Catálogo Exposição Temporária "Barro Paulista"

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A tradição bandeirane do imaginário em barro cozido

BARRO PAULISTA

BARRO PAULISTA

ISBN 978-85-67787-02-2

Curadoria Dalton Sala

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BARRO PAULISTA A tradição bandeirante do imaginário em barro cozido

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memória paulista

É bastante oportuna a apresentação da exposição Barro Paulista , pelo Museu de Arte Sacra, no sentido em que, ao se voltar para o próprio acervo, consegue contextualizar não só a importância deste último, como, principalmente, as profundas relações existentes entre a instituição e a história do Estado de São Paulo. Brilhantemente montada e estruturada, “Barro Paulista” mostra a evolução econômica e social das Províncias de São Vicente e de São Paulo por meio da produção cultural de meados do século XVII. E, se a empreitada por si só já torna uma visita ao museu obrigatória, um passeio pela instituição levará o visitante a fruições artísticas ainda maiores: instalado em um dos mais conservados edifícios remanescentes da arquitetura colonial do século XVIII na cidade de São Paulo, originalmente projetado por Frei Galvão, o Museu de Arte Sacra é peça fundamental para compreender a dinâmica histórica de nosso Estado. Portanto, é com imensa satisfação que apresentamos esse exposição para a população de São Paulo, reiterando o nosso orgulho em fazer parte da história de uma instituição tão importante para os paulistas.

Secretaria da Cultura Governo do Estado de São Paulo

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memória paulista

É bastante oportuna a apresentação da exposição Barro Paulista , pelo Museu de Arte Sacra, no sentido em que, ao se voltar para o próprio acervo, consegue contextualizar não só a importância deste último, como, principalmente, as profundas relações existentes entre a instituição e a história do Estado de São Paulo. Brilhantemente montada e estruturada, “Barro Paulista” mostra a evolução econômica e social das Províncias de São Vicente e de São Paulo por meio da produção cultural de meados do século XVII. E, se a empreitada por si só já torna uma visita ao museu obrigatória, um passeio pela instituição levará o visitante a fruições artísticas ainda maiores: instalado em um dos mais conservados edifícios remanescentes da arquitetura colonial do século XVIII na cidade de São Paulo, originalmente projetado por Frei Galvão, o Museu de Arte Sacra é peça fundamental para compreender a dinâmica histórica de nosso Estado. Portanto, é com imensa satisfação que apresentamos esse exposição para a população de São Paulo, reiterando o nosso orgulho em fazer parte da história de uma instituição tão importante para os paulistas.

Secretaria da Cultura Governo do Estado de São Paulo

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SUMÁRIO

06

consciência histórica

07

experiência transformadora

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encontro com a arte

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barro paulista

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relação de obras

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SUMÁRIO

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consciência histórica

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experiência transformadora

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encontro com a arte

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relação de obras

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consciência histórica A História não se preocupa apenas em expor fatos, mas sim todo um conjunto de fenômenos que constituem a cultura de um povo, o seu cotidiano, num determinado momento de sua própria historicidade, a fim de que se resgate a “memória” de cada indivíduo desta sociedade e se transforme em “consciência histórica” para nós que vivemos nos tempos atuais. É neste sentido que o Museu de Arte Sacra de São Paulo apresenta a exposição Barro Paulista, colocando à mostra cerca de 50 imagens de terracota (barro cozido) produzidas na São Paulo colonial do século XVII. É o museu voltando-se para o seu próprio acervo não apenas para destacá-lo no seu valor estético ou de culto, mas também para pontuá-lo, no seu significado, como documento que nos leva a compreender a sociedade colonial paulista em suas múltiplas dimensões. Certo que a beleza da arte fascina. Também é correto entender que ela nos remete a um passado tão próximo do qual nós somos herdeiros e corresponsáveis em transmiti-lo. Ao transmiti-lo, crescemos em “consciência histórica” e compreendemos em profundidade nossas raízes culturais. Ao mesmo tempo, tão importante exposição faz com que o Museu de Arte Sacra de São Paulo cumpra o seu objetivo de estudar suas obras de arte e chegar a reconhecer a sua própria história como uma instituição depositária da “memória” histórica paulista. Bem por isso, convido todos a mergulharem nesta maravilhosa história de nossa sociedade e desejo uma excelente visitação em torno da cultura do “Barro Paulista” do século XVII.

