Bastião #3

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um salve pro papagaio da xurupita

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edição 3 ano 1 2011

VISTA RE

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www.bastiao.net

renato canini o pai do zé carioca

deputados estaduais

sirvam nossas façanhas

corrida de cachorro façam suas apostas

el mató a un policía motorizado ouro do prata


cifrada

LA FIESTA QUE TE PROMETÍ

U

foto Ovos e Llamas

reportagem Douglas Freitas, Gabriel Hoewell e Mario Arruda texto Gabriel Hoewell e Mario Arruda

no, dos. Hola, hola. Sí, si.” Sobre o palco, testa o microfone um homem barbudo, gordo e com nos. Pendurado no seu corpo redondito está

rock star é mínima. Já ao fundo, fortes estampidos fazem vibrar as estruturas - é Doctora Muerte que bate forte na caixa pra acertar o vo-lume da bateria, instrumento essencial pra entender o clima indie da banda. cias shoegaze dos guitarristas Niño Elefante e Pantro Puto. Eles regulam seus pedais de distorção para produzir uma parede de gui-

anos 90 (Sonic Youth, Guided by Voices, Nir-

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enlouquecedor para o grande espetáculo que virá. Quem se prepara para o show é uma das maiores bandas independentes arNesse meio tempo, nós, entendendo o clima underground da noite, tratamos de juntar os trocados pra providenciar litros da har a nossa chinelagem com os hermanos de La Plata (já bem acostumados a um líquido precioso - mais barato que tudo em seu país - chamado Quilmes). Mas bebemos tudo antes de chegar ao camarim para a entrevista. meio a uma rajada de perguntas em um português semi-bêbado abafado pela guitarra rasgada e ensurdecedora da Medialunas

Motorizado, Doctora Muerte e Chatrán Chatrán

(banda do Andrio Maquenzi, ex-Superguidis, o grupo brasileiro preferido do El Mató), que passava o som durante nossa entrevista. O fato, porém, nem mesmo parece ter questões com muita calma, numa voz grave e interiorizada. De cada resposta, ouviam-se apenas algumas frases. E aquilo parecia ser o ponto central. O som das guitarras, a voz interiorizada e as frases diretas: era uma metáfora perfeita entre a nossa entrevista e a banda. As letras minimalistas do El Mató são compostas de pequenos versos e algumas músicas não têm mais que duas frases. Comclaro: “Muitas vezes em uma frase conseguimos dizer tudo. Então não há porque escremúsica inteira em poucas palavras aproxima hinchadas em uma cancha lotada de torcedores apaimada pela banda, composta principalmente por torcedores do Gimnasia y Esgrima. Contudo, o processo de composição vai muito além da escrita de versos simples. Os discos do El Mató só são compreendidos se ouvidos por inteiro. “Cada disco tem uma ideia central, e organizamos as faixas seguindo uma sequência que fortaleça isso”, explica Sanceito, a banda apostou em uma bri-lhante trilogia. Da Navidad de reserva ao Día de los Un muertos millón de euros. Motorizados, percorremos

o caminho do nascimento à morte ouvindo melodias espetaculares. por não haver ligação com gravadoras mainstream. Isso possibilita que eles sejam “livres crea una marca para salir al encarnizado combate de las corporaciones”. O selo reúne bandas da cena indepenprodutora brasileira Senhor F, o cenário indie mainstream em questão de alcance de público, já que lá o rock está entre os gêneros mais ouvidos pela população. Fernando e sua produtora já levaram o El Mató e diversas bandas indepenO quinteto conta que há um intercâmbio bem interessante entre as bandas brasileiras e ar-

Acabam-se as cervejas e os hermanos entram em sua van azul bebê. Dentro de mance de cinco grandes roqueiros. Ah, e só para constar: esclarecemos que o nome da banda, apesar do teor subversivo, não passa por uma revolta contra os policiais. A ideia

ter ao nível do som que produziam.


