Mares de Sesimbra nº 16

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MARES de SESIMBRA

19 de Janeiro de 2015, Ano 1, nº 16

A Informação que conta

Director: João Augusto Aldeia Foto: Helena Abreu

Mestres de pesca de Sesimbra

J org e P a u l o

Jorge Paulo, mestre da traineira Beatriz Paulo, é descendente de uma tradiional família de pescadores, cuja vida retrata bem as adaptações que a comunidade piscatória teve de fazer, mu-

dando de sistemas de pesca e de embarcações, para se manter na vanguarda da pesca. Os Palinhos trabalhavam da arte xávega, depois passaram para o aparelho de anzol, e estão agora na pesca

Zambras promovem festa revivalista

Antigos membros do grupo musical pop, Zambras, voltam a organizar uma festa revivalista, no próximo sábado, dia 24 de Janeiro. Tratase de uma segunda edição, tendo a primeira tido lugar em Janeiro de 201 0, na Quinta de Sampaio, a qual teve

grande êxito, com maior procura do que os lugares disponíveis. À semelhança do que aconteceu em 201 0, os Zambras voltarão a tocar, para o que têm ensaiado ao longo das últimas semanas Pág. 2 Pág.

das traineiras. Jorge Paulo faz nesta entrevista o ponto da situação deste sector da pesca, que enfrente novos desafios colocados pelos períodos de interdição da pesca da

sardinha impostos pelas autoridaes, e que se estão a tornar cada vez mais frenquentes, conforme noticiamos na página 6. Pág. 3


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Zambras Antigos membros do grupo musical pop, os, Zambras, voltam a organizar uma festa revivalista, no próximo sábado, dia 24 de Janeiro, no Meco (no Casal de Santa Filomena). Trata-se de uma segunda edição, tendo a primeira tido lugar em Janeiro de 201 0, na Quinta de Sampaio. Essa primeira iniciativa foi um sucesso, tendo ficado

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muita gente sem possibilidade de participar, dada a limitação de lugares. A iniciativa é promovida por Hélder Chagas (empresário de restauração – Riba­ mar), Valdemar Capítulo (fotógrafo – Fotoval) e Eliseu Pólvora (enfermeiro – Saude­ mar), antigos membros daquele grupo. A primeira formação da banda deu-se

Pesca da sardinha: proibição continua

em Novembro de 1 965, com o nome Zimbros. Mais tarde um dos fundadores, João Taklin Rosa afastou-se. Em Novembro de 1 966 entrou Hélder Chagas, e o grupo renasceu com o nome Zam­ bras. Outro membro fundador da banda, entretanto falecido, foi Pité Costa. Os Zambras eram um grupo de baile, com um re-

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portório muito centrado na música pop anglo-saxónica (Beatles, Bee Gees, etc). Actuaram, por exemplo, no hotel Espadarte e na antiga discoteca do Hotel do Mar, localizada sob a piscina. À semelhança do que aconteceu em 201 0, os Zam­ bras voltarão a tocar alguns das suas músicas emblemáticas, para o que têm ensaiado ao longo últimas semanas.


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Jorge Paulo

Jorge Paulo é o mestre da traineira Beatriz Paulo. Descendente de uma tradiional família de pescadores, cuja história retrata bem as adaptações que a comunidade piscatória teve de fazer, mudando de sistemas de pesca e de embarcações, para se manter na vanguarda da pesca: os Palinhos trabalhavam da arte xávega, depois passaram para o aparelho de anzol, e estão agora na pesca das traineiras. Jorge Paulo faz nesta entrevista o ponto da situação deste sector da pesca, que enfrenta novos desafios, colocados pelos períodos de interdição da pesca da sardinha impostos pelas autoridaes, e que são cada vez mais frenquentes. O seu nome de família qual é?

É família do Sebastião Palinhos e da Beatriz Pinto Rodrigues Encantado, que era a minha mãe, que era a família dos Encantados, e é dos Palinhos; os Palinhos têm vários irmãos. Palinhos é apelido?

Não, é Paulo. O meu pai era o Sebastião Paulo, e os irmãos dele também têm a alcunha do Palinhos, que é um diminutivo que as pessoas arranjaram. O Olímpio, que jogava à bola no Sesimbra, é meu primo direito. Os Sabinos, o tio Sabino que tinha uma arte também lá no Caneiro, também é PalinhosO e pronto, depois é muitos primos. O seu pai era pescador?

