Jornal do Campus - Edição 450 (nov/2015)

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ANO 33 - Nº 450 SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015 Produzido por alunos de Jornalismo da ECA-USP

ROBERTA VASSALLO

Quem fica de fora do Crusp? Falta de vagas, moradores irregulares, aprovação por afinidade: a procura por um quarto no Crusp pode durar meses p.7 EM PAUTA

ENTREVISTA

CIÊNCIA

CULTURA

UNIVERSIDADE

OPINIÃO

JC cobre ocupação da E. E. Fernão Dias Paes ao lado dos alunos p.2 e 3

Parada incerta: Estação Ciência pode não reabrir p.11

Especialista fala sobre a tragédia que devastou Mariana p.10

450ª edição: conheça a história do Jornal do Campus p.6

As dificuldades de ser mulher no universo dos games p.12 e 13

USP deve pensar além do metrô nos transportes p.16


EM PAUTA

SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015 JORNAL DO CAMPUS

VINÍCIUS ANDRADE

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Trecho de poema de Bertolt Brecht (Antologia Poética, 1977) escrito em lousa de sala de aula de escola pública estadual ocupada por secundaristas na zona oeste de São Paulo

Resistência e luta pela educação pública Repórter adentrou a ocupação do movimento secundarista na Escola Estadual Fernão Dias Paes VINÍCIUS ANDRADE

Após uma conversa malograda com o Secretário da Educação do Estado de São Paulo, Herman Voorwald, no início de outubro, estudantes secundaristas foram às ruas contra o processo de reorganização das escolas estaduais. Com a medida do governo, decidiu-se que 94 escolas seriam fechadas, e alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (EM) de outros colégios também teriam que ser remanejados. “Os alunos têm que fazer parte desse processo. No entanto, só nos procuraram para informar a decisão, não para fazer parte disso”, questiona Heudes Cássio Oliveira, 18, um dos porta-vozes do movimento, estudante do terceiro ano da E. E. Fernão Dias Paes. Terça, 10 de novembro No décimo dia de novembro, Heudes percorre o mesmo caminho de sempre em direção ao seu colégio. A aula do dia, porém, inicia-se de maneira diferente: por volta das 5 horas

da manhã, um grupo de alunos adentra na escola e impede a entrada de coordenadores, funcionários e professores. Depois da realização de uma assembleia estudantil, os alunos decidem que a escola do bairro de Pinheiros seria a segunda escola paulista a ser ocupada. A Polícia Militar, em menos de uma hora, recebe um chamado no 190, com uma denúncia de “tumulto na região”. A partir desse momento, um cenário que se repetiria por mais de 70 horas se estabelece: do lado de dentro da escola, dezenas de alunos são cercados por um cordão de isolamento, centenas de policiais e um grupo de manifestantes apoiadores da causa. Quarta, 11 de novembro O número de policiais impressiona: apenas na fachada do Fernão Dias, há cerca de 100 homens fardados. Por algumas horas, a tropa de choque da polícia também marca presença. O perímetro inteiro do espaço escolar é isolado, e os adolescentes que optam por deixar a ocupação

precisam dar o nome e o número de identidade para uma representante do Conselho Tutelar. O sargento Belmiro, que está em seu segundo dia de trabalho na calçada da avenida Pedroso de Moraes, diz que a Polícia Militar permanecerá no local até que os alunos deixem a escola, mas diz não saber quando isso ocorrerá: “não tem previsão para acabar”. Quinta, 12 de novembro Por volta das 8h30, três alunos começam a varrer o chão do pátio do colégio. Os estudantes estão em assembleia e há um grupo de manifestantes incentivando o movimento por meio de gritos, um surdo e duas caixas. Embora estejam cansados, os apoiadores recebem a ajuda de pessoas como Márcia Camargos, moradora da rua ao lado do Fernão. A vizinha abriu sua casa para os apoiadores irem ao banheiro e utilizarem a conexão de internet sem fio. Carmargos e uma amiga chegam ao terceiro dia de manifestação com duas sacolas de feira cheias de pastéis: “Isso [os

