Outscape Photography #2 Mai 2014

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Outscape Photography Edição 2 | Mai 2014

Passaporte Para Liberdade Clicando SP+NY - Death Valley - Choquequirao - Rodovia de Grãos - Fotografia Documental




Muito obrigado a todos que leram e comentaram a edição #1 da Outscape Photography! O retorno positivo foi muito maior do que minhas expectativas. Isso mostra que há bastante espaço para revistas de foco específico, que nesse caso é a fotografia outdoor, seja ela de natureza, paisagem ou exploração urbana. A maior prova do sucesso da Outscape Photography é a colaboração espontânea que vem recebendo. Colaborações de qualidade de diferentes lugares do mundo, e sobre assuntos diversos e complementares. Esta é uma edição especial, com grande foco na fotografia mais tradicional de todas, a fotografia documental. Trazemos vários exemplos deste tipo de fotografia, como por exemplo a documentação da natureza brasileira, a exploração urbana em São Paulo e Nova York, o registro do deserto americano, a aventura de uma trilha no Peru, a realidade das estradas brasileiras e para fechar, um texto sensacional sobre o exercício deste tipo de fotografia. Na capa, Ricardo Martins, fotógrafo de natureza, autor de quatro livros de fotografia com imagens capturadas no Vale do Paraíba e Jalapão, entre outros. Além de fotógrafo e autor de livros é também palestrante e ministra workshops de fotografia de natureza além de comercializar algumas de suas melhores imagens com qualidade fine art.

Em seguida temos Mario Amaya, figura conhecida entre as publicações de fotografia e tecnologia brasileiras. Foi EditorChefe da Digital Photographer Brasil desde sua fundação até 2013. Recentemente, consolidando sua dedicação a fotografia, lançou o eBook “Clicando São Paulo + Nova York” onde traça um paralelo entre as duas metrópoles por meio de imagens. Saindo das grandes cidades e rumando para o deserto, temos Marcio Lambais mostrando o Death Valley. São imagens sensacionais de um dos desertos icônicos da colonização dos Estados Unidos. Voltando para América do Sul, Ivan Bazatto conta como foi sua trilha até a cidade de Choquequirao no Peru, local de ruínas Incas não tão conhecidas quanto Machu Picchu e que por isso mesmo criam a sensação de verdadeira exploração, e não apenas mais uma atração turística. E agora, é com muito orgulho e merecimento, que Ricardo Teles compartilha com a gente a emoção de ser premiado em primeiro lugar no “2014 Sony World Photography Awards Professional Winners”, categoria Viagens. O resultado do prestigiado concurso organizado anualmente pelo World Photography Organisation (WPO) e patrocinado pela Sony desde 2008, saiu no dia 1º de Maio. Ricardo, que já havia sido anunciado como um dos finalistas, estava em Londres a convite da organização do evento para a festa de premiação 4


dos vencedores. Ricardo, um fotógrafo documental com muitos anos de experiência, colaborador de vários veículos nacionais e internacionais, livros publicados e já premiado, mostrou com seu projeto “Rodovia de Grãos” um pouco da realidade do transporte de grãos nas estradas brasileiras. Parabéns Ricardo! Fechando a lista de artigos José Bezerra, que já mostrou todo o seu talento na edição #2 da revista Fotografia et al com o artigo “Nos Caminhos do Quilombola” ilustrado com imagens fortes de moradores de uma autêntica comunidade quilombola, participa desta edição com um artigo sobre fotografia documental. José conta um pouco da sua experiência de aprendizado e trabalho com este tipo de fotografia. São lições importantes para todos que desejam seguir o caminho mais tradicional dentre todos os que existem na fotografia. Para fechar a revista a coluna opinião vem assinado pelo amigo Thiago Albuquerque, fotógrafo e editor do website Fotografia em Comum. Thiago fala um pouco sobre sua visão da fotografia. Vale a pena a leitura e a reflexão. Boa leitura! Carlos Alexandre Pereira 5

Ricardo Teles comemorando o 1o lugar na edição de 2014 do “Sony World Photography Awards Professional Winners - Categoria Viagens”, na festa de premiação em Londres.


Artigos & Autores A Outscape Photography está sempre em busca de novos colaboradores. Se você possui alguma sugestão de artigo ou deseja colaborar com a revista, entre em contato através do email contato@ outscapephotography.com Para participar de nossa Galeria de Imagens envie um email para imagens@ outscapephotography.com. Revista Outscape Photography www.outscapephotography. com Edição & Projeto Gráfico Carlos Alexandre Pereira Publicidade comercial@feaeditora.com

Passaporte Para Liberdade

Clicando SP+NY

Death Valley

Ricardo Martins

Mario Amaya

Marcio Lambais

Fotógrafo de natureza e autor dos livros “O Encanto das Aves”, “A Riqueza de um Vale”, “Jalapão, História e Cultura” e do recém lançado “Mosaico”. Desde os 11 anos de idade quando explorava as montanhas próximas a casa de seus pais em Ubatuba, Ricardo vem registrando em fotografias a natureza brasileira. Além de fotógrafo e autor de livros, Ricardo também é palestrante, oferece workshops de fotografia e comercializa suas imagens em fine art.

Este é meu primeiro projeto fotográfico autoral público. Entre outras atividades, escrevo artigos para revistas de fotografia e tecnologia, fui o primeiro editor-chefe da revista Digital Photographer Brasil, publico artigos de opinião em meu site RAW & ROLL, participo das palestras FHOX Talks, faço restaurações de imagens antigas e históricas e ministro um curso individualizado de técnica fotográfica.

Engenheiro Agrônomo com doutorado em ciências pela University of Texas, atua como Professor Titular na USP. Iniciou na fotografia em 1978. Em 2012 participou entre outras, da exposição coletiva “Arquitectura do Templo: Fotografias” na Casa do Salgot Ateliê Cultural, em Piracicaba. Em 2012 foi premiado no II Prêmio de Fotografia “Ciência & Arte”, promovido pelo CNPq e participou do 3o Salão “Joca Adamoli” de Arte Contemporânea de Piracicaba.

www.marioamaya.com.br

www.ricardomartins.org

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Choquequirao

Rodovia de Grãos

Fotografia Documental

Opinião

Ivan Banzatto

Ricardo Telles

José Bezerra

Thiago Albuquerque

Ivan Bianchessi Banzatto, viajante e autor de artigos para revistas de viagem é apaixonado por esportes radicais e praticante assíduo do mountain bike. Participa de viagens pelo Brasil e América do Sul com objetivo de registrar e divulgar culturas ainda preservadas.

