Em Jornalismo, os alunos podem escolher entre livro-reportagem, monografia, programa de TV, programa de rádio, revista, jornal, multimídia (sites) e ainda existe a possibilidade para novas mídias, como conteúdos para celular. Livro-reportagem e vídeo documentário são os formatos mais escolhidos, embora haja um crescimento gradual na escolha pelas plataformas online e multimídia. Um dos grandes diferenciais dos TCCs do curso de Jornalismo da Cásper, de acordo com a professora Helena Jacob, é a variedade de temas escolhidos, que incluem sociedade, cultura, esportes e política. Os ex-alunos de Jornalismo Thiago Magalhães, Filipe Pereira, Paula Russo e Marina Finicelli, por exemplo, optaram por um tema social e produziram um documentário sobre mulheres de presidiários. “Escolhemos o Centro de Prisão Provisória da Marginal Tietê. É uma cadeia de passagem para onde os detentos são enRevista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


ACERVO PESSOAL

caminhados quando presos em flagrante ou aguardam julgamento”, informa Thiago. Além deste, outros 65 projetos foram defendidos diante das bancas de TCC. Em 2011, o número provavelmente aumentará, visto que 90 projetos foram aprovados para serem realizados no decorrer do ano.

Desafios Apesar de o TCC ser o grande centro das atenções ao longo do 4º ano, ele deve ser conciliado com as demais disciplinas da faculdade, sem contar os estágios e as atividades extracurriculares que a maioria dos alunos realiza. Dessa maneira, é preciso responsabilidade e disciplina para a finalização do projeto. “Trabalhar com cronograma para que tudo corra dentro dos prazos previstos” é o que orienta Helena Jacob. “Outro conselho útil é não deixar as obrigações para a última hora”, complementa. Roberta Iahn enumera outros desafios, especialmente

para os estudantes de Publicidade e Propaganda e Relações Públicas: escolher o cliente, conquistar sua confiança, diagnosticar corretamente o que deve ser realizado e solucionar o seu problema. “Muitas vezes os alunos descobrem dados pesquisados em estudo exploratório de mercado que contradizem as informações fornecidas pelo cliente”, conta. As monografias não se eximem de dificuldades: entender o que é uma pesquisa acadêmica, encontrar um tema que atraia o aluno, organizar a leitura, escrever um texto acadêmico e trabalhar sozinho no projeto.

Reconhecimento Os TCCs da Cásper destacamse quanto à qualidade, sendo reconhecidos tanto no espaço acadêmico quanto no mercado de trabalho. “As exigências da Cásper são e devem ser grandes, e a nossa intenção é sempre melhorar o processo, garantindo que o trabalho de conclusão de curso seja um

tipo de ‘abertura de porta para o mercado’, ou seja, que o aluno faça um trabalho que sirva como cartão de visitas para a sua atuação profissional”, confirma Jacob. Em novembro de 2010, ocorreu a cerimônia de premiação do 28º Prêmio da Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP) – Concurso Nacional de Monografias e Projetos Experimentais de Relações Públicas. Neste concurso, seis projetos experimentais e uma monografia de alunos da Cásper Líbero foram premiados entre mais de 120 trabalhos de várias universidades e faculdades de todo o Brasil. Os projetos e a monografias concorrentes foram indicados para dez das quinze categorias da ABRP. Foram seis primeiros lugares e seis segundos lugares para a Cásper. Um desses projetos foi o das recém-formadas Flávia Ribeiro, Maria Clara Silva, Priscilla Maranhão, Raquel Leite e Tarcila Correia, que tiveram como cliente o Grupo SEB, do