ágora

DE MODELO A TODA TERRA? Como legislam os deputados gaúchos texto e reportagem Carlos Machado e Luiza Müller

Enquanto governo e oposição se confundem, e o nome do político passa a valer mais que a sigla que defende – e a ideologia que deveria defender –, o Bastião vai contra a maré. Esse mar de rostos no qual emergimos virá traduzido em resultados: projetos bons ou ruins; postura parlamentar correta ou não; clientelismo ou trabalho efetivo. Nesta reportagem procuramos desvendar os trâmites dos esquemas parlamentares. Não personalizaremos a política, apenas daremos indicações daqueles que se instauram na Assembleia Legislativa. O povo clama por mudança – mas através do processo burocrático hoje instituído, essa mudança é lenta.


ágora Os deputados, os projetos e o governo

é uma questão de maioria na casa, mas tu

O

papel de um legislador é hoje algo

Analisando o seu encargo (legislar), seria óbvio dizer que o trabalho de um deputado é a elaboração de projetos que

sido cada vez mais invadido pelos outros poderes. “Acredito que seja um momento de trandeu Cesar sobre o atual momento de nossa gente não sabe muito bem para que servem. Isso não só no Brasil, mas no mundo inteiro.” movida por ela. No Rio Grande do Sul, a disputa PT x PMDB é de histórico enfrentamento. Mas com a aliança em nível nacional, uma oposição cas Redecker (PSDB), deputado jovem e de primeira viagem é um dos que permanecem na oposição. Sobre a sua relação com o governo, explica: “A base aliada do governo é maior que a oposição. Todos os seus projetos são colocados em regime de preferência não

melhorar um projeto é péssimo para a democracia”, explica.

O clientelismo Nesse contexto de fraqueza de oposição meno entre os deputados: o clientelismo. O legislador, segundo Cesar, “acaba por transformar seu mandato num serviço de despachante.” Para grande parte dos parlamentares, quando a sua página pessoal na internet não está lotada com eventos que podiam muito bem ilustrar a capa da revista Caras, em inaugurações, seu apoio a medidas, seu comparecimento na entrega de tais fomendeputado se apossa de atos que não são dele, são atos do governo”, e completa, “às [deputado] se apropria daquilo como se ele O esquema do clientelismo, que alguns de nossos deputados fazem uso, é sintoma de sistema do qual todos os legisladores são reféns e que Benedito Cesar explica: “A

seja, de alguma maneira, o deputado é obri-

gado a mostrar trabalho, seja esse um trabalho relevante ou não.

Vasculhando os dados da AL gaúcha, o separou os projetos mais bizarros, propostos por nossos deputados. Sem muito esforço, encontramos uma enxurrada de novas denominações para os municípios há o que declara o município de Frederico Westphalen “Princesa do Médio Alto Uruguai” e o 106, que nomeia Almirante Tamandaré do Sul como a “Terra do Gaitaço”. Ainda no campo das nomeações, o PL 113 propõe que o Crack passe a ser chamado “a pedra da morte”, talvez para assustar os possíveis usuários. E, para fechar com chave de ouro, o 256, que cria o Dia Estadual de Pre-

Na série de projetos bizarros, o PL169 de pragas e para limpeza de plantações. Já o PL 23, deste ano, pretende regularizar as raves e bailes funk. E ainda o projeto 128, que não foi aprovado, e proibia a instalação de pardais nas rodovias do estado do Rio Grande do Sul. Há outras dezenas de leis que são inúteis não pela qualidade de sua proposta, mas

O entregador de carros didas... estava lá, e era hora de trabalhar. giária de relações públicas era evento que não acabava mais: reunião com as soberanas da Festa do Caqui-chocolate; homenagem aos 50 anos de emancipação daquela cidade... como

eventos por todo o estado. como explicar a falta de trabalho ao povo? A assessora matutou por alguns minutos, fez algumas ligações e encaixou outra agenda para a manhã seguinte. A estratégia foi um sucesso, pois, dos carros de ambulância pelo estado todo.

por aí. e vê como trabalham os nossos 55 deputados estaduais. Exercita a separação do joio e do trigo.


