Revista Preá 24

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caro editor, fiz algumas alterações no ser tão sertão ser tão. a epígrafe de corbière continua, mas retirei a minha tradução. reescrevi os fragmentos (sempre obedecendo o foco narrativo, que alterna realidade e imaginação). por ora, os fragmentos são: estação angicos, o vulcano da caatinga, fases de francisca e inverno. outros “capítulos” serão enviados, até você poder dispor de um certo material, para, a seu gosto, montar, pulverizar, fundir e descartar. já que este narrador é cria sua, não use da piedade, essa coisa que, segundo pound, tem poupado tanta coisa ruim na literatura. aceitarei também suas sugestões, meu jovem mestre.

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ando pesquisando uns personagens angicanos: um velho primo de meu avô, que foi o último monarquista, morreu leal a dom pedro, trechos do político, herói republicano, orador e escritor jota da penha, as glosas fesceninas de édson péres, biografemas do professor e jornalista zacarias antônio araújo, meu avô materno... a fonte principal é a história de angicos, de aluízio alves, mas quero complementar estas narrativas, com informações orais de pessoas que ainda estão vivas, como um neto de josé da penha que mora aqui em natal. enquanto não concluo as pesquisas e os fragmentos (que cabe a você montá-los, descartá-los etc.) segue o texto do poeta jarbas martins, máscara de josé jarbas martins, o narrador de ser tão (fica melhor o título assim, não?). você pode pegar também o texto “transatlânticos”, que terá naturalmente uma ilustração de carito, certo? mãos à obra.

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O POETA JARBAS MARTINS LEMBRA SOCORRO, A MAGA ANGICANA Chegarei onde estiveres, amor meu, a Roma, ou a Castela com seu muro fortificado e sua torre, ainda que sobre mim caia uma chuva de sal, ainda que me impeçam as pontes desabadas, ainda que voltem-me as lembranças da infância terrífica de Angicos, o pio da coruja ao meio-dia, o redemunho, um estalido quebrado na caatinga. Com o meu verso tardo como escudo, uma rima de arrimo em teu socorro, rumarei contigo, amor meu, uma romã oculta no meu bolso, à Estação Angicos, num coche de égua ou água negra, sem antes descansar minhas barbas marfins em tuas pernas, por fim eternas. Uma lanterna, como um velho amor, iluminando.

caro editor, andei vadiando pelo facebook e encontrei velhos amigos da faculdade de direito: ilná rosado, pedro simões, sônia bandeira, e outros avôs e avós... seguinte: e se eu desistir do romance, que precisava de umas pesquisas impossíveis no momento? com o que eu mandei você pode juntar “transatlântico”... e se eu mandar uns repaginados e desconectados textos que têm a ilusória angicos como pano de fundo?

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chefe-editor: abri o arquivo e o tesão de escrever voltou, não me lembrava do que tinha já escrito. olha, aquele simulacro de poema visual falando do cabugi pode entrar. vou entrar em contato agora, pelo telefone, com uma prima q mora em angicos. pra ela me contar, à maneira da minha avó, a lenda de damasinha, assassinada pelo marido. lenda mal contada pelo historiador aluízio alves no seu livro sobre angicos. em breve narrativa vou dar contornos shakespeareanos à essa história. até depois de amanhã, chefe-editor.

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seguinte: enquanto pesquiso o drama shakespereano de damasinha, envio este fragmento que conclui o capítulo O POETA JARBAS MARTINS LEMBRA SOCORRO, A MAGA ANGICANA. assim: Mas antes de retornarmos ao nosso Império de sol e castelos de cartas, nos perderíamos de amor por Roma... Amor por Roma, descobririas logo, nesse palíndromo, duas palavras como dois pequenos vagões, a mão ou uma peça unindo uma palavra à outra, em uma eterna viagem e torna-viagem. Vagaríamos pela Itália à procura de uma cidadezinha como a do poema de Ungaretti. Pernoitaríamos nessa cidade, tão estranha para nós, com suas quatro estações bem definidas. Tão diferente de nossa Angicos com sua única e ilusória Estação. e por hoje é só, chefe-editor. estou no rastro do fantasma de damasinha. abs.

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chefe-editor: no capítulo INVERNO, logo após, “... no jubiloso verde da caatinga.”, acrescente-se: O magro e desajeitado José Jarbas Martins ajustava na cara a máscara do poeta Jarbas Martins, e intuía o primeiro poema préconcretista da região semiárida: “reverdece”.

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saudações.

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