pastéis] é para ajudar na resistência deles”. Ao fim da assembleia, os alunos saem de dentro da escola segurando uma faixa vermelha - em que se lê: “Hoje a aula é na rua” – e informam que não há trégua. A Secretaria de Educação, durante a manhã, faz uma proposta para os meninos deixarem a ocupação e irem, em um ônibus Volkswagen Mascarello, até uma reunião com o secretário. O convite foi declinado: “Só vamos sair quando nossa demanda [a barração da reorganização] for atendida. Se o secretário quiser diálogo, ele vem aqui”, informam os estudantes, dando sinais de que a saída do prédio depende do atendimento à sua demanda. Gabriel, do 3º ano do EM, foi um dos alunos que ocupou a escola na terça-feira, mas teve de deixar o edifício no mesmo dia: “Na quarta-feira, era aniversário da minha vó. Os policiais anotaram o meu RG e eu saí. Os alunos que estão dentro estão morrendo de medo de alguma ação policial, porque os caras [policiais] não têm dó. Temos medo deles

entrarem, depredarem e falarem que foi a gente. Mas, lá dentro, o pessoal está organizado”. No mesmo horário em que o jovem saiu, Daniele, do 2º ano do EM, também abandonou a ocupação. Nesta quarta-feira, ela se juntou à manifestação do lado de fora: “Cheguei aqui às 6h50. Não sei até que horas eu vou ficar aqui. Quanto mais a gente persistir, melhor”. Luana, também do 2º ano, entrou na escola nos três dias: “No segundo dia, após ter saído, falei para os meninos que estão lá dentro abrirem a porta do fundo – porque aquela parte do isolamento estava sem PM na hora – então entrei em dois segundos. No terceiro dia, pulei o muro às 5h30. Agora, estou aqui fora, porque tive que sair para cuidar da minha mãe, que está operada. Mas vou ficar aqui pelo tempo que for necessário”. Sexta, 13 de novembro O número de alunos do lado de dentro e do lado de fora da ocupação é um pouco menor. Natália, do 1º ano do EM, havia entra-

JORNAL DO CAMPUS - Nº 450 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo - Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes - Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração - Chefe: Dennis de Oliveira. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsáveis: Daniela Osvald Ramos, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Redação - Secretário de Redação: Cesar Isoldi. Diretor de Arte: Leandro Bernardo. Editora de Fotografia: Barbara Monfrinato. Editores Online: Jessica Bernardo, Thiago Castro e Matheus Sacramento. Entrevista - Editor: Leonardo Milano. Repórter: Guiherme Eler. Universidade - Editores: Giovanna Chencci, Isabela Augusto e Lana Ohtani. Repórteres: Daniel Quandt, Dimítria Coutinho, Gabriel Margato, Leonardo Dáglio, Paula Lepinski, Roberta Vassalo, Igor Truz e Hailton Biri. Em Pauta - Editora: Juliana Meres. Repórter: Vinícius Andrade. Cultura - Editores: Guilherme Fernandes e Paula Mesquita. Repórter: Beatriz Quesada. Esporte - Editora: Juliana Fontoura. Repórteres: Carolina Oliveira e Matheus Pimentel. Ciência - Editora: Letícia Paiva. Repórteres: Fernanda Guillen e Vitória Batistoti. Opinião - Editora: Giovana Belini. Repórter: Bruno Vaiano. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 4° semestre do curso de Jornalismo Matutino, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.


EM PAUTA

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FOTOS: VINÍCIUS ANDRADE

do no ambiente pela segunda vez na quinta-feira, aproveitando o horário das 5 horas da manhã, quando havia poucos policiais rondando a escola. No início da tarde, alguns alunos deixaram a ocupação para uma conversa na Secretaria de Educação, com o responsável pela pasta, no centro da cidade de São Paulo. Como não houve acordo entre estudantes e o governo, uma liminar que exigia a reintegração de posse em 24 horas passou a valer. A apreensão, aos poucos, foi aumentando. “Filha, cuidado, os policiais são agressivos”, alertavam os pais de uma aluna. Os pais presentes nos arredores da escola, em sua grande maioria, apoiavam a atitude dos filhos. A mãe A., cujo filho de 16 anos é um dos que estão ocupando a escola, tem orgulho da atitude dos garotos: “Eles têm uma convicção, que é de lutar pela escola pública. E eu estou totalmente de acordo com essa luta. É uma luta muito digna, muito coerente, muito necessária. Fico aliviada por ter criado um filho que ainda se indigna”. Pouco após às 20 horas, a liminar da reintegração de posse é derrubada. Irritados e debaixo de forte chuva, a maior parte dos policiais deixa o local, restando apenas uma viatura no quarteirão. Assim, outros alunos sobem a grade e entram na ocupação. Em reunião, os estudantes deixam que alunos de outras escolas estaduais também entrem. Há uma preocupação em manter o movimento organizado, e a imprensa é autorizada a atuar somente atrás dos muros do Fernão. Às 23 horas, os alunos decidem em assembleia que o Jornal do Campus poderia entrar na ocupação, desde que acompanhado de perto por Igor Miranda, aluno do 2º ano do Fernão e um dos “seguranças” do grupo. O ambiente da escola da zona oeste é de colaboração e força. Os estudantes são divididos em três grupos principais: cozinha, limpeza e segurança. O cardápio – que chegou a ser somente macarrão nas primeiras horas – apresentava arroz, feijão e salada no almoço desta sexta-feira. Os estudantes, sempre que conversam com quem está do lado de fora, ressaltam que há

