Farol fantastico n 03 setembro de 2014

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NĂşmero 3 - ano I -setembro de 2014

henrique vale laisa felĂ­ssimo marco llobus

leonel ferreira jair barbosa thiago aquino

lederson nascimento vinicĂ­us fernandes cardoso


Farol Fantástico

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Revista infantojuvenil

Editorial

C

hegamos ao terceiro número da Revista Farol Fantástico com um pelicano gigante dizendo que o Coelho da Sorte vai encontrar a toca mágica aqui no Farol Fantástico número 03.

Agradeço a todos os participantes, escritores e ilustradores que ajudaram na confecção do terceiro número da revista.

Boa leitura.

Henrique Vale

Índice Crianças de Cera.....................................................03 Lição de Vida...........................................................06 . O menino de seis dedos..........................................08 A bicicleta e o dourado............................................11 Estórias que a terra conta...................................... 13 . A história que não foi escrita....................................16 O abajur de Luzia ...................................................19 A andorinha que queria ser sapo.............................21 Pizza? Oh...não! .....................................................24 Aprendendo com os erros.......................................26 Foi assim que conheci João....................................28

© dzm1try - Fotolia.com

©HenriqueVale

edição: Henrique de Almeida Barbosa do Vale (Henrique Vale) textos: Henrique Vale, Rita de Cássia M. Alcaraz,Edweine Loureiro da Silva, José Eduardo Borges da Costa, Vivian de Moraes, Maria Melo, Tiago Cordeiro, Aldenor Pimentel, Cilene Chakur, Cristina Costa, Denivaldo Piaia, Jacqueline Collodo Gomes ilustrações: Orion (Márcio Oliveira), João Victor de Pauli, Henrique Vale


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Crianças de Cera Em memória as crianças de países em guerra

Rita de Cassia M. Alcaraz

Ilustração João Victor de Pauli


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Era um reino muito lindo localizado no Oriente médio. Local de sol, muito sol, em que as crianças brincavam sem parar, e seus reis falavam sobre muitas coisas: blá, blá, blá, blá. As crianças ouviam tudo, mas sem muito entender o porquê de tanto blá,blá,blá continuavam a brincar. Todos os dias a lua nascia quando o sol se punha como em todas as terras de coração quente. Contudo, certo dia, um dos reis ficou muito bravo: BLÁ, BLÁ, BLÁ, os outros reis ficaram pequeninos, alguns tão pequeninos que chegaram a desaparecer. As crianças ouviram tais gritos sem muito entender, algumas tiveram medo, e a maioria das pernas gigantes e mãos grandes daquela terra criaram um círculo para que as crianças continuassem a brincar sem medo sentir, mas eram poucas pernas e mãos. Para proteger a brincadeira precisavam o mundo das mãos alcançar e pernas grandes alcançar. Entre o pedido de alguns dedos para outras mãos pegar e segurar e pernas convocar, o rei mais irritado gritava seu BLÁ,BLÁ,BLÁ. Aconteceu que os brados do rei continuavam a ser ouvidos nos quatro cantos do mundo BLÁ, BLÁ, BLÁ. As crianças sem muito pensarem em como tudo isso parar continuavam a brincar, mas nenhuma brincadeira que elas fizessem alegrava o Rei que se tornara Senhor de todos os Reis, sem medo, nem compaixão desfez o círculo das mãos, e continuava a gritar BLÁ, BLÁ, BLÁ. Nesses dias, o sol ainda nascia, mas a lua grande autoridade não se punha, a ordem do ciclo das estações tinha sido quebrada. Coincidentemente, não havia mais, mãos e pernas para o círculo fechar, as crianças trancadas foram em um castelo, sem brincadeira ficaram, andavam rápido e falavam baixo para o rei não irritar. Até que o decreto foi assinado e a lua ganhou nesse reinado. Imperava solitária e única, quando se cansava nada se enxergava. As brincadeiras foram esquecidas, todas as crianças dormiam, como não podiam acordar para brincar, cera começaram a ficar. Nenhuns dos reinos do Ocidente foram ajudá-los, nem mãos, nem pernas grandes. Sem brincadeiras e risadas, todos surdos começaram a ficar. Enquanto o mundo continua a girar, existem crianças de cera a orar, ninguém mais as escuta ninguém mais as percebe. Só a lua permanece fixa a olhar, quando será que o sol voltará a brilhar? O sol chateado por não poder mais iluminar e a cera derramar para as crianças iluminar continua a brilhar em outros reinos na esperança de que o Rei pare de gritar BLÁ, BLÁ, BLÁ.