experiência transformadora São atribuições deste museu preservar, pesquisar e divulgar coleções de arte sacra que integram ou venham a integrar nosso acervo. Em relação aos visitantes, nosso projeto visa, acima de tudo, proporcionar experiências transformadoras. A exposição Barro Paulista resulta destas ações. Revela uma raríssima coleção à luz de novas abordagens proporcionadas pela equipe técnica do MAS e pelo curador Dalton Sala. A exposição repensa a arte colonial paulista a partir da imaginária do século XVII, resgatando uma tradição que antecede o Barroco mineiro. Com esta realização, temos duas pretensões correlatas. A primeira é convidar o público a apreciar os valores histórico, estético e artístico de cada peça exibida, que representa um testemunho singular (em barro cozido) do Brasil colônia. E a segunda é fazer ecoar um alerta, frente à raridade desta coleção: uma ínfima parcela de obras como estas resistiu à ação do tempo e à omissão dos homens. As poucas dezenas ainda existentes chegam até o público graças à atuação de algumas pessoas e instituições – como Dom Duarte Leopoldo e Silva, o primeiro arcebispo de São Paulo, que no início do século XX salvou da destruição centenas de obras de arte sacra, e o próprio MAS, desde 1970 dedicado a zelar pelo imenso acervo que hoje totaliza mais de 18 mil obras. Só o tempo dirá se logramos sucesso. Por hora, acreditamos que sim.

José Carlos Marçal de Barros

José Roberto Marcellino dos Santos

Presidente do Conselho de Administração Associação Museu de Arte Sacra de São Paulo – SAMAS

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Diretor Executivo Museu de Arte Sacra de São Paulo

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consciência histórica A História não se preocupa apenas em expor fatos, mas sim todo um conjunto de fenômenos que constituem a cultura de um povo, o seu cotidiano, num determinado momento de sua própria historicidade, a fim de que se resgate a “memória” de cada indivíduo desta sociedade e se transforme em “consciência histórica” para nós que vivemos nos tempos atuais. É neste sentido que o Museu de Arte Sacra de São Paulo apresenta a exposição Barro Paulista, colocando à mostra cerca de 50 imagens de terracota (barro cozido) produzidas na São Paulo colonial do século XVII. É o museu voltando-se para o seu próprio acervo não apenas para destacá-lo no seu valor estético ou de culto, mas também para pontuá-lo, no seu significado, como documento que nos leva a compreender a sociedade colonial paulista em suas múltiplas dimensões. Certo que a beleza da arte fascina. Também é correto entender que ela nos remete a um passado tão próximo do qual nós somos herdeiros e corresponsáveis em transmiti-lo. Ao transmiti-lo, crescemos em “consciência histórica” e compreendemos em profundidade nossas raízes culturais. Ao mesmo tempo, tão importante exposição faz com que o Museu de Arte Sacra de São Paulo cumpra o seu objetivo de estudar suas obras de arte e chegar a reconhecer a sua própria história como uma instituição depositária da “memória” histórica paulista. Bem por isso, convido todos a mergulharem nesta maravilhosa história de nossa sociedade e desejo uma excelente visitação em torno da cultura do “Barro Paulista” do século XVII.

