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CORAÇÃO EM

PERIGO Mulheres acham que são imunes às doenças cardiovasculares, não fazem prevenção, não reconhecem os sinais do infarto e acreditam que o câncer de mama mata mais que o ataque cardíaco. Esse quadro precisa mudar depressa S UZ A N E G. F R U T U O S O

Fotos abertura, Corbis; as demais, Alexandre Severo

O

Carlos Costa Magalhães, presidente da Sociedade de Carnosso coração anda maltratado e as diologia do Estado de São Paulo (Socesp). O leque de razões são inúmeras: as mulheres enequívocos sobre um problema tão sério está na pesquisa frentam pressão no trabalho, acumuSinta Seu Coração, realizada com 5 318 brasileiras das lam responsabilidades com a família cinco regiões pela área de Pesquisa Inteligência de Mere a casa. Acabam engolindo alimencado da Abril Mídia, como parte de um movimento de tos gordurosos às pressas, estão canconscientização puxado por CLAUDIA e pela revista sadas e não encontram tempo para a SAÚDE em parceria com a Nestlé e a Socesp. Veja as desvida afetiva e sexual. A bebida ou o cigarro – muitas vecobertas da ampla investigação e orientações dos experts. zes ambos – entram como antídoto para a solidão e a ansiedade. Há ainda enorme desinformação sobre o que TUDO EM NÓS É DIFERENTE agride a saúde cardiovascular, o que coloca 21 milhões de As artérias femininas são 15% mais estreitas e estão mais brasileiras sob a ameaça de infartar. Quase não se fala sujeitas aos fatores de risco relacionados a entupimentos. que o infarto – necrose por falta de oxigênio, impedido “Uma vez lesionadas, as veias suportam menos a agresside circular pela presença de trombos (coágulos) – mata, vidade de um infarto e logo se rompem”, diz o cardiologisa cada ano, 39 mil mulheres, três vezes mais que o câncer ta Leopoldo Piegas, do Hospital do Coração de São Paulo. de mama, que vitima 12,8 mil. A displicência está atrelada a um mito antigo, de que o ataque cardíaco é um Quando a dieta é rica em gorduras saturadas, as mal dos homens. Por isso, a forma de prevenir e consequências são piores para elas. No homem, a percepção dos sintomas estão direcionadas as placas adiposas acabam inflando a veia e ao organismo masculino. Para completar, o demoram a obstruí-la. Nas mulheres, a perfil de cuidadora faz a mulher se preocuação é a de fechar rapidamente. Isso faz os par com o parceiro e esquecer dela. Foi o médicos acreditarem que, após um infarestilo de vida que provocou a mudança da to, mulheres têm risco mais elevado de REVELAM QUE NÃO VÃO À ACADEMIA morrer que os homens. Também por cauincidência. “Depois dos anos 1970, o risco NEM SE EXERCITAM sa das artérias finas e tortuosas, elas esfeminino de cardiopatias dobrou em relaDE OUTRA tão mais propensas à hipertensão. De novo ção ao sexo masculino”, diz o cardiologista FORMA

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VIDA AGITADA E COLESTEROL ALTO “Nada indicava que eu sofreria um infarto. Mantinha o peso com caminhadas, não havia sinal de hipertensão ou diabetes. Só o colesterol andava alto. Minha maratona diária era de 15 horas de trabalho e, nos fins de semana, corrigia provas e preparava aulas. Vivia sobrecarregada. Há seis anos, um estopim deflagrou a crise: sofri um sequestro-relâmpago na saída de um supermercado. O bandido sacou o dinheiro com meu cartão e me deixou no carro passando mal. Senti uma dor dilacerante nas costas, como se um canivete me rasgasse. Cheguei ao hospital duas horas depois. Diminuí o ritmo de trabalho para dez horas e aprendi a me preocupar menos com as coisas. Agora, me dedico mais a mim.” MARIA DAS GRAÇAS MACIEL, 64 anos, bióloga e professora, de Salvador

em desvantagem: o risco de desenvolver cardiopatias aumenta cinco vezes na mulher que tem pressão alta em comparação à não hipertensa. No homem, duas vezes. O público feminino (81% das entrevistadas no estudo Sinta Seu Coração) até sabe que a hipertensão é uma inimiga, mas ignora os sintomas que anunciam o infarto. “Precisamos afastar a ideia de um homem com dores torácicas”, diz Louise Pilote, cientista da McGill University, no Canadá. “Dor no peito, idade e gênero há muito tempo não definem um ataque cardíaco.” Acompanhando mil enfartados, de ambos os sexos, Louise notou que a pressão peitoral não era relatada por uma em cada cinco mulheres em torno dos 55 anos. Os feixes de nervos no sexo feminino se ramificam em direção às costas, barriga e mandíbula, áreas onde a mulher sente o maior impacto. Abaixo dessa faixa etária, os sintomas são mais difusos. Mas o desconforto é notado também em um ou nos dois braços, no pescoço e no estômago. Ocorrem ainda dificuldade para respirar, sudorese, náusea, vertigem e até desmaios. Os sinais nem sempre vêm juntos. O atendimento urgente aumenta as NÃO SABEM QUE A chances de sair viva. As mulheres, em MENOPAUSA É UM geral, demoram 30 minutos mais que os DOS FATORES DE homens para ir ao hospital. E se revelam RISCO PARA O CORAÇÃO indisciplinadas no tratamento, como destacou estudo da Tampere University Hospital, na Finlândia. “As pacientes não seguem as recomendações e se atrapalham para acomodar os horários dos remédios na agenda”, diz Caroline Demacq, gerente médica da Novartis. O laboratório lançou no Brasil, em junho, o Exforge HCT, anti-hipertensivo que combina três fármacos num só comprimido. Em abril, o instituto de pesquisas Ipsos havia revelado que 58% dos brasileiros com pressão alta esquecem de tomar as drogas.