O meu pai tinha as artes do Caneiro, lá no canto do Caneiro, na Califórnia. O meu pai andou muito tempo às artes com os filhos, depois é que comprou uma barquinha, que se chamava a Menina Encantada, construída ali no estaleiro, [ao pé ?] do Zé

da Gaita, que era ali ao pé do restaurante Camiloí. Depois comprámos um barquinho que era uma enviada duma traineira, que era já um bocadinho maior, eles já iam para o Algarve, faziam lá temporadas de quinze dias.

Era, era. Normalmente trabalhavam de noite com o aparelho, e depois quando alavam o aparelho, [se] viam que estava peixe para apanhar de dia, trabalhavam com a zagaia.

Como se chamava esse barco? Era a Senhora da Conso­ lação, era uma enviada, de-

Eu não, eu nessa altura tinha para aí sete, oito anos. Depois comprámos outro barco em Peniche, que se chamava o Noel, e ficou a chamar-seO Não! Ainda tínhamos um barco mais pequenino que a barca, que era o Pinto, que era um barquinho sem ponte de leme, e esse barco foi levado, estava ancorado ao largo ali na praia, um dia eles acordaram já não viram lá o barco, correram a costa toda à procura, por terra, a ver se o barco tinha dado à costa, ou se alguém tinha apanhado o barco, nunca mais apareceu. Não se sabe se foi ao fundo, se não foi ao fundo. Depois houve um senhor que esteve em Cabo Verde e disse que tinha encontrado um barquinho lá, que era im-

pois nós adaptámos para andar no aparelho [de anzol] e à zagaia, que era uma pesca com dois anzóis, com um peixe em chumbo. E com a zagaia apanhavam o quê?

Peixe-espada, gorazO

pargos,

À linha?

Sim, com pita. Pescavam em cima dos cabeços, que são zonas onde existe ilhas submersas, com profundidades das duzentas braças até às cem braças, noventa braçasO Umas vezes usavam o apa­ relho, e outras a zagaia?

Também andou nessa pes­ ca?

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possível eles lá construírem aquelas embarcações, por causa da construção que o barco tinha, e disseram-nos que aquele barco, se não fosse o barco que era do meu pai, não podia ser mais nenhum. Trouxe fotografias e tudo para o meu pai ver. Esse barco andava lá em Cabo Verde ao ferro-velho, os mergulhadores a apanhar o ferro-velho do fundo. Depois a partir daí fizemos a barca, depois a Se­ nhora da Consolação, e depois comprámos outro barquinho que era de Peniche, que chamava-se o Noel, depois passou a ser Menina Encantada, andávamos aqui pelo Garrincho [Gorringe], pelo Algarve, e depois foi quando comprámos outra embarcação maior, já com vinte e nove metros e tal, começámos a andar pelos Açores, por Marrocos, pelas Canárias. E manteve o nome de Meni­ na Encantada? Sim, foi sempre Menina Encantada. Ainda tenho aqui

fotografias. Tenho ali uma que é o primeiro, depois mandámos fazer outro já todo fechado, só da parte da popa é que era aberto para nós podermos trabalhar, e depois ainda adquirimos outro barco, que era o Sebas­ tião Paulo, já levou o nome do meu pai, já avia duas embarcações, só que depois esses barcos foram a abater. Quando acabaram as licenças de pesca em Marrocos. Foi nessa altura que passa­ ram para traineira?

Não. A traineira foi uma embarcação que nós comprámos para andar ao peixeespada preto. Esse barco era de Matosinhos, salvo erro, e o barco tinha licença de anzol e de arte de cerco. Depois como nós já estávamos a ver que aquilo em Marrocos, as licenças, era tudo muito complicado e cada vez os Marroquinos estavam a exigir mais, os meus irmãos pensaram aproveitar a licença que esse barco tinha, de cerco, para mandar construir uma traineira, para ficar no lugar desse barco. Esse barco depois foi a abater. Lembra­se em que ano é que foi a construção dessa


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traineira?

Creio que a traineira tem por volta dos 1 7 anos. Foi um ano antes, que a traineira ainda levou algum tempo a ser construída. Foi próximo de terminar a pesca em Marrocos?