Trabalha nas áreas de documentação e fotojornalismo, com publicações periódicas em diversos jornais e revistas nacionais e estrangeiros, editoriais, institucionais e corporativos. Membro da agência Focus da Alemanha e autor dos livros “Saga Retrato das Colônias Alemãs no Brasil” e “Terras de Preto - Histórias de nove comunidades negras rurais do Brasil”. Possui obras nas coleções de fotografia do MASP/Pirelli e Assis Chateubriand do MAM/SP, e seu trabalho já foi exibido em museus e galerias de várias capitais brasileiras, na África, Europa e Estados Unidos.

Potiguar de Mossoró, José Bezerra desenvolve um trabalho fotográfico documental. Seu trabalho tem forte ligação com pessoas, culturas e contextos. Costuma avaliar o psicológico dos fotografados, buscando por expressões que sintetizem os personagens a sua volta.

Fotógrafo profissional que se dedica ao desenvolvimento de um olhar autoral e acredita na prática fotográfica como uma filosofia de vida. Seu trabalho pode ser visto em www. thiagoalbuquerque.com. É também editor do site www. fotografiaemcomum.com.

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“Praia de Estrela” Fernando Righetto

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“Cabeza del Condor” Tácio Phillip

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“Cartagena” José Garcia Zullo

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“GoBiking em Jerusalém” Alemão Roberto Mello

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“River Wey” Marcela Zullo

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“Velhos Tempos” Matheus Dalmazzo

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Passaporte Para Liberdade por Ricardo Martins

A fotografia está em constante evolução. E quando falo sobre esse evolucionismo não me refiro somente a aprender e aprimorar novas técnicas, mas também - e principalmente - em enxergar a vida de diferentes perspectivas. Pois, a mais complexa e avançada máquina fotográfica são os nossos olhos e a nossa sensibilidade, a câmera é apenas um instrumento que serve para captar essas emoções vividas pelo fotógrafo. Ter uma câmera em punho e saber ver com os olhos da sensibilidade, e promover esse registro, é algo mágico. Conseguimos não somente sentir, mas também materializar e eternizar os nossos sentimento. Então, a todos interessados, sejam muito bem vindos ao mundo da fotografia. Movimento, forma e luz! Acredito que sempre enxerguei o mundo por essas perspectivas, o que sempre me pareceu ser o normal até perceber que nem todas as pessoas tinham essa visão. Cada individuo desenvolve um tipo de sentido sobre a imagem e acabei sendo escolhido pela fotografia para poder me expressar. Sim, foi ela que me escolheu, que me arrebanhou, que me alistou em seu batalhão de fotógrafos existentes em todo planeta. Cada qual com sua visão de mundo particular. Me lembro perfeitamente do dia em que fiz a minha primeira foto de natureza, tinha mais ou menos 11 anos e estava em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, onde passei boa parte da minha infância admirando a bela Mata Atlântica. A floresta começava nas proximidades da casa de meus pais. Me aventurei algumas vezes naquelas montanhas, primeiro 17

guiado por meu pai, depois já subia e descia como se fosse o quintal de casa, na maioria das vezes sozinho. Era a gênese de minha vida como fotógrafo e também como contemplador da natureza. Estava aprendendo a fotografar com o olhar. Toda manhã, alguns lagartos teiús se aqueciam em uma clareira na entrada da floresta. Um dia decidi registrar aquela cena, peguei uma antiga câmera Olympus Pen do meu pai e segui para o local em silêncio. Mas quando cheguei os lagartos saíram correndo sem me dar a menor chance. Anos mais tarde entenderia que fotografar animais é mais complexo que apenas andar em silêncio, requer paciência, calma, integração com o ambiente e muita experiência. Retornando ao dia “D” já sem os lagartos, meus olhos se voltaram para uma pequena árvore que se mexia, quando olhei uma cobra cipó se esgueirava por suas folhas, meu coração disparou, meus sentidos ficaram em alerta e instintivamente a câmera já se colocava entre nós dois, e na seqüência minha primeira fotografia aconteceu ... naquele exato momento e sem saber viraria um fotógrafo de natureza, fiz a foto. A imagem registrada mal dava para ver a pequena cobra, que se confundia com as folhas verdes. E o foco também não era lá essas coisas, parecia que expressava mais a minha ansiedade. Na verdade ficou horrível, minha análise de hoje. Mas isso não tinha a menor importância naquela época e sim a felicidade e o sentimento de vitória daquele momento único. Nunca vou esquecer isso. Os caminhos da fotografia se abriam para mim e nele os rumos para um novo mundo que eu trilharia para toda vida.


A cada produção de livro, novas experiências são vividas e muitas histórias são contatadas a beira de rios e fogueiras. Algumas acabo vivenciando e outras são arquivadas no meu imaginário, como esboços para as próximas obras, cuja função também será contar história por meio de fotografias. Assim tem sido até hoje e nos últimos livros não foi diferente.

O Voo da Arara Durante a produção da obra Jalapão mais uma dessas histórias que me foram contadas: Em uma fazenda ao norte do Tocantins que funciona como local de soltura de animais vindos do tráfico e maus tratos, principalmente as aves, guardava uma das fotos mais intrigantes, a qual despertaria uma curiosidade e uma dúvida entre as pessoas - se aquilo foi real ou produção de ‘photoshop’. Cheguei à estrada que ligava até a sede da fazenda, comecei a avistar algumas araras azuis, vermelhas e canindés. Lá conheci Márcio, o proprietário da área. Ele passou a me contar mais histórias e ao mesmo tempo em que ouvia sobre aquelas aves e tudo envolvendo o lugar, o pôr do sol se aproximava e neste fim de tarde surgiam inúmeros casais de araras se aninhavam nas árvores, ao redor da casa principal, onde se preparavam para dormir. A falação de Márcio continua nos meus ouvidos, entretanto uma arara em especial fazia meu pensamento voar. Era uma canindé que chegou sem seu par. Essas aves são monogâmicas e vivem com seu parceiro até o final da vida. Ao notar meu olhar para o animal solitário, Márcio começou a me relatar a história dela. A arara canindé apareceu na fazenda com as penas das asas cortadas e sozinha, teve seu destino interrompido por um fazendeiro que matou seu companheiro e a aprisionou em uma gaiola, cortando suas penas e sua liberdade. O fazendeiro era pai de uma menina com mais ou menos sete anos de idade que acabou por revelar o caso aos colegas de escola. Fizeram uma denúncia anônima para a polícia

