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clélia gorski

separada &dividida TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo, 2015

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Separada e dividida Copyright © 2015 by Clélia Gorski Copyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorial

gerente de aquisições

Lindsay Gois

Renata de Mello do Vale

editorial

assistente de aquisições

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda Vitor Donofrio

Acácio Alves

preparação

revisão

Equipe Novo Século

Lótus Traduções

diagramação

capa

Vitor Donofrio

Dimitry Uziel

auxiliar de produção

Luís Pereira

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Gorski, Clélia Separada e Dividida Clélia Gorski Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015. (Talentos da Literatura Brasileira) 1. Contos brasileiros. I. Título. II. Série 15­‑05830

cdd­‑869.33

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.3

novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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Aos meus pais, Guilherme Gorski Filho e Clarisse Duarte Marques Gorski, por me ensinarem o saber viver; meus filhos, Maiara Gorski Matheus e Pedro Gorski Matheus, por me inspirarem o prazer de viver; meus irm찾os, Alba, T창nia e Guilherme, e a todos os amigos que direta ou indiretamente me incentivaram a escrever este livro.

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Meus sinceros agradecimentos pelas preciosas contribuições de Dino Mocsányi, Rosana Martins Carvalho Ramos e Thaís Vellozo.

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prefácio

No diálogo platônico O banquete, o dramaturgo Aristófanes inaugura em seu discurso o chamado mito da alma gêmea. Segundo ele, no início dos tempos, os homens eram completos, com duas cabeças, quatro pernas, quatro braços e dotados de um movimento circular muito rápido para se deslocarem e progredirem. Mas, por uma rebeldia desses seres evoluídos, Zeus castigou­‑os, dividindo­‑os ao meio, separando­‑os em duas partes. Desde então, os homens ca‑ minham em movimentos tortuosos e lentos, em busca do que seria a sua cara­‑metade, a parte que os completa, a razão para o seu viver. Se é verdade ou não, se Aristófanes simbolizou em seu discurso a saga da humanidade de uma peregrinação obstinada ao amor con‑ jugado a dois, o fato é que não há na face da Terra um homem sequer, um ser humano, outrora quiçá mais evoluído como essa mitologia afirma, que não tenha sucumbido por amor. Ou então, oh céus… se eu estiver errada… que apareça agora, agorinha mesmo na minha frente, um ser com duas cabeças, quatro pernas e quatro braços! Bem, como não apareceu, vamos em frente… desta vez com uma saga de amor desiludido, como ponto de partida, e de movi‑ mentos circulares e ziguezagueantes, como travessia… Então, vamos… Vamos lá, venha… É por aqui…

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É

madrugada. A televisão brinca de me entreter com uma progra‑ mação musical beneficente, enquanto eu permaneço alienada frente à tela, em mais um dia de espera por meu marido… que não chega… até a uma, até às duas, até às três… e meia da manhã! Às 3h31, a chave da porta da sala enfim me sinaliza que a dor da so‑ lidão pode ter fim: o príncipe pode sim desta vez estar com o outro pé do meu sapato de cristal em mãos e eu poderei ser feliz como a Cinderela foi até o último dos seus dias! Mas… como eu o aceitei como príncipe antes mesmo de ter os dois pés dos sapatinhos em meus dois pés, começo a pressentir que poderei mancar para o resto da minha vida, caso insista em acreditar em contos de fada. A porta se abre e eu permaneço diante da televisão, enquanto ouço pela última vez o pedido de depósito em dinheiro em prol de crianças desamparadas, feito por um ator no melhor estilo “brinde de quermesse”, que insistentemente anuncia na televisão os três nú‑ meros dos telefones que registrarão a minha pequena contribuição por “um mundo melhor”. Desliguei a televisão e fui atrás do meu marido, que, após fe‑ char a porta da nossa casa, passou por mim sem me cumprimentar com um boa noite de “oi” e nem outro de “tchau, vou dormir”. Ainda no corredor, desisti de ir até ele, que já se preparava para o banho, desviando minha caminhada em direção ao quarto dos meus filhos. Minhas gêmeas Carol e Beatriz, cinco anos, dormiam seu habitual sono profundo. Felipe, um mês, dormia seu raro sono profundo. Eu, 32 anos, não dormia de jeito nenhum. Então, naquela mesma madrugada, entre uma tempestade de palavras curtas, compridas, leves, pesadas, doces, amargas, confusas ou não, decidimos pôr um ponto final na busca persistente pela 13

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nossa felicidade conjugal. Sabíamos que aquela separação não daria por concluída a nossa busca individual de realização como seres apaixonados e apaixonantes. Sabíamos, em outras palavras, que se Aristófanes tinha razão, se a procura pela cara­‑metade era uma pro‑ cura inerente a todo ser humano, estávamos fritos: falhamos nessa busca e, o que é pior, voltaríamos alguns passos até o ponto de partida, para reiniciarmos nessa jornada, agora mais cientes de que nossos movimentos circulares não eram perfeitos… Não tínhamos duas cabeças, nem quatro pernas, nem quatro braços. Andávamos, até então, em círculos, mas não para cima. Andávamos em círculos e sempre no mesmo lugar! E era preciso mudar essa rota… Era pre‑ ciso progredir e realizar­‑se. E por apostar nisso, assumimos que éra‑ mos seres incompletos e imperfeitos. Choramos, um bem mais que o outro… Muitas vezes sozinhos, raras vezes juntos. Até que um dia, um dia bem próximo àquele da decisão da separação, assumi‑ mos essa nossa imperfeição diante de um juiz. E foi assim que tudo ficou acertado perante a lei, numa folha de papel fria, calculada e so‑ berana: nenhuma dor de falta, ausência ou dificuldade psicológica, emocional ou financeira de ambas as partes fica, necessariamente, a partir de então, acima da lei. A lei é soberana! E depois de muito ten‑ tar mudar essa realidade, com consultas persistentes a advogados, encarei o fato de que dali por diante tinha de aceitar a soberania do nosso documento legal de divórcio e enfrentar desafios em nome dos meus filhos e de mim mesma, ainda que pela metade, ainda que separada, ainda que dividida… em infinitas partes, em infinitos papéis e infinitas cabeças… Mas… se já é difícil ficar por aí procurando pela cara­‑metade em movimentos ziguezagueantes, imagine ficar por aí, por lá e acolá como um bicho de infinitas cabeças, milhões de pernas, trilhões de 14

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braços, que não tem sequer noção de que se transformara num ser assim e nem para onde está indo. Essa era eu, Alice, aos 32 anos: mãe de três filhos, separada e completamente ignorante do que es‑ tava por vir…

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