Pausa

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para ser lido nos intervalos BELO HORIZONTE NOVEMBRO DE 2009 NÚMERO TREZE


expediente

Conselho Editorial Alexandre Fantagussi Erick Costa Maraíza Labanca Rafael Reis II Projeto Gráfico e Direção de Arte Fernanda Gontijo II Colaboradores desta edição Camila Morais Matheus Lopes Tânia Diniz II Revisão Isabela Monteiro II Impressão Guia Prático II Tiragem 1.000 exemplares II Informações Críticas Comentários Envio de Material Contato jornal.pausa@gmail.com II As opiniões expressas nos textos assinados são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores II Favor não deixar este jornal em vias públicas II Acesse: jornalpausa.com.br/blog

conto

os desterrados poema sem título tradução e. dickinson resenha entre o olho e o objeto

parceiro Rua Padre Odorico, 128 sl. 606 Savassi | BH | MG | (31) 3225 9026 www.casadaletra.com.br

As imagens desta edição são de Matheus Lopes. Conheça mais em: www.mathiole.com


Depois de um longo período de férias, o Pausa está de volta com novidades. Estamos lançando, juntamente com a edição # 13, o Blog Pausa, um espaço virtual de referência artística e cultural. Lá você encontrará informações diariamente atualizadas pelo conselho editorial e por uma equipe de colaboradores. Com isso, pretendemos, naturalmente, ampliar a área de atuação do Pausa e, sobretudo, criar um espaço de divulgação mais aberto e dinâmico. Acesse e participe do blog Pausa: jornalpausa.com.br/blog *

Esta edição traz poemas de Tânia Diniz, editoraidealizadora do mural poético Mulheres Emergentes – publicação trimestral de circulação internacional que, neste ano, completou 20 anos –, um conto de Erick Costa, uma resenha de Maraíza Labanca e tradução de Camila Morais de um poema de Emily Dickinson. As ilustrações foram feitas com exclusividade por Matheus Lopes.

jornalpausa. com.br

/blog Rafael Reis II 3


A despeito de nós, caminhamos aos pedaços. Bastam alguns pontos para um desenho inteiro. Estranho, mas um desenho. Pessoas vagam, um saxofonista toca de pé seu último fracasso. Na esquina há um carro. Há quatro, talvez cinco prédios à volta do músico. Cercam-lhe algumas dezenas de quarteirões. Ninguém o vê com interesse, mas pingam-lhe moedas no chapéu. Na rua, as pessoas caminham e não há alma viva. Moedas apagadas passam de mão em mão. O tempo de uma música e a paisagem dão o tom da vida de um saxofonista, mas não é preciso que isso seja uma cidade. Unam-se os pontos e tem-se uma imagem qualquer. De um lugar a outro, de uma pessoa a outra, são sempre cômodos que se freqüentam. No final das contas, estamos sempre sozinhos e uma voz sussurra ao pé do ouvido: “hora de partir”. As circunstâncias dizem que é preciso. Os estranhos são sempre estranhos. O carro arranca. Há uma poça d’água e um homem fuma adiante. É velho e naturalmente cansado. Assusta-se, porque não chora e há água em seu rosto. Pisca. A vida gira dentro das pupilas. Conta-se que perdemos nossa terra para o fogo. Que houve terra firme, hoje coberta pelas cinzas. Que a garganta da terra enfureceu-se quando houve fome. Essa história já não nos assombra. Conta-se, ainda, que sempre fomos o povo das águas. O que é conforme nossa natureza. É fato, já quase nada nos mete medo. É o que divulgam. Fomos avisados de que a peste chegara aos portos. Recebemos informações de que seríamos levados pela alta maré. Há poucos dias, os navios ancoraram, deixaram-nos, partiram. Entregaram-nos ao destino. Zarparam as últimas embarcações e não houve lamentos. Atiraram garrafas vazias de rum nas carcaças podres, que naufragaram. Deixaram-nos no saguão de passagem das cargas, guardando nossos postos. Nunca soubemos o que levávamos. Lugar de entregas para alguns, passagem para outros. Quando o último farol que se via do porto apagou, alguns tolos impacientes chegaram a se atirar ao mar. O capitão nada pôde fazer. Conduzia as coisas rigorosamente em desordem. Ordenava-nos caprichosamente. Havia entre nós, ainda, alguns nobres, remanescentes de povos caídos. Homens mudos que sabiam demais. Perambulavam pelo saguão, desorientavam-se e espatifavam contra as paredes. Divertiam-nos. Da população dos portos, respeitávamos apenas um desconhecido. Talvez fosse um cego carregado pela peste, as gengivas em carne viva. Não nos metia medo, tampouco inspirava-nos compaixão. Usava capuz e sobretudo negro, como quem enlutou há séculos e não sabe. Sua embarcação era incerta. Era um homem disperso, que vagava. Alguns acreditavam ser ele um velho faroleiro, responsável por naufrágios antigos. Talvez sorrisse por dentro. Nunca vimos seu rosto; havia sombras demais à sua volta. Era digno, jamais naufragara e só sabíamos disso porque estava ali, entre nós, entregue às correntes marítimas. Apesar de nossa resistência, não tardara que o destino esfaqueasse-nos novamente. Não houve gritos. Tombavam as primeiras vítimas da peste. Num determinado espaço de tempo, a taxa de sobrevivência cai a zero. Nascemos com os prazos vencidos. Felizmente, havia desde sempre os mapas de coordenadas duvidosas. Mais uma vez, fomos aniquilados. As embarcações retornaram, como sempre, perturbadas pelo mau tempo. Nada mais restava a fazer, após cumprirmos as tarefas das noites e dos dias. Partimos. Dispersamos como o fumo que nos cultivava, à espera da próxima ocupação. A brasa de um cigarro caído se apaga. Permanece apenas a música estridente de um saxofone.