Para compreender a burocracia Quando um projeto de lei é protocolado na Assem-

dias para que todos os deputados possam apresentar emendas à lei que será votada. Após este período, o

cional, legal e jurídico dos projetos que tramitam na Assembleia antes que eles sejam votados em Plenário pelos deputados. Se a CCJ for favorável, o projeto de lei segue para votação. Caso contrário, é encaminhado

A deputada Miriam Marroni concorda que a apresentação de projetos é apenas disso, a parlamentar reconhece que há projetos protocolados que são vagos. “Há mui-

para o arquivo.

hoje, cada vez mais tem sido assumida por pelo judiciário. “O deputado acaba perdendo um pouco a sua função”, complementa.

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fonte: www.al.rs.gov.br

contrário. A inclusão de dependentes do segurado Estado também é louvável. O PL 266 ainda da busca de parte dos legisladores pela maior igualdade no sistema previdenciário. Também foi protocolado um projeto de lei que pede a extensão do IPE-Saúde aos estagiários de todos os órgãos públicos do Estado.

O compromisso

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equivale a 36%. Já as outras esferas da administração protocolaram 32 projetos.

174

Dos 324 projetos de novas leis protocolados em 2011, apenas 174 são de autoria dos próprios deputados, ou seja 54%. O poder

até 03 de outubro

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O trâmite

novos projetos de lei em 2011

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Ou mesmo o que determina que os clubes de futebol sediados no RS devem assegurar que seus jogadores menores de 18 anos estejam matriculados na escola.

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Redecker. Esse é o caso do projeto que exige a apresentação de documento de iden-

2 de

muito aquele campeão de apresentação de projetos, porque grande parte da legislação existente não é cumprida hoje, nem há con-

4 TC 19 j E u

por tratarem de assuntos que já estão cobertos por outras partes da legislação. “Aqui na Assembleia são postos em votação muitos projetos inúteis, ou que já existem por

seus autores”, complementa. Contudo, esses números também são resultado de um sistema que não permite ao legislativo propor leis que gerem despesas ou lucro ao estado. “Nossa atuação de parlamentar é um pouco amarrada. Eu não posso legislar em cima de imposto, nem pra implementos em hospitais, por exemplo, porque gera despesa para o estado. Aí nós temos de propor ao governo para que ele apresente esse projeto”, pondera Redecker.

favor do Rio Grande. Entre esses, está o PL 305, que prevê a reinserção dos ex-presidiários na sociedade. Já o projeto 92 previa que os estudantes da rede estadual usassem uniformes fornecidos pelo Estado, ajudando os alunos de baixa renda e diminuindo as diferenças no ambiente escolar. Contudo, esse PL sequer foi à votação em Plenário, pois a Comissão

Projetos para o Rio Grande do Sul Contudo, assim como há os projetos para

Terceiro Milênio aberta ao povo gaúcho e pronta para cumprir o papel que lhe cabe do exercício atento do controle externo da administração estadual e da legislação responsável sobre todas as matérias de competência do Estado, com o mesmo espírito dos Deputados daquela corajosa Assembleia Provincial do distante ano de 1835.” dos os legisladores empossados em nosso estado. E, se eles se comparam àqueles que legislaram à época da Revolução Farroupilha, que “sirvam de modelo a toda terra”, e trabalhem em favor da sociedade e não dos interesses individuais.

