Revista Preá 24

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aos cangaceiros, a pesquisa foi feita em cima da indumentária dos vaqueiros, dos samurais, e sobre Lampião e seu bando. Os gibões foram comprados em Fortaleza e adereçados no nosso ateliê de marchetaria.”

ARTESANATO E HANDMADE A moda brasileira há muito flerta com o sertão. Ora de maneira mais tímida, ora através de uma paixão mais declarada. O primeiro cupido desse affair foi provavelmente a mineira Zuzu Angel. Antes de entrar para a história por ter usado a moda para denunciar os horrores da ditadura, Zuzu já fazia história ao misturar artesanato nordestino com alta costura. O primeiro passo foi tingir algumas rendas – que eram utilizadas somente em panos de cozinha – na mesma cor dos tecidos nobres, e usar os dois materiais juntos em vestidos de festa. Depois ela fez peças com chita, bordados, labirinto, renda de bilro e até vestidos de noiva feitos com toalhas de mesa nordestinas. Outro aparecimento marcante do sertão na moda brasileira aconteceu em 2006, com a coleção “O sertão ri”, do também mineiro – e não acaso admirador do legado de Zuzu Angel – Ronaldo Fraga. A coleção foi toda inspirada na obra de Guimarães Rosa, especialmente em Grande Sertão: Veredas. Na apresentação do trabalho, o estilista afirmava: “O sertão é um só, e por não ter portas e janelas ele está em todo lugar.” O sertão podia não ter portas, mas a moda brasileira tinha voltado a fechar algumas. Quarenta anos após Zuzu Angel, a desvalorização do artesanato nordestino havia voltado a ser uma pesada porta à espera de novamente ser derrubada. A renda de bilro era bonita para levar pra casa como lembrança das férias ensolaradas, mas para as passarelas – e para as vitrines mais refinadas – não servia. O desfile de Ronaldo Fraga trouxe as cores e as texturas do sertão de volta aos holofotes. Nos anos seguintes, as próprias transformações sociais, que obviamente ecoam na moda, ajudaram a agregar valor e prestígio à estética nordestina. Começou-se a falar em economia criativa, sustentabilidade, e o artesanato ficou chi-

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que – passou a ser chamado handmade. Fazer o quê se a moda precisa de um estrangeirismo besta para agregar valor ao que antes não enxergava como tesouro? Assim, o sertão ganhou passe livre na alta costura brasileira. Entre uma coleção e outra, sempre aparece alguém tomando aquele pedaço de chão como inspiração. Mas o grande destaque dos tempos atuais, o sertão deve ao poder das novelas, como as maiores catalisadoras de tendências de moda do Brasil. “Para mim o artesanato nacional sempre esteve na moda, mas é uma surpresa que uma novela de época tenha essa força. O nosso intuito ao conceber e realizar o figurino foi a busca pelas características de cada personagem para ajudar a contar essa fábula deliciosa de fazer e de ver”, pondera a figurinista de Cordel Encantado.

MEIA-LUA ESTRELA Também têm um quê de fábula algumas coleções de estilistas potiguares inspiradas no sertão. Não por fugirem à realidade, mas por retratarem um sertão de lembranças. A estilista Eveline Santos, da Avohai, fez uma coleção inspirada na natureza de Jardim do Seridó. As peças são cheias de

detalhes que estimulam a memória afetiva de quem cresceu no sertão. Em Currais Novos encontramos a Ana Marcolina, marca de Luciana Mamede, sempre bebendo na fonte inesgotável de inspiração que é a região do Seridó. Já o estilista Riccardo San Martini, acaba de lançar uma coleção intitulada “Asa Branca”, que tem inspirações que transcendem a localização geográfica, mas que usa materiais tipicamente nordestinos – e já faz sucesso com um bracelete de couro que vestiria tão bem um cangaceiro quanto um gladiador. Enquanto isso, em Nísia Floresta, a poucos quilômetros de Natal, um homem sonha com um Museu do Vaqueiro. Guardião da estética sertaneja, o empresário, músico e pecuarista Marcos Lopes é um purista quando se fala em tradição nordestina. Ele mantém um espaço onde funciona o tradicional Forró da Lua. O evento acontece uma vez por mês, promovendo um típico forró pé-de-serra, iluminado, é claro, pela lua cheia. Marcos Lopes tomou pra si a missão de manter vivas as tradições do lugar onde cresceu. Com recursos do Banco do Nordeste (BNB), ele conseguiu viabilizar um projeto que oferece oficinas de sanfona e de artesanato em couro para crianças


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