Os Desterrados Erick Costa II 5


6 II Matheus Lopes


Em corpoárido seco terreno ardeste fogueiras, distraído Fez-se fogo farto fogo-fátuo e sem ti, anjo torto, corpotraído, jaz agora fogo morto.

Tânia Diniz II 7


Because I could not stop for Death – He kindly stopped for me – The Carriage held but just Ourselves – And Immortality We slowly drove – He knew no haste And I had put away My labor and my leisure too, For His Civility – We passed the School, where Children strove At Recess – in the Ring – We passed the Fields of Gazing Grain – We passed the Setting Sun – Or rather – He passed us – The Dews drew quivering and chill – For only Gossamer, my Gown – My Tippet – only Tulle – We paused before a House that seemed A Swelling of the Ground – The Roof was scarcely visible – The Cornice – in the Ground – Since then – ‘tis Centuries – and yet Feels shorter than the Day I first surmised the Horses’ Heads Were toward Eternity –

8 II Emily Dickinson


Porque eu não pude parar para a Morte – Ela gentilmente parou para mim – A carruagem mantida, mas apenas nós mesmas – E a Imortalidade Nós lentamente conduzimos – Ela sabia: sem pressa E eu descartei Meu trabalho e meu ócio também, Para Sua Civilidade – Nós atravessamos a Escola, onde as Crianças brigavam No Intervalo – na Arena – Nós atravessamos os Campos de Gazing Grain – Nós atravessamos o Sol Se Pondo – Ou melhor – Ele nos atravessou – Os Orvalhos puxaram tiritando e gélidos – Apenas Lividez, minha Túnica – Meu Palatino – somente Tule – Fizemos uma pausa ante uma Casa que parecia Um Inchaço do Solo – O Telhado era pouco visível – A Cornija – no Chão – Desde então – por Séculos – e ainda Sente-se menor que o Dia Eu primeiro presumi que as Cabeças dos Cavalos Foram rumo a Eternidade –

Camila Morais II 9


“por dentro, mãos que se sondam sem para fora se alastrar. não como abeirar-se do que está sempre de lado e se forma no alheamento das linhas. por certo não se esgueira, e ao fazer-se, enlaça o que fora se movimenta”

Entre o olho e o objeto

“não se sabe por onde começa. à abertura, arqueja velocidades intrínsecas. nada incontido (nada) o ar dispõe. frestas marchetadas ante a brevidade do corpo enredando a linha viva. qual matéria?” 10 II Maraíza Labanca


Os poemas de Rodrigo Guimarães presentes no livro Objeto Algum (Rio de Janeiro: 7Letras, 2008. 98p. Prêmio Governo de Minas Gerais) não são apenas um exercício entre diferentes formas /de encontrar um objeto, mas um processo de desmonte; deve-se estar atento ao que se desmobília, peça a peça, com o rigor do menor elemento: o prego, a agulha, a pinça. Trata-se de um livro para quem se deixa assediar pelo ponto em que os objetos (o que inclui as palavras) tornam-se superfícies capazes de comportar o declive das circunscrições.

Sós da paisagem, os olhos, a procura do desequilíbrio, do desate rigoroso em que o que demarca começa a se liquefazer. Explora-se o objeto até achá-lo peça de silêncio, capaz de conter e deixar evadir – inclusive seu próprio corpo. Objeto, ângulo, aresta, coisa, quadro, moldura são instrumentos de capturas – pontos de vista onde um mundo se acumula – e, no entanto, constituem, no poema, o lugar cuja espessura invisível faz derramar os lugares – um desfiguramento. Trata-se do espaço onde tudo entorna: onde a palavra faz ceder as costuras. O poema, então, se forma no alheamento das linhas, como a lembrar: é preciso suportar a trama das esquivas. Nessa erosão, o olho, por fim, procura ainda a tensão mais fina, como a falsa quina acima da água, suscetível até a sutis incursões. É, porém, ainda a água aquela com que nenhuma lâmina se afia.

Maraíza Labanca II 11



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