experiência transformadora São atribuições deste museu preservar, pesquisar e divulgar coleções de arte sacra que integram ou venham a integrar nosso acervo. Em relação aos visitantes, nosso projeto visa, acima de tudo, proporcionar experiências transformadoras. A exposição Barro Paulista resulta destas ações. Revela uma raríssima coleção à luz de novas abordagens proporcionadas pela equipe técnica do MAS e pelo curador Dalton Sala. A exposição repensa a arte colonial paulista a partir da imaginária do século XVII, resgatando uma tradição que antecede o Barroco mineiro. Com esta realização, temos duas pretensões correlatas. A primeira é convidar o público a apreciar os valores histórico, estético e artístico de cada peça exibida, que representa um testemunho singular (em barro cozido) do Brasil colônia. E a segunda é fazer ecoar um alerta, frente à raridade desta coleção: uma ínfima parcela de obras como estas resistiu à ação do tempo e à omissão dos homens. As poucas dezenas ainda existentes chegam até o público graças à atuação de algumas pessoas e instituições – como Dom Duarte Leopoldo e Silva, o primeiro arcebispo de São Paulo, que no início do século XX salvou da destruição centenas de obras de arte sacra, e o próprio MAS, desde 1970 dedicado a zelar pelo imenso acervo que hoje totaliza mais de 18 mil obras. Só o tempo dirá se logramos sucesso. Por hora, acreditamos que sim.

José Carlos Marçal de Barros

José Roberto Marcellino dos Santos

Presidente do Conselho de Administração Associação Museu de Arte Sacra de São Paulo – SAMAS

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Diretor Executivo Museu de Arte Sacra de São Paulo

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A exposição Barro Paulista, reunindo imagens de barro cozido feitas em São Paulo nos séculos coloniais e pertencentes ao acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, insere-se no contexto de um conjunto de esforços que o museu vem realizando para estudar e conhecer melhor o seu acervo, e assim esclarecer aspectos importantes das artes coloniais paulista e brasileira. É evidente para os estudiosos que a História da Arte Brasileira tem hoje necessidade de uma revisão profunda, incorporando novos métodos e critérios às suas ferramentas de trabalho. Dentro desta seara, a importância do Museu de Arte Sacra de São Paulo, atualmente empenhado em realizar uma catalogação mais precisa de seu acervo, é fundamental, um processo no qual as informações geradas por exposições que trabalham com obras do acervo da instituição são de capital relevância. Na presente exposição, fica claro que não são apenas os mestres beneditinos os mentores da imaginária paulista em barro cozido: outras ordens religiosas, nomeadamente os jesuítas e os franciscanos, também são responsáveis por olarias que cozeram – junto com telhas, tijolos e outros utensílios cerâmicos – as imagens de culto. Além dessa produção ligada aos religiosos, outra vertente é a profissão dos oleiros, regulada por regimentos, agremiados em corporações de ofícios mecânicos. Essas agremiações participavam da vida pública da cidade, fornecendo produtos e ferramentas de uso cotidiano e objetos de culto distribuídos em igrejas e residências dos paulistas. A inserção das imagens no cotidiano do trabalho, dos esforços coletivos, do culto, dos ritos e das festas, demonstrada na documentação escrita que repousa em arquivos e bibliotecas, é o principal objetivo da exposição. Assim, as imagens expostas aparecem não apenas como objetos de arte ou de veneração, mas como testemunhas de um tempo passado que construiu o tempo presente em que vivemos. A realização deste trabalho com a curadoria de Dalton Sala e expografia de Maria Alice Milliet é, no tempo presente, a consolidação de anos de conversas, reflexões e boas falas sobre a arte colonial. O Museu de Arte Sacra de São Paulo é o cenário especial para o encontro dos tempos e da arte. As imagens expostas são bens culturais que, preservados, merecem ser estudados para que funcionem também como documentos, recordem e ensinem, contribuindo para um verdadeiro exercício da cidadania.