Ao lado de professores e jurados, recémformadas comemoram o prêmio da APP


setor de produtos domésticos. Elas conquistaram o 2º lugar na categoria “RP em ações institucionais”. “Procuramos uma empresa que fosse do varejo e que não tivesse uma comunicação avançada ou desenvolvida. No caso, o Grupo SEB tinha tradição em marketing, contava com um departamento de sustentabilidade recente mas não tinha um plano estratégico de comunicação interna”, afirma Priscila Maranhão. Já as alunas Aline de Deus, Deise Crepaldi, Giselle Suzuki, Keite Pacheco, Nathaly Tawada e Sheila Martins Silva receberam dois 1os lugares e um 2º lugar no evento da ABRP. Elas representaram a companhia de tecnologia HP e fizeram essa escolha buscando o desafio de elaborar um projeto para uma grande multinacional. Giselle Suzuki considera a premiação um reconhecimento para os quatro anos de dedicação, empenho e amizade. “Em nenhum momento fi-

zemos o Projeto pensando em prêmios, mas em fazer o nosso melhor. As outras conquistas vieram como consequência.” Na 30ª edição do POP (Prêmio de Opinião Pública), em novembro de 2010, elas foram as escolhidas para receber o prêmio Troféu Abertura, incentivo do Conselho Regional de Relações Públicas (Conrerp) para recém-formados. Os projetos de Publicidade também têm qualidade reconhecida. Em dezembro de 2010, alunas da Cásper receberam o primeiro lugar no Concurso Universitário de Campanhas Publicitárias da APP (Associação dos Profissionais de Propaganda). As alunas Alessa Zocca, Andressa Paccini, Daniele Ferreira, Ligia Olimpio, Mayla Santos, Melissa Siqueira, Renata Miwa e Tamires Teixeira, que montaram a agência experimental 3x4 Comunicação, venceram o prêmio com a campanha desenvolvida para os esmal-

tes Impala. Segundo Roberta Iahn, “Os alunos trabalham dez meses para propor as melhores soluções para o cliente. No final, a empresa tem um diagnóstico completo dos seus problemas e oportunidades de comunicação”. Sendo o marco de transição da faculdade para o mercado de trabalho, o TCC incentiva a capacidade criativa do aluno, além de estimulá-lo a realizar um trabalho muito próximo ao profissional. Para Priscilla Maranhão, “Essa oportunidade de trabalhar em grupo foi muito desafiadora e serviu para nosso amadurecimento e para a inserção no mercado de trabalho. Em comunicação, não se trabalha sozinho, pelo contrário, há a dependência das pessoas para realizar o trabalho e, para isso, é preciso desenvolver a habilidade de se relacionar”. A mesma experiência foi compartilhada por Thiago Magalhães, que resumiu: “foi um simulado de como é a vida real”.

Rodrigo Esteves, coordenador dos projetos de Rádio e TV ÍTALO FASSIN


THIAGO TANJI

LANÇAMENTO

Luiz Alberto de Farias durante a noite de autógrafos

Coordenador de Relações Públicas da Cásper Líbero lança livro sobre a profissão Luiz Alberto de Farias concilia experiência de mercado e pesquisa acadêmica na obra Relações Públicas Estratégicas Na noite do dia 15 de março, o professor e coordenador do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, Luiz Alberto de Farias, lançou o livro Relações Públicas Estratégicas, publicado pela Editora Summus. A obra organizada por Farias traz textos da autoria de profissionais e pesquisadores, discutindo a profissão de RRPP na contemporaneidade e ampliando o estudo da comunicação corporativa. “É uma tentativa de trazer para o universo corporativo e acadêmico a discussão sobre as práticas atuais sem deixar de lado as tradicionais”, explica o professor. Farias conta que, desde que o livro fora encomendado pela editora, esteve envolvido no trabalho por dois anos. Depois de planejar o que seria o esqueleto da obra, o professor partiu em busca de autores que pudessem dar conta do tema proposto. Os colaboradores são reconhecidos profissionais que conciliam seu trabalho no mercado com os estudos no campo Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

acadêmico. Entre eles figuram Ágatha Camargo Praventi, Else Lemos, Ethel Shiraishi Pereira, Júlio César Barbosa, Sérgio Andreucci Júnior, Tânia Baitello e Valéria de Siqueira Castro Lopes, todos professores da Cásper Líbero. Relações Públicas Estratégicas se situa entre a teoria e a prática, sendo válido tanto para estudantes e professores quanto para profissionais atuantes no mercado de trabalho e corporações. Presente no lançamento, Julio César Barbosa indaga: “Como os profissionais de relações públicas vêem esse mercado de trabalho? Como eles entendem a relação entre teoria e prática? Essa discussão é a grande novidade do livro”. Para Barbosa, a obra coloca em pauta novas propostas e abordagens ao trazer jovens autores com experiências de trabalho e pesquisa. “O mais legal para o leitor é entender como essa teoria ensinada na faculdade se transforma em prática de comunicação”, completa.