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especial

No Bico da Pena

por Gabriel Hoewell e Luciano Viegas reportagem Douglas Freitas, Gabriel Hoewell e Luciano Viegas texto Douglas Freitas e Luciano Viegas

O homem criou o papagaio à sua imagem e semelhança. Da cabeça de Waldisney, Zé Carioca foi parar na Vila Xurupita, pelas mãos do gaúcho Renato Canini. O Brasil pra gringo ver virou favela e desgostou a Coroa norte-americana. Trinta anos depois de ser demitido, Canini foi Renato Canini

eleito Mestre Disney - um dos melhores desenhistas da companhia em todo o mundo. Hoje, aos 75 anos, ele vive com a esposa Maria de Lourdes em Pelotas, onde recebeu os repórteres do Bastião com muita simpatia e biscoitinhos. por desenho? Canini - Veio do meu pai, ele desenhava e

A gente é da mesma idade, mais ou menos. O Claudius nasceu em Garibaldi, mas sempre morou no Rio. Era um dos principais d’O Pasquim, da Revista Manchete. O desenho

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uma farmácia lá em Frederico Westphalen. Pronto, bagunçou a vida toda. Eu e as minhas irmãs fomos espalhados pela família, porque a condições de nos criar.

a área dele.

Você é primo do Claudius [Ceccon]. Começaram a desenhar juntos?

Eu fazia na época do Pasquim. Em Porto Alegre também saía no Coojornal uns de-

senhos começou a se reunir com a turma toda, o mais ou menos juntos. Eu acho que sou o mais velho de todos. Hoje em dia tem o Moa, que não é da nossa época. O Corvo [Eugênio Neves], de vez em quando, ia no Nani [bar Carioca, nas revistas de humor do Rio Grande do Sul. Teve o QI 14, que foi o primeiro livro publicado por desenhistas gaúchos, em 75.


Eu comecei na revista Cacique, em 57, que era uma revista infanto-juvenil, da Secretaria de Educação de Porto Alegre. Fiquei uns três anos, depois acabou. Eu mandava uns desenhos pra revista da Igreja Metodista de São Paulo, chamada Bem-te-vi. Depois, um dia, veio o diretor da Imprensa Metodista me conhecer, perguntando se eu não queria ir pra São Paulo desenhar. Então eu fui, trabalhei dois anos lá, mas São Paulo naquela época já me perturbava, era muito movimento. Hoje é uma loucura. Estava querendo voltar para Porto Alegre, aí juntei uns trabalhos, levei na Editora Abril. Era uma sala bem grande, a parte menor era da Recreio, a outra era do pessoal da Disney. Trabalhei na Recreio na primeira fase da revista. Aí o pessoal dos dois setores começou a se dar muito bem, e, lá pelas tantas, eles perguntaram se eu não queria desenhar o Zé Carioca.

foto Douglas Freitas

Como você foi parar em São Paulo?

Os americanos eram quase todos assim. Contavam que às vezes faltavam histórias pro Zé Carioca, antes do meu tempo, e os caras aqui no Brasil desenhavam e colavam por cima de outras histórias, como a do Pato Donald, só pra aproveitar o texto. Isso é até contra a lei, eu acho. Mas depois com o tempo apareceu bastante desenhista e argum

aproximar mais da América do Sul. No Brasil, criaram o galo, o Panchito. Começou com os americanos desenhando o Zé Carioca, era um desenho muito bom, mas faziam com um charuto cubano, não pegaram o espírito da coisa. Outros brasileiros tentaram, mas eu baguncei mais a história. A coisa estava em mim, os barraquinhos, tudo em volta. Era sempre péu, depois coloquei camisa manga curta, e a casinha dele é um barraco todo emendado. Desenhei o Zé Carioca sem conhecer o Rio. Só olhava revistas, cartões postais. Eles achavam que era muita miséria, coisas de negrinho, aí acabaram comigo. Hoje em dia o Zé Carioca já tá de tênis.

Por que você resolveu mudar as carac-

Além de adicionar traços pessoais, você

vinha um quadrinho americano, chamavam de decorado, faltava completar. Então os brasileiros aqui desenhavam e completavam os balões à mão.

Quadrinhos enlatados?

já foi à Bahia?

