Jornal Lampião - edição 3

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MARIANA, OUTUBRO DE 2011 Edição: Lucas Borges e Rayanne Resende

Editorial

Charge

Lampião também ilumina Ouro Preto M ariana, Ouro Preto. Cidades próximas pela geografia, pela história e por sua gente. O vaivém entre as duas é mais que comum. Há pessoas que trabalham, estudam em uma e residem em outra. Até se cria a confusão sobre onde exatamente termina uma e começa a outra. Por isso, a partir dessa edição, o Lampião passa a abordar assuntos de interesse das duas cidades por reconhecer que elas possuem as mesmas problemáticas. Um exemplo que atravessa os municípios é o trecho da BR-356, considerada uma das rodovias mais perigosas de Minas Gerais, que durante o primeiro semestre deste ano, com o desvio do tráfego da BR-381, sofreu um aumento na circulação de veículos pesados. Isso, somado aos graves problemas de infraestrutura da via, comprometeu ainda mais a segurança

de motoristas e pedestres. Outra questão em comum é a insuficiência de bombeiros na Região dos Inconfidentes. O quartel localizado em Ouro Preto atende Mariana, Itabirito e outros 25 municípios nos arredores. Prefeito que entra, prefeito que sai; em três anos, quatro políticos já ocuparam a chefia do Executivo marianense. O Lampião se debruçou sobre as consequências dessa confusão, afinal, mudar o prefeito significa mudar toda uma estrutura política que o envolve. Tanta transformação em tão pouco tempo não pode fazer bem à cidade. Por falar em mudanças, o trânsito na região central de Mariana foi alterado por causa das obras de transposição do Córrego do Catete, que já completam cinco meses e estão longe de terminar. Comerciantes no prejuízo e caos no trânsito de toda a cidade.

Em Ouro Preto, as obras de ampliação do passeio, na Rua São José, no Centro da cidade, também geraram transtornos e estão em andamento. Água que bebemos...Afinal, qual a qualidade da água que recebemos em nossas torneiras? Explicamos a relação entre a cobrança da água e a melhoria nos sistemas de abastecimento e tratamento em Mariana e Ouro Preto. A memória ganha destaque, com reportagens sobre a importância dos arquivos existentes em Mariana e um certo porão que abrigou intensa vida cultural na cidade. E, para encerrar esta edição, nosso olhar se volta para as poucas árvores que nos cercam, propondo aos leitores uma pausa no cotidiano cada vez mais tumultuado de uma cidade que cresce sem perder ares do interior. Aproveitem!

Entre olhares

Lenços de partida Maria Aparecida Pinto

Passados alguns minutos do horário habitual humano de circular pelo Centro da cidade, os casarões e a Sé entram em diálogo sobre assuntos corriqueiros e colônias. São frases soltas e leves daqui, sorrisos e afagos das ruas adjacentes à Direita de lá e assim seguem-se as madrugadas seresteiras.

Nesta, não foi diferente. Os casarões empolgados falavam das coleções de primavera dos tempos de outrora, os comparando com os dos tempos modernos. A própria Rua Direita lembravase, com vagar, das vestimentas diversas como a desfilar em uma linha do tempo. Todos estavam alegres e falavam sem pudor. Surge, então, um barulho inusitado: um espirro: ATCHIN. E o centro responde: – Amém. A partir deste momento, o fio da conversa é outro. – O que aconteceu com você, meu amigo? – São estes “ratos com asas”. Você se lembra deles, Sé? – Mas, é evidente. Contam que seus ancestrais chegaram ao país por volta do século XVI com a ajuda dos europeus. – Não diga! – Escutava muitos arrulhos quando se instalavam nas minhas torres e

brincavam no centro da praça, não é Cláudio? – É verdade. Columbas livias europeias, africanas e asiáticas. Era uma febre: a meninada correndo atrás e fazendo as criaturinhas levantarem voo. Contra a luz, uma imagem belíssima. E agora, há certo vazio. – Não é o que dizem os proprietários dos carros, retruca um casario próximo.

Outro com­­pleta:

– Deslocaram as minhas telhas, cobriram de excrementos o meu forro... Você também sofreu,

Sé, admita. – Não posso negar a realidade dos fatos. Os animaizinhos simpáticos se concentravam aqui, nas redonde­zas, em busca de milho. – Simpáticos? – ATCHIN... – Mas eles já se debandaram... – ATCHIN... – Estão, pois, a perturbar a ordem em outras vi­zinhanças. Outras freguesias... – ATCHIN... – Aqueles pezi­nhos de pombo que circulam pela Direita, que en-

tram nas frestas, que deixam vestígios em tudo. – Agora temos as maritacas, nossas amigas alegres e folgazãs, logo ali no Gomes. – ATCHIN... – Como espirra este sujeito! Amanhece e como os marianenses voltam a circular, todos viram cenário. – Olhe, mãe, duas caixinhas de lenço, no centro da Praça da Sé. E não é que as duas caixinhas de lenço levantam voo ao som do sino das seis horas? É, Sé... É, Manuel.