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Desafio literário

O terceiro Desafio Literário da Revista Farol Fantástico contou com 96 inscrições. Dessas 10 textos foram selecionados .


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1º Lugar

Lição de Vida Edweine Loureiro da Silva

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Dona Aurora, ocupada na cozinha, não percebeu a entrada dos filhos e do visitante clandestino. Somente desconfiou quando, mais tarde, Bianca veio buscar um copo d'água e um pedaço de pão para levar ao quarto. E resolveu segui-la, a fim de descobrir em que tipo de travessura os dois rebentos estavam envolvidos aquela vez. E não precisou de muito tempo para descobrir do que se tratava. Pois, tão logo se aproximou do quarto dos filhos, ouviu o piar do passarinho. * ― Bianca e Ricardo! Que barulho é esse? Abram logo esta porta é que é! ― Não é nada, não, mãe… ― respondeu a filha, insegura. ― Estamos… estamos… ― Estamos brincando de imitar as vozes dos bichos! Só isso! ― Interferiu, sagaz, o irmão. A mãe, porém, foi inflexível: ― Abram logo a porta! E não vou repetir a ordem! De tal modo que não restou aos pequenos outra alternativa senão obedecer. ― Por favor, mãe! Deixa ele ficar! ― Sim, mãe! Por favor! Ele está tão fraquinho que não ia durar muito lá fora… ― Quietos, os dois! ― E, aproximando-se da caixa de sapatos na qual estava o passarinho, tratou de confortar os filhos: ― E vocês acaso acham que tenho o coração de gelo para jogar um bichinho, com a asa ferida desse jeito, na rua? Claro que vamos cuidar dele, até que se cure… ― E depois podemos ficar com ele? ― arriscou Ricardo. E dona Aurora, sorrindo: ― Passarinho não é feliz em gaiola, filho! Como a gente, bicho também gosta de liberdade. Portanto, vamos cuidar dos ferimentos e, quando estiver melhor, deixemos que ele voe para onde queira. * Os filhos, a princípio, não entenderam muito bem por que a mãe não queria prender o passarinho. Dois dias depois, porém, quando viram a ave, recuperada, voar livre pelo céu, compreenderam o que ela queria dizer. E, sentindo-se bem pela lição aprendida, Bianca e Ricardo resolveram colocála em prática o mais rápido possível. Para a infelicidade do peixinho no aquário…