Você

frescura. Ele não aparecia sempre, só de vez em quando. Por não aparecer meu nome, na casa do Zé Carioca, eu colocava umas plaquinhas com “feijão Canini”, “açúcar Canini”. Eu comecei a fazer o Zé Carioca com 35 anos. desenhos livres. Na Recreio eu fazia aquelas loucuramas, criava à vontade. No Zé Carioca, que eles queriam. Pra mim foi um massacre.

para alterar o roteiro? Eu escrevia de vez em quando. A minha própria estreia no Zé Carioca foi com uma história minha. Depois, quando me corta-

nhos.

até uns cem argumentos para outros personagens [da Disney]. Quando eu escrevia argumento saía melhor do que os outros, porque eu sabia o que ia entrar na história.

É, eu fazia um caramujinho arrastando uma um porquê, era só de

texto.

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especial O Louzad Ele era de São Paulo, via meus desenhos na meio louco. Então ali ele viu que não precisava fazer a foto Douglas Freitas

Os gibis ainda têm importância para as crianças? Eu acho que é importante, só que hoje em dia eles preferem ver um desenho animado. para os livros. Por mim, eu preferia os gibis. Você olha quando quer, apesar de jamais chegar àquelas maravilhas de efeitos dos de-

Como surge o Tibica, um personagem devoto a Deus e defensor da ecologia já em 1978? Naquele tempo eu publicava em alguns jornais do Brasil, e não se falava muito em ecologia, então ele não teve sucesso. Na Abril, eles queriam criar o projeto Tiras, eu estava em Porto Alegre e me telefonaram para criar um personagem. Lembrei de fazer um indiozinho, ecológico e tal. Acho que [a consciência ecológica] é dever de todo mundo. na época, depois atualizei, melhorei. Se eu for fazer de novo daqui a uns anos, já muda.

Como é que funcionava a CETPA? verno, nós ganhávamos para desenhar. Nós publicamos bastante coisa ali. Até coisas . O Zé como Candango chegou a sair no Jornal do Brasil, n’O Globo, mas, quando era para termos -

Não colocam mais amor nos quadrinhos? É, só pra faturar. Tem o Calvin, aquele personagem que não vendem pra ninguém. Os caras querem botar na mídia, aquela coisa toda... é que o Maurício de Sousa é outra cabeça. Naquele tempo ele aparecia lá na Editora Abril, de vez em quando. A gente não pensando em milhões. Eu, quando comecei,

faltou dinheiro, os desenhistas voltaram para São Paulo. Lembro que o Edgar Vasques ia lá para ver os desenhistas, ele tava no começo da carreira.

O Maurício nem desenha mais, tem uns 100 trabalhando para ele. O Walt Disney não era

O Zé Candango foi criado em 62, durante

Quais foram os desenhistas importantes quando vocês estava começando?

Editora de Trabalho de Porto Alegre]. Ali eles queriam nacionalizar um pouco as histórias em quadrinhos. O Zé Geraldo era um desenhista carioca. Então ele criou o personagem, lá no Rio, e aqui em Porto Alegre, o Brizola, que era governador, deu força. Ele trouxe o [Júlio] Shimamoto, Luiz Saidenberg, Flávio Colin, uma turma boa de desenhistas. O per-

Na revista O Ele criou o Dr. Macarra. Depois, os dos heróis americanos também. Tinha o Carl Barks, que criou o Pato Donald. A gente vai na banca, uns não dizem nada pra gente, mas tem outros que marcam. Vocês tão na base do Angeli, eu acho, o Laerte, também. Com o

Antes você recebia salário, hoje em dia valoriza mais a publicação de livros. O senhor acha que esse trabalho com mente?

com essa experiência toda.

Você tem outro personagem, o Zé Candango, ele é uma oposição aos heróis americanos?

oitava página

naquela turma toda. Naquela época eu era mais ingênuo, porque eu adorava os heróis americanos, o Capitão América. Com o Zé Candango a coisa era mais ideológica mesmo. Era contra os americanos.

louco. Esperava que um colega mais rico comprasse pra emprestar pra gente. Agora, hoje em dia eu acho que é até demais. Tem a Mônica adolescente, a Luluzinha, pra pegar essa faixa [etária]. Tudo virou comércio.

pego um desenho e já vou fazendo qualquer coisa. E tem uns que já me imitam também.

contratar os melhores.

Acho que nem isso. O Tibica é um que, de vez em quando, a Saraiva publica em todo o Brasil e, quando vem, vem 50, 20 cruzeiros (sic). Então, como eu estou aposentado, ganhando uns mil cruzeiros, a gente vai levando. Mas não precisa de muito para viver também.


editorial

F

oram quase quatro horas de viagem. Voltando da nossa primeira entrevista internacional, em Pelotas, discutíamos – megalômanos – amenidades como o futuro da humanidade. Parece consenso que a educação pública anda meio renga das duas pernas. Ainda assim prestamos vestibular e suamos o pescoço no fio da navalha do mercado de trabalho. Nas escolas nos ensinam mais os acontecimentos da França do que os nossos próprios – isto por razões políticas obscuras. As universidades, por sua vez, de tão pouco universais, enclausuram os alunos em currículos fechados, sem diálogo com as outras áreas. Os estudantes no Chile lutam pelo fim da educação-mercadoria, esta que, além de cara, é mera prestação de serviço. Os rebanhos de mão-de-obra, formados ano a ano, sobram nas rebarbas de um sistema econômico que não suporta a todos, mas que precisa manter essa mesma massa de trabalho reserva, gente desempregada farejando oportunidades. As instituições que deveriam primar pela fuga dessa realidade são, paradoxalmente, as que mais colaboram com a cegueira. Enfim, somos produto final da Fábrica de Diplomas – a educação padronizante e mal estruturada, herança de uma época que não mais condiz com a atual situação. Estudantes brasileiros, tá bom assim?

expediente Redação Arthur Viana, Carlos Machado, Douglas Freitas, Gabriel Hoewell, Gilberto Sena, Luciano Viegas e Luiza Müller Editoração Ana Elizabeth Soares Ramiro Simch Arte João Filipe Padilha, Lucas Monteiro e Ramiro Simch Relacionamento

Colaboradores Rodrigo Ferreira, Ovos e Llamas e Mario Arruda Tiragem 1.500 exemplares Web

www. augustobier.blogspot.com

fale conosco assine anuncie bastiao@bastiao.net

nona página

Augusto Bier é cartunista, jornalista e poeta. O criador do Alemão Blau já ganhou prêmios no Salão Internacional de Humor de Piracicaba e no Salão de Duisburg, na Alemanha,


esportes

fotos Rodrigo Ferreira

AS NOITES DE GALA DO SHELBOURNE PARK texto e reportagem Arthur Viana

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UBLIN - “Não aposta no 1 nem no pre ser empurrados pras bordas”, ensina Thomas Reynalds, 74 anos. Frequentador de corridas de cachorro há mais de 40 anos, ele entende como poucos do assunto. Sabe qual cachorro escolher, quanto apostar, quando apostar e – mais importante – com quem apostar. “Fala com aquele ali”, diz, apontando para um dos dez elegantes senhores de terno e gravata próximos à pista de corrida, a maioria deles passando dos 60 anos. “Ele põe teu dinheiro no cachorro vencedor”, completa. Esses senhores são os bookmakers bourne Park Greyhound Stadium, local que recebe as corridas de cachorro em Dublin. Eles se posicionam ao lado da pista e, após oferecerem aos gritos seus preços para o páreo, tomam as apostas dos que arriscam algum palpite. “Para o visitante de ocasião, [apostar com um bookmaker] talvez pareça

pode ser bastante excitante”, defende a IGB (Irish Greyhound Board), órgão estabelecido em 1958 pelo governo irlandês e que organiza as corridas de cachorro em todo o país. Os valores das apostas variam entre bookmakers, uma vez que cada um faz seus cálnhecimento próprio sobre cada cachorro no

páreo. Apostar com eles é mais caro do que bookmaker a aposta mínima é, em média, de 5 euros, do lado de dentro o palpite mínimo custa um euro. “Se cobra mais porque, normalmente, quem aposta com um bookmaker já conhece os cachorros e vem disposto a jogar mais alto. Tem apostas que chegam a mil euros”, diz Patrick Flynn, 37 anos, gerente do Shelbourne Park. Thomas Reynalds costumava ser um bookmaker. Ele trabalhava como mestre cervejeiro na fábrica da Guinness e, após o expediente, ia ao estádio tomar apostas. Atualmente ele vai às corricom uma frequência muito inferior à do passado. “Com o tempo eu cansei das apostas, mas sempre acompanho os cachorros, e os mente, o trabalho nas corridas não recompensava, mas seus amigos o denunciam: “Ele fazia até 17.500 euros por mês”, entrega Tom Mualphy. Tom, 64 anos, frequenta as corridas há duas décadas e vai ao Shelbourne Park três vezes por semana. Aposta, em média, 30 euros por noite. Mas ele garante que o alto I’m here for the craic”, diz, usando a expressão versão”. Casado, diz que sua ausência em

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MPERLINE IMPERMEABILIZAÇÕES DESDE 1997


foto Rodrigo Ferreira

três noites por semana durante 20 anos nunca gerou reclamação da sua esposa. “Isso porque às vezes eu volto pra casa com dinheiro...”, se diverte. Tom diz já ter ganhado prêmios de 20, 60 e 100 euros. Apesar de ser um frequentador de longa data das corridas, não tem cachorro preferido hora da aposta. “Escolho o cachorro puramente na sorte”, explica. Quem discorda da sorte é o treinador Laurence Jones, 55 anos. Ele garante que há técnica envolvida no processo e que um cachorro vencedor não é obra do acaso: “Há diferentes formas de se treinar um cachorro. Temos é o que fará a diferença”. Jones treina o cachorro Gilford Driver, da raça Galgo. Mais rápida e resistente, é comumente a raça dos Bookmakers tomando apostas no Shelbourne Park, Dublin cachorros corredores. Em boa forma, esses animais podem pasxemplo, a primeira corrida, disputada em sar dos 60 km/h. “São rápidos e valiosos”, sos). E, apesar das apostas, dos gritos e da diz Jones. “Um cachorro regular, ainda não terra levantada pelos velozes cães, a noite decorrer do mesmo ano, as corridas alcantreinado, pode custar mil euros, enquanto no Shelbourne Park é de gala, com os irçaram média de público de 11 mil pessoas. um campeão pode alcançar o valor de 100 landeses vestindo seus melhores trajes Existem, hoje, 27 estádios que recebem mil euros [aproximadamente R$ 250 mil]”, para assistir aos páreos. No andar superior corridas de cachorro na Inglaterra. Na Irlanatesta ele. Além de treinador de cachorros, funciona um restaurante com vista para da, são 17. As disputas acontecem em dias Jones é também professor em uma escola a pista, e o local seguidamente é alugado intercalados entre os estádios, de forma primária em Malahide, cidade próxima a para festas. Flynn ainda diz que as corridas que haja corridas todos os dias da semana. Dublin. “Eu faço algum dinheiro quando o giram aproximadamente 10 milhões de As corridas no Shelbourne Park acontecem cachorro ganha, mas não é uma renda reeuros por ano e, em noites de casa cheia, às quartas e quintas-feiras e aos sábados. gular.” Sob a tutela de Jones, Gilford Driver quase 100 mil euros são apostados com os São 11 páreos por dia. O estádio tem cabookmakers. pacidade máxima para cinco mil pessoas e Há, com certeza, muito dinheiro em jogo é comum ver suas arquibancadas lotadas nas corridas do Shelbourne Park, conhecida quantas vitórias tem na carreira. “Mas não em dias de grandes corridas. De acordo é por serem muitas, e sim porque não conto com Patrick Flynn, a média de público fica quem melhor explica o espírito das noites de mesmo.” entre duas e três mil pessoas. O ingresso gala das corridas de cachorro é Tom MualAs corridas de cachorro são tradicionais custa 10 euros (5 para estudantes e idophy: o que mais vale é a diversão. em toda a Europa – na Inglaterra, por e-

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contracapa

A CASA DOS MORTOS

foto Rodrigo Ferreira

texto e reportagem Douglas Freitas e Rodrigo Ferreira

É

dentro de Porto Alegre, daqueles que não vivem mais. Ao ingressar nos muros imponentes do Cemitério Santa Casa é posRevertere ad locum tuum” (“Volta ao

rendo e comprando ou alugando espaços. Um dos vendedores nos informa que existem diversas opções para ocupar um dos quase 35 mil espaços tumulares: tudo depende de quão próximo da ala nobre ou do Campo Santo pretende-se descansar. Uma sepultura em um dos quadros mais valiosos do cemitério custa aproximadamente 16 mil reais. Já uma catacumba no terceiro andar de uma galeria situada em um local privilegiado custa 7 mil reais. Cada cova é um produto, e o Cemitério Santa Casa se apóia em sua história para manter o lucro em alta.

do à Santa Casa, não é exclusivamente católico. Por valorizar a carga histórica que ostenta, o local é procurado por historiadores, pesquisadores, fotógrafos. Seu José, coveiro, enquanto cimenta um túmulo e outro, diz ser raros os dias em que alguém não fotografe ou anote algo entre as sepulturas.

palhados em mais de 10 hectares, a opulência dos grandes túmulos, bem acabadas do corredor principal levam à grande cruz pintada a ravam as sepulturas dos homens livres das valas dos escravos. Caiu desta vez guiada pelo dinheiro. A história da cidade está escrita nos que marcam o descanso dos rejeitados.

Descanso, memória e o preço a ser pago Todo bom vendedor possui um argumento capaz de persuadir o mitério da Santa Casa de Misericórdia, a importância das pessoas enterradas no local é o fator fundamental de divulgação. O leque de celebridades e vultos históricos enterrados no local é grande. Donos dos nomes de alguns dos principais locais de Porto Alegre estão lá. O

Silveira, 38 anos, há três trabalhando no local. Porém, mesmo na ala nobre do cemitério é visível certo empobrecimento das esculturas e lápides. A grandiloquência das obras parece ter se perdido no tempo. Os túmulos, antes lugares de lembrança e vaziamento da memória”, as novas gerações dão cada vez menos importância para isto, explica o professor e autor do livro Cemitérios do RS: Arte, Sociedade, Ideologia, Harry Bellomo. Mesmo assim, o cemitério se mantém como um dos setores mais

Enterro do pobre Um pequeno escritório, uma máquina de escrever e um arquivo de sete gavetas. É tudo que o senhor Ernandi Correa, 60 anos, há 32 lidando com a morte, precisa para fazer seu trabalho. Ele é responsável pela organização e distribuição dos indigentes. Em média, por mês, Ernandi cuida de 60 enterros no Campo Santo, contra 100 no setor privado. Enterro do Pobre. Em 1934, passou a contar com a parceria da União Pelotense, que se encarregava do fornecimento de caixões. Agora, obrigatoriamente quatro caixões por mês, em sistema de rodízio. Segundo Fábio Souza, agente da funerária Santo André, o caixão mais barato custa R$ 628,00. A evidente diferença entre este modelo, que bram. ral, direto aqui atrás. Se há algum familiar, providencia-se um rápido velório, senão, a gente aqui do cemitério nem abre o caixão. Enterramos sem saber se é branco ou preto”, explica Ernandi. Porém, das

digente, ou cuja família não tenha condição de pagar pelo enterro.

bolismo de cada enterro. Enquanto varria a frente do mausoléu da família Chaves Barcelos, sentenciou: “Lá no Campo Santo tudo parece dos nós acabaremos no mesmo lugar”.


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