ambiental que encontrou a ave em péssimas condições, quase a morte. Ela foi levada até uma fazenda de soltura para ser cuidada, recuperada e devolvida para a natureza. Depois de restabelecida e solta no próprio lugar, como a maioria das outras aves, permaneceu por ali, e talvez lamentando a morte do seu companheiro nunca mais arrumou outro par. Mas ela se arranjou... Encontrou uma nova companhia, cultivou um hábito peculiar - o qual, confesso, não acreditei de imediato. Toda vez que o dono da fazenda seguia com sua caminhonete pela estrada de terra, a arara saia em sua direção voando ao lado do carro, da mesma forma que as araras fazem com seus companheiros, ela o seguia até o asfalto onde pousava em uma árvore e ali ficava esperando-o para “voarem” juntos de volta para casa. Fiquei emocionado com essa demonstração de fidelidade. Já era cair de tarde quando pegamos a estrada de terra de volta até a fazenda. Sempre ia na caçamba da caminhonete para fotografar e, de repente, lá veio ela voando em nossa direção. Numa certa altura do caminho, a vi paralela a janela do carro, achei aquela cena incrível e quase inacreditável! A velocidade era em torno de 60km/h e apesar da poeira, dos buracos na estrada e do veículo pular muito, vi que tinha todas as condições para fazer uma fotografia inusitada - o meu flash, meu equipamento, a ave voando ao lado do carro, o infinito do por do sol do cerrado estavam ali na minha frente, num plano perfeito, único... Sempre busco desses momentos para fazer algo diferente, algo que o mercado não está acostumado a ver, utilizo das técnicas como o HDR, fotografia noturna, infravermelho para buscar o diferencial. Paramos o carro para eu estudar todas aquelas condições que tinha e concluí que era melhor esperar o sol se por ainda mais. Ficamos esperando a hora certa. Eu queria o movimento daquela cena que havia visto e quando já havia regulado todo o equipamento, sinalizei para o Marcio andar novamente com a caminhonete. 18


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Assim que ele acelerou, lá veio ela voando e me olhando bem nos olhos, foi transcendental a comunicação e mais ainda quando ela baixou seu voo e ficou ao lado do carro a uns dois metros do chão. Os solavancos da caçamba não me impediram de segurar a câmera da melhor maneira possível para conseguir o ângulo e a hora certa para fazer o que estava buscando. Feito! Quando olhei o visor da câmera, vi que o objetivo tinha sido alcançado, a euforia deu lugar a um agradecimento universal, pela beleza de viver um momento desses e estar num planeta que ainda resiste a tantas agressões. E mais uma vez agradeci por aquela oportunidade, como fiz quando fotografei a cobrinha verde. Hoje, esse resultado ilustra uma das páginas do meu livro “Jalapão, História e Cultura”. À beira do rio Araguaia, ouvi também outras histórias não tão suaves quanto da “Arara Canindé e seu companheiro Marcio”, embora igualmente sensíveis e entre elas uma me chamou mais a atenção. Foi a dos Soldados da borracha, contada por quem conheceu muito de perto essa realidade. Fiquei atento a todos aqueles fatos vividos durante a segunda guerra mundial, daqueles homens designados a extrair borracha no meio da selva Amazônica em um regime de escravidão. Muitos morreram, outros fugiram pelos rios em canoas que fabricavam de maneira precária, mas que serviram para navegar em direção à liberdade. No entanto, a grande maioria dos recrutados permaneceu na região da Amazônia, mas isso é outra história a ser contada por minha câmera e em outra produção editorial... De um livro para outro, do “Jalapão, História e Cultura” para “Soldados da Borracha e a Amazônia Contemporânea”. Isso é a fotografia para mim, um passaporte para a liberdade, a liberdade para perambular e sentir diferentes mundos que essa Terra nos oferece. Me identifico muito com um pequeno texto que fala dessa busca, desse instinto, e é com ele que me despeço desse artigo ao qual fui convidado a escrever, e o fiz de grande agrado e contentamento...

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“A foto é a caça, é o instinto da caça sem a vontade de matar, É a caça dos anjos, perseguimos, miramos e atiramos e clac! Ao invés de um morto, nós fazemos um eterno” Cris Marker




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Clicando São Paulo + Nova York por Mario Amaya

Um amor por duas cidades A cidade mais famosa do mundo, e certa outra um pouco menor e menos famosa, porém ainda grande, possuem muito em comum quando são vistas de certos ângulos. Podem ser lugares surpreendentemente menos exóticos do que imaginam os estrangeiros de parte a parte. O embrião deste ensaio surgiu há vários anos, quando um amigo disse que minhas imagens de pessoas afluentes caminhando pela Avenida Paulista remetiam aos Manhattanitas. Observação inusitada; eu ainda não tinha ido aos Estados Unidos, muito menos a Nova York. Efetivamente, nas duas cidades apontei as lentes para detalhes que têm algo subjacente que os conecta. Mas só percebi esses paralelos após retornar da viagem. E eles não aconteceram com os outros lugares do mundo que já visitei: Uruguai, Argentina, Chile, México, Suíça, Espanha, EUA e Japão. Só em NYC mesmo. O arranjo das fotos em pares combinados (dípticos) forma uma narrativa visual unificada, com graduais saltos de tema e de ponto de vista, relacionando momentos separados no espaço e no tempo, porém similares ou harmônicos em conteúdo. O repertório de enquadramentos, tons e cores é consistente entre as fotos, ajudando a estabelecer as ressonâncias.

Imagens espelhadas, acordes visuais 29

Já viajei bastante, mas tive apenas uma oportunidade de estar na cidade de Nova York, durante uma semana corrida. Fotografei a vida local exatamente da mesma maneira que faço em São Paulo: sem empregar o olhar do turista. Não fiz um só cartão-postal. Uma das primeiras coisas que fiz ao chegar, além de comer um bagel com cream cheese, foi comprar um câmera nova (Canon 7D na B&H) e uma única lente fixa (35mm f/2), e com apenas isso explorei a ilha inteira a pé e de metrô. Não sei dizer se as fotos denotam a atração que senti pela cidade e por seu jeito. São Paulo, minha terra natal, é amplamente reputada como brutalmente feiosa, propositalmente caótica e geralmente inóspita. Concordo com isso. Mas também conheço nativos e residentes de NYC que dizem mais ou menos a mesma coisa sobre sua própria cidade.