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2º Lugar

O menino de seis dedos José Eduardo Borges da Costa

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José era um menino bem gordinho, porém cheio de disposição. Mesmo com todo o seu peso,quando jogava futebol, ele era o primeiro a ser escolhido devido a sua habilidade com a bola. Todos os meninos do bairro adoravam a companhia de José e ainda mais quando se tratava de brigas. José era bem forte e não tinha medo de ninguém. Defendia seus amigos dos meninos encrenqueiros que moravam na chácara da Dita Esparrama. Aquela molecada era fogo! Viviam frequentando a rua de José quando não havia mais ninguém brincando naquele asfalto todo castigado pela chuva. Os meninos da chácara tacavam pedras na rua para que os moleques da São João (rua onde José morava) machucassem os pés e consequentemente deixava o time desfalcado nas peladas de domingo que envolvia vários bairros da cidade. José mesmo com toda a sua alegria e sua coragem escondia algo que não mostrava para ninguém. Ele falava, brincava e corria com os amigos sempre com a mão esquerda fechada e escondendo o seu dedão. Até parece que estava preparado para dar um murro em alguém. Na verdade José tinha nascido com um dedo a mais na mão. Ao lado de seu dedão nasceu um dedinho. Tinha unha e mexia normalmente. Era um dedo normal, mas era imperceptível se não fosse olhado bem de perto. O menino de seis dedos morria de vergonha da sua anomalia. Tinha medo que os amigos colocassem apelidos e temia o afastamento de todos. Certo dia José decidiu contar aos seus amigos. Chamou todos no campinho que ficava atrás do cemitério para uma pelada e antes mesmo de começar o jogo ele disse: - Quero mostrar uma coisa para vocês! Mas já vou dizendo – o primeiro que me zua vai levar porrada! Todos estavam curiosos da revelação que José estava pronto a dizer e amedrontados com a ideia que o menino de seis dedos desceria a porrada naquele que fosse zuá-lo: - Eu tenho um dedinho a mais na mão! Olhem! – neste momento José estica o seu braço e abre a sua mão esquerda pela primeira vez na frente dos amigos – “É de nascença! Minha mãe fala que não tinha como operar na época porque não existia uma medicina avançada para este tipo de problema. Então ela decidiu deixar, e lá na frente quando eu estiver grande, sou eu quem vai decidir se devo tirar ou não”. E assim começaram as perguntas, os espantos e as piadinhas: - Credo que feio!... Que da hora!... Um dedo a mais!... Nossa, Você veio de marte? Ainda bem que você é menino, pois se fosse menina sua manicure ia te cobrar mais caro por ter uma unha a mais!


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E assim foi a zueira durante uns dez minutos. Porém José ao invés de se chatear, acabou caindo na risada com as piadinhas dos amigos. Mas não era hora de brincar ou escarniar. No dia seguinte os meninos da Rua São João iriam enfrentar os encrenqueiros da chácara da Dita Esparrama. Tinham que treinar para fazer bonito, pois era a final do campeonato de bairros. Logo de manhã a rua já estava cheia. Todos seguiam para o campinho atrás do cemitério. O campo estava cheio. A plateia estava misturada de moleques de todos os bairros. Quando José pisou no campo, ele começou a ouvir ofensas do tipo: - Vai seis dedos!... Olha um ETE jogando bola!... Além de gordo tem seis dedos!... Sai pra lá ETE de Varginha! José não se zangou com os apelidos e ofensas. Antes mesmo de começar o jogo, lembrou-se das palavras da sua mãe quando ele tivesse que enfrentar situações como esta. “Meu filho, existem pessoas que não andam, não enxergam, não escutam, não se movimentam e que não podem ter a vida que você tem. Seu dedinho a mais é um privilégio. É uma dádiva de Deus. Impressione as pessoas com esta dádiva. Lembre-se que existem problemas piores que o seu” Após lembrar-se das palavras doces e suaves da sua mãe, José decidiu tirar par ou impar para escolher bola ou campo. O sol sempre castigava um lado do campo. Conversou com o Sergião que era o goleiro do time e decidiram escolher o lado que havia bastante sombra. Não tinha dois tempos, pois era um jogo que, quem fizesse cinco gols já era o campeão. No par ou ímpar, o menino de seis dedos escolheu par e mostrou o seu dedão. Seu oponente tinha escolhido impar e mostrou dois dedos. O adversário comemorou a vitória e já ia escolhendo o lado com bastante sombra, mas José interviu: - Porque você acha que ganhou? – perguntou José. - Por que eu mostre dois e você um, ou seja, três é ímpar! - E onde que você viu um aqui na minha mão? – José mostra o seu dedo duplo. Espantado com o que viu, o menino nada disse. Virou as costas e foi para a parte do campo onde o sol castigava. O gordinho de seis dedos acabara de descobrir uma forma de aproveitar a dádiva que Deus tinha dado a ele. Daquele momento em diante, José nunca mais perdeu no par ou ímpar