Lampejos desta edição “Só colocar avisos não vai

“Pior do que devolver recurso devido a uma ineficiente prestação de contas foi o município ter perdido a oportunidade de captá-lo”.

resolver o problema”. José Borges, sobre as mudanças no trânsito. p. 5

Edernon Marcos Pereira, sobre as consequências do trocatroca na Prefeitura de Mariana. p. 3

“Para o município fazer o pagamento (da água), sem alterar o orçamento já existente, é preciso que gere recursos para isso”. Sobre a cobrança de água em Mariana p.8

“A BR-356 não acompanhou o crescimento da frota e nem as características dos veículos”. Carlos Vieira sobre a BR-356 , a rodovia dos problemas. p. 6 e 7

Opinião

O homem é um animal que minera Giulle Vieira da Mata

As mineradoras trabalham habilmente com palavras de efeito. A intenção é comover, jamais fazer pensar. Contudo, refletir e responsabilizar-se é exatamente a habilidade que nos distingue dos animais. Menos para alguns defensores ilustres do setor minerador, para quem o homem não passa de um “animal que minera”. A definição tem sido citada ao lado de trechos de Guimarães Rosa e, pasmem, Drummond. Devemos refletir porque discursos assim encontram eco entre nós. O problema sem dúvida está conosco, ou melhor, na enorme quantidade de espíritos incapazes de ultrapassar a confusão entre querer e dever. Espíritos que insistem em fazer-o-que-querem guiados apenas por suas emoções, apetites e inclinações não reconhecem a importância de fazer-o-que-se-deve. Infelizmente, a julgar pela enor­midade de conflitos surgidos nos últimos anos envolvendo mineradoras e comunidades de atingidos, pode-se supor ser este o caso desses gigantes. As mineradoras estão interessadas, antes, em se livrarem dos obstáculos à realização de seus fins privados, ou seja, o lucro. Acontece que obstáculos ao interesse privado são em geral interesses públicos, o-que-se-deve. Elas se defendem alegando que o direito minerário é público. Mas é preciso ficar atento, porque o recurso é retórico. É exatamente a popularidade dessa ideia de independência absoluta do direito público sobre os minérios que tem garantido a tragédia moral (tão grave quanto a ambiental) em que a exploração mineral envolve os atingidos por suas atividades. O que é o mesmo que dizer que tudo o que diz respeito ao interesse econômico está fora de toda ética. E, ao que parece, acima de toda ética, ou seja, além da capacidade de regular o próprio comportamento, a partir de um profundo senso de dever. Mineradoras não parecem interessadas em colocar limites aos próprios interesses em nome de um coletivo mais amplo. Prova disso são seus slogans. Neles não se vê a palavra dever. Apelase para ideias vigorosas tais como informação, compromisso, sustentabilidade, cultura, até mesmo responsabilidade social e ambiental (mais ambiental que social, mas vá lá). As imagens altamente

sugestivas criadas em suas propagandas parecem visar tão somente encobrir os danos irreparáveis do extrativismo primitivo baseado na superstição do desenvolvimento ao infinito. Ambição assim não conhece limites éticos.

“Mineradoras não parecem interessadas em colocar limites aos próprios interesses em nome de um coletivo” Em defesa, alega-se que para o cumprimento do dever é preciso estar motivado, estimulado, incentivado. No caso das mineradoras, quem exatamente deve incentiválas a agir segundo um senso de dever somos nós, é claro, os atingidos; a sociedade civil; o povo, caso se prefira um termo de maior força retórica. Acontece que “o povo” não passa de uma massa abstrata que depois de quinhentos anos de exploração ainda não conseguiu desenvolver o sentido da moral enquanto algo coletivo. É por isso então! - afirmam em coro os defensores do setor. É por isso que aqui a margem de manobra das mineradoras é ampla, folgada, ao contrário de lugares onde a defesa dos direitos das pessoas tem prioridade em relação aos direitos econômicos privados. É por isso também que, quando afinal de contas, as tais medidas “mitigadoras” não são cumpridas pode-se alegar, em defesa, que é porque os atingidos não exercem seu dever de fiscalização. Em última instância é o vento, que, vez por outra, teima em soprar na direção “errada”. Prova mais evidente de subdesenvolvimento ético-moral é difícil de imaginar. Professora de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto.

Jornal laboratório produzido pelos alunos do 6° período de Jornalismo D Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) D Reitor: Prof. Dr. João Luiz Martins. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Profa. Dra. Juçara Gorski Brittes. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Marta Regina Maia D Professoras responsáveis: Adriana Bravin (Reportagem) e Priscila Borges (Planejamento Visual) D Reportagem, fotografia e edição: Allan Almeida, Alyson Soares, Ana Malaco, André Luís Mapa, Bárbara Andrade, Beatriz de Melo, Deiva Miguel, Eduardo Guimarães, Elisabeth Camilo, Eloisa Lima, Erica Pimenta, Eugene Francklin, Fádia Calandrini, Flávio Ulhôa, Gracy Laport, Josie Oliveira, Leandro Sena, Lincon Zarbietti, Lucas Borges, Lucas Lima, Luiza Barufi, Marcela Servano, Maria Aparecida Pinto, Rayanne Resende, Yasmini Gomes e Suellen Amorim D Projeto gráfico: Enrico Mencarelli, Lucas Lameira, Luiza Lourenço, Mayara Gouvea, Simião Castro, Tábata Romero D Colaboração: Anderson Medeiros, Camaleão e Neto Medeiros D Impressão: Conceito Gráfica Editora Ltda D Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço eletrônico: jornallampiao@gmail.com. Twitter: @JornalLampiao Endereço: Rua do Catete nº 166, Centro, CEP 35420-000, Mariana-MG.


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