Beleza cotidiana Para as fotos de pessoas incluídas neste projeto, estive determinado a passar ao largo de todos os clichês usuais sobre o que seria a “fotografia de rua do Brasil”. Você sabe do que estou falando! Todas aquelas crianças pobres e nuas jogando futebol ao entardecer em contraluz numa ruela de terra com uma favela bem colorida como fundo. Aquela vovó gordinha e solitária sentada num banco de praça num parque deserto fitando os raios do sol filtrados através da copa de uma árvore. A velhusca e suja oficina de um artesão tradicional com um crucifixo suspenso na parede e uma


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arara dentro de uma gaiola desfocada no primeiro plano. Ah, sim, e muitas bundas na praia! No campo da fotografia eu acho que sou um aprendiz mais lento que a média. Mas de forma nenhuma estou interessado em ser mais um cronista da miséria e tédio existencial urbanos, ou requentar lugares-comuns étnicos que têm o apelo de uma propaganda de turismo sexual. De tudo isso já estamos muito bem servidos.

De lá para cá e de volta novamente Sou assíduo nos transportes coletivos. Existe uma universalidade imanente nas idas e vindas das pessoas dentro de um caldeirão cultural de nível mundial. Dentro do metrô estou livre para observar o rosto de qualquer pessoa e detectar a substrato universal de nossas experiências de vida. O trânsito é um aspecto que difere claramente entre as duas cidades. Enquanto em Manhattan usa-se metrô e táxis e caminha-se quando necessário, os paulistanos típicos fazem todos os sacrifícios para irem a absolutamente qualquer lugar dirigindo seus próprios automóveis. Com consequências óbvias das quais todos reclamam, mas aceitam. E assim seguimos adiante - vagarosamente. Gosto de pensar, de um jeito assumidamente simplista, que a cidade de São Paulo, apesar de suas dimensões excessivas e problemas de desenvolvimento proporcionais, é em várias maneiras similar à Nova York de algumas décadas atrás. O que sugere uma convergência crescente entre as duas metrópoles em tempos futuros.

Uma confissão Não está totalmente claro para mim o significado ouo propósito de muitas dessas minhas imagens de rua, pois são todas criações de ocasião, improvisadas. O processo mental que me faz premir o botão de disparo é sempre obscuro e inefável.

Gosto de pensar que algumas das minhas fotos evocam uma saudade de uma compreensão perdida que em princípio nunca realmente existiu. Esse sentimento talvez seja o mesmo de um nativo novaiorquino. Seleção e edição das imagens aconteceram logo após a viagem em agosto de 2012. Até montar um portfólio com elas, passou mais de um ano. Eu estava sempre ocupado com outros projetos mais urgentes. Em março de 2014 concluí o portfólio e publiquei-o nma forma de e-book gratuito no Issuu, com grande sucesso. A versão impressa está a caminho, e uma exposição das fotos também. Não incluí nenhuma foto feita posteriormente à viagem, porque estou fotografando agora de uma maneira diferente. Os novos ensaios em andamento com o tema urbano de São Paulo estão na minha página no 500px



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Death Valley por Marcio Lambais

Dramático! É pouco para descrever a primeira impressão ao se adentrar no Death Valley National Park, na Califórnia. A beleza da paisagem é indescritível, e somente a fotografia para captar a emoção de vivenciar um ambiente desse tipo, que não sucumbiu às inúmeras tentativas de domesticação. Mary Hunter Austin, uma escritora americana, escreveu há mais de um século em seu livro Land of Little Rain, referindose à experiência de viver as regiões desérticas do Mojave do Norte: “But the real heart and core of the country are not to be come at in a month’s vacation. One must summer and winter with the land and wait its occasions”. Infelizmente, vivenciar o dia a dia de um ambiente desses não é tão trivial. O Death Valley National Park é um dos maiores parques em extensão do sistema nacional de parques dos EUA, localizado na região norte do deserto de Mojave. Além de ser uma Reserva Internacional da Biosfera, com uma biodiversidade muito peculiar, o parque é conhecido por ser um dos lugares mais quentes e secos do mundo, e de ter o céu mais escuro dos EUA. Mas, muito antes de se tornar uma atração turística, recebendo visitantes de várias nacionalidades, a região já atraia exploradores de toda sorte. Inicialmente foram os colonizadores do centro e leste americanos à procura de caminhos alternativos para vencer a barreira da Sierra Nevada e chegar às terras férteis da costa oeste. Muitos deles fizeram opções de caminhos que os levaram ao Deserto de Mojave, uma região completamente desconhecida na época, por volta de 1850. A maioria dos que se aventuraram pelo deserto, de lá não retornaram e deles nunca mais se ouviu. Alguns sobreviveram, foram resgatados e conduzidos para terras menos hostis. Diz-se que ao cruzar a cadeia de 39

montanhas Panamint ao sul, um dos sobreviventes olhou para o vale abaixo e disse: “Goodbye death valley”. A região ficou então conhecida como Death Valley. Depois da descoberta do Death Valley, a busca por ouro e prata, e posteriormente boro, se intensificou. Muitas minas foram estabelecidas na região, trazendo um grande contingente de aventureiros que construíam cidades num piscar de olhos, as quais eram literalmente abandonadas assim que as atividades de mineração cessavam. Ainda hoje pode-se encontrar várias cidades fantasma na região. A mineração de prata no deserto de Mojave foi muito importante e impulsionou toda a indústria de películas fotossensíveis para abastecer as câmeras fotográficas e de filmagem recém inventadas. Somente para lembrar, o filme fotográfico em película flexível foi introduzido pela Eastman American Film em 1885, e em 1889 o filme para câmeras cinematográficas começou a ser comercializado; em 1895 a Kodak lançou a primeira câmera de bolso. A prata extraída no deserto de Mojave, era utilizada, dentre outros fins, para a produção em massa de filmes e posteriormente papéis fotográficos. Talvez por isso o Death Valley tenha uma ligação tão grande com a fotografia, e atraia uma multidão de fotógrafos à procura de paisagens que não se repetem em outros lugares do planeta. Chegamos ao Death Valley National Park pela CA-190 W, depois de ter dirigido pela CA-127 N, uma estrada praticamente sem curvas, por quase duas horas, no momento exato de pegar o por do sol em um dos mirantes mais bonitos do parque: Zabriskie Point. Esse local ficou famoso através do filme homônimo de 1971 escrito e dirigido


