Revista do IHGM, n. 42, setembro de 2012

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A FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS: FATOS E MITOS

ANA LUIZA ALMEIDA FERRO Daniel de la Touche e François de Razilly não fundaram a cidade de São Luís em 1612, apenas uma colônia de duração efêmera. Ou nem isso. Os franceses, como piratas ou corsários, invadiram o norte do Brasil, uma legítima possessão portuguesa na época. O dia 8 de setembro de 1612 marca tão somente a realização de uma cerimônia gaulesa de tomada de posse da terra e de celebração do início da catequese dos indígenas pelos missionários capuchinhos. La Ravardière era um herege. Tudo o que os franceses construíram, inclusive o Forte São Luís, feito de madeira e palha, era precário, não definitivo. Talvez nem houvessem decidido se a sede da pretendida colônia seria mantida na Ilha de São Luís. Os cronistas religiosos da missão jamais falaram em edificação de uma cidade. Deus estava do lado dos lusos e Nossa Senhora foi o seu instrumento na Batalha de Guaxenduba. Os portugueses heroicamente expulsaram os invasores da terra maranhense, reconquista essa sacramentada com a entrega do Forte São Luís por La Touche a Alexandre de Moura em 1615, e o comandante Jerônimo de Albuquerque, seguindo disposições da Corte de Madrid, fundou a cidade de São Luís no mesmo sítio antes ocupado pelos gauleses, que nada deixaram que se assemelhasse a uma cidade. Foi Albuquerque, valente brasileiro, filho de um português com uma índia, quem deu organização física e institucional à novel cidade, com casas melhores do que os tugúrios erguidos pelos gauleses, por meio do plano elaborado por Francisco Frias de Mesquita, Engenheiro-mor do Brasil. O herói vitorioso batizou-a de São Luís, porque a ilha já era assim conhecida em razão da fortaleza francesa, porque desejava preservar a memória de sua vitória em Guaxenduba ou porque tencionava homenagear um santo. A interpretação da fundação francesa de São Luís não passa de um mito, criada e defendida a partir do limiar do século XX por intelectuais vinculados à Academia Maranhense de Letras, o grupo dos Novos Atenienses, como mais uma expressão do culto às origens francesas do Maranhão, fomentado desde o crepúsculo do século XIX pelas suas elites decadentistas, visando ao reforço da noção da identidade singular do Maranhão. Esta é, em linhas gerais e simplificadas, com variações dependendo do arauto, a formulação do que denominaremos cá de mito da “fundação” portuguesa da cidade de São Luís. Mas o que é um mito? Há dois mitos concorrentes sobre a fundação da cidade, o francês e o lusitano?


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