encontro com a arte

Maria Inês Lopes Coutinho

Diretora Técnica Museu de Arte Sacra de São Paulo

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A exposição Barro Paulista, reunindo imagens de barro cozido feitas em São Paulo nos séculos coloniais e pertencentes ao acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, insere-se no contexto de um conjunto de esforços que o museu vem realizando para estudar e conhecer melhor o seu acervo, e assim esclarecer aspectos importantes das artes coloniais paulista e brasileira. É evidente para os estudiosos que a História da Arte Brasileira tem hoje necessidade de uma revisão profunda, incorporando novos métodos e critérios às suas ferramentas de trabalho. Dentro desta seara, a importância do Museu de Arte Sacra de São Paulo, atualmente empenhado em realizar uma catalogação mais precisa de seu acervo, é fundamental, um processo no qual as informações geradas por exposições que trabalham com obras do acervo da instituição são de capital relevância. Na presente exposição, fica claro que não são apenas os mestres beneditinos os mentores da imaginária paulista em barro cozido: outras ordens religiosas, nomeadamente os jesuítas e os franciscanos, também são responsáveis por olarias que cozeram – junto com telhas, tijolos e outros utensílios cerâmicos – as imagens de culto. Além dessa produção ligada aos religiosos, outra vertente é a profissão dos oleiros, regulada por regimentos, agremiados em corporações de ofícios mecânicos. Essas agremiações participavam da vida pública da cidade, fornecendo produtos e ferramentas de uso cotidiano e objetos de culto distribuídos em igrejas e residências dos paulistas. A inserção das imagens no cotidiano do trabalho, dos esforços coletivos, do culto, dos ritos e das festas, demonstrada na documentação escrita que repousa em arquivos e bibliotecas, é o principal objetivo da exposição. Assim, as imagens expostas aparecem não apenas como objetos de arte ou de veneração, mas como testemunhas de um tempo passado que construiu o tempo presente em que vivemos. A realização deste trabalho com a curadoria de Dalton Sala e expografia de Maria Alice Milliet é, no tempo presente, a consolidação de anos de conversas, reflexões e boas falas sobre a arte colonial. O Museu de Arte Sacra de São Paulo é o cenário especial para o encontro dos tempos e da arte. As imagens expostas são bens culturais que, preservados, merecem ser estudados para que funcionem também como documentos, recordem e ensinem, contribuindo para um verdadeiro exercício da cidadania.

encontro com a arte

Maria Inês Lopes Coutinho

Diretora Técnica Museu de Arte Sacra de São Paulo

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Foto Tiago Sala

Casa do Padre Inácio,Cotia,SP.

Foto Tiago Sala

Interior da capela da Casa do Padre Inácio,Cotia,SP.

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As imagens eram produzidas nas oficinas mantidas pelas ordens religiosas em seus conventos, colégios e fazendas, sendo as últimas onde se instalavam os fornos das olarias; onde eram cozidas as imagens feitas com o mesmo barro com que se produziam telhas e tijolos. Certamente existia uma produção laica, mais difícil de rastrear, pois não há documentação que registre diretamente essa prática; apenas podemos constatar que havia em São Paulo outros fornos de cozer o barro, além daqueles pertencentes às ordens religiosas, e não podemos, de fato, excluir uma produção feita por não religiosos; as próprias crônicas religiosas mencionam essa produção e o culto doméstico pressupõe a existência dessas imagens. Fica difícil sustentar que toda a fatura se devia a religiosos, inclusive porque a grande diversidade de maneiras de fazer e de características formais, e a manutenção de uma tradição popular fora do domínio da igreja parecem indicar o contrário. Na Ata da Câmara da Vila de São Paulo do Campo de 6 de março de 1575, está consignada a obrigação de Cristóvão Gonçalves de fazer telhas para esta vila, em função da qual lhe são transferidas as terras que haviam sido dadas a Cristóvão Diniz, para que este pudesse fornecer telhas para a vila. Mas Cristóvão Diniz tinha ido para o Mar, e as terras e a obrigação transferidas para Cristóvão Gonçalves “em razão desta vila estar coberta de palha e correr risco por razão do fogo se concertaram com o dito Cristóvão Gonçalves da maneira seguinte que ele fará toda a telha que for necessária para a vila se cobrir e dará aos moradores em preço de quatro cruzados o milheiro pagos no dinheiro da terra que serão mantimentos e carne e cera e couros e gado bois e vacas e porcos por quanto nesta vila não há outra fazenda e cada um lhe dará aquilo em que concertar ao tempo que lhe vender a dita telha e ele a fará em bom tamanho e boa forma que fique de dous palmos e meio depois de cozida e de como assim se obrigou a tomar as ditas pagas nas cousas sobreditas e dar a dita telha aos moradores a cada um por aquilo que tiver quer bois quer vacas quer porcos quer cera quer couros quer o que cada um tiver de seu e para isso que lhe haviam de dar os ditos senhores oficiais a terra ola1que foi dada a Cristóvão Diniz para nela fazer o forno e a casa”.