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DIABETES, MENOPAUSA, OBESIDADE... A maioria das pesquisadas por CLAUDIA e SAÚDE não tem consciência de que o excesso de glicose no sangue é implacável sobre as artérias delgadas das mulheres.

A fé no ritmo cardíaco

Uma pesquisa publicada em 2012 no International Journal of Psychiatry in Medicine, com 3 936 americanos, constatou que os que rezavam ou liam literatura religiosa apresentavam 40% menos risco de hipertensão. “O que importa não é a crença ou o dogma, mas enxergar valores além das coisas materiais”, diz o cardiologista Álvaro Avezum, que coordena um grupo de estudo sobre o tema no Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Para ele, espiritualidade é uma postura diante da vida, com base em ética, tolerância, tranquilidade, capacidade de perdoar, resiliência, solidariedade e cidadania. “A ciência tem comprovado que sentimentos positivos melhoram a saúde, reforçam a coragem e a confiança e fazem o paciente se dedicar mais ao tratamento.”

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Apenas 18% veem na doença um fator de risco, sem saber que quatro em dez diabéticas morrem de males do coração. Entre os homens são três óbitos. Já a obesidade figura entre as preocupações de 80%. Mas é raro associar a medida da cintura às complicações. Nessa região, as estruturas celulares adiposas se multiplicam rapidamente – e essas células interferem nos processos inflamatórios e de resistência à insulina. Quanto maior a quantidade delas, mais desprotegido o coração. “É papel do médico deixar claro que lipoaspiração não reduz o risco de infarto”, explica Otavio Gebara, livre-docente em cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Precisamos disseminar a cultura de medir a cintura (que deve ter em torno de 80 centímetros) e, dependendo do caso, dar mais valor a ela do que ao número da balança.” Também a menopausa é pouco relacionada: apenas 3% a mencionaram. No período, a possibilidade de infarto é duas vezes maior se comparada com a das mais jovens. O estrógeno em queda perde a função vasodilatadora e de reduzir as taxas de LDL, o colesterol ruim. Sem esse hormônio, o cálcio nos ossos diminui, e os médicos prescrevem a reposição. “Pesquisadores consideram a hipótese de a substância acabar depositada nas artérias, com prejuízo cardiovascular”, diz o ginecologista Rogério Bonassi, diretor da Associação de ObstetríRECONHECEM QUE cia e Ginecologia do Estado de São Paulo. A O SEDENTARISMO LEVA A densitometria óssea, que avalia a ossatura, CARDIOPATIAS ajuda a investigar se o cálcio nas veias estaria facilitando a aterosclerose. Nossa pesquisa “Para me afastar do stress, resultado de muita competição no escritório, 12 horas de jornada mostra que 73% das mulheres que têm mais de e mais duas no trânsito, pedi férias e fui para 50 anos nunca fizeram o exame nem mesmo para prea Irlanda. Na volta, me senti mal. A pressão venir a osteoporose. Outro alerta é sobre inflamações, cocaiu, o coração disparou, veio uma sensação mo a periodontite, que afeta a gengiva. Compostos inflade desmaio e as extremidades arroxearam. matórios invadem a circulação quebrando a proteção das Os sintomas se repetiram. Consultei vários artérias. “Placas de gordura se rompem induzindo a entraespecialistas. Chegaram a dizer que era da do colesterol nas células e a formação de coágulos, que emocional. Passei por constrangimentos: as obstruem o fluxo do sangue”, afirma a cardiologista Denipessoas achavam que eu fazia corpo mole. se Hachul, da Sociedade Brasileira de Arritmias CardíaCom medo de ter crises em público, me afastei cas. Podem ocorrer infarto e acidente vascular cerebral.