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3ºLugar

A bicicleta e o dourado Vivian de Moraes

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Uma vez escrevi um livro, Porque eu sou escritora, No qual eu dizia eu vou A qualquer lugar, a qualquer hora Porque era o poema Da minha bicicleta azul Pois com ela vou pro norte E com ela vou para o sul Outro poema dizia Que tudo era dourado Até o cavalo e a charrete Porque tudo, tudo mesmo, era dourado Uma criança leu meu livro E disse que um dos poemas Era uma música muito bonita Como um filme de cinema O outro livro era muito triste Eu escrevia depois de ter pesadelos Eu acordava muito assustada Com frio até nos cabelos No ano passado lancei outro Que ficou uma gracinha Você o leria bem Mas já acabou o que havia... O que eu desejo a você É que aprenda a amar as artes Sejam elas quais forem Mas que o levem até marte! Que a beleza do mundo Transporte você naquela bicicleta Suspire, agora, bem fundo: Você vai ser um atleta Se nem artista, nem atleta você for Eu vou gostar de você do mesmo jeito Meu pai é advogado, por exemplo Mas se aposentou e agora vive no leito Quanto à linda bicicleta azul Em que você dá pedaladas Não se esqueça de que ela também Agora é uma coisa dourada!


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4ºLugar

Estórias que a terra conta Maria Melo

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ESTÓRIAS QUE A TERRA ME CONTA Com a terra, quando em vez me apetece conversar há alguma sensatez na estória que vou contar E lê com muita atenção de certeza vais gostar prepara-te para a lição das formigas e do seu lar

1 - AS LEIS DO FORMIGUEIRO Conheces tu as formigas? aqueles insectos rasteiros sempre em suas fadigas a correr prós formigueiros? Pequeninas e pretinhas nem sempre são elas calmas vão esfregando as patinhas parece que batem palmas Que venha daí quem negue esta estória de pasmar tal e qual como se segue a terra a irá contar:

As antenas bem atentas sentem a mestra lá longe - Que se passa? estão tão lentas! Será q'inda voltam hoje? Pelas obreiras chamava seu grupo obediente cada uma sendo escrava à rainha era temente De todas, a mais pequena comenta admirada: - Vocês não têm pena? desta vida desgraçada? - Somos, escravas-obreiras nascemos para bulir nem pensamos nas maneiras de ao destino fugir Esta é a nossa missão na colónia a ajudar para que a procriação possa assim continuar

- Andavam as formiguinhas apressadas, em carreiro carregando migalhinhas lá para o seu formigueiro

Um par de asas só nasce à futura mãe rainha pois é ela quem merece voar baixo, pela tardinha

Sua cintura delgada antenas em movimento elas vão subindo a escada com todo o atrevimento

A rainha tem o dever d'a colónia povoar tudo vai ter de fazer para logo engravidar

Um vulto se lhes depara já no último degrau o grupo estaca, pára: - Será isto algum lacrau?

Também ela é sofredora para ter uma prole sadia sai com asas por aí fora que só lhe duram um dia

Era do sapato a sola do Tó que estava a brincar vai correndo atrás da bola prontinho para as pisar

Nós e os soldadinhos trabalhamos com prazer pra cuidar nossos ninhos que queremos proteger

Gritam alto amedrontadas mas o Tó que nem as topa começa a descer as escadas salta, corre, até galopa

Um formigueiro é assim quando bem organizado cada uma tem seu fim cada grupo tem seu fado

Para tentar esquivar-se desta morte quase certa vão depressa esgueirar-se por uma nesguinha aberta

Agora vou-te contar o que me aconteceu tu não vais acreditar foi sonho? Pergunto eu!

Perderam suas migalhas e voltam atrás por isso escondem-se numas palhas o Tó já levou sumiço Espreitam agora caladas os soldados passar são as formigas fardadas haverá que se apressar


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2 - A BORBOLETA VISITADORA Uma lagarta um dia rastejava no jardim lentamente ela seguia meneando o corpo, assim! Fiquei um pouco a ver e reparei lá de perto nas riscas quase a mexer dentro do corpo esbelto Peguei nela com jeitinho levei-a dali comigo embrulhei-a num paninho e arranjei-lhe um abrigo Para a alimentar de amoreiras fresquinhas esperando lhe agradar fui colher umas folhinhas Assim fiquei esperando queria ver o que surgia e para meu grande espanto dali ela não fugia Cada vez mais paradinha com o fio da sua baba criava uma capinha à volta daquela larva Ia-se imobilizando pelo casulo envolvida o corpo cristalizando tomava uma nova vida Como já se percebeu um bicho de seda eu tinha e depois aconteceu que mais lá pela tardinha Do casulo vi surgir eclodindo dengosa o corpinho a reluzir duma bela mariposa Parece que acenou com a sua linda asa logo dali abalou pra fora da minha casa Depois daquela visão voltava eu pra janela esperando a ocasião de poder voltar a vê-la E num dia de calor minha vontade era feita debicando uma flor vi a minha borboleta Com a sua trombazinha o néctar ela sugava duma linda florzinha enquanto me acenava Arrisquei falar com ela queria ser sua amiga:

