Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Associações de moradores de favelas e seus dirigentes: O discurso e a ação como reversos do medo. Por Itamar Silva – Coordenador da Linha programática “Direito à cidade”, IBASE e Lia de Mattos Rocha – Doutoranda, IUPERJ.

I. Introdução Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir as percepções de lideranças de movimentos sociais de moradores de favelas, especificamente associações de moradores, a respeito de suas experiências à frente dessas organizações no contexto atual das favelas e da política no Rio de Janeiro. Os dados aqui apresentados foram recolhidos através do Projeto de Pesquisa “Rompendo o cerceamento da palavra: A voz dos favelados em busca do reconhecimento”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (IBASE), Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), em parceria com a UERJ, UFRJ, UFF e UENF, e financiada pela Unesco e Faperj1. No âmbito dessa pesquisa, além de dados coletados de outras formas2, foram ouvidos 150 moradores de favelas, residentes em 45 favelas do Rio de Janeiro, que participaram de 15 grupos focais3

organizados no formato de “coletivos de confiança”. No modelo criado pela equipe de pesquisa para os “coletivos de confiança” buscou-se selecionar os participantes a partir de contatos anteriores com pesquisadores do grupo, de forma a garantir não apenas o anonimato nos depoimentos, mas também que a confiança “pré-existente” entre os presentes permitisse a abordagem livre de assuntos a propósito dos quais a maioria dos moradores de favela tem sua palavra cerceada, em função do medo de retaliações por parte de traficantes de drogas4. Para essa análise, nos debruçamos sobre o “coletivo de confiança” realizado com dirigentes de organizações de base, em sua maioria atuais ou ex-participantes de associações de moradores. Assim como para a realização dos outros grupos, foram convidados dirigentes que possuíam contanto pessoais com pesquisadores ligados ao grupo. Dos 12 participantes presentes, quatro estavam no momento atuando como presidentes de

1. Os resultados da pesquisa estarão disponíveis na publicação organizada por Luiz Antonio Machado da Silva “Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro”, editada pela FAPERJ e Nova Fronteira, ainda no prelo. 2. A pesquisa combinou diferentes metodologias: entrevistas em profundidade, observação participante e produção de etnografias em 3 favelas do Rio de Janeiro e grupos focais. 3. Os grupos foram organizados da seguinte forma: 2 grupos de dirigentes de organizações de base; 2 grupos de dirigentes e integrantes de projetos sociais; 2 grupos de mães de vítimas de violência; 2 grupos de jovens na faixa etária dos quinze aos vinte e quatro anos; 2 grupos de moradores de favela selecionados a partir de suas diferentes filiações religiosas; 4 grupos de moradores de favelas com e sem envolvimento em atividades comunitárias, sendo três deles compostos exclusivamente de moradores das localidades aonde se desenvolveram os trabalhos de campos; 1 grupo misto, integrado basicamente por mulheres/mães e jovens. 4. O cerceamento da palavra seria a conseqüência mais perversa da opressão a que estão submetidos os moradores de favela pelos traficantes de drogas, pois obrigaria os moradores de favela a conduzir sua vida sem poderem se comunicar a respeito de seu cotidiano, por medo e desconfiança (Machado da Silva, 2004: 43).


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