A traineira já andava ao mar, e eles continuaram ainda no peixe-espada branco. Foi ali dois anos antes de acabar [o acordo de pesca com Marrocos] No seu caso, qual foi o pri­ meiro trabalho que teve na pesca?

Com a idade de sete, oito anos, eu já ia para o canto do Caneiro. Tinha a escola, com sete anos, mas da parte de Verão eu já ia levar o café ao meu pai e aos meus irmãos, e ficava lá a ajudar, porque eles andavam na chincha – na chincha que é as artes de xávega – mas depois passaram a andar à xaputa, que é ao aparelho, e eu já ajudava, quer dizer, eu ia lá levar o café, uma cafeteira enorme, com dois pães, e eu lembrome tão bem disso, eu levava o pão e depois ficava lá a ajudar ao meu pai. Era só agarrar numa ponta e o meu pai safava o aparelho, e eu então tinha que levar a ponta, sempre, para esticar pela praia fora, isso era o meu trabalho. Era muito miúdo, mas [começou] a partir daí. Eu fui crescendo, não é?, andei sempre na chincha com eles, quando eles iam à chincha, porque além de andar à xaputa, também fazíamos temporadas da chincha, íamos para São Penedro, e pescávamos pela praia toda aqui. Mas puxavam para terra?

Para terra! Tínhamos a bugiganga e tínhamos a arte xávega. A bugiganga era mais para o choco. Íamos para a Arrábida, íamos ali para a costa da Troia, também, para pescar ao choco. E tínhamos a arte que era mais para o peixe de escama, para o carapau, para as choupas, para os parguetes, para os massacotesO Portanto era conforme a al­ tura do ano, quando se cal­ culava que certo tipo de peixe dava mais, iam para essa arte?

Sim, sim, sim. E depois deixámos de ter lá o armazém por causa daquela obra

MARES DE SESIMBRA que foi feita, aquele hotel no- preto. E havia o outro irmão vo lá ao pé da Califórnia. meu, que era o Manel Zé, que era o motorista desse Qual era o armazém? barco grande, do peixe-espaAquilo não era um arma- da branco. O Eurico, que era zém, aquilo era uma loja, o meu cunhado, era o motouma barraca, que o meu pai rista do barco do peixe-espaconstruiu ali em cima do mor- da preto. Estávamos assim ro. Havia uma ladeirazinha distribuídos. que ia parar à Califórnia, Depois o meu pai, tamaquela do monte, ficava um bém, na altura, deixou de trabocadinho antes, mesmo em balhar, porque o meu pai é cima do cabeço. Depois com que comandava o barco em aquela obra, fizeram com que terra, a companha de terra, aquilo fosse tudo limpo, tive- porque também havia vinte mos que sair dali. E arranjá- homens em terra a trabalhar. mos um armazém que é O meu pai reformou-se e agora ali na rua Dr. Peixoto, passou a um irmão meu, que ao pé do Ribamar, naquela é o Edmundo, passou ele paruazinha onde era o Luis Ga- ra o lugar do meu pai, para delha, está a ver aquela rua- velho-de-terra, trabalhador zinha?, depois tem umas de terra para comandar o escadinhas, e o escritório fica pessoal em terra. ali. E andámos sempre assim E depois a partir daí, e até distribuídos. Eu também anà idade de treze anos, ia para dava como contramestre do a escola de Inverno, saía da peixe-espada branco. Quanescola ia trabalhar, e de Ve- do veio a traineira, o barco rão também ia trabalhar, es- do peixe-espada preto desistender as talas, chamava-se tiu, mas ainda adquirimos ounaquela altura, era estender tro barco, que era o Raio de as talas na praia, e mesmo aí Sol. Quem andava a governos lugares aí por onde a nar esse barco [que andava gente via que dava para tra- ao peixe-espada preto] era balhar. um primo meu, que chamaE depois quando tirei a se o Emílio Zé. Mas depois cédula – ainda comecei a an- ele zangou-se ou quis desisdar ao mar sem cédula, com tir da sociedade. treze anos e meio, ainda não Depois esse barco acatinha idade para tirar a cédu- bou por ser vendido, acabála, ainda fiz uns lances, ainda mos por ficar sem barcos do andei lá uns mesesinhos até peixe-espada preto, porque tirar a cédula. Quando tirei a quando veio a traineira, esse cédula, a partir daí nunca barco que tinha a licença de mais parei, aos catorze anos cerco teve que desistir. Ficou tirei a cédula e era moço de o outro que era o Raio de mar. Depois à medida que Sol, só que o meu primo tamcomecei a habituar-me ao bém quis desistir e os meus trabalho, passaram-me então irmão já não quiseram ir para a camarada, até agora. o peixe-espada preto, acabou por se vender o barco, o Com que idade passou a Raio de Sol. E depois eu, camarada? quando a traineira veio, era Eu tenho lá esse registo, contramestre do peixe-espadevia ter para aí uns dezas- da branco, passei a ser eu o sete, dezoito anos. contramestre da traineira, para começar a entrar no esEra o seu pai e vários ir­ quema da traineira. mãos – quantos irmãos é que são?