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por Michelangelo Antonioni, com trilha sonora de Pink Floyd, dentre outros nomes da contra-cultura americana. O vento era quente e seco, e dava uma sensação de conforto muito agradável. De Zabriskie Point pode-se ver a planície de sal e a cadeia de montanhas Panamint, uma das vistas mais bonitas do Death Valley. Zabriskie Point é especial, pela formação geológica composta por camadas de cinzas de vulcão, areia, silte e cascalhos, levantadas pela movimentação tectônica e esculpidas pela água e vento. A paleta de cores dessa formação ao final da tarde é incrível. Pode-se passar o dia todo por ali, ouvindo o vento assobiando entre os cânions. No dia seguinte, saindo de Furnace Creek, rumamos para o sul até Badwater. Esse é o ponto mais baixo em toda América do Norte, a 85 m abaixo do nível do mar. A planície de sal é fenomenal. De lá se avista, ainda coberto de neve, o Pico Telescope, o ponto mais alto da cadeia de montanhas Panamint. A planície salgada foi formada pela evaporação da água que vem das montanhas, percorre subterraneamente a região, e emerge através de uma fratura da crosta terrestre formando um lago raso. O lago desaparece no verão deixando visível uma imensa planície de sal. A água, quando presente, é quatro vezes mais salgada do que a água do mar. Mas, mesmo assim ainda suporta uma surpreendente diversidade biológica. Uma curta caminhada sobre a camada de sal é suficiente para revelar texturas impressionantes que interagem com a luz do sol e tomam aspectos diferentes ao longo do dia; se olhar mais de perto pode-se ver os cristais de sal em formação. O difícil é caminhar para achar o melhor ângulo para fotografar esse espetáculo. Só de ficar parado na sombra pode-se perder até dez litros de água em um dia, sem fazer esforço. O importante é carregar o mínimo de equipamento. Optei por levar nas caminhadas somente uma câmera, uma objetiva, um tripé leve, e muita água, é claro. Outro ponto interessante no Death Valley é o chamado Devil’s Golf Course. Faz parte da mesma planície de sal, mas tem características próprias. Ali a água subterrânea salina aflora constantemente, evapora e cristais de sal são formados. A superfície é mais rugosa e as camadas de sal se sobrepõem, mudando a fisionomia da paisagem constantemente. O solo é duro e áspero; difícil de caminhar. Mas, pode-se percorrer

o suficiente para fotografar as grandes panelas de sal que se formam. No caminho de volta pode-se apreciar vários cânions com rochas super-coloridas e texturas sensacionais. Mas já estava bastante quente, tornando o caminhar quase impossível. Ao final da tarde, quando a temperatura diminui um pouco, a idéia era ir para as dunas de areia Mesquite. São as dunas de areia mais acessíveis no parque, e nem por isso desprezáveis. Mais uns 30 minutos de estrada a partir de Furnace Creek, quando começamos a avistar as dunas cobrindo uma extensa área e chegando a 30-40 m de altura. Pode-se caminhar horas por essas dunas e perder a orientação. A luz, bastante inclinada a essa hora, dá um toque especial à paisagem. O vento é forte e abrasivo. Um bom teste para saber se a câmera é mesmo vedada! Dia seguinte, já saindo do parque, uma parada no Dante’s View. Esse mirante fica a 1670 m de altitude na Black Mountains, e pode ser alcançado por uma sinuosa estrada secundária. O clima lá em cima é diferente do resto do parque. A temperatura lá no topo é bem mais amena do que no vale. A vegetação é típica de desertos de altitude, com muitas flores selvagens nessa época do ano, e pode-se avistar diferentes espécies de pássaros. Uma pequena caminhada pela crista da montanha e se tem a melhor vista do Death Valley. Dali pode-se ver a cadeia de montanhas Palamint bem à frente e toda a extensão da planície salgada. De tirar o fôlego, sem dúvida. Edna Brush Perkins, que talvez tenha sido uma das primeiras turistas a visitar a área em 1921, escreveu sobre o Death Valley visto desse mirante: “The strange can only be made comprehensible by comparison to the familiar, and perhaps the best comparison is to a frozen mountain-lake... Death Valley is level like a lake, it is bare like a lake, cloudshadows drift over it as over a lake, the precipitous mountains seem to jut into it as mountains jut into a lake, but there the comparison ends and its own unfamiliar beauties begin”. Voltar para casa depois de apreciar essa maravilha é difícil. Gostaria de ter tido mais tempo para viver o dia a dia dessa paisagem incrível que acumula uma história fascinante, mas trago fotografias que guardam a beleza e emoção de visitar o Death Valley. 46


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Choquequirao por Ivan Banzatto

A cidade perdida dos Incas de Choquequirao (pronuncia-se txôquequirao) é uma das principais construções deixadas pelo povo que foi massacrado pelos Espanhóis. Esse motivo me levou a escolhe-la como uma das 8 trilhas para meu 3º mochilão pela America do Sul. O feito arquitetônico é considerado uma das mais belas ruínas Incas. Choquequirao tem maior área construída, mas as ruínas e construções de Machu Picchu são fascinantes e misteriosas, de uma beleza incomparável a qualquer outra que já vi na America do Sul.

Breve histórico Inca O povo Inca foi, provavelmente, a civilização mais influente entre todas as culturas localizadas na região dos Andes. O Império Inca teve início em 1200 D.C e seu declínio foi quando o imperador Atahualpa foi deposto pelos espanhóis no século XVI. No auge de seu império, o povoado Inca cobria uma enorme extensão da Costa Ocidental da America do Sul, do Peru ao Chile. O povo Inca se comunicava através da língua Quechua, que também é uma marca francesa de equipamentos de trekking muito conhecida. Apesar da língua falada, os Incas não desenvolveram a língua escrita, não deixando nenhum registro em papel de sua história. A cultura Inca dominou muito bem as técnicas de engenharia hidráulica para irrigação, com técnicas de movimentação e cortes de pedras até hoje desconhecidos.

