Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Milícias no Rio de Janeiro

Em segundo lugar, o fato de serem policiais lhes confere, em teoria, uma competência técnica para desempenhar funções de segurança, como acontece com os policiais que são contratados como agentes de segurança privada justamente em função da sua condição de agentes de segurança pública. Assim, quando os moradores estão pagando uma taxa, estariam com isso ‘contratando um profissional’. A terceira vantagem é a possibilidade de solicitar apoio da polícia em caso de emergência, como uma tentativa de invasão por parte de traficantes, o que diminui a possibilidade de que a milícia seja expulsa e reforça sua posição na comunidade. Assim, os milicianos não poderiam ser considerados como ‘uma facção a mais’, pois eles representam a autoridade e podem contar eventualmente com o apoio das corporações públicas a que pertencem. Em quarto lugar, qualquer tentativa de resistência por parte dos moradores fica restrita pelo fato de se tratar de agentes públicos. Se, no caso do tráfico, existia a possibilidade, já reduzida em função do medo das represálias e da corrupção policial, de denunciar os traficantes, ainda que fosse de forma anônima, o que se pode esperar agora em caso de abusos por parte da milícia? Que o cidadão ligue para o próprio batalhão em que trabalha o policial para denunciá-lo perante seus colegas, talvez cúmplices do seu arbítrio? Não se pode contar com a proteção do estado se os próprios funcionários encarregados de fazer cumprir a lei são os que a desrespeitam. À bem da verdade, o abandono por parte do estado é muito anterior, mas o fato de que os agentes públicos sejam agora os titulares do poder paralelo inviabiliza ainda mais qualquer recurso formal. Poder-se-ia dizer que se os policiais transgridem a lei só restaria a opção de, na famosa fórmula de Chico Buarque, ‘chamar o ladrão’, o que talvez não esteja tão longe da realidade nos casos em que moradores cooperam com o tráfico na tentativa de retomar o controle da comunidade. Não é casualidade que existam tantas dificuldades para conseguir depoimentos sobre milícia, inclusive entre cidadãos que as apóiam. Nesse sentido, o clima de temor é superior ao gerado pelo tráfico, justamente na medida em que os milicianos são julgados como mais capazes de identificar os dissidentes e, portanto, de atuar contra eles. “a gente não...tem sempre esse inconsciente assim, por exemplo, de não comentar sobre essas coisas, sobre a milícia assim...em lugares públicos, ônibus, assim... Uma vez eu até estava conversando sobre isso aí, alguém falou: ‘Ah, fala baixo’.Tem um medo de falar sobre isso em lugares públicos e ônibus.” (Entrevistado n. 30, Curicica)

“Não, pessoal parece que tem algum tipo de... tinham parente envolvido com o tráfico, já ouvi que tinham achado, telefone, que tinham algum ruído no telefone, que estão grampeados. Não sei se continua, agora não sei como é que está.” (Entrevistado n. 10, Campinho) “Um outro fato interessante é de um jovem de dezesseis anos que começou a dar informações da comunidade para outra comunidade que era dominada pela facção de onde ele morava. Na primeira vez, e por isso ela acha que os telefones estão grampeados, esse garoto é considerado classe média dentro da comunidade, porque ele estuda em um colégio legal, ele tinha uma vida legal e nunca eles iriam imaginar que ele estava envolvido com a questão das drogas, filho único, com uma relação boa com a mãe. Um dia eles foram na casa dele, não chegaram a bater nele, mais por conta da mãe dele, mas que se ele falasse novamente qualquer informação dali que ele ia sofrer uma conseqüência e a mãe dele não entendeu. E esse jovem disse à mãe que eles tinham cismado que ele tinha contato com pessoas, e a mãe dele não acreditou diretamente que ele fosse, né? Na segunda vez, a mãe dele ficou desesperada com aquela coisa toda e disseram pra ela que ele tinha ido pra garagem, que ele sumiu, e mãe dele pegou, continua morando lá, e ela disse que "nunca tinha imaginado que meu filho estivesse envolvido com isso". E essa senhora que me contou, disse que sim, mas que a mãe não saberia. Mas que as pessoas diziam que ele tinha, e a informação que se tem sobre o sumiço dele, é que sumiram com ele porque ele contava o que estava acontecendo dentro da comunidade com a outra. E ela falou que ele tinha no máximo dezessete anos. .” (Entrevistado n. 24, Del Castilho) Por último, a quinta vantagem de divulgar a sua condição de policiais é que isso praticamente garante que não haverá confrontos com a polícia. Se há uma guerra entre a polícia e o poder paralelo e, de repente, os policiais assumem o poder paralelo, pode se esperar que a guerra, como num passe de mágica, acabe. É claro que sempre existe a possibilidade de os traficantes tentarem recuperar o controle, mas pelo menos a insegurança provocada pelas incursões policiais deve ter um fim. “não há o que combater. Não há, não há tráfico, não há nenhum tipo de ...de...atuação ilegal,entendeu? Por que é que não há atuação ilegal? Transporte alternativo tem em qualquer lugar, tanto há controvérsia lá pelo transporte


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