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O PESO DAS EMOÇÕES O médico Álvaro Avezum, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, costuma dizer que dívidas, desemprego, separação e morte de familiares fazem parte da vida, mas, como são situações traumáticas, causam impacto na saúde. “Somadas ao stress diário, podem acabar em depressão”, avisa. A psicóloga Heloisa Galan, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estabeleceu a relação entre depressão e infarto ao analisar os sentimentos de dez enfartadas entre 37 e 60 anos. Todas se sentiam desvalorizadas. Algumas haviam sido traídas pelo parceiro ou acumulavam questões emocionais mal resolvidas. “A falta de afeto estava sempre presente nos 1 98

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SEDENTARISMO E STRESS

de tudo. Busquei a última ajuda no Instituto do Coração (Incor), onde ouvi um diagnóstico: síncope (perda da consciência e do tônus muscular por falta de irrigação de sangue para o cérebro, causada pelo ritmo cardíaco desequilibrado, que pode levar ao infarto). A pressão no trabalho e o sedentarismo só complicaram um mal não diagnosticado antes. Tratei com remédio e terapia. Aceitei um emprego menos estressante e, com mais tempo, vou à academia, ao cinema, leio. Ganhei a vida de volta.” GIOVANNA ROSSETTO, 33 anos, analista de recursos humanos, de Campinas (SP)


Saúde relatos”, lembra. Para o psiquiatra Renério Fráguas Junior, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o mal atinge mais as mulheres porque as oscilações hormonais as tornam vulneráveis diante dos sentimentos. Na pesquisa Sinta Seu Coração, 58% classificaram as decisões sob pressão como fator de risco. Elas nem desconfiam, no entanto, que depressão e excesso de tensão provocam estragos: apenas 4% deram a eles o devido valor. “No stress intenso, o sistema vascular recebe uma sobrecarga de noradrenalina que acelera o coração,

contrai os vasos e aumenta a pressão arterial”, explica Denise Hachul. Mesmo com as artérias perfeitas, há risco de infarto ou AVC, já que, sob stresse, falta oxigênio. No organismo da deprimida, a concentração de cortisol é maior, afetando a frequência cardíaca e elevando a coagulação sanguínea. Sem contar que, desmotivada, ela se cuida menos, come mal, não se exercita, ganha peso. Podem decorrer do quadro o diabetes, a hipertensão e o colesterol alto. GINECOLOGISTA, O ALIADO Nas consultas regulares, as pacientes perguntam ao ginecologista se ele notou algum nódulo nos seios. Nas últimas décadas, o combate ao câncer de mama ganhou força no mundo, enquanto as doenças cardiovasculares permaneceram negligenciadas. O ginecologista Luciano Pompei, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, dá as razões: “A mama é o órgão da feminilidade. O baque emocional na descoberta de um tumor ali é gigante. E a mastectomia, cirurgia-padrão até os anos 1980, ainda está presente na memória das mulheres”. Além disso, “existe a fantasia de que o câncer mata agora, enquanto as cardiopatias seguem silenciosas por anos, até que a paciente se vê à beira da morte”. A prevenção deve começar cedo. Mas poucas vão ao cardiologista. O aliado é o ginecologista, a quem recorrem com mais regularidade. “Ele pode pedir exame de sangue para checar os níveis de glicose e colesterol, aferir a pressão e medir a cintura”, diz Luciano. Simples assim. As pesquisadas, no entanto, acham que o caminho começa pelo eletrocardiograma, que registra a atividade elétrica cardíaca, segido pelo ecocardiograma, que avalia válvulas, veias e músculos.

HÁBITOS E MAIS EQUÍVOCOS Sobre comidas: 25% almoçam na rua e 8% pulam refeições. Do total, 91% sabem (embora possam abusar) que alimentos industrializados são prejudiciais por causa do excesso de gordura e sal – isso aumenta o volume de DAS MULHERES sangue e eleva a pressão, o que passa a comBRASILEIRAS ESTÃO ACIMA “Eu estava de férias, almocei e tirei um primir as veias. Depois, vêm refrigerantes, DO PESO cochilo. Horas depois, uma dor no peito, apontados como danosos por 81%; doces, por como um soco, se estendeu para o pescoço 80%; e carne vermelha, por 74%. O café está na e os braços. Era um infarto. Fumei por 20 anos, rotina de 84% e o hábito é saudável: a bebida tem estava acima do peso e entrando na menopausa. poder antioxidante, combate os radicais livres e, assim, Para completar, havia enfrentado grandes tristezas: preserva as estruturas arteriais. Já 37% condenam o ovo minha mãe tinha morrido de câncer, meu marido sem saber que ele carrega gordura monoinsaturada, capaz sofrido um derrame e uma amiga estivera entre a vida de blindar o coração. A falta de pique para a academia ou e a morte. As baforadas eram companheiras nas horas qualquer modalidade de ginástica é assumida por 67%. “O difíceis. Enfartar me fez mudar. Entrei na academia – exercício associado à reeducação alimentar é a maneira é um momento para mim, antes dedicado ao cigarro. mais eficaz de reverter os marcadores negativos”, diz GeQuero aproveitar os netos que virão e ter mais alegria.” bara. Junte-se à dupla o cuidado com o equilíbrio emocioROSALINA DE SÁ MARCILIA, 52 anos, nal e tudo ficará perfeito. Os especialistas recomendam às educadora, de São Paulo mulheres dar aos problemas as devidas dimensões, culpar-se menos e ser um pouco egoísta de vez em quando.

O CIGARRO COMO PARCEIRO

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