Revista infantojuvenil - Cada dia estás mais bela pena não seres rapariga - Eu sou uma borboleta e tenho nisso vaidade não faças essa careta esta é a minha verdade

Ainda assim sou tua amiga mesmo que vá para longe não há-de haver quem diga que a nossa amizade foge - E vais pra longe, porquê? alguém te quer fazer mal? és bonita pra quem vê no seu jardim ou quintal Ou será que és nefasta cá para as nossas gentes de veneno que se afasta pra não estragar sementes? - Oh minha amiga, ouve não me podes confundir com a borboleta da couve essa é que tem que fugir Estraga as sementeiras, tira o perfume da rosa, eu tenho boas maneiras eu sou uma MARIPOSA Vou sempre te visitar naqueles dias quentinhos mesmo que seja a sonhar quando fechas os olhinhos. Eu vivo feliz na esperança De ver minha borboleta voando Parece que até dança… Enquanto eu vou sonhando.


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5ºLugar

A história que não foi escrita Tiago Cordeiro

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Desde bebê era fascinado pelo pai que escrevia. Não lia, mas ver o ato de escrever era algo que lhe atraía e intrigava. Paralisava seus choros e o deixava quieto a tal ponto que a mãe esquecia da hora de lhe alimentar. Em uma dessas ocasiões, ela acordou de sono pesado com seu choro. Estava no escritório do pai, a cara suja de tinta de caneta e algo rabiscado numa folha de papel lembrava o nome Jota. Era sua primeira palavra. Havia algo de errado com aquele bebê. Cresceu. Virou uma criança faminta. Comia de tudo e lia também. Uma bula de remédio era mais divertida que a TV. Não trocava gibis por nenhum game ou acesso a internet. Fazia todas essas coisas, mas de repente abandonava para ler alguma coisa. Se tornou recluso. Era difícil fazer amigos quando abandonava qualquer pique para folhear algo que havia deixado pela metade. Precisava encontrar uma história que não sabia qual era. Os pais tinham dificuldade de lhe dar limites. Afinal, quem não tem orgulho de um filho que lê tanto? Mas o fato é que o hábito preocupava. A obsessão com a leitura chegava ao ponto de lhe adiar o sono, afastar as amizades e o convívio com outros da mesma idade. Sempre insistia buscando algo ao ler. Psiquiatras descartaram problemas e psicólogos falaram apenas em uma timidez comum. Os pais pararam de se preocupar, mas o menino não. Continuava a ler procurando algo que estava preso a ele. Sem saber, aquele “Jota” mal rabiscado escrito na sua infância e que lhe manchou de tinta criou algum tipo de magia poderosa. Uma história que nunca acabou e crescia dentro dele. Achava que a solução não estava em seu interior, mas em alguma outra página onde o tal de Jota poderia continuar sua jornada. Buscava sempre um livro que servisse de janela para aquele personagem sair de sua alma. Houve o dia em que esgotou todos os livros de sua casa. Não havia lista telefônica que atendesse sua ânsia e se encontrou sozinho. Os pais saíram e não havia mais histórias para buscar. Sentia Jota em cada um dos poucos pelos que tinha, debaixo de sua roupa e circulando em suas veias. Jota estava ali, crescendo ao ponto que o tomaria e os dois seriam um só. Não tinha muito tempo. Desesperado pegou uma caneta e chegou a imaginar uma operação em que extirparia Jota sozinho. Desistiu com a dor de um pontinho vermelho no braço. Não conseguiria. Ao notar a pele manchada da caneta teve um flashback de como tudo começou. Pegou uma folha de papel e rabiscou um conto. O título e a primeira palavra eram o mesmo nome: Jota. Descrevia como a letra maiúscula “j” parecia um homem grande e de braços abertos, como quem pede um abraço. Alguém extrovertido e amigável com um nome de pronúncia aberta. Um amigão.