Em 2 agosto de 1584, a Ata da Câmara assinala que aos “oficiais lhes parecia bem que fizessem uma casa do conselho” nova e coberta de telha. Um ano depois, a 3 de agosto de 1585, o treslado de uma “carta de dada de chãos” que a Câmara outorgou a Manoel Francisco, a 28 de junho do mesmo ano, menciona que a terra da qual lhe foi feita mercê está “cinquenta braças craveiras arriba da olaria onde tem Francisco Álvares.” A partir desse momento, os tetos de palha começam a desaparecer, diminuindo os riscos de incêndios, e as menções às telhas passam a ser constantes nas Atas da Câmara. A importância de fazer telhas é tão grande que a Câmara de Vila de São Paulo se importa com o degredo de um telheiro, conforme fica claro na Ata da Câmara de 28 de março de 1592, em que o Procurador da Câmara requereu aos oficiais (juízes e vereadores), “que a ele lhe era vindo a sua notícia que nesta vila estava uma sentença do senhor ouvidor geral em que mandava degradar a Fernão d’ Álvares telheiro para fora desta capitania e que porquanto estávamos em guerra e a gente é necessária na guerra para a sua defensão e estava a Igreja Matriz para fazer e não havia quem fizesse telha senão ele e é bom soldado que deviam de pedir ao capitão que o escusasse por esta causa e respeito por serviço de Deus e de Sua Majestade e bem comum desta Vila e os ditos oficiais lhes pareceu bem e que vendo a sentença fariam disso petição ao dito capitão...”. Isso demonstra a presença de oleiros, telheiros e fornos para cozer o barro dentro dos termos da Vila de São Paulo já no século XVI. Mas, ao tratarmos das ordens religiosas, vamos ter de sair um pouco de São Paulo e entendermos o Brasil como um todo, não apenas pelas peripécias dos paulistas que se derramaram pelo sertão, mas também pelo comércio e tráfego entre as diversas regiões da colônia, inclusive por parte das ordens religiosas, que faziam circular seus membros, assim como bens, mercadorias e objetos religiosos como imagens.

Em primeiro lugar, os franciscanos: seguindo a narrativa de frei António de Santa Maria Jaboatão, constatamos a presença de dois irmãos leigos habilitados em ofícios mecânicos partindo de Portugal em 25 de março de 1624 e chegando a Pernambuco em 4 de maio do mesmo ano. Em seguida, saíram de Pernambuco em 12 de julho e chegaram ao Ceará cinco dias depois; passaram pelo Ceará, de onde partiram a 30 de julho, chegando a São Luís do Maranhão a 5 de agosto: “Eram os cinco religiosos desta nossa Custódia, diz o sobredito assento da Província de Portugal, Frei Antônio do Calvário, religioso já velho e grave, e tinha sido muitas vezes Prelado, e era excelente Língua dos índios; Frei Manoel Batista, e Frei João da Cruz, Pregadores; e dois leigos, Frei Junípero e Frei Domingos, ambos oficiais, um de carpinteiro e outro de oleiro.” 2 Se, de acordo com a narrativa do franciscano frei Jaboatão, fica evidente a vinda de oficiais mecânicos para o Brasil, agregados às ordens religiosas como irmãos leigos, seguindo a narrativa do também franciscano frei Basílio Röwer, percebemos a existência de imagens religiosas no contexto da vida cotidiana. Trata-se da narrativa da prisão e condenação à morte de um português, Gonçalo Fernandes, acusado de crimes que não cometera, em razão de ter o mesmo nome de um acusado na Bahia. Escutadas suas alegações, foi posto em cadeia, onde esperava que o caso se esclarecesse pelas indagações dirigidas à Bahia. Tendo pedido ao carcereiro que lhe trouxesse um pouco de barro, fez três imagens. Como chegassem instruções da Bahia esclarecendo a confusão e ordenando que o injustiçado fosse posto em liberdade, as imagens foram consideradas milagrosas, especialmente a que ficou depois em Itanhaém.