Cusco A cidade de Cusco é uma das mais visitadas do Peru (se não a mais), recebendo milhares de turistas todos os anos. 51

Declarada como patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO, Cusco foi também a capital do império Inca, com muito atrativos turísticos e arqueológicos. A cidade é usada como base para o turismo na região (principalmente de aventura), possuindo dezenas de agencias, lojas de equipamento e mercados com milhares de produtos indígena regionais. Ao caminhar pela cidade, pode se ver muitos turistas com mochilas e botas de trekking, com sua maioria europeus ou americanos. Cusco é uma cidade jovem onde também encontra se ótimos bares, casas noturnas, restaurantes, hotéis e hostels. Assim como em todo Peru, a cidade tem um traço cultural indígena muito forte que é mantido principalmente pelo artesanato regional e turismo a parques arqueológicos e museus. Após conhecer bem a cidade de Cusco, meu objetivo era visitar as duas principais ruínas incas. Então comprei os pacotes para as duas trilhas, Choquequirao e Salkantay (essa ultima termina em Machu Picchu). Não reservei os passeios com antecedência pois saem grupos quase todos os dias para essas trilhas. Somente se tiver planos para a Caminho Inca Clássico que é controlada pelas autoridades locais e tem limite máximo de 500 pessoas por dia. Em Machu Picchu pode se chegar via trem e ônibus, mas Choquequirao só pode ser acessada por trilha. O caminho tem como ponto de partida a pequena vila de San Pedro de Cachora que fica a 170km da cidade de Cusco. A vila tem pouco mais de 3.500 habitantes e com apenas a rua principal pavimentada, todas as outras ruas são de terra.


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Geralmente a trilha é feita em 4 dias e tem 65km de extensão pelo Canyon Apumaric. O pacote para a aventura pode se contratar em Cusco que inclui entrada ao parque, alimentação, guia, mulas, cozinheiro e diária nos campings por cerca de US$ 230. Para os mais experientes e preparados fisicamente é possível apenas comprar a entrada para o parque e levar tudo na mochila (comida, barraca, equipamentos, etc). O caminho não é técnico e exige apenas que o peregrino tenha um bom preparo físico. A trilha é larga e está bem sinalizada, não tem como se perder.

Dia 1 Após os preparativos de equipamentos ainda no hostel em Cusco, o transporte veio me pegar e tive o primeiro contato com o grupo que ficaria por 4 dias seguidos. O grupo era composto por 2 casais (holandeses e ingleses), o jovem francês Xavier, a peruana Laura e nosso guia peruano Miguel. Chegamos em Cachora e descemos os equipamentos para o início da trilha. Com mochila nas costas e tudo pronto, começamos a tranquila caminhada. A caminho é bem tranquilo pois a maior parte do caminho é descida até a 1ª noite de acampamento. O caminho é tranquilo, mas o terreno é íngreme e com pedras no caminho você deve ficar atento para não ter torções no joelho ou tornozelo. Saímos de 2.900 metros e após 6 horas de caminhada chegamos ao nosso primeiro acampamento em Chiquisca com 1.850 metros de altitude. No camping existe uma pequena venda para os desavisados que não levaram lanche de trilha ou os que queiram tomar uma cerveja/refrigerante quente, sim, lá não tem energia para gelar os produtos.

Dia 2 Caminhamos descendo cerca de meia hora e chegarmos ao ponto mais baixo do Canyon Apumaric com 1.477 metros de altitude, onde se encontra o rio que dá nome ao vale e divide as províncias (estados) peruanas de Cusco e Apumaric. Para atravessar o rio é preciso pegar um bondinho puxado manualmente por cordas, que dá medo no início mas faz parte da aventura e é preciso encarar. Ao lado do bondinho existia uma ponte que foi destruída por uma forte cheia em

2010 e provisoriamente foi montado esse bondinho para passagem dos peregrinos e moradores locais. Ao lado, o governo peruano está construindo outra ponte mais alta para substituir a antiga, com previsão de término em meados de 2014. Por esse bondinho não é possível atravessar mulas, apenas pessoas e cargas. Por esse motivo os muleiros (assim se chamam os homens que guiam as mulas) precisam manter dois grupos de mulas para a travessia, um grupo de cada lado do rio. Ao cruzar o rio, as bagagens são colocadas em outro grupo de mulas que já estão esperando para continuar o caminho. Após cruzar o rio, o peregrino precisa vencer uma forte subida cheia de zig zag que sai de 1.474 e chega à 2.917 metros de altitude em apenas 11 km de caminhada, o que considero difícil fisicamente. Chegando ao acampamento de Marampata, pode se recuperar o fôlego com a bela vista para o canyon e se o tempo colaborar já é possível ver algumas ruínas.

Dia 3 A caminhada se inicia com mais uma hora de subida entre montanhas, riachos e cachoeiras, chegando à mística cidade perdida de Choquequirao. Esculpida igualmente de fortalezas, terraços sobre montanhas, templos, armazéns e aquedutos, a cidadela chamada Choquequirao está congelada no tempo, e vazia. As ruinas parecem imperar no alto do canyon como se tivessem sido construídas para guardar ou proteger algo, rodeada de penhascos com quase 2 mil metros de altura. Na parte oeste da cidade existe o famoso conjunto de ruínas em forma de terraços para agricultura, onde pode se ver muitas Llamas desenhadas com pedras brancas e ruínas rodeadas de aquedutos vindos da praça principal, a região é chamada de “Llamas Del Sol”. Os aquedutos podem ser vistos por toda cidade e consistem em canais de pedras alinhadas que levavam água para o cerimonial, escoam os sanitários ou o excesso de água da chuva para que não ocorressem deslizamentos de terra. Todos os materiais usados na construção da cidade foram obtidos nas pedreiras locais que rodeiam a região.

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Também no 3º dia, descemos até o acampamento de Chiquisca para a ultima noite de sono e descanso. Dia 4 O último dia é pesado pois existe o cansaço acumulado e a subida até a cidade de Cahora é forte. Subimos a face leste do Canyon Apumaric e quando chegamos na vila de Cachora, tive o último almoço junto com o grupo. Após o almoço, consegui caminhar pela última vez pela pequena vila e dizer um até breve pois nosso transporte para Cusco já nos aguardava. Por se tratar de uma região chuvosa e com altas montanhas, a melhor época para ir é de Março à Novembro, assim evitando os deslizamentos de terra e o terreno fica mais fácil de caminhar. É um caminho que recomendo para aqueles que têm boa preparação física e gostariam de conhecer ruínas não tão famosas quanto as de Machu Picchu, mas igualmente lindas e místicas.