E o mestre, quem era?

Somos seis ao todo, mas Era o Zé Sineiro, que goum irmão é uma rapariga – vernou algumas traineiras mas tínhamos o meu cunha- aqui de Sesimbra, e andou a do. governar, ainda alguns anos, os seus cinco, ou seis, ou seTodos no mesmo barco? te anos, e eu como contraTodos no mesmo barco! mestre. Depois os meus Isto era quando nós tínhamos irmãos acharam que ele não só uma embarcação. Mas andava a pescar assim como quando começámos a ter es- os outros, era um bocadinho se barco do peixe-espada assim mais calmo, despedipreto é que já passou um ir- ram-no, e ele ainda nos levou mão meu para um barco, ou para tribunal, tiveram que padois irmãos meus, por exem- gar uma indemnização em plo o meu cunhado, que era o relação a subsídio de férias, Eurico, o Eurico era o moto- depois houve comum acordo, rista, e eram dois irmãos e ficou por aí e passei eu a meus, que eram o Paulo Zé e governar a traineira. o Jotinha, um governava o barco grande, do peixe-espa- E há quantos anos é o da branco, e o outro governa- mestre da traineira? va o barco do peixe-espada

1 9 de Janeiro de 201 5 Eu não sei precisar bem. Mas calculo que para aí há uns seis ou sete anos. Esta pesca da traineira tem este problema de haver grandes flutuações na quantidade de peixe. Como é que explica isso?

A cavala é um peixe que prefere as águas com maior temperatura. Quando as águas são muito frias, é melhor para a sardinha, a sardinha gosta da temperatura da água mais gelada, pelos quinze, dezasseis graus, enquanto a cavala [prefere] dezanove, vinte graus. E a sardinha, estou convencido que devia ter havido uma quebra derivado às capturas, mas também estou convencido que pode haver aí, as águas não trazendoO chego a ver águas pretas, como chego a ver águas brancas, como chego a ver águas transparentes, mas isso tem influência se essas águas têm peixe ou não têm, vejo que é por aí, que o peixe encosta ou não encosta, o peixe não encosta mais por causa das temperaturas das águas, se a temperatura das águas for mais fria, naturalmente até tem mais comer para o peixe: mais plâncton, mais fitoplâncton, e isso faz com que o peixe ande atrás, ou encoste junto com essas águas. Não havendo essas águas, é lógico que vai escasseando. Por exemplo, como já acabei de dizer, a cavala é um peixe que normalmente, no Inverno, é quando está mais abundante. Depois chega o Verão e já é menos abundante. Agora, desde que acabou o Verão, tem aparecido, os barcos têm capturado bastante cavala. Eu não porque acabei por aceitar o acordo [de paragem até ao final do ano]. Acabou a cota a 1 5 de Outubro, foi na altura que nós parámos. A paragem por defeso é uma coisa que já se faz há muitos anos…

Já havia o defeso. No ano passado, e no ano anterior, já havia 45 dias de defeso. Está relacionado com a re­ produção?

Sim, é o que eles diziam, que o peixe estava a diminuir e queriam essa paragem no período em que o peixe desova, que começa em Outubro e depois vai até


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Mas não podiam apanhar sardinha.

