Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro

que as disputas internas não constituem ameaça ao seu funcionamento. Neste caso, a partilha do “bolo” funcionou como elemento amenizador dos conflitos e rupturas, já que cada membro sabe bem claramente seus limites de atuação. A “Milícia”, conhecida em sua origem como “Mineira”, organiza-se territorialmente a partir de áreas de influência, não tendo limites espaciais bem definidos, atuando, sobretudo, a partir da idéia de fronteira, o que significa estar em franca expansão de seus domínios territoriais. Sua área de expansão privilegiada são os loteamentos ilegais e irregulares da periferia urbana da região metropolitana do Rio de Janeiro. Atuam em um ramo que vem ganhando força desde os anos 70, em que as invasões de terrenos por grupos autônomos de sem-teto foram substituídas pela figura de uma espécie de “empreendedor imobiliário”. Ele agencia lotes em áreas públicas, muitas vezes sob respaldo de vereadores e deputados, ou outras figuras públicas que garantem o funcionamento de um esquema de venda ilegal de lotes na periferia urbana. Esse fenômeno, que vem se ampliando desde os anos 70, ganha força na medida em que estes grupos, por sua origem de “justiceiros”, vendem um modelo de urbanização baseado na “segurança”, a exemplo do que ocorre, de maneira sofisticada e regularizada, nos empreendimentos imobiliários para ricos que começam a se multiplicar nos anos 80 – os condomínios exclusivos. A “Milícia” também atua no ramo da segurança privada, oferecendo este serviço a comerciantes das comunidades populares onde está territorializada, além de ter fortes ligações com a “máfia das vans”, que envolve o transporte irregular em si e esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. A origem da “Milícia” é controversa, mas liga-se em particular, a uma narrativa quase mitológica, focada em justiceiros locais, como é o caso de Rio das Pedras, maior favela da Zona Oeste da cidade. Segundo relatos de moradores, a então “Mineira” começou com o agrupamento em torno de um açougueiro que revoltado com os constantes assaltos ao seu estabelecimento, resolveu organizar um grupo para garantir a segurança na comunidade. Este grupo, que matava ou espancava os assaltantes, com o tempo, passou a atuar de maneira profissional, expandindo suas atividades, a partir do poder adquirido, para o setor imobiliário.

Hoje, aquele grupo criminoso possui um forte controle sobre o loteamento das áreas de ocupação, promovendo uma espécie de “organização” das ocupações irregulares e ilegais. Cabe destaque ainda ao discurso moralista que permeia a atuação dos milicianos. O uso e comercialização de drogas ilícitas não são tolerados, havendo casos de espancamentos, expulsões e mesmo mortes de usuários e/ou supostos vendedores. Trata-se, em linhas gerais, de um novo “re-encantamento do mal”, conforme assinalou ZALUAR (1994) quanto à visão construída pela sociedade em torno das drogas e dos traficantes. É com base nesse re-encantamento do mal que a “Milícia” vem ocupando um espaço cada vez maior nas áreas pobres da cidade, vendendo um modelo de urbanização, ainda que ilegal ou irregular, centrado na segurança e na moralidade, algo que, informalmente, vem seduzindo muitos moradores de favelas territorializadas pelo tráfico - como é o caso de muitos que ao longo dos anos 80 e 90, buscando fugir da violência dos traficantes, optaram por morar em Rio das Pedras. Nos anos 2000, a expansão acelerada das milícias para novos territórios, para além da Zona Oeste, provoca sua visibilização acentuada na cidade. Com isso, o fenômeno se torna um dos principais pontos do debate sobre segurança pública no Rio de Janeiro, sobretudo a partir de 2006; nesse ano, as “milícias” ocuparam várias favelas dominadas há décadas pelos grupos de traficantes de drogas, tais como o Quitungo, Morro do Barbante, Ramos e Roquete Pinto, aparentemente com velado apoio das forças de segurança do governo estadual. Segundo matéria publicada no jornal “O Globo” de 10 de dezembro de 2006, a cada 12 dias daquele ano uma favela dominada pelo tráfico foi tomada por milícias. Relatório da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública indicava que, entre 2005 e 2006, o número de comunidades dominadas por esses grupos saltou de 42 para 924. Por sua vez, o Gabinete Militar da Prefeitura do Rio, calculava que em 2006 haveria 55 comunidades sob o domínio de milícias. Apesar das divergências entre os órgãos públicos sobre o número de comunidades controladas por milícias na região metropolitana do Rio de Janeiro, há acordo quanto à contundência do avanço desses grupos nos últimos anos e sobre a

4. Entre 2006 e 2007 houve diversas menções na imprensa do Rio de Janeiro a um relatório elaborado pela Subsecretaria de Inteligência, no entanto, até o momento tal documento não foi publicizado integralmente.


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