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Rodovia de Grãos por Ricardo Teles

A geração de alimentos é um desafio global. A produção de grãos no Brasil tem crescido rapidamente, batendo recordes ano após ano, devido a expansão das áreas de plantio e ao aumento da eficiência do campo. Porém, os investimentos em infraestrutura, principalmente relativos ao transporte, não acompanharam o ritmo do aumento da produção. O transporte de grãos é feito quase todo através de caminhões que chegam a rodar mais de dois mil quilômetros das principais áreas de plantio no cetro oeste até os portos no sul do país. A perda no transporte de soja na safra de 2013, por exemplo, foi de aproximadamente 12% da produção total, ou seja, o equivalente a um desperdício de dez milhões de toneladas. Esta reportagem fotográfica trata sobre o a vida das pessoas envolvidas nas estradas e no transporte de grãos no Brasil. Eu fui contratado por uma grande empresa para acompanhar a safra de soja no Mato Grosso durante três meses de 2013. Durante este tempo, percebi as dificuldades por que passam as pessoas envolvidas no transporte de grãos e as falhas de logística que sofre nosso país. Envolvido com esta situação, logo surgiu a ideia de desenvolver um projeto sobre a vida nas estradas brasileiras, o qual chamei de “Transbrasilianas”. A intenção foi de mostrar que por trás do que as pessoas mais informadas só conhecem pelos cadernos de economia dos jornais do país; existe o fator humano que não era considerado e que, enfim, é uma grande estória jornalística também. Foram cerca de trinta mil quilômetros percorridos em três 59

meses de trabalho! Eu pernoitava em pequenas cidades do interior do Mato Grosso onde, geralmente, eram haviam grandes entrepostos de embarque de grãos. Eu trabalhava pesado durante o dia em minhas obrigações com o trabalho para o qual havia sido contratado e, ao final do dia, sempre arranjava um tempo para conversar com os motoristas sobre a vida deles. Muitas das coisas que fotografei foram flagrantes que encontrei pela estrada enquanto me deslocava de um lugar a outro. Não foi difícil acompanhar o trabalho dos caminhoneiros. Sempre me aproximei deles e das pessoas que dependem das estradas para tirar seu sustento com respeito e disposto a entender a realidade deles. Para mim não há outra maneira de abordagem que não seja essa. Essa atitude facilitava bastante meu trabalho, e pude perceber que as pessoas gostavam de explicar sua condição e os problemas que encaravam no dia a dia. A maior dificuldade que enfrentei foi a mesma que eles enfrentam todo ano, o transporte de grãos no centro oeste acontece na época de chuvas, as estradas são lotadas de caminhões e as estradas ficam em péssimo estado de conservação. Um dos últimos recursos para divulgação de um trabalho documental é o reconhecimento permitido por premiações. Por isso participo de todos concursos que posso. Participei da edição 2014 da premiação oferecida pelo World Photography Organization (WPO) sem muitas expectativas, visto o nível de competitividade que tem. Confesso que fiquei realmente


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espantado com o resultado. O projeto premiado é apenas um recorte do projeto “Transbrasilianas”, muito maior em escopo do que o apresentado ao WPO. A emoção de ter sido selecionado como finalista e posteriormente premiado é indescritível. O WPO tem um alcance muito grande. Dei entrevistas para veículo como a CNN e BBC, entre outros. O evento de premiação é um encontro de grandes personalidades da fotografia internacional; curadores, editores e fotógrafos renomeados. Este ano houve uma homenagem a fotógrafa norteamericana Mary Ellen Mark que esteve presente na cerimônia de premiação. No momento, além do projeto “Transbrasilianas”, tenho também um projeto na África chamado “O Lado de Lá” que está parcialmente pronto e, ainda, um ensaio chamado “Encantados” que é na verdade uma homenagem a cultura afro-brasileira.

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Fotografia Documental por José Bezerra

Quando lidamos com o inusitado as surpresas podem realmente acontecer. Algumas delas nos fazem rir, outras nos transmitem um gelo tremendo que começa pela espinha e inunda o estômago com aquela sensação de perigo. O fotógrafo viajante, creio, precisa antes de tudo, trilhar os caminhos em sua própria alma. Deve quebrar paradigmas, mas nunca antes de aprender com eles. Este artigo é uma tentativa de elencar alguns conhecimentos que alcancei ao longo deste trabalho fotográfico. Buscarei ser breve, coeso e acima de tudo, um documentarista. Quebrar a timidez e ter uma conversa agradável requer preparo. Alguns desenvolvem esta aptidão naturalmente. Já outros, precisam de uma vida inteira para alcançar parte destas duas importantes características. Quando o foco maior de um trabalho fotográfico é o ser humano, é preciso estar preparado para o desconhecido. Sempre existem dois lados; um que desencadeia violência e outro que gera paz e harmonia. Pode-se dizer que a grande maioria das pessoas funciona assim. A depender de como seja conduzida suas interações com os fotografados, poderão elas desencadear uma das duas circunstâncias. Todavia, costumo dizer que estamos vivendo num mundo cada vez mais carente de atenção. E neste mesmo mundo, vários fotógrafos estão dispostos a investir tempo e recursos para refletir, imortalizar e às vezes vivenciar na pele um dado contexto. Quase que automaticamente a maior parte dos fotógrafos documentaristas dedicam seus trabalhos ao entendimento da alma humana. Defensores de seus propósitos, alimentadores de uma arte. A valorização do ser humano nos faz querer

sempre chegar mais perto. Parafraseando o mestre húngaro Robert Capa, “se suas fotos ainda não estão boas o suficiente é porque você ainda não está perto o suficiente”. Aproximarse rende não só ótimas imagens como também grandes experiências. Costumo dizer que a história das pessoas não está estampada em suas testas, é preciso se dar ao diálogo para compreender um pouco mais à alma de cada um. Na maior parte das vezes é justamente este aproximar-se que separa os fotógrafos generalistas dos documentaristas. Estar aberto ao diálogo não é tão simples quanto parece, nem tão complicado como poderia ser. É tudo uma questão de adaptar-se. É preciso que o fotógrafo esteja aberto a reformular pensamentos. Compreender que muito do que nos foi ensinado sobre o convívio com as pessoas está errado. É preciso também contribuir com suas histórias, pois este processo é uma troca de energia de ambos os lados. Na prática, quando vou para lugares em que nunca estive antes, tomo algumas precauções: Evito julgamentos desnecessários; para julgar próximo do que seria justo é necessária ampla visão dos contextos. Caso o fotógrafo julgue situações que desconhece pode cometer sério erro. E este erro pode desencadear indisposição dos fotografados. A depender de onde o fotógrafo esteja sua integridade física correria perigo. Não se trata de concordar com tudo ou discordar de pontos extremos. O fotógrafo deve estar ali para aprender e compreender. Se tudo transcorrer bem durante uma abordagem, está aberto o espaço para o fotógrafo ensine algo que considere valioso, simbolizando amizade.


