"Fuga de cérebros" no Brasil: os custos publicos de uma falsa compreensão da realidade acadêmica

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“Fuga de cérebros” no Brasil: os custos públicos de uma falsa compreensão da realidade acadêmica Elizabeth Balbachevsky∗ Fabrício Marques

A expressão "fuga de cérebros" tornou-se sinônimo de um movimento de transferência de capital humano no qual o fluxo de indivíduos qualificados, com talentos e competências valorizadas internacionalmente, dá-se fortemente numa determinada direção (Davenport, 2004, Salt, 1997). O termo, cunhado para qualificar a perda de recursos vinculados ao desenvolvimento científico e tecnológico, foi usado pioneiramente pela British Royal Society para descrever o êxodo de cientistas e tecnólogos do Reino Unido rumo aos Estados Unidos e ao Canadá nos anos 1950 e início dos 1960. Embora originalmente buscasse entender um fenômeno europeu e envolvesse nações em estágios avançados de industrialização, a referência foi apropriada por autores preocupados com o fenômeno do desenvolvimento e passou a ser usada, nas décadas seguintes, para descrever a perda de competências de nível superior de países em desenvolvimento para o bloco de países desenvolvidos e, como variante recente, o fluxo de recursos humanos do Leste para o Oeste Europeu. Entre os anos de 1960 e 1970, Theodore Schultz e Gary Becker buscaram explicar o fenômeno vinculando-o a desequilíbrios econômicos e sociais estruturais, notadamente as diferenças salariais e de oportunidades entre países pobres e ricos. Segundo esta perspectiva, o chamado capital humano, da mesma forma que o capital físico, tende a dirigir-se a regiões em que sua produtividade possa ser mais elevada, onde possa garantir a maior recompensa possível. De acordo com Pellegrino (2006), tal abordagem, classificada como “internacionalista” contrapunha-se a uma outra visão, de caráter “nacionalista”, que se fixava nos prejuízos impostos aos países “doadores” de talentos. O êxodo de profissionais com formação superior teria o condão de tornar permanentes as desigualdades entre os países, por desfalcar as nações em desenvolvimento de parte significativa seus melhores quadros, vulnerabilizando-as num estágio em que deveriam fortalecer-se. De acordo com a abordagem nacionalista, a migração qualificada era vista como um jogo de soma zero, na qual a fuga de cérebros criava impactos negativos em seqüência nas nações desfalcadas de talentos, em contraste com séries de efeitos positivos nos países de destino. De acordo com essa literatura, a lista de prejuízos conhecidos é extensa e não se limita à perda do investimento feito na formação do cérebro desgarrado. Inclui a redução do crescimento econômico, a quebra de fornecimento de serviços essenciais, como nas áreas de saúde e educação, e a incapacidade de formar massa crítica capaz de desenvolver o sistema de educação, ciência e tecnologia do país atingido. A abordagem do prejuízo marcou os trabalhos feitos na década de 1970. No final dos anos setenta, o economista Jagdish Bhagwati, da 

Elizabeth Balbachevsky è professora associada do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e Pesquisadora Sênior do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da mesma universidade e professora do Programa de pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM-USP). E mail: balbasky@usp.br . Fabrício Marques é aluno de mestrado do PROLAM-USP e redator da revista Pesquisa, da FAPESP.