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barro paulista Foto Dalton Sala

Dalton Sala Curador

O conjunto proposto para exposição e estudo provém do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo: são terracotas, imagens de barro cozido e policromado, feitas na Capitania de São Vicente nos séculos XVI e XVII, e na Capitania de São Paulo, no século XVIII. O polo inicial da produção de imagens religiosas, no século XVI, são as ordens religiosas recém-chegadas a São Vicente: os franciscanos e os jesuítas, que produziam artefatos de cerâmica em suas fundações. Em seguida, no século XVII, já instalados no Planalto, além dos mosteiros, os beneditinos tinham fazendas onde funcionavam olarias: entre elas, destacou-se a fazenda de São Caetano. Na Baixada, os jesuítas tinham uma olaria em sua fazenda do Cubatão; em Santos, funcionava um forno junto à igreja franciscana de Santo Antônio do Valongo e outro junto ao Mosteiro de São Bento de Santos; no litoral havia ainda a olaria franciscana em São Sebastião, junto ao Convento de Nossa Senhora do Amparo (ainda hoje, as vizinhanças do convento retêm a memória e chamam o bairro de Olaria). No século XVIII, com a rota do ouro passando pelo Vale do Paraíba, surgiu um novo eixo de produção franciscana, centrado principalmente em Taubaté, no Convento de Santa Clara, que favoreceu o desenvolvimento de uma produção de caráter cada vez mais popular, chegando às imagens conhecidas como paulistinhas, algumas delas fortemente estilizadas. Ainda no Vale do Paraíba, com o surgimento e progresso do culto a Nossa Senhora Aparecida, no século XIX, houve também uma produção em série, de cunho comercial, promovida em função da peregrinação, que se mescla com uma produção popular mais original e que se mantém até hoje.

Igreja e Convento de Nossa Senhora do Amparo de São Sebastião, SP.

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relação de obras

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barro paulista Foto Dalton Sala

Dalton Sala Curador

O conjunto proposto para exposição e estudo provém do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo: são terracotas, imagens de barro cozido e policromado, feitas na Capitania de São Vicente nos séculos XVI e XVII, e na Capitania de São Paulo, no século XVIII. O polo inicial da produção de imagens religiosas, no século XVI, são as ordens religiosas recém-chegadas a São Vicente: os franciscanos e os jesuítas, que produziam artefatos de cerâmica em suas fundações. Em seguida, no século XVII, já instalados no Planalto, além dos mosteiros, os beneditinos tinham fazendas onde funcionavam olarias: entre elas, destacou-se a fazenda de São Caetano. Na Baixada, os jesuítas tinham uma olaria em sua fazenda do Cubatão; em Santos, funcionava um forno junto à igreja franciscana de Santo Antônio do Valongo e outro junto ao Mosteiro de São Bento de Santos; no litoral havia ainda a olaria franciscana em São Sebastião, junto ao Convento de Nossa Senhora do Amparo (ainda hoje, as vizinhanças do convento retêm a memória e chamam o bairro de Olaria). No século XVIII, com a rota do ouro passando pelo Vale do Paraíba, surgiu um novo eixo de produção franciscana, centrado principalmente em Taubaté, no Convento de Santa Clara, que favoreceu o desenvolvimento de uma produção de caráter cada vez mais popular, chegando às imagens conhecidas como paulistinhas, algumas delas fortemente estilizadas. Ainda no Vale do Paraíba, com o surgimento e progresso do culto a Nossa Senhora Aparecida, no século XIX, houve também uma produção em série, de cunho comercial, promovida em função da peregrinação, que se mescla com uma produção popular mais original e que se mantém até hoje.

Igreja e Convento de Nossa Senhora do Amparo de São Sebastião, SP.

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