Também presente no evento, Tânia Baitello destaca a crescente qualidade da produção acadêmica nesta área. Em suas palavras: “Há publicações cada vez mais consistentes abordando as relações publicas, que estarão em evolução constante no campo acadêmico”. Segundo Farias, é possível observar nos últimos dez anos avanços significativos tanto na pesquisa quanto no trabalho profissional. “O estudo tem um crescimento agigantado, tanto que passou a ser um conceito e uma filosofia de atuação”, afirma. Graduado em Relações Públicas pela Cásper Líbero, Luiz Alberto de Farias também faz parte do corpo docente da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e preside a Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP). Relações Públicas Estratégicas é o oitavo livro que conta com a participação do professor, sendo este o primeiro a ser organizado por ele.

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por Luís Mauro Sá Martino Não adianta procurar nas livrarias. Para encontrar A fabricação do presente, de Carlos Franciscato, Esfera pública, jornalismo e democracia, de Messiluce Hansen, ou O percurso interpretativo da produção da notícia, de Josenildo Guerra, só encomendando na livraria da Unesp, na Praça da Sé. Uma pena, porque os três, publicados pela editora da Universidade Federal de Sergipe, enfrentam com competência alguns dos problemas mais sérios da comunicação. Aqui, por questões de espaço, o propósito é apenas apresentar umas poucas ideias centrais e, quem sabe, provocar a leitura dos textos. Os livros se debruçam sem medo sobre questões difíceis do jornalismo, como conflitos de interesse, a ética e, em especial, o problema da objetividade. Em linhas muito gerais, trata-se de saber como, e se, é possível fazer um relato objetivo de um determinado fato, isto é, descrevê-lo “tal como aconteceu”. Vários trabalhos de primeira linha foram escritos mostrando, com fatos e argumentos, algo que historiadores já sabiam: é impossível criar um relato objetivo do que aconteceu. Sempre haverá um ponto de vista, uma certa inclinação, um ângulo específico. Não só no jornalismo, mas em qualquer tentativa de contar uma história: ainda que filme a realidade, e usando a força das imagens, um documentário passa por vários processos de escolha, montagem, seleção e

edição. A objetividade, se algum dia havia sido o ideal da notícia, ganhou status de ficção – o “mito da objetividade”. Os livros de Franciscato, Guerra e Hansen não querem trazer de volta essa concepção de objetividade, geralmente ligada aos conceitos de “imparcialidade” e “neutralidade”. Mas, por outro lado, perguntam se não se está jogando a criança com a água do banho quando se trata do tema. Se a objetividade é só um mito, por que na prática jornalistas e produtores audiovisuais continuam escrevendo notícias e produzindo documentários como se fosse possível? Se a objetividade é impossível e cada um tem sua realidade, como duas pessoas conseguem conversar no dia a dia? Isso se liga a um problema ético. Em uma situação ideal, o público espera que o jornalista dê informações corretas sobre os fatos do dia. A apuração da notícia deve resultar em um texto que, seja no formato impresso, digital, lido no rádio ou na TV, dê ao público uma ideia do que aconteceu. Há uma espécie de “pacto ético”: o público garante credibilidade ao jornalista, mas espera que o profissional faça o melhor possível para conseguir e transmitir as informações corretas.

Fatos e versões Certamente o “fato jornalístico” é diferente do acontecimento

em si, e a nova concepção de objetividade incorpora essa diferença, enquanto o conceito de objetividade, na outra versão, previa uma equivalência entre ambos, pensando a notícia como reflexo da realidade. Reconhecer que há diferença, mas não incompatibilidade, entre o fato e o evento não elimina a possibilidade de se narrar corretamente o evento, dentro de limites que, em vez de serem disfarçados ou encobertos, são levados em conta. Evidentemente isso leva em conta que a pessoa que conta a história tenha o compromisso com o ouvinte de se ater aos fatos na medida de sua condição humana. Portanto, isso não se aplica a situações de explícita má-fé, na qual o fato é sistematicamente distorcido pelo narrador – nesses casos, como resume Guerra na página 33, “Eis a credibilidade e o imperativo ético fundante da instituição jornalística indo para o ralo”. Isso também não significa REPRODUÇÃO