Não, não! Só cavala. A não ser que venha uma certa Fevereiro, Março, é o período quantidade misturada. Pronda desova da sardinha. Nor- to! Aí cinco, seis por cento, malmente [a paragem] é em dez por cento, talvez. Janeiro, Fevereiro, e então fizeram com que a paragem ti- E há a notícia de que bai­ vesse entre esses quatro, xou a quota para 2015? cinco meses. Normalmente Baixou. uma zona parava de Janeiro a meados de Fevereiro, ou- Quer dizer que em 2015 po­ tros paravam de meados de dem vir a ter um problema Fevereiro a Março, ou outros semelhante? paravam antes, em Outubro, É. Eles o ano passado e ficavam até Dezembro, es- [201 3] tinham um limite de ses 45 dias. quota, mas depois ainda deixaram ir um bocadinho mais Mas agora foi a primeira acima, acho que ultrapassou vez que há uma paralisação qualquer coisinha para além devido a ter­se atingido o da quota que eles davam. E limite da cota? este ano já estão a baixar Sim, uma paragem assim mais duas mil toneladas. O subsidiada pelo Estado, salvo ano passado foi 1 8 mil toneerro, talvez seja das primei- ladas, e este ano [201 5] paras. Sei que os barcos do rece que já é 1 6. E é o Norte, os barcos da Póvoa, problema da sardinha. Por de Peniche, de Matosinhos, enquanto, o nosso problema esses barcos paravam mas em relação à quota que vai tinham um sistema em que existir para este ano que eles em lugar de receber vem, o nosso problema está subsídio, iam para o desem- sempre na dúvida sobre a prego. Nós nunca consegui- pesca dos barcos do Norte. mos fazer isso, porque nós Eles lá no Norte têm um temos um sistema de matrí- problemaO têm um problecula diferente. Nós não temos ma não, eles quando saem o pessoal a contrato. Eles lá, para a pesca só pensam na naturalmente, já têm o pes- sardinha: não querem cavala, soal a contrato, despedem o não querem carapau, não pessoal para depois os pôr querem mistura. no desemprego. Nós não poNós chegamos a estar demos fazer isso porque cinco e sete horas a escolher temos matrícula, e sendo peixe na lota, para aproveitar. matriculado é como se não As capturas estão difíceis e houvesse contrato, não há às vezes um barco apanha forma de despedimento, não se for preciso vinte tonelasei bem como é que isso se das, ou dezoito ou dezassete processa. toneladas de mistura, caraAgora desta maneira de pau e cavala, por exemplo, e [paragem com] subsídio, em tem que ser escolhido. Não Sesimbra é inédita, fui eu e há quem compre tudo junto, mais duas embarcações que e quando compram tudo junparámos, enquanto há outras to é ao desbarato, é mesmo três embarcações que conti- ao desbarato. E então nós nuaram, e nós até temos o evitamos de vender junto e Pombinho, que nós também preferimos escolher. E os gasomos sócios do Pombinho, jos do Norte não estão para e o Pombinho, derivado à Ar­ isso. Os gajos do Norte, [se] tesanalPesca, que é a nossa têm mistura, fora! Vão à proOrganização de Produtores. cura de sardinha limpa. E às O nosso pessoal lá do vezes encontram sardinha barco queria mesmo parar, os misturada, não é? Mas só escamaradas, preferiam parar, colhem quando a sardinha a ganhar o subsídio. E nós vai bué da dinheiro, quando decidimos então que o Pom­ vai cara. Agora se a sardinha binho continuava junto com o for barata, naturalmente eles outro barco. Se não ficava só deitam fora. Fora, isto é, viva, um a trabalhar para a Artesa­ deitam ao mar novamente e nal, que era a Princesa de tornam outra vez a vigiar paSesimbra. E então ficaram ra procurar outro cardume dois barcos a trabalhar, e a que seja sardinha mais limArtesanal conseguiu manter- pa. se sempre a trabalhar. E esses barcos, nomeada­ mente o Pombinho, conse­ guiran apanhar peixe?

Sim, sim, correu muito bem.

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A traineira Beatriz Paulo quantos metros é que tem?

Tem vinte e dois metros.

E a companha a bordo quantos são?

A capacidade máxima são dezasseis, não podemos ter mais. Mas já andámos ao mar com doze, treze, com catorze. Actualmente há mais apa­ relhos para ajudar a alar a rede.

Antigamente era preciso vinte e tal homensO Os barcos eram mais pequenos e as companhas maiores?

