Revista do IHGM, n. 42, setembro de 2012

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FUNDAÇÃO DE VILAS E CIDADES NO MUNDO PORTUGUES: inexistência de normatização Criticar os fundamentos iniciais das cidades estabelecidas nos dois primeiros séculos do Brasil colonial – seja ela de fundação francesa, portuguesa, inglesa ou qualquer outra – não deixa de ser uma atitude grosseira e até arrogante da parte de quem o faz, pois se hoje vivemos um mundo hi-tech, onde a sociedade e as cidades desfrutam de comodidades, luxo e conforto, ele tem lastro no ontem, nas frágeis bases legadas pelos pioneiros conquistadores. Tudo fruto da ação antrópica e da evolução do lugar e dos atores que o estabeleceram e o desenvolveram. Os critérios das fundações coloniais, em especial aquelas estabelecidas até a primeira metade do século XVII, não podem ser confundidos com nenhum outro. São um caso particular, vez que inexistiam critérios definidos. Até esse tempo, os reinos, via de regra, sequer possuíam exército regular, fardamento, etc. Nas viagens marítimas, mesmo as oficiais, não havia a exigência de rol de passageiros (na França isso só passou a ser obrigatório a partir de 1680). A obra do escritor Antonio Lopes (1889 – 1950) nos informa que “Segundo expressões de um documento oficial do século XVII (como reza a carta régia de 26 de junho de 1675, constante de manuscrito da Biblioteca de Évora – Cód. CXV/2/18/f 65 v), eram requisitos indispensáveis à fundação de vilas d’el-rei de Portugal: igreja, casa para cadeia e governo político”69. (Destaque nosso). A data em tela, 1675, está em consonância com o período de normatização verificados na maioria dos reinos. Antes, prevalecia a informalidade e os fundamentos legais e institucionais básicos. Foi assim com quase todas as cidades iniciais do período. Em um dos debates travados com a contestação, ouvi um argumento pouco convincente sobre o que seja fundar. Foi inferido que “fundar é continuar”. Mas até quando? Nosso entendimento é bastante diferente. Fundar é fazer o básico, é fazer nascer. E quando se nasce, isso sempre acontece da forma mais incipiente possível. O dicionário Aurélio é taxativo sobre o verbo fundar, quando diz: “levantar os alicerces de (construção)”. O que era então fundar uma cidade em tempos tão remotos? Uma importante referência é o escritor, doutor honoris causa pela Universidade de Zurique e pela Sorbonne, Leonardo Benévolo, que na obra História da cidade (Ed. Perspectiva. 1983), mostra diversas formas de fundação mundo afora e de onde se observa que o estabelecimento de uma cidade não exige mais do que quatro fundamentos simples, sendo este o quadripé: alteração do espaço físico natural (aí incluídos a abertura do espaço e as edificações oficiais e particulares); presença de um governo oficial; delimitação territorial e local de ajuntamento cívico-militar (representado geralmente pela praça). Aí estão as bases da maioria das fundações das cidades brasileiras daquele período, sendo que muitas não contavam com os quatro pilares, mesmo assim estas fundações não são contestadas. A obra do famoso pesquisador e escritor Nestor Goulart Reis, um dos papas no conhecimento do estabelecimento de vilas e cidades do Brasil colonial, sempre deixa entender que as cidades, mesmo nascendo frágeis e extremamente carentes de infra-estrutura, as datas de fundação são aceitas e não são refutadas. Em todo o Brasil colonial são muitos os exemplos de lugares e cidades estabelecidos em fundamentos primitivos. Foi assim na Paraíba com o forte do 69

LOPEZ. Antonio. Alcântara: subsídio para a história da cidade. 2. Ed. – São Paulo : Siciliano, 2002. P. 204


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