alimentos suficientes dentro do colégio. A comissão de alimentação, de quebra, recebeu a doação de algumas caixas de pizza, que foram entregues para os secundaristas. Os meninos tomam banho no único chuveiro, gelado, instalado por eles mesmos no banheiro do ginásio do Fernão. As meninas utilizam o sanitário da entrada, ao lado da sala da coordenação. Quando encontram tempo, os alunos jogam um pouco de futebol ou escutam a canção de rap que toca na caixa de som. Ao digitar a senha “119BFDDB”, os alunos conseguem utilizar a rede wi-fi do colégio, que se mostra útil para a divulgação da luta dos estudantes. Além de postarem vídeos do local, os ocupantes da escola têm a possibilidade de acompanhar as outras ocupações. No momento, já são ao menos 43 escolas tomadas por secundaristas. “A ocupação do Fernão pode ter sido a faísca para o movimento”, diz Miranda, orgulhoso. Sábado, 14 de novembro: Algumas roupas são estendidas pelos arredores da escola, já que choveu muito no dia anterior. Os alunos responsáveis pela faxina varrem a entrada da escola, em que a estátua em homenagem ao bandeirante Fernão Dias foi encapuzada por um saco de lixo preto. O Jornal do Campus não identificou nenhum objeto ou instalação do local danificados pela ocupação. Dois meninos continuam controlando a entrada e a saída do prédio por meio de um caderno. Para o almoço de sábado, cerca de 8 adolescentes já preparam o cardápio, que contém arroz, feijão, alface e carne com batata. Os meninos passaram bem a última noite: com a ajuda de colchonetes do ginásio de esportes, não foi preciso dormir em bancos ou em outras superfícies pouco confortáveis. O setor de limpeza, dentro de uma sala de aula, se reunia para distribuir as tarefas do dia, em que haveria um sarau à tarde. Até o fechamento desta reportagem, o Sindicato dos Professores informava que 48 escolas do estado eram ocupadas. O governo indicava que a E. E. Fernão Dias e outros 42 colégios permaneciam tomados pelos estudantes.

OMBUDSMAN

Quando o jornalismo se revela indispensável Agilidade na abordagem de temas urgentes (entrevista com o ex-reitor João Grandino Rodas e a falta de reformas no Cepe), seriedade e cuidado ao tratar de assuntos polêmicos (balanço sobre a apuração das denúncias de estupros na Faculdade de Medicina e reportagem sobre a distribuição de a fosfoetanolamina para pacientes de câncer), além de sensibilidade para contar belas histórias (matéria sobre o bloco das mães no Crusp). As 16 páginas do jornal estão ainda visualmente menos sisudas, com mais fotos e infográficos.

Como crítico de plantão, devo ficar alerta para manter o espírito azedo. Nesta edição, contudo, peço permissão para ser agridoce. Acho que é o momento de dar os parabéns. O ex-ombudsman do JC, Eugênio Bucci, com quem estive na semana passada, aliás, mandou congratulações e disse que o Jornal estava “arrasando”. Confesso que senti muito orgulho de vocês. Talvez o fundamental é que esta edição do JC mostrou como o jornalismo pode ser um instrumento indispensável para todos na universidade – alunos, professores

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e funcionários. A USP está em crise? Temos graves problemas? O JC deve ser o canal para tratar esses assuntos com transparência, em defesa da coletividade, ajudando a relevar os erros e a corrigi-los, pensando a USP de forma crítica e independente. O que o JC vai publicar a respeito? É esta pergunta que o jornal deve instigar nos leitores. Depois de uma boa edição, contudo, não é permitido acomodação. Jornalismo, com perdão do clichê, é matar um leão por dia. O debate entre Rodas e o atual reitor, Marco Antonio Zago, que o processa na

Justiça, está longe de se esgotar, assim como a discussão sobre a crise financeira na USP. Também acho que vem se tornando prioritário pensar em formas de ampliar a interação do JC com a comunidade uspiana e com a sociedade. Já passou da hora de melhorar o uso da internet e das redes sociais. Uma batalha foi vencida na guerra que, para os jornalistas, nunca acaba. ------------------------------------Bruno Paes Manso é jornalista, economista e doutor em Ciências Políticas pela USP. Trabalhou como repórter e já recebeu o Prêmio Vladimir Herzog.