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Trato bem as pessoas e valorizo seu cotidiano; fotografar o cotidiano das pessoas carece do fotógrafo uma valorização real. Uma mentira pode ser facilmente percebida, principalmente quando há no ambiente, pessoas com mais experiência. Nunca acredite que você é o mais esperto, o mais sábio. Seja uma versão mais simples de você mesmo. Com o tempo e prática, este seu novo eu irá transformar-se numa pessoa de conversa agradável e grande sensibilidade. Abandono os conceitos prévios e as verdades absolutas; até estar imerso em um dado contexto, nada é como parece ser. Aos poucos o fotógrafo irá acrescer em seu íntimo experiências que modificarão sua forma de enxergar o mundo. Quando lidamos com pessoas é importante abandonarmos os conceitos prévios e as ditas verdades absolutas. As pessoas irão fazer esta leitura. Elas perceberão nas suas afirmações o que você realmente pensa. Na dúvida, omita tudo aquilo que acredita ser causador de conflitos e disparidades. É preciso criar um elo de união para só então explicitar pontos de vista geradores de polêmica. Perco a vergonha de sentir; a timidez é um sério problema para fotógrafos que desejam adentrar na fotografia documental. Devemos ter a consciência de que a timidez não ajuda em nada. Ao contrário, ela é um fator limitante no olhar do fotógrafo. Considero a busca pelo sentir como a chave para compreender um dado contexto. Esta compreensão será o principal fator que norteará o registro. Quando há verdadeiro sentimento envolvido a chance de alcançar um ótimo registro é alta. Do contrário, teremos um material técnico e possivelmente vazio. Controlar o humor dos fotografados corresponde, a meu ver, apenas uma parte neste processo. Além disto, tenho a necessidade que as cenas aconteçam naturalmente, capturando pacientemente momentos espontâneos. A depender das interações a espontaneidade pode ser alcançada rápida ou demoradamente. O fotógrafo deve estar ciente qual o melhor momento para retirar-se. Mas como e o que fazer para garantir a espontaneidade? Se o diálogo ocorreu bem, fale por cinco minutos, quase que ininterruptamente. Isso irá criar uma necessidade do outro se comunicar sobre parte

do que você disse, podendo ser afirmativas ou negativas. O fotógrafo também deve estar ciente qual melhor momento para utilizar a câmera. Os primeiros instantes são decisivos para quebrar o gelo. Costumeiramente explico um pouco em que se consiste o trabalho fotográfico. Alerto sobre situações que talvez o incomodem, mas sempre os deixo a vontade para que expressem seus desejos. Faço valer suas vontades, claro, na medida do possível. Entre um sorriso e outro, perguntas estratégicas com diálogo fluído e consistente, vamos tornando tudo mais informal e espontâneo possível. Que tipo de diálogo se usaria? Depende totalmente em qual contexto está o fotógrafo. Percorro várias comunidades rurais e vilas de pescadores. Os diálogos entre elas são bem semelhantes. Além do que, no semiárido nordestino, para iniciar uma prosa, fale sobre a falta de chuva. Temas chave como este desencadeiam toda uma história que podem durar várias horas. Abordagens na cidade tendem a ser diferentes. Sempre mais rápidas e dinâmicas. É necessário ser simpático sempre. Nos contatos dinâmicos a imagem e simpatia contam bastante. Não costumo fotografar muito na área urbana, mas sempre que vou encontro alguém disposto a contar uma história. Paciência é uma virtude que não prejudica em nada, além da falsa sensação de perca de tempo. Confesso amigos, que essas informações me foram de grande utilidade. Tanto no lado fotográfico, quando no pessoal. Além de me proporcionar uma aproximação intima com os fotografados, tem me permitido realizar leituras incríveis em termos de comportamento, reflexões e lições valiosas. Dentre as tantas, lembro-me de um diálogo com um senhor, na região Oeste do Rio Grande do Norte. Enquanto conversávamos, ele perguntou se eu tinha curso superior. Respondi que sim. Ele pergunta em qual área me formei. Mencionei a área tecnológica. Então ele indaga; “meu filho, se eu soltar você aqui dentro desses matos, você acha que sobrevive por quanto tempo?”. Penso um pouco e respondo; “Ao certo não sei, mas posso mudar isso antes de acontecer de fato”. Ele sorriu pra mim e disse; “você tem 78


cara de sabido”. A partir daí, me interesse por estudar a arte mateira (bushcraft/arbarismo) e assim garantir que, se um dia precisar sobreviver no mato, esteja melhor preparado. 79

Graças a este senhor passei a perceber que as lições estão em toda parte.


Questão de Percepção Opinião, por Thiago Albuquerque

A fotografia é antes de tudo a oportunidade de perceber. Dentro dessa imensurável realidade encontramos o caminho para uma vida melhor, ou no mínimo mais leve. A prática da observação - premissa básica para uma fotografia feita com seriedade - nos exige atenção e concentração para organizar elementos, planos e linhas na tentativa de comunicar algo, recortando em milésimos de segundo, uma pequena partícula do tempo presente. Reafirmo aqui que uma imagem tem como objetivo, seja ele consciente ou não, comunicar. O que devemos então nos questionar é: o que nossa percepção nos leva a dizer? Quando um fotógrafo sai de sua casa ou estúdio, ambiente seguro e controlado, para ir às ruas ou campos registrar uma realidade que só ele pode ver (eis a poesia da individualidade que há na arte), encontra na fotografia a chance de contemplar o que está ao seu redor, e isso deve ser destacado como uma porta para o desenvolvimento pessoal. Portanto reside na fotografia uma abertura para ser melhor. Aquele que vê com atenção, concentra-se e percebe no emolduramento que uma fotografia é da realidade, a chance de contemplar o seu entorno e assim entender que sem nossos olhos aquela situação sempre existirá, porém será sempre diferente. O olhar único que existe em cada um de nós multiplica e transborda os pontos de vista existentes de uma mesma realidade. Permito então lembrar a frase de um grande educador brasileiro que vem a calhar: “ ponto de vista não é opinião é apenas a vista a partir de um ponto”, portanto numa coluna intitulada Opinião deixo aqui o meu ponto de vista de uma fotografia capaz de nos fazer contemplar a realidade e assim nos mostrar que somos parte de tudo o que enxergamos e ironicamente buscamos capturar. Será toda fotografia um auto retrato?

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Outscape Photography Expedições Fotográficas & Explorações Urbanas


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