Universidade de Columbia, chegou inclusive a propor a criação de um imposto internacional a ser cobrado dos países ricos para compensar a “predação” de talentos do mundo em desenvolvimento (Bhagwati, e Douglas 1989). A percepção negativa dos efeitos desse fenômeno se acentuou a partir dos anos oitenta, quando a necessidade de recrutar trabalhadores altamente qualificados para competir num mundo interconectado globalmente exigiu que os países desenvolvidos intensificassem suas ações para atrair mão-de-obra formada em outros lugares. Políticas seletivas de imigração praticadas pelos países ricos, aliadas à facilidade de acesso a instâncias de recrutamento e o barateamento do transporte e das comunicações, permitiram que potenciais migrantes com formação superior encontrassem oportunidades de trabalho em economias mais desenvolvidas. Embora faltem estatísticas abrangentes sobre fluxos internacionais de recursos humanos, há uma série de dados mostrando que a globalização reduziu barreiras que controlavam a mobilidade de indivíduos qualificados, estabelecendo pontes entre os mercados de trabalho de diferentes países e aglutinando mão-de-obra qualificada em cidades globais (Lowell e Findlay, 2001). Iredale (2003) também lembra que muitas profissões, em áreas como ciências atuariais, finanças e tecnologia da informação, internacionalizaram seus códigos de ética e de treinamento, facilitando a mobilidade geográfica de seus profissionais. Um relatório recente divulgado pela empresa Manpower (The Economist, 2008) entrevistou 31 mil trabalhadores em 27 países e constatou que 40% deles consideram a possibilidade de se mudar permanentemente de endereço em busca de uma boa oportunidade de trabalho. Segundo dados compilados por Beine, Docquier e Rapoport (2008), enquanto apenas 300 mil trabalhadores altamente capacitados trocaram o mundo em desenvolvimento por nações desenvolvidas no período de 1961 a 1972, mais de 2,5 milhões de imigrantes com escolaridade elevada oriundos de países em desenvolvimento haviam se radicado apenas nos Estados Unidos em 1990, segundo dados do censo do país. Carrington e Detragiache (1998) mostraram que pequenos países da África, Caribe e América Central, como Gâmbia, Serra Leoa, Jamaica e Trinidad Tobago, perderam mais de 30% de sua força de trabalho com educação terciária para os países da OCDE. Também foram contabilizados fluxos significativos em países como Irã, Coréia do Sul, Filipinas e Taiwan. Estudos patrocinados pela Organização Internacional do Trabalho revelam que entre 60% dos médicos filipinos e um terço das enfermeiras jamaicanas foram trabalhar em outros países enquanto 12% dos profissionais e técnicos uruguaios migraram nas décadas de 1970 e 1980, num efeito atribuído ao ambiente repressivo criado pelo regime militar do país, que vigorou de 1973 a 1985 (Lowell e Findlay, 2001). Por muito tempo, um raro efeito positivo da “fuga de cérebros” mensurado em estudos foi o hábito dos imigrantes de enviar parte de seus ganhos para o país de origem a fim de ajudar a sustentar familiares, ainda que restasse a crítica de que o dinheiro era investido principalmente no consumo, com impacto restrito na capacidade de gerar empregos e de aumentar a produção. Dados de 1999 chancelados pelo Banco Mundial mostram que, entre os 20 países em desenvolvimento que mais receberam remessas de imigrantes, a contribuição que esses recursos representam no PIB nacional variava 0,2% (Brasil) a 24,5 % (Iêmen). (Saravia e Miranda, 2004). Caminhou-se então para a noção segundo a qual a migração qualificada pode ser um jogo de ganhos múltiplos, no qual todos os envolvidos podem beneficiar-se de alguma forma. Entre as vantagens possíveis para os países doadores de talentos destacam-se as remessas de dinheiro recebidas de seus cidadãos radicados no exterior, o incentivo para o aumento da escolarização causado pela possibilidade futura de migração e a conexão com redes internacionais de


conhecimento e de negócios. A expressão original, com conotação negativa, desdobrouse em outros termos, como, por exemplo, "intercâmbio de cérebros" (brain exchange), para designar o que ocorre em países como a Inglaterra e o Canadá, que tanto atraem quanto perdem pessoal qualificado, notadamente para os Estados Unidos. Ou ainda “ganho de cérebros” (brain gain) ou “fuga de cérebros ótima” (optimal brain drain), vinculados aos países que conseguiam manter a saída de talentos em níveis tidos como saudáveis ou tiveram sucesso em atrair de volta talentos perdidos para outras nações – a premissa embutida neste conceito é que algum nível de mobilidade de talentos é indispensável para países em desenvolvimento integrarem-se à economia global, ainda que o êxodo em massa possa trazer grandes prejuízos. Lowell e Findlay (2001) propuseram que o conceito de “fuga de cérebros” congrega, na realidade, diferentes subfenômenos. Um seria o “brain waste” (desperdício de cérebros), a exportação de profissionais para trabalhar em ocupações bem remuneradas mas pouco qualificadas, que não exploram ou valorizam a formação obtida no país de origem. Já a “exportação de cérebros” (brain export) serviria para qualificar o êxodo de talentos que conseguem compensar sua ausência de formas variadas, seja enviando dinheiro para a família, seja propiciando transferência de tecnologia para seu país de origem. As expressões “globalização de cérebros” (brain globalisation) e “circulação de cérebros” (brain circulation) seriam talhadas para definir a mobilidade internacional de talentos que se tornou parte natural da vida das empresas e da economia global, em particular o movimento de funcionários altamente qualificados de companhias multinacionais, principalmente executivos, promovido para garantir as vantagens competitivas de empresas líderes em mercados globais. Meyer e Brown (1999), por outro lado, destacam a efetividade de duas alternativas para os dilemas do Brain Drain: as opções de retorno e de diáspora. De acordo com esses autores, alguns países recém-industrializados, como Singapura e Coréia do Sul, bem como em grandes nações emergentes como a Índia, conseguiram atrair de volta uma parte desses profissionais. Programas de repatriação de talentos foram deflagrados desde 1980, e criaram redes locais nas quais os egressos puderam efetivamente encontrar um lugar e se tornarem operacionais. A diáspora, por outro lado, se refere à construção de redes de relacionamento entre pesquisadores e profissionais radicados no exterior com seus países de origem. Segundo esses autores, relacionamentos informais dessa natureza sempre existiram. O que há de novo é que esses elos, antes esporádicos, tornaram-se múltiplos e densos. As redes de diáspora baseiam-se na premissa segundo a qual é possível aproveitar, mesmo que de forma remota, o capital humano dos profissionais que emigraram (Vertovec, 2002, Turpin, 2004 e Turpin, T., Iredale, R., Crinnion, P. 2002). Esse tipo de parceria a distância seria hoje possível, como demonstra a proliferação de projetos de pesquisa colaborativa transnacionais, envolvendo tanto instituições acadêmicas como corporações industriais (Thorn e HolmNielsen, 2006).

A “fuga de cérebros” e suas conseqüências para a política de formação de recursos humanos em C&T na América Latina: A temática da “fuga de cérebros” é dominante nas percepções que orientam as políticas científicas e tecnológicas dos países em desenvolvimento, especialmente no caso da América Latina. Do ponto de vista dessas políticas, o ponto nevrálgico está associado à fixação do jovem pesquisador em centros internacionais após a conclusão de seus estudos pós-graduados, especialmente nos casos em que esses estudos tenham sido


custeados por bolsas de estudo publicas. No entendimento das autoridades responsáveis por essas políticas, a fixação do jovem pesquisador latino-americano em centros internacionais para onde foram enviados para terminar sua formação, especialmente no caso de jovens doutores, é sempre interpretada como perdas múltiplas. É um desperdício de recursos escassos que foram investidos na formação do jovem pesquisador; um esbanjamento injustificável de dinheiro público, e uma perda de competências cruciais para o desenvolvimento do país. Essa percepção justifica um conjunto de medidas duras adotadas por diferentes países que visam garantir o retorno dos cientistas expatriados no período de sua formação. No caso do Brasil, o fenômeno da “fuga de cérebros” é bastante marginal. Levantamentos sucessivos feitos por pesquisadores e autoridades brasileiros mostram que a proporção de pesquisadores que permanecem no exterior após a conclusão dos estudos é baixa. Por exemplo, a porcentagem de pesquisadores agraciados com bolsas da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo1 - entre os anos de 1992 e 2002 que estavam trabalhando no exterior em 2004, era baixa muito baixa em todas as áreas do conhecimento: 7,8% nas áreas de astronomia e ciências espaciais; 3,8% em Biologia, 3,5% em Agronomia e Veterinária; 3% em Saúde; 2,2% em Geociências; e menos de 2% nas áreas de Economia e Administração, Ciências Humanas e Sociais, Física, Química, Matemática, Engenharia e Arquitetura e Urbanismo (FAPESP, 2005). Da mesma forma, levantamentos realizados pela CAPES – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior - a principal a agência brasileira para o apoio à pós-graduação, sugerem um quadro semelhante. A despeito dessa realidade, a percepção de que a assim chamada “fuga de cérebros” é lesiva aos interesses do país é tão intensa que suscita uma reação vigorosa por parte das autoridades públicas brasileiras. Reação essa que inclui a busca de acordos internacionais com países “receptores” que impeçam o acesso a vistos de permanência para ex-bolsistas; a inclusão de cláusulas que exigem o retorno imediato do bolsista após a conclusão dos estudos e impõem a obrigação da permanência no país pelo mesmo prazo de duração da bolsa no contrato de concessão da bolsa, e inclusive a abertura de pesados processos criminais contra ex-bolsistas que não optaram por não retornar ao país, com a cobrança judicial de todos os gastos, acrescidos de correção monetária e juros2. Essa reação exacerbada diante de um número tão pouco expressivo de casos em que o jovem pesquisador opta por permanecer no país de formação revela um entendimento burocrático, cartorial, do significado do doutorado, como se a real importância do doutorado estivesse prioritariamente no cobiçado título, e, secundariamente, no acúmulo de conhecimentos a que o estudante esteve exposto durante sua experiência escolar. Assim, terminado o curso e alcançada a almejada titulação, estaríamos diante de um profissional cujas competências e atributos estariam definitivamente estabelecidos. Portanto, para se beneficiar dos resultados deste investimento seria suficiente para o país trazer novamente o jovem pesquisador de volta e coloca-lo a trabalhar. Ora, tudo o que se conhece acerca do processo de produção de conhecimento aponta para a direção oposta. Tanto o conhecimento codificado que o estudante toma contato durante os anos de formação, como as habilidades e competências que ele desenvolve durante seu treinamento como pesquisador (Eggins, 2008, Neave, 2002) serão rapidamente superados pelo avanço da ciência. Da mesma forma, a sua socialização 1