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SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015 JORNAL DO CAMPUS

USP recicla 70 toneladas de lixo por mês Projeto do Campus de Piracicaba realiza análises para buscar também reduzir resíduos

Cerca de 30% do lixo produzido no Brasil poderia ser reciclado, mas apenas 3% é de fato. Desde 1994, o programa USP Recicla faz a sua parte, fazendo a gestão dos resíduos produzidos dentro dos campi e reduzindo a produção do lixo na universidade. No campus da capital, o projeto é gerenciado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA), comandado pelo professor Marcelo Romero. A SGA foi criada em 2012, é composta apenas por quatro pessoas e é responsável pela organização da área ambiental da USP e pela criação de políticas na área. Ela foi responsável por definir a Política de Resíduos da Universidade de São Paulo, que será entregue ainda neste mês para a procuradoria geral da União. Com a finalização, começará a criação do Plano de Resíduos Sólidos, que deve ser aplicado em todo o campus a partir da sua finalização, em junho de 2016. Este projeto falará mais especificamente sobre as ações a serem tomadas dentro das unidades. Marcelo afirma que a gestão dos resíduos do campus do Butantã é de responsabilidade da

DIMÍTRIA COUTINHO

DIMÍTRIA COUTINHO GABRIEL MARGATO

Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C). Ela emite orientações para as unidades sobre como deve ocorrer o descarte adequado, além de fiscalizar as etapas de coleta e destinação final dos resíduos. Por outro lado, cabe a cada unidade fiscalizar e garantir a limpeza e a segregação adequada do lixo reciclável e do não-reciclável. De acordo com a PUSP-C, uma vez que é feita a separação dentro das unidades, o lixo reciclável segue para a coleta seletiva. Somente estes resíduos somam por mês cerca de 70 toneladas, representando assim 65% do total de lixo produzido só pelo campus do Butantã.

Exemplo de Piracicaba A educadora ambiental Ana Meira, que comanda o projeto USP Recicla na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, a ESALQ, em Piracicaba, explicou o processo feito na unidade. Periodicamente, são feitas comissões internas dentro do campus, envolvendo pessoas do programa, professores e alunos de cada uma das unidades, que desenvolvem ações internas que buscam a redução da quantidade de lixo, fazendo uma análise do que é produzido. Para a redução da produção de lixo na ESALQ, Ana relata que, a cada quatro meses, ocorre um diagnóstico dos resíduos

produzidos por uma semana em todo o campus. A partir dos resultados, são traçados projetos de ações educativas para serem instruídas. Isso também acontece com o lixo do bandejão, com a análise das sobras dos alunos e dos restaurantes. No campus, há lixeiras específicas para papéis e para o restante do lixo reciclável, separando-os do lixo comum. Após a separação, os materiais são dados para cooperativas da região, que fazem a triagem e dividem os materiais para o processo de reciclagem. Existem também outros projetos, como as doações de canecas para evitar a utilização de copos descartáveis, a coleta de pilhas e baterias para o descarte adequado e ações feitas durante a semana de recepção dos calouros da ESALQ. A prefeitura de Piracicaba é quem recolhe o lixo comum do campus, por enquanto. De acordo com Ana, a tendência é que os demais campi do interior passem a cuidar de seus próprios dejetos, como já ocorre com o campus do Butantã e da USP Leste. Na capital, por exemplo, já existe uma lei municipal que obriga que grandes produtores de resíduos sólidos da cidade de São Paulo a darem uma solução adequada ao lixo produzido.

Custo de materiais é barreira no ensino Graduações como Arquitetura e Artes Plásticas exigem instrumentos nem sempre acessíveis DANIEL QUANDT

de ônibus?”, ela questiona, ressaltando ainda que os pontos mais baratos para comprar esse tipo de material ficam muito longe da Universidade. Na FAU,a situação é parecida. Vitor Soares, estudante de Arquitetura, relata algumas das coisas que já teve que comprar nos nove meses desde que entrou no curso: “Material de desenho e maquete, escalímetro, vários tipos de lapiseira, caneta nanquim de várias espessura e outras coisas que são essenciais pro curso.” Segundo Vitor, quando os alunos não conseguem comprar DANIEL QUANDT