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Era uma história sobre alguém quase tão insignificante que era conhecido por uma letra de alfabeto. Mas só ele sabia o tamanho desse algo ou alguém. A história cresceu e finalmente saiu dele. Finalmente estava livre. Fez dezenas de amigos, leu bem menos histórias do que viveu e teve finalmente a sensação que era protagonista dos seus dias. As histórias dentro dele eram todas suas. Mas sabia que não estava mais sozinho e guardou aquele texto consigo por toda vida. Porque Jota era um amigo eterno e sabia que tinha que respeitar cada palavra e cada letra.


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6º Lugar

O abajur de Luzia Aldenor Pimentel

© Martin Debus - Fotolia.com


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Luzia mora com os avós. A menina tem um quarto só para ela, mas não gostava de dormir sozinha, porque sentia medo e ficava a noite toda chamando por eles. Seu avô e sua avó até lhe diziam que não havia motivo para ter medo, mas não adiantava muito. Luzia continuava inquieta e acabava não dormindo direito. Na manhã seguinte a uma dessas vezes, o avô de Luzia acordou bem cedo e foi até o porão. Lá, levantou a tampa do baú de madeira antigo, revirou as tralhas que guardava ali dentro e de lá tirou um abajur empoeirado. Passou um pano úmido no abajur, que agora já nem parecia tão velho. Depois, ficou horas trabalhando no conserto do objeto, que há tempos estava sem funcionar. Por fim, ele enfeitou o abajur com adesivos coloridos, que combinaram perfeitamente com a decoração do quarto da menina. Na hora de dormir, Luzia e os avós foram até o quarto dela. Seu avô disse “faça-se a luz!” e ligou o abajur na tomada. Funcionou! Feito mágica, o abajur iluminou todo o quarto. Os olhos da menina brilhavam fascinados com a luz que irradiava da pequena lâmpada colorida. Com o abajur ligado, ela viu espalhadas pelo teto pequenas estrelas feitas de papel recortado. Era mais um agrado de sua avó. Naquela noite, Luzia dormiu com um largo sorriso nos lábios. Quando acordou, a primeira coisa que fez foi correr na direção dos avós para abraçá-los. – Vó, eu nem senti medo! – disse a menina. A avó fez um cafuné em Luzia e respondeu: – Eu vi, minha filha. Parabéns! Estou muito orgulhosa de você.


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A andorinha que queria ser sapo Cilene Chakur