A FAPESP é a segunda maior agência pública de fomento à pesquisa do Brasil. Em muitos casos, os valores cobrados em juízo alcançam cifras astronômicas, como é o caso de um pesquisador da área de engenharia, que, segundo relato da Revista Isto É (14/02/2009), está sendo acionado judicialmente pelo governo brasileiro por uma dívida de 1,1 milhão de reais (cerca de 500 mil dólares) em razão de uma bolsa que custeou seus estudos nos Estados Unidos entre 1993 e 1998. 2


inicial no interior da comunidade científica, bem como as conexões que o jovem pesquisador estabelece com redes internacionais de especialistas a partir de sua experiência de doutorado e ou pós-doutorado no exterior – seu capital social – perde-se rapidamente na ausência de um ambiente de pesquisa estimulante, que permita ao pesquisador manter a interlocução no interior dessas redes. Dessa maneira, é possível supor que quando o recém-doutor não encontra no mercado de trabalho um ambiente propício, que lhe permita preferencialmente aumentar sua produtividade e preservar e ampliar seus vínculos com a comunidade científica nacional e internacional, há um evidente desperdício do investimento feito em sua formação. Instituições acadêmicas que ofereçam um ambiente de pesquisa estimulante, competitivo e aberto, são raras no Brasil, como de resto em todos os países em desenvolvimento. Ao longo das últimas três décadas, apenas um número muito restrito dessas instituições foi capaz de criar internamente uma pós-graduação forte, atraindo uma alta proporção de doutores e gerando o dinamismo necessário para criar um ambientes de pesquisa dinâmicos e minimamente internacionalizados. Os gráficos I e II, abaixo, resumem dois indicadores que permitem qualificar minimamente o ambiente das instituições de ensino superior no Brasil. São eles: a distribuição dos postos de docência em função da porcentagem de doutores empregados na instituição e da porcentagem de contratos em tempo integral na instituição. Gráficos 1 e 2 aqui, um em seguida do outro Os dados apresentados nesses dois gráficos mostram que a grande maioria dos postos de docência em ensino superior no Brasil são ofertados por instituições privadas caracterizadas por, simultaneamente, uma baixa proporção de professores com doutorado e uma baixa proporção de professores com contratos de tempo integral. Evidentemente, instituições com baixa proporção de doutores e contratos de tempo integral não reúnem as condições mínimas necessárias para serem consideradas ativas do ponto de vista da produção de conhecimentos. Considerando apenas esses dois indicadores, o número de instituições acadêmicas brasileiras que apresenta um ambiente institucional suficientemente dinâmico para abrir espaço para a institucionalização da pesquisa é muito pequeno. No censo das instituições de ensino superior brasileiras de 2006, apenas 23 das 163 instituições publicas apresentavam simultaneamente, uma alta proporção de doutores no seu corpo docente (mais de 50%) e uma alta proporção de contratos em tempo integral (mais de 35% do corpo docente). Da mesma forma, apenas em um número muito reduzido de instituições do setor privado, quatorze ao todo, a proporção de doutores era maior do que 50%. Essas são as grandes instituições privadas voltadas para atender um mercado de elite. Na grande maioria das instituições públicas, embora a proporção de contratos em tempo integral seja alta, a proporção de professores com doutorado no corpo docente é baixa. Essas instituições não têm uma massa crítica de profissionais socializados e treinados para o desenvolvimento autônomo de projetos de pesquisa e com credenciais que lhes permitam competir por recursos para o financiamento das atividades de pesquisa. No interior dessas instituições, a pesquisa acadêmica significativa floresce apenas em micro ambientes conhecidos na literatura nacional como “ilhas de excelência” (Oliveira, 1984), em geral articulados em torno de programas de mestrado e, mais raramente, doutorado. A maior parte da atividade de pesquisa tende a assumir um caráter ritual, despido de significado próprio. Um ritual que cumpre a dupla função de responder às exigências feitas pelos processos de avaliação impostos pela burocracia do Ministério