DANIEL QUANDT

A USP é uma universidade pública. Isso significa que todos os cursos que ela oferece são gratuitos, buscando tornar o ensino acessível a todas as camadas sociais, de modo que a condição financeira não seja uma barreira para o aprendizado. No entanto, o preço do curso em si não é o único gasto que os estudantes enfrentam para permanecer na Universidade. Encontrar moradia, transporte, alimentação e livros durante o período letivo são preocupações comuns a todos dentro da USP, e órgãos como o SAS (Superintendência de Assistência Social) buscam facilitar o acesso a essas necessidades. A realidade de quem faz um curso de artes, no entanto, é ainda mais complicada: além dos problemas pelos quais passam os outros estudantes, as disciplinas de cursos como Artes Plásticas, Design e Arquitetura exigem a compra de ferramentas e materiais nada baratos. Os institutos responsáveis pelos cursos fornecem, em geral, apenas os espaços

e instalações utilizados na produção dos trabalhos, enquanto recursos como tintas e suportes ficam por conta dos alunos. Uma aluna do segundo ano do curso de Artes Plásticas, na ECA, que preferiu não ser identificada, conta a sua experiência: “A gente tem que comprar tudo: a tinta, o pincel, a argila, as ferramentas. Você usa o ateliê, o resto você tem que trazer.” Além do custo em dinheiro (um kit de seis tintas, por exemplo, pode chegar a custar mais de R$300), há a dificuldade no transporte. “Como eu vou trazer vinte quilos de argila

Alunos utilizam espaço da FAU para fazer trabalhos Oficina do Departamento de Artes Plásticas da ECA

aquilo de que precisam a tempo de entregar um trabalho, eles emprestam coisas uns aos outros. Já a aluna da ECA explica que alguns professores são mais flexíveis no prazo ou na natureza do trabalho. Para o professor João Musa, do CAP, Departamento de Artes Plásticas da ECA, a habilidade de se virar dentro das restrições financeiras é importante para um artista. “A restrição gera criatividade. Se um aluno não consegue fazer algo, nós vamos dar um jeito,” ele explica, citando o exemplo da disciplina que leciona, a fotografia. “O aluno pode fazer o curso inteiro com a pinhole (câmera sem lente que pode ser feita pelo próprio aluno), se não puder comprar ou então não achar uma que possa emprestar.” Musa diz que o CAP faz o que pode dentro de suas limitações financeiras: “O departamento é muito pobre, recebemos pouco da Universidade”. Ele conta que procuram oferecer o possível aos alunos, citando que seu laboratório fotográfico e o estúdio de gravura, fornecem a tinta e pedras, cabendo ao aluno trazer o papel.


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015

5 PAULA LEPINSKI

PAULA LEPINSKI

CENTRO ACADÊMICO IARA IAVELBERG

Telhas do Centro Escola da Psicologia tiveram de ser retiradas devido seu estado de grande deterioração

Água escorre do prédio do CEIP e a presença de mofo é comum

Sem a menor condição para atender Problemas no Centro Escola do Instituto de Psicologia revelam descuido da administração PAULA LEPINSKI

Nos últimos meses, uma série de problemas no Centro Escola de Atendimento Psicológico do Instituto de Psicologia (CEIP) evidenciou certa negligência por parte da administração do Instituto. Sob risco de queda, o telhado do CEIP entrou em manutenção dois meses atrás, mas por falta de planejamento da empresa terceirizada contratada e por desmazelo do Conselho Técnico Administrativo (CTA) do Instituto, duas alas estão ainda hoje interditadas após a água da chuva alagar os espaços e causar o emboloramento de forros e paredes. Falta de planejamento O CEIP é a única clínica de atendimento psicológico que presta serviços gratuitos à comunidade Butantã, além de ser uma área para ensino e pesquisa do Instituto de Psicologia (IP). Oficializado pela Universidade no início de 2015 como uma atividade de Extensão, o CEIP precisava há muitos anos de reformas em seu telhado. “O CTA só priorizou o assunto quando o teto já estava sob risco de cair”, conta Carla Moura Queiroz, aluna do 6º ano de Psicologia e integrante do Centro Acadêmico Iara Iavelberg. Na gestão da reitoria atual, a Superintendência do Espaço Físico junto com o Instituto de Psicologia montou um projeto de reforma e abriu uma licitação para contratar uma empresa capaz de realizar o serviço. Um servidor da USP, que preferiu não se identificar por temer possíveis represálias, conta que faltavam 15 dias para as telhas novas serem entregues quando a empresa contratada, Serralharia