RESENHA

prancheta De volta à

Percurso Interpretativo na Produção da Notícia, de Josenildo Guerra

Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3


Você disse “jornalismo”? Não se deixa de lado, nos três livros, situações nas quais os alinhamentos políticos, a busca de escândalos, a criação de fatos e os momentos nos quais os interesses econômicos da

empresa se sobrepõem aos compromissos profissionais do jornalismo – mas é possível perguntar se, nessas condições, o que se está fazendo é, de fato, “jornalismo”. Os livros se propõem a delimitar melhor o que é essa atividade que, por ter um aspecto comercial, não precisa necessariamente deixar de lado a ética. Em situações de distorção completa, o “jornalismo” desaparece, e com ele as regras e compromissos do profissional. É de se esperar que essas condições sejam a exceção, não a regra. De certa forma, o fato que torna a mídia importante, e sua discussão mais ainda, é que ela pode causar mudanças na realidade. O jornalismo, como atividade social, responde a uma demanda das pessoas por informações. Demanda, aliás, que independe do jornalismo e existe muito antes dele. Essas alterações não se limitam à necessidade pessoal de informação, se vai chover ou quem ganhou o jogo, mas também no que diz respeito à dimensão pública desses fatos, por exemplo, quando a chuva se transforma em enchente por descaso do poder público ou quando a corrupção de cartolas prejudica o desempenho de um time. A mudança provocada pela imprensa e, posteriormente, pelos meios de comunicação eletrônicos, foi na velocidade dessas demandas, alteração que transformou a própria concepção de tempo no ocidente. É um dos pressupostos examinados por Franciscato em A fabricação do presente. Como recorda, na página 15 do livro, “O jornalismo é uma prática social voltada para a produção de relatos sobre eventos do tempo presente. Ao fazer isso, o jornalismo atua de forma privilegiada como reforço de uma temporalidade social, enquanto produtor de algumas formas

O fato que torna a mídia importante, e sua discussão mais ainda, é que ela pode causar mudanças na realidade específicas de sociabilidade”. O jornalismo deveria, nesse caso, cumprir a tarefa de suprir essa demanda de maneira rigorosa e correta. Aparentemente, isso desloca o foco do “bom jornalismo” de seu destino final, isto é, a leitura da notícia, e o coloca na produção consciente da notícia: em outras palavras, parece que o “bom jornalismo” estaria na realização ética da atividade, não na determinação de seu conteúdo – apurar e escrever corretamente sobre o momento afetivo de uma subcelebridade, nesse caso, seria mais ético do que escrever levianamente sobre política? Hansen, Guerra e Franciscato retomam, em caminhos e abordagens diferentes e complementares, desafiam com muitas perguntas e poucas respostas fechadas, o que talvez seja a característica de um bom livro. Ao retomarem alguns temas nos estudos de comunicação, como objetividade, ética e interesse, oferecem posições sólidas, das quais é possível discordar integralmente, mas não negar a relevância. REPRODUÇÃO

deixar de lado os interesses do jornalista nem da empresa de comunicação. Mesmo pensando em termos estritamente comerciais, sem a importante discussão sobre compromissos públicos do jornalismo, a busca pela objetividade nessa nova concepção não se dilui. Há um público consumidor de notícias que espera por informações, seja sobre os atos do Congresso, seja sobre o último lance em um reality show. Nos dois casos, os públicos esperam informações corretas, e acreditam no profissional responsável por elas. Romper esse pacto custa muito caro para a empresa de comunicação: perder credibilidade significa que o público vai embora, e com ele os anunciantes. Portanto, trabalhar de maneira ética pela melhor informação atende tanto aos interesses do jornalista quanto do público e da empresa. Quando alguém deliberadamente inventa uma notícia e o fato vem a público, o que não é difícil, há uma imediata mobilização da mídia para encontrar e punir os culpados. Guerra menciona, por exemplo, o caso de Janet Cooke, repórter do New York Times que em 1981 forjou uma reportagem e ganhou o Prêmio Pulitzer por ela. Descoberta a trama, além da punição da responsável, o jornal publicou cinco páginas explicando o caso e pedindo desculpas. Evidentemente nem todos os erros e distorções do jornalismo tem um final como esse. Mas, por outro lado, segundo o autor, esse tipo de distorção sistemático também não acontece todos os dias e em todas as notícias.