da Educação e, ao mesmo tempo, satisfazer as inquietações existenciais do corpo docente, criadas pelo cânone da “indissociabilidade do ensino e da pesquisa” tão constantemente apregoada por todos os lados no Brasil. De fato, em 2007, quando indagamos a uma amostra de 684 professores doutores brasileiros empregados em diferentes tipos de instituições acadêmicas algumas informações sobre a percepção que esses acadêmicos têm da relevância da atividade de pesquisa no interior de sua instituição suas respostas estão resumidas na tabela 3, abaixo: Tabela 3 aqui Os dados apresentados na tabela 3 indicam que o único ambiente inequivocamente orientado para a pesquisa é aquele constituído pelos Institutos Federais de Pesquisa, boa parte deles vinculados ao próprio Ministério de Ciência e Tecnologia. Entre os doutores empregados nesses institutos, a proporção daqueles que acham que a qualidade da pesquisa é um item relevante para as decisões de contratação e promoção na instituição alcança 58,5%. Já entre os professores empregados em todos outros tipos de instituição, o índice de concordância com essa afirmação é sempre expressivamente menor. Da mesma forma, as avaliações positivas com relação aos equipamentos de pesquisa são mais freqüentes entre os doutores ligados aos institutos de pesquisa, ao passo que os pesquisadores ligados às outras instituições, inclusive as universidades com alta proporção de doutores em seu corpo docente (aqui classificadas como universidades publicas de pesquisa) tendem a ter uma avaliação mais pessimista das condições materiais que sua instituição oferece para a pesquisa, bem como da relevância da qualidade de suas pesquisas para as decisões de contratação e promoção. Na tabela 4, abaixo, vemos que embora a maior parte dos professores do setor público reconheça que seu contrato de trabalho supõe seu envolvimento com pesquisa (o mesmo acontece com os professores empregados em instituições privadas de elite); há uma clara polarização entre os que preferem a pesquisa ao ensino, e os que valorizam mais a docência. Ainda que em todas as instituições a maioria dos doutores se incline mais para a pesquisa, uma minoria relevante (cerca de 39% da nossa amostra) opta pelo ensino em detrimento à pesquisa. Tabela 4 aqui Por outro lado, as condições objetivas para o envolvimento do professor com a pesquisa são bem mais precárias: mesmo entre os professores-doutores empregados nas melhores universidades públicas brasileiras, a proporção dos que alcançaram financiamento externo para suas pesquisas é de apenas 61%. Entre os professores empregados no setor privado, essa porcentagem é de apenas 19%. Da mesma forma, as informações prestadas por esses professores acerca de sua produção acadêmica são congruentes com a hipótese da predominância de um ambiente relativamente letárgico em quase todas as instituições de ensino superior brasileiras. Com efeito, mesmo entre os doutores empregados pelas grandes universidades de ensino e pesquisa do Brasil, a porcentagem dos que declararam a autoria de até no máximo 3 produtos acadêmicos nos últimos 3 anos somam 38%. Mesmo entre os pesquisadores empregados em institutos de pesquisa, essa proporção não é significativamente menor. Essas informações indicam que, a despeito de toda a pompa e circunstância com que o apoio à pesquisa é alardeado pelas autoridades brasileiras, e em que pese o crescimento da presença de artigos brasileiros nas publicações internacionais, a realidade do ensino superior brasileiro, mesmo se considerarmos apenas o setor público, e dentro dele, as melhores universidades, ainda deixa muito a desejar no que se refere à qualidade do seu


ambiente de pesquisa, especialmente quando se considera os estímulos e a valorização dessa atividade em seu interior. Nas demais instituições, esse quadro é ainda mais desalentador. No entanto, a proporção de doutores que encontra nesses ambientes seu emprego está longe de ser desprezível: pelo censo do ensino superior brasileiro de 2005, os postos de docência ocupados por doutores no setor privado representavam 25% do total das posições abertas para professores com essa titulação no ensino superior brasileiro. Os dados coletados por nosso estudo indicam que embora as instituições de maior prestígio tendam a atrair uma proporção maior de doutores formados no exterior, a presença de profissionais formados fora do país em outros contextos institucionais nunca é insignificante. Mesmo entre as instituições particulares de ensino de massa, cerca de 10% de seus doutores foram formados no exterior. Esses resultados levantam sérias objeções para a decisão política que impõe o retorno a qualquer custo do jovem pesquisador formado no exterior. È preciso considerar se estamos de fato servindo aos interesses estratégicos do país quando exigimos o retorno imediato do recém-doutor, muitas vezes com ofertas de trabalho precárias, em ambientes paroquiais de instituições fortemente orientadas para o ensino de graduação e pouco internacionalizadas. A opção entre essa alternativa e permitir que esse pesquisador permaneça mais tempo no exterior, vinculado a instituições internacionais de pesquisa, altamente dinâmicas e produtivas, a escolha mais adequada do ponto de vista estratégico, nos parece clara, especialmente se tivermos uma política voltada para ampliar a conexão desse profissional com nossas instituições e grupos de pesquisa. Nosso argumento é que o Brasil perde e muito – i) quando financia doutorados no Brasil ou no exterior de baixa qualidade; ii) quando força o jovem doutor a voltar e “enterra” esse profissional - num momento ainda formativo do ponto de vista de sua carreira como pesquisador - em ambientes que militam contra sua profissionalização como pesquisador produtivo; iii) quando exige que universidades privadas inegavelmente voltadas para o ensino de graduação sustentem programas de doutorado de qualidade duvidosa como apêndices burocráticos apenas para satisfazer as demandas colocadas pelas instâncias de avaliação do Ministério da Educação. Não é razoável tratar o pesquisador que permanece no exterior por mais tempo como um criminoso; assim como não é razoável forçar o retorno a qualquer custo do jovem recém-formado, mesmo em condições que podem representar o sucateamento de todo o investimento que o país fez na sua formação. Agradecimento: Os autores reconhecem o apoio dado pela FAPESP para o levantamento dos dados da pesquisa The Changing Academic Profession Project (CAP) Brazil (projeto 2006/03329-0) Referências Bibliográficas: Beine, M.; Docquier, F.; Rapoport, H. (2008) Brain drain and human capital formation in developing countries: winners and losers. The Economic Journal, Vol. 118, 528, pp. 631-652 Bhagwati, J. e N. W. J. Douglas (1989) Income Taxation and International Mobility Boston: MIT Press. Carrington, W.; Detragiache E. (1998) How Big Is the Brain Drain? International Monetary Fund (IMF) Working Paper No. 98/102. Davenport, S. (2004) “Panic and Panacea: Brain Drain and Science and Technology