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Na Praça do Sol tinha um jardim cheio de árvores e de flores, onde moravam muitos passarinhos. Era o lugar preferido das andorinhas. No inverno, era aquela debandada de andorinhas: todas saíam em busca de um lugar mais quente. Acho que iam para a América do Norte. Quando aqui é inverno, que o tempo fica frio, lá é o maior verão, com o sol brilhando e esquentando as cidades e os campos. Então, elas preferem voar e voar até chegar lá. Pois bem, chegou o verão e as andorinhas estão de volta. E se juntam aos tico-ticos, aos sabiás, bem-te-vis, curiós e maritacas... Todos pipilando como numa festa! Mas o que mais se via naquele jardim eram andorinhas. Umas grandes, outras pequenininhas; umas cantoras, outras mudinhas; umas gordinhas, outras magrinhas; umas com bicos enormes, outras com biquinhos minúsculos. Mas todas muito lindas. No jardim havia uma andorinha muito especial. Os outros pássaros a chamavam de “Desbicudinha”. Sabe por quê? O bico desta andorinha era tão curtinho, mas TÃÃÃÃO curtinho, que quase não aparecia. Desbicudinha também era magrelinha de dar dó! Com um biquinho daqueles, tão pequenininho, sua língua também era miudinha e por isso Desbicudinha passava muita fome. Era difícil pegar insetos para comer com aquele biquinho e aquela linguinha mirradinha... Certo dia, chegaram umas nuvens escuras de repente e encobriram o sol. E veio a chuva fazendo XÓÓÓÓ, molhando o jardim, a praça, o bairro, a cidade... Os passarinhos logo se esconderam nas árvores, protegendo seus ninhos com as asas. Desbicudinha estava longe da praça e voou, voou, voou muito para chegar até sua árvore. Estava cansada e com fome, pois, com aquele biquinho, não tinha conseguido comer nada o dia inteiro. Não conseguiu nem subir até o galho mais alto onde costumava dormir. Ficou lá embaixo mesmo, pousada em um galho perto do chão. Desbicudinha estava molhada e com frio, mas, mesmo assim, conseguiu cochilar. E a danadinha falava enquanto dormia. Dizia assim: – “Ai, ai, ai! Meu bico é muito pequenininho! Não posso comer assim! Tô com fome! Queria ser um sapo, aí eu ia ter um linguão bem grandão e podia comer tudo o que eu quisesse!” Mas o que ela não sabia é que ali debaixo do galho onde ela estava havia um sapo que também não estava nada feliz. Era um sapo muito pequeno. O nome dele era “Despuladinho” e também costumava falar dormindo. Ele dizia assim: – “Ai, ai, ai! Só posso andar pulando! Sou muito pequeno e meu pulo é muito curtinho. Não posso ir muito longe, fico muito cansado! Queria tanto ter asas pra voar e conhecer outros lugares!”


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Você vê só como são as coisas? A andorinha podia ver tudo lá de cima do céu, pois podia voar, mas, como não conseguia pegar insetos com o seu bico curto, queria ser um sapo, que tem l. E o sapo estava descontente porque seus pulos eram muito curtos e não podia conhecer lugares mais distantes, pois ficava muito cansado. O que fazer? Os dias passaram. Desbicudinha e Despuladinho sempre tristes. Mas aí aconteceu uma coisa que mudou para sempre a vida dos dois. Foi numa noite bonita de verão, com a lua nascendo enorme lá no céu, que os dois se trombaram debaixo da árvore onde dormiam. Foi assim: Desbicudinha estava fraquinha, fraquinha, coitada! Não tinha conseguido comer nada o dia todo. E então fechou os olhos pra esquecer a fome. Quando conseguiu dormir, sonhou que tinha uma língua enorme. Então, jogou a cabeça pra frente, procurando comida e... TCHPLAN! Ela CAIU! E caiu bem em cima do sapo, que estava saltitando lá embaixo, sonhando que tinha asas. Nesse mesmo instante, um raio de luar atravessou a folhagem da árvore e atingiu os dois. Era um RAIO MÁGICO! Eles tomaram um baita susto! Despuladinho quis saltar longe, mas percebeu que tinha criado asas e logo começou a voar pra lá e pra cá, doidinho de alegria. E Desbicudinha? Ah, que felicidade! Seu bico havia crescido e dentro dele apareceu AQUELA língua maravilhosa que só os sapos possuem. Agora sim! Podia comer à vontade. Não ia mais passar fome, nem ficar fraquinha e magricelinha. E ninguém mais iria chamá-la de Desbicudinha. Como, então, ela iria se chamar?


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Pizza? Oh... não! Cristina Costa

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De tanto observar a mãe na cozinha Inês decidiu que hoje era o seu dia de fazer o jantar. Que rica surpresa que os pais iriam ter. Assim, determinada em cumprir a tarefa foi pesquisar no livro das receitas da mãe. Após folhear várias páginas concluiu que eram todas muito complicadas, o melhor era mesmo improvisar. - Hum … Já sei, vou fazer uma pizza. Assim começou a preparar os ingredientes para a massa: Farinha, fermento, água e sal. Depois de tudo misturado era só amassar. Inês batia freneticamente na massa, saltando pequenos pedaços por toda a mesa. Até no seu cabelo havia massa. Após dez minutos a amassar a massa já estava pronta. Assim correu para o frigorífico e procurou ingredientes para a sua pizza. - Ketchup, fiambre, queijo… - Talvez cogumelos e milho para ficar mais colorida. Agora sim a pizza já parecia pizza. Ligou o forno e colocou a pizza dentro. Com o passar do tempo Inês começou a sentir o aroma da sua pizza…. - Hum mm… cheira tão bem. Inês abriu o forno e a pizza estava tão apetitosa que era impossível de resistir. Sem pensar, hipnotizada pela pizza devorou-a em menos de cinco minutos. A pizza que era enorme não tardou a causar estragos na barriga da Inês. - Oh... Estou tão mal disposta. Inês tinha comido tanta pizza que não se sentia nada bem. Deitou-se no sofá enrolada como um ouriço e assim adormeceu. Enquanto dormia Inês teve um sonho. A pizza tinha ganho vida e corria por toda a casa sujando os quartos e a sala com Ketchup. Por fim a pizza sentou-se a mesa e olhou para a Inês. - “Tenho fome – disse. Dito isso abriu a boca. Uma boca enorme e disse: vou-te comer … Assustada e sem dar conta do tempo passar Inês acordou com o chamar da mãe - Inês, acorda filha já é hora de comer. Hoje fiz-te uma surpresa. Temos pizza ao jantar!


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9ºLugar

Aprendendo com os erros Denivaldo Piaia

© Danomyte - Fotolia.com


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Quando a nave pousou naquele planeta-lixo não houve entre os alunos quem não franzisse o nariz devido ao mau cheiro e às imagens repugnantes. Desde que todo o sistema planetário passou a depositar ali o seu lixo, somente excursões de estudantes passavam pelo local, no aprendizado de um passado que não poderia se repetir. Tomadas as devidas providências sanitárias e higiênicas, a classe saiu em exploração dos erros do passado. Em meio a pilhas de objetos obsoletos e enigmáticos, algo emitia sinais luminosos e sonoros, possivelmente alimentado por uma bateria que resistira por mais tempo. Excitados pela curiosidade os alunos rodearam o mestre que tomava o objeto em suas mãos, iniciando a explicação: “Este rudimentar aparelho foi o início do fim deste planeta, antes chamado de Terra e hoje de Planeta Lixo. Isto é o que eles chamavam de computador pessoal...”


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10ºLugar

Foi assim que conheci João Jacqueline Collodo Gomes

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Eu conheci o meu amigo João lá na feira que tem perto de casa toda Quintafeira. Ele estava na fila para comprar pastel e só faltava mais uma pessoa pedir para então ser a vez do João. Eu já sabia bem o pastel que eu queria (de carne, claro, o meu preferido!), mas mesmo assim fui olhar a placa de preços porque ouvi alguém na fila dizendo que os pasteis tinham subido. Daí, sem querer, sem intenção e nem nada (porque ninguém perde dinheiro de propósito, fala sério!), eu deixei cair uma moeda de cinquenta centavos e não achava! Eu estava de cabeça baixa, tateando o chão da rua, quando o João (eu ainda não sabia que ele se chamava assim) estendeu a mão e me entregou a moeda. Ergui a cabeça e fiquei mais surpreso ainda: o João tinha deixado o lugar dele na fila só para me ajudar a encontrar a minha moeda! Isso é que é amigo! - Aqui está a sua moeda. - Obrigado, eu falei, pegando a moeda da mão dele. Tinha um monte de gente ali, e até um monte de adultos, mas só ele quis me ajudar, e olha que a gente nem se conhecia ainda! - Você também vai comprar pastel? - ele perguntou. - Vou sim! O meu preferido!, eu respondi assim bem rápido, e enchendo o peito de orgulho, para fazer o anúncio tão importante: - Pastel de carne! - É o meu preferido também! - ele falou em seguida, com os olhos assim, bem esbugalhados de surpresa. Nem precisamos falar mais nada! Ali mesmo já tínhamos virado amigos! E, colocando o braço um sobre o ombro do outro, voltamos ao lugar do João na fila, que uma senhora fez bonito em guardar. - E o seu nome? Eu ainda não sei. - João. E o seu? - É Vitor. Mas pode me chamar de Vitinho, ou de amigão!


Farol FantĂĄstico

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