A Fabricação do Presente, de Carlos Eduardo Franciscato


CRÔNICA

mon ami? where are you from, por Roberto Chiachiri

A experiência é algo inquestionável. Nunca, mas nunca, estamos completamente preparados. Atenção aos falsos guias! Este foi o primeiro conselho que ouvi quando cheguei em Marrakesh. Que nada... Sempre me preparo antes de viajar para qualquer lugar. Havia lido bastante sobre a cidade, seus costumes, o que fazer e, principalmente, o que não fazer. Afinal de contas sou uma pessoa viajada. O fascínio pelo novo, o receio de pisar num país majoritariamente muçulmano com uma cultura diferente da sua, o exótico – estranho pensar em exótico, o Brasil sempre foi um país exótico! – bate aquele friozinho na barriga, mas nada que um experiente viajante não tire de letra. O que se pode fazer, então? Quase tudo que um turista normal faz, exceto: encarar uma mulher, olhar direto para os macaquinhos na rua senão eles te jogam cocô, beber água direto da torneira – se beber poderá se sentir como um rei, o dia inteiro no trono –, entre outras coisas. Mas, como toda pessoa viajada, experiente, a tendência é tentar desbravar todo o novo de uma maneira totalmente independente. Chega ao hotel, joga a mala em cima da cama,

lava o rosto, faz um xixizinho básico, coloca o tênis, pega a máquina fotográfica e pronto, a aventura começa. Altivo, lépido e faceiro sai às ruas de Marrakesh. Respira fundo e vai rumo à Medina. Basta atravessar uma ruela e uma grande avenida. Ambas, sem semáforos e tampouco policiais para controlar o trânsito. É na sorte mesmo. Logo se encontra un ami, um my friend where are you from? Um sujeito muito simpático, sorridente, te ajuda a atravessar a rua, e, por coincidência, está indo pelo mesmo caminho que você. Solícito, amável diz que está terminando o seu turno, pois trabalha como vigia noturno no hotel em que você está hospedado, que faz este percurso todos os dias para voltar para casa e que não custa nada te acompanhar. Se apresenta, se chama Moustafa (engraçado, parece que todos se chamam Moustafa ou Abdul no Marrocos). Depois de mais de uma hora caminhando pelos labirintos da Medina, depois de ter visitado as mesquitas – o Moustafa é muito bem relacionado, pois conseguimos entrar nas mesquitas, era sexta-feira (tu as de la chance, Roberto) e neste dia o não muçulmano pode

entrar na mesquita –, depois de ter conhecido o estacionamento dos burrinhos (meio de transporte de carga comum na Medina), depois de ter visto o forno de pães – na Medina as mulheres fazem pão em casa e levam para assar num forno central – mon ami Moustafa se oferece para mostrar uma oportunidade imperdível. A cooperativa dos nômades artesãos Berbers, que também só se reúnem às sextas-feiras para vender seus produtos mais baratos (afinal pagam menos ou não pagam impostos por serem artesãos). Ótimo, vamos lá! Na tal cooperativa havia apenas um vendedor (penso que seja para economizar com encargos sociais), um excelente negociador (isso eu já sabia, tem de negociar). Comprei tanta coisa! E ainda paguei com cartão de crédito, não é incrível? Ah! Tive de comprar também outra malinha para carregar as compras. Na saída, quando carregava as compras que já pesavam um pouco, parei para pensar e cheguei à conclusão que havia gastado muito. Comentei isto com Moustafa. Ele, com toda sabedoria, me disse: o importante é que você esteja contente. Tu es content, Roberto? Ele mereceu uma boa gorjeta. Revista Cásper – Abril de 2011 – Nº 3

MARIANA KINDLE


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