Human Capital Policy”. Research Policy , Vol. 33(3), pp. 617-630. Eggins, H. (2008) “trends and issues in post-graduate education: a global review” The UNESCO Forum on Higher Education, Research and Knowledge. Keynote paper for the DCU/UNESCO Forum Workshop, Dublin, Ireland, 5-7 march. FAPESP (2005) “Destino acadêmico de ex-bolsistas da FAPESP”. Estudo coordenado pelo prof. Geraldo di Giovanni. São Paulo: FAPESP. Iredale, R. (2003) “Tackling the roots of the brain drain”. Science and Development Network (SciDev.Net), disponível em www.scidev.net/en/opinions/tackling-the-rootsof-the-brain-drain.html Isto É, (2009)14 de fevereiro, “linha dura com os doutores: TCU tenta reaver 71 milhões de pesquisadores que foram paa o exterior com bolsa do governo”. Pp. 69. Lowell, L.; Findlay, A. (2001) “Migration of Highly Skilled Persons from Developing Countries: Impact and Policy Responses”. International Migration Papers 44, New York: UN International Labour Office Meyer J.; Brown, M. (1999) “Scientific Diasporas: A New Approach to the Brain Drain”. Paris: UNESCO MOST Discussion paper No 41. Disponível em http://www.unesco.org/most/meyer.html Neave, G. (2002) “Research and Research-Training Systems: Towards a Typology” UNESCO Forum Occasional Paper Series 1. Paris: UNESCO Forum on Higher Education, Research and Knowledge Oliveira, J. B. A. (1984) Ilhas de competência: carreiras científicas no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliense. Pellegrino, A. (2006) “La migración calificada en América Latina”. Encuentro Iberoamericano sobre Migración y Desarrollo. Madrid. pp 125-135. Saravia, N.; Miranda, J.(2004) “Plumbing the brain drain”. Bulletin of the World Health Organization Vol. 82 (8) , pp. 608–615. The Economist. (2008) 24 de junho “Beyond brain drain - Human capital increasingly votes with its feet”. Thorn, K.; Holm-Nielsen, L. (2006) “International Mobility of Researches and Scientists: policy options for turning a drain into a gain”. UNU-WIDER Research Paper nº 2006/83: World Institute for Development Economics Research. Turpin, T. (2004) “Higher Education and Regional Development: Tensions, Challenges and Options in East and South East Asia”. In International education: the path to cultural understanding and development. Sydney : IDP Education Australia.. Turpin, T., Iredale, R., Crinnion, P. (2002) “The Internationalisation of Higher Education: Implications for Australia and its Education Clients” Minerva, 40, pp. 32740. Vertovec, S. (2002) Transnational Networks and Skilled Labour Migration. Oxford: ESRC/ University of. Oxford.


Gráfico 1: Distribuição dos postos de docência segundo a proporção de docentes com doutorado empregados na instituição.

95-100 80-84 70-74

4973 5354 739 22 949 417

60-64

8895 391 5085

50-54

12089 11267 8795 10140 12616 12358

40-44 30-34 20-24

34654 10-14

43567 56848

0-4

49899 0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

Gráfico 2: Distribuição dos postos de docência segundo a proporção de docentes em tempo integral na instituição

11509 90-94

17856 10680

80-84

4746

70-74

5426 2574 5921 5619 2101 5196 5033 6641

16791

60-64 50-54 40-44 30-34

21780 14455 12469 15779

20-24 10-14

21024 29841

0-4

63617 0

10000

20000

30000

40000

50000

Fonte: MEC/INEP Censo das instituições de ensino superior – Brasil, 2005.

60000

70000


Tabela 3 Indicadores selecionados sobre a percepção que o professor-doutor da relevância e apoio à pesquisa em sua instituição, nos diferentes ambientes institucionais presentes no ensino superior brasileiro:

Estrato institucional UNIV. PÚB DE PESQUISA

OUTRAS UNIV. PÚBLICAS

PRIVADAS DE DE ELITE

PRIVADA S DE MASSA

INSTITUTOS DE PESQUISA

A qualidade da pesquisa é relevante para decisões sobre 28,4% 23,9% 43,9% 21,1% contratações Boa avaliação da qualidade dos 29,3% 25,8% 67,2% 27,2% equipamentos de pesquisa: Concorda que sua instituição tem uma administração 55,9% 57,1% 28,3% 48,2% burocrática Fonte: The Changing Academic Profession Project (CAP) Brazil, 2007 (apoio: FAPESP)

58,5% 76,7% 43,2%

Tabela 4: Indicadores selecionados sobre o envolvimento do professor-doutor com a atividade de pesquisa em diferentes ambientes institucionais presentes no ensino superior brasileiro Estrato institucional UNIV. PÚB DE PESQUISA

OUTRAS UNIV. PÚBLICAS

PRIVADAS DE ELITE

PRIVADA S DE MASSA

INSTITUTOS DE PESQUISA

Seu contrato com esta instituição exige que v. faça pesquisas?

88,7%

73,3%

69,8%

32,1%

100,0%

Prefere a pesquisa ao ensino

62,8%

59,9%

61,3%

59,9%

89,1%

Tem acesso a apoio externo para 61,5% 44,1% 32,3% 18,8% financiamento da pesquisa Sem produção nos últimos 3 10,4% 11,7% 27,4% 29,9% anos Entre 1 a três produtos nos 27,5% 30,9% 32,3% 27,1% últimos 3 anos Fonte: The Changing Academic Profession Project (CAP) Brazil, 2007 (apoio: FAPESP)

71,7% 4,3% 21,7%


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