Era. Não havia os aladores, era à mão, depois é que começou a haver um aladorzinho mais ou menos, um aladorzito já evitava que a malta estivesse agarrada à rede, para pôr a rede para dentro. Agora utilizamos gruas e o triplex, e a malta só está ali é a arrumar a rede, já não tem que estar a fazer forçaO [embora] fazer força, faz-se sempre, porque as redes acabam por ser maiores, tem muito mais altura, tendo altura e sendo maiores a largura da rede, isto é, quando ela está junta, cortiça e chumbo e rede, um homem quase que não consegue abraçá-la. Antigamente, só com um braço abraçava a rede toda, porque eram trinta braças de altura, agora é oitenta. De altura! Só chumboO é um km de distância, de comprimento. Desde a superfície, até às argolas, que é o chumbo, tem para aí oitenta braças, setenta, oitenta braças. E tem um comprimento, de diâmetro, de quase um km ou mais. Para detectar um cardume usam aparelhos electróni­ cos?

Temos o sonar.

Quando vai ao mar, como é que escolhe a zona para onde vai pescar?

Normalmente é sempre pelo dia anterior que nósO e é pela espécie que nós queremos. Por exemplo, os barcos, somos seis ou sete barcos. Há um barco que vai para o Norte, para o Norte do Cabo, que é ali para a barra de Lisboa, e há outros que vão para o Sul, ali para a zona da Comporta. Depois ao fim do lanceO nós normalmente saímos à tarde e chegamos de madrugada, e é nessa situação que a gente conjuga. Por exemplo, [se] os barcos ao Norte apanharam uma espécie de mais valor e quantidade, os barcos que foram para o Sul, no outro dia vão para o Norte. E vice-versa, se os barcos do Sul apanharem uma espécie

boa, com mais rendimento, os barcos do Norte vão para o Sul. Mas o cardume de sardinha pode estar em qualquer lado do mar? Ou há zonas onde há mais?

Pode. Por exemplo, nos Açores eu via cardumes de carapau mouro, que é o ex-libris ali dos Açores. Lá há muita albacora, muito atum, e o atum vai ali mais aos Açores por causa dessa comedoria que existe lá, que é o carapau mouro. Já vi cardumes de apara-lápis, à luz, nós estarmos a trabalhar, a colher, e ver assim à luz, encostado ao barco, vê-se bolas de peixe. E estou convencido de que a cavala, a sardinha, também elas andam em profundidade, conforme a temperatura das águas. E quando a gente diz assim: “eh pá, a nossa costa não tem peixe nenhum”, onde é que está o peixe? Está em maiores profundidades, estão mais distantes da costa. Se as correntes não as trazem, com o comer, elas não encostam. Vocês nunca se afastam muito da costa?

Não. Já nos afastámos doze milhas. Quando vamos ali para a barra de Lisboa, nós damos a volta ao carrocel, como se costuma dizer, é: saímos da vila, chegamos ao Cabo Espichel, depois temos zonas interditas, não é em todo o lado. Nós nunca pescamos em cima da pedra, pescamos sempre no limpo, mas há sempre um mar duvidoso, ou às vezes as areias desareiam, e algum pegaço que a gente pensa que não está lá, e pode aparecerO mas isso são situações isoladas, não quer dizer que seja sempre. Mas também temos alturas que arriscamos um bocadinho e às vezes ficamos com a rede lá presa. Nós corremos a parte costeira, que é desde as dez braças de água até às trinta e tal, quarenta braças. Normalmente até às quarenta braças é a profundidade que nós gostamos de pescar, porque é a profundidade onde a rede ainda chega lá abaixo ao fundo. É conveniente chegar ao fundo, mas não é obrigatório?

Não é obrigatório, mas convém não ter muita profun-


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didade, que é para a rede conseguir ir lá abaixo, que é para o peixe não passar por baixo. Mas também, quando corremos o carrocel, quando damos a volta ao carrocel e não encontramos peixe, nós temos sempre a tendência de cortar para fora. Chegamos cá ao pé da boia da barra, à entrada da barra, viramos para o Sul, e corremos a parte circundante do mar, sete, oito milhas distantes da costa. Se for preciso, estou lá fora, frente à barra e frente à Lagoa [de Albufeira], aquela zona é toda percorrida, e também vamos para aquela zona da Guia (aí já é perto de

não fica lá, nada! Mas ela se der tendência para subir, fica lá toda, porque a sardinha rola pela cortiça, anda à roda, e com a cavala já não acontece isso, outra espécie já não acontece isso. Se for preciso a gente larga à cavala, umas vinte toneladas de cavala, e estamos mesmo até ao fim da rede para ver peixe. Enquanto a sardinha não. Se tiver sardinha na rede, logo assim que se começa a colher a rede, começa logo a vir sardinhas na rede. Também aqui frente a Sesimbra, tb pescamos aí para Se fecharem a rede, fora, a uma distância de seainda há peixe que te, oito milhas, tanto para um pode escapar? É. A sardinha, normal- lado, para Sul, como para mente, quando pressente a Leste. rede, quando é em grandes profundidades, às vezes ela Nesse circuito, ou nesse arreia-se. Quando se arreia, carrocel, há uma altura em terra), nestes últimos dois anos têm ido para lá muitos barcos de Sesimbra, que era muito raro isso acontecer, e agora já estamos a ir para lá mais vezes que o que se ia antigamente. E depois largamos a rede nessas profundidades. E ali já não tem quarenta braças: já tem sessenta e tal, aí a rede já não vai lá ao fundo, a rede fica esticada, ou esticada ou de lado, conforme as correntes, porque as correntes ali são fortes.

Traineiras Larga do porto a traineira Logo atrás a enviada Segue na mesma esteira Tinham hora combinada Mãe e filha vão ao mar Em tempo de acalmia A companha quer voltar Com excelente pescaria Porém os ventos da sorte Mudam da noite p’ró dia O risco de vida ou morte É fado e não fantasia Temendo o agravamento Das condições temporais O mestre em julgamento Decide o regresso ao cais Fundeadas no abrigo Enviada e traineira Evitaram o perigo Mas peixe nem p’rá caldeira No aconchego do lar Aguarda o pescador Que o moço volte a chamar E ir na paz do Senhor Pexito

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que se devem cruzar com barcos comerciais, ou não?

Temos várias linhas, chamam eles autoestradas, é pelas 1 2 milhas, e é pelas 30 milhas. Os barcos que têm mais problemas nesse aspecto são os barcos do peixe-espada preto, eles é que pescam mais ou menos nessa zona, nós já não atingimos as doze milhas. Normalmente os barcos da marinha mercante só encostam mais à terra quando é para entrar nas barras, ou a barra de Lisboa, ou a barra de Setúbal, é que eles vêm por aquela proa já feita, não é de passagem, para passar têm de passar das 1 2 milhas para fora. João Augusto Aldeia

Pesca da sardinha: proibições prolongam-se A captura de sardinha nas costas portuguesas, que esteve proibida durante os três últimos meses de 201 4, continua sugeita a restrições durante o corrente ano, desde logo com medidas impostas através de um despacho governamental publicado no dia 31 de Dezembro. As embarcações que pescam sardinha com a arte de cerco devem agora cumprir um novo período de interdição de captura, e de limites às quantidades mantidas a bordo e desembarcadas, desta espécie. Assim, no período compreendido entre 1 de Março e 31 de Maio de 201 5 o limite de descargas da sardinha capturada com a arte de cerco será de 4.000 toneladas, e em cada dia, a atividade das embarcações está limitada a uma maré, não sendo permitido manter a bordo ou descarregar mais de 6 toneladas de sardinha. Outra limitação imposta à captura da sardinha é a da quota anual, que sofreu uma redução para o corrente ano (de 1 8 mil toneladas, desceu

para 1 6 mil toneladas). isto significa que no final de 201 5 poderá voltar a haver uma proibição total da captura desta espécie, à semelhança do que aconteceu em 201 4. A Associação das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (ANOP Cerco) alertou entretanto que as embarcações do Norte e Centro do país não têm alternativas economicamente viáveis à pesca da sardinha e poderão manter-se paradas e vir a despedir alguns pescadores. “Na região Norte e Centro do país é muito difícil a uma embarcação sobreviver estando proibida de capturar sardinha. Mesmo no resto do país, a partir de uma certa dimensão, com mais de 20 metros, as embarcações têm dificuldade em sobreviver a pescar carapau e cavala, porque historicamente a espécie que sustenta a pesca do cerco em Portugal é a sardinha e assim continua”, explicou o presidente da ANOP Cerco, Humberto Jorge, em declarações à Agência Lusa.


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