Cruz de Malta, retirou todas as telhas de uma ala de atendimento no 2º andar do prédio. “No mesmo dia choveu e a água, contaminada com fezes de ratos e pombas que viviam no telhado, foi tomando todas as salas. O pessoal do Serviços Gerais tentou proteger com um plástico, mas não funcionou ”. Isso causou o emboloramento de paredes e forros, que ainda continuam neste estado. Ainda segundo o servidor, duas semanas depois do ocorrido, os funcionários da empresa terceirizada, já em posse das telhas novas, recolocaram as telhas no primeiro setor e passaram para a ala seguinte, destinada à Psicologia Experimental. “O Instituto sabia, a administração sabia, de novo abriram o telhado e de novo choveu. Inundou totalmente a área”, conta. Na ocasião, engenheiros tiveram que fazer furos no prédio para que a água escoasse, e alguns equipamentos foram levados para outras salas. Mesmo assim, muitos foram danificados e vários materiais foram perdidos, desde eletrodos até fichas preenchidas usadas em pesquisa. Segundo integrantes do Centro Acadêmico, os laboratórios tem muitos materiais e equipamentos dos professores responsáveis e doados por instituições como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Do Instituto mesmo, são móveis e materiais básicos para funcionamento. O restante o IP não tem a tradição de arcar com os custos, além de não ter verba”, explica Carla. Descarte inapropriado As telhas retiradas do CEIP eram feitas de amianto, fibra mineral cujo uso foi proibido em São Paulo

pela lei nº 12.684, que entrou em vigor em 2007. Caso seja inalada ou ingerida, a fibra pode causar problemas de saúde, como câncer de pulmão, por isso a recomendação é de que o amianto seja descartado juntamente com resíduos tóxicos, em aterros especializados. No caso das telhas do CEIP, elas foram dispostas ao lado do prédio, sem que a empresa terceirizada tomasse providências para o descarte apropriado. A situação ainda teve outro agravante: “Uma pessoa passou pelo Instituto e pediu as telhas, e o funcionário responsável naquele momento disse que tudo bem”, aponta Denise Harumi, aluna do 4º ano de Psicologia e integrante do Centro Acadêmico. “Um dia, uma funcionária da prefeitura viu aquilo e tentou falar com a administração, mas esta não fez nada”, conta o servidor da USP. O Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) foi acionado e encontrou, além das telhas de amianto, funcionários trabalhando sem tomar as devidas precauções com o manuseio da fibra (algo previsto na lei citada), sem equipamento de segurança e sem carteira de trabalho assinada. A obra foi então interditada até que a situação fosse regularizada, o que já aconteceu. Ainda assim, ainda é possível encontrar as telhas quebradas dispostas do lado de fora do CEIP. Paralisação O SESMT orientou também que fosse feita a higienização com cloro nas salas com mofo. Só então poderia ser analisado o dano completo e a ala poderia ser reaberta. Contudo, o servidor da USP conta que o responsável pela Seção de Serviços

Gerais do IP, Sérgio Eduardo Silva, mandou que a ala fosse reaberta. Segundo Denise, o responsável está cuidando da administração enquanto a chefe da administração está em licença maternidade. Parte dos funcionários que trabalham nas áreas afetadas se recusam a voltar a trabalhar enquanto a situação não for normalizada. “As pessoas querem retornar para salas adequadas, principalmente as que usam a ala de Psicologia Experimental, pois só assim elas poderão retornar aos projetos de pesquisa”, explica a aluna. Até o momento do fechamento desta edição, a única medida tomada pela empresa terceirizada, que deveria arcar com os danos sofridos pelo CEIP, tinha sido uma limpeza superficial seguida de uma demão de tinta.

“No mesmo dia choveu e a água, contaminada com fezes de ratos e pombas que viviam no telhado, foi tomando todas as salas” — Funcionário do Insituto de Psicologia

Assédio moral O Centro Acadêmico disse que, diante da situação, mobilizou os estudantes contra o assédio moral que os funcionários sofreram por parte da administração. “Eles foram agressivos com os funcionários em diversas situações, inclusive quando estes tentavam retirar a água contaminada”. Integrantes do CA também acusam a administração de se colocar como vítima da situação. “Esse episódio como um todo serviu para evidenciar problemas nas licitações da USP, na terceirização, na forma como a Universidade lida com seus funcionários, além da negligência com as atividades de extensão e com um serviço básico de atendimento”. Até o fechamento desta edição, o JC não obteve resposta do Conselho Técnico Administrativo do Instituto de Psicologia.


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FOTOS DE DIMITRIA COUTINHO

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O JC mudou, mas a USP continua igual Nessa publicação, o Jornal do Campus completa 450 edições em três décadas de existência

GABRIEL MARGATO DIMITRIA COUTINHO

“CRUSP, desafio e vergonha”. “Tem estuprador na praça do relógio”. “Greve”. Se fossem manchetes atuais do Jornal do Campus, pareceria normal. Mas não são; essas manchetes datam do início da produção do jornal, na década de 1980 e 1990. Basta olhar as produções antigas para se assustar com a similaridade das pautas abordadas atualmente; a Universidade de São Paulo está estagnada. O Jornal do Campus, que tem o costume do cobrar o que não vem sendo feito corretamente na USP, completa agora 450 edições. E, relembrando o passado, é possível perceber que o jornal mudou bastante, mas a Universidade não. As cobranças ainda são as mesmas de décadas passadas, embora as mudanças do JC sejam bastante visíveis. O jornal é feito pelos alunos de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes. Como a disciplina é semestral, a turma responsável pela condução do JC está sempre mudando, e isso é visível nas edições. Cada grupo tem característica próprias e, por isso, a mutabilidade do jornal é grande. José Coelho Sobrinho, que foi um dos professores responsáveis pelo Jornal do Campus durante 32 anos, conta que os valores de notícia do periódico variam também de professor para professor. Isso também garante a constante modificação do jornal. Outro fator é a característica experimental que este apresenta, por ser um jornal laboratório. Durante os últimos 33 anos, o JC passou por diversas mudan-

ças gráficas e editoriais. A última grande transformação gráfica pela qual o jornal passou ocorreu no segundo de semestre de 2014, trazendo cara nova ao jornal. Desde então, o periódico mudou de formato e passou a carregar esse novo projeto gráfico, feito pelo aluno Thiago Quadros, que conta, por exemplo, com as colunas em branco e com os destaques coloridos nos topos da páginas. Apesar das mudanças gráficas, o jornal ainda aborda os mesmos assuntos que discutiam nas suas origens. Para Daniela Osvald, atual professora coordenadora do jornal, se ainda um assunto é discutido, é porque é relevante e precisa ser cobrado. “A angulação e a abordagem é que devem mudar ao longo do tempo”, conclui Daniela. Para Lígia Trigo, pesquisadora e ex-ecana que participou da redação do JC em 1986, aponta que os assuntos permanecem os mesmos não por uma escolha dos alunos, mas porque a universidade não mudou e continua com os mesmos problemas e trazem as mesmas aflições aos alunos nos últimos 30 anos. Outros problemas apresentados pelo professor estão relacionados à própria produção do jornal. O primeiro deles é a visão jornalística dos que fazem o JC; muitas vezes não é enxergado o real problema em determinada situação. “Os conceitos de justiça, direitos e obrigações não têm consistência dependendo de nossas vinculações. Quando condenamos, por exemplo, a privatização do espaço público não enxergamos que a praça de alimentação da ECA é um exem-

plo dessa irregularidade. Durante dezoito anos tentei emplacar essa pauta e nunca consegui”. O outro problema está na escolha das fontes; o professor acredita que uma escolha preguiçosa de fontes acaba numa cobertura repetitiva. Um pouco de história O Jornal do Campus teve sua primeira edição em 1982. Antes disso, porém, o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA já tinha outros jornais laboratórios. O primeiro jornal do departamento chamava-se O Jornal, e surgiu em 1969. Entre 1970 e 1976, o periódico teve diversos nomes, e só de 1976 a 1982 que este passou a ter caráter laboratorial. E, a partir disso, surgiu o Jornal do Campus, bastante interdisciplinar para os alunos de jornalismo. O professor Coelho conta que já houve momentos em que o JC contava com seis professores responsáveis ao mesmo tempo. Coelho afirma que produzir jornais laboratórios sempre foi o grande desafio das escolas de jornalismo, porque estas não podiam arcar com os custos e pelo fato dos alunos experimentarem demais. O produto perdia importância por não ter público definido, periodicidade correta e critérios de noticiabilidade. Para ele, porém, o JC tem público e periodicidade, e os valores de notícia variam conforme a época. “Sempre entendi que o jornal impulsionava a maturidade do repórter para que na vida profissional ele pudesse, com essa competência que só a vivência permite, exarar opiniões com argumentos seguros, coesos, claros e concisos como exige o bom jornalismo”.

“A angulação e a abordagem é que devem mudar ao longo do tempo” — Daniela Oswald, professora coordenadora do Jornal do Campus

O professor José Luiz Proença, que também comandou o Jornal do Campus por um curto período de tempo, lembrou da importância do jornal em continuar circulando mesmo durante as greves na USP. Indo contra sindicatos, a resistência que havia no começo deixou de existir. ”O jornal é também uma fonte de informação importante, de forma não-parcializada, apesar da parcialidade do jornalismo que sempre tem”, afirma Proença. Foi só a partir de 1993, porém, que o JC passou a adotar um projeto editorial, que tinha por base a defesa do ensino público e gratuito de qualidade, a defesa do patrimônio físico e intelectual da USP e a defesa da democracia. “Por esses valores se procurava defender as finalidades de criação da USP como ensino de graduação, professores e alunos que sofriam alguma ameaça por estarem cumprindo as respectivas funções na universidade e na sociedade e as ações que colocassem em risco o estado democrático”, explica Coelho. Durante toda a história do Jornal do Campus, houve momentos de glória momentos de falhas. Coelho, que é maior fonte de história viva desse jornal, lembra de uma das coberturas mais marcantes, em que dois repórteres do JC acompanharam, durante quase três meses, a expedição do navio Professor Besnard à Antártica. Ele se recorda também de coberturas tensas: “Fizemos também a cobertura do assassinato do dono da lanchonete da ECA, morto por menores dentro do prédio. No dia seguinte o JC estava com uma edição especial falando, inclusive, com os assassinos”.


JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015

UNIVERSIDADE

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Entrar na USP não garante morar no Crusp Poucas vagas e burocracia no Crusp impedem que alunos de baixa renda garantam suas moradias

Jean, estudante do primeiro ano do curso de Física, tentou uma vaga no Crusp quando soube que se mudaria para São Paulo. De Itupeva, interior do estado, foi aprovado para o mesmo curso na Unicamp e já tinha seu quarto garantido na moradia estudantil da universidade. O aluno conta que recebeu em poucos dias sua vaga na moradia em Campinas, após reunir os documentos necessários – o que levou cerca de duas semanas. Ao tentar uma vaga no conjunto residencial da USP, porém, não teve a mesma facilidade que na Unicamp. Conseguiu um quarto fixo somente algum meses depois, em setembro. Após fazer a inscrição no Crusp, no início de março, Jean fazia viagens todos os dias de ônibus da sua cidade para assistir às aulas. Chegou a se hospedar na casa de sua tia, na Zona Leste da capital e requisitou uma vaga no alojamento do conjunto enquanto aguardava um quarto. Esperou um mês para conseguir espaço no alojamento do Bloco C -- quartos improvisados que abrigam até 16 pessoas. “O processo aqui atrasou muito a minha vida, eu já estava quase desistindo, acordava 4 horas da manhã mas chegava aqui 8:30, ainda assim, atrasado”. O estudante foi sorteado para um quarto no início de julho, na última chamada. “Ao contrário da Unicamp, que você é direcionado para uma casa e um quarto, aqui você está sozinho, você tem que sair batendo de porta em porta procurando”. Mesmo quando há quartos disponíveis, a entrada do aluno depende da aprovação dos que já moram no apartamento. Jean foi sorteado três vezes para apartamentos diferentes. Da primeira vez, os moradores fizeram entrevistas com o candidato e o recusaram pelo fato de ele estudar na área de exatas – os dois moradores preferiam um aluno da área de humanas. Da segunda, os residentes não atenderam a porta. Da terceira, se mudou com mais dois alunos que também aguardavam para um apartamento completamente vago. Quando ele entrou, encontrou móveis velhos e quebrados, baratas e mau cheiro. O processo seletivo para garantir a moradia no Crusp leva em conta a renda per capita do estudante de graduação ou pós graduação, que não deve passar de três salários mínimos. As inscrições são abertas entre janeiro e março de todos os anos e os alunos que requisitarem, podem permanecer no alojamento até a

disponibilidade de uma vaga em apartamento. Cada apartamento conta com três quartos. Para garantirem uma vaga, porém, os alunos aprovados no processo precisam, em uma fase inicial, procurarem vagas em apartamentos “por afinidade”. Os alunos que não conseguirem dessa forma, são sorteados para quartos ainda vagos no conjunto, mas ainda dependem da aprovação dos já moradores do apartamento. Sara, aluna da pós graduação, vive em um quarto do alojamento do Crusp, que abriga oito beliches e outras 15 mulheres. Chegou de seu país natal, Moçambique, em abril. Requisitou uma vaga no alojamento do Crusp e, após morar por um mês na Vila Indiana, localizada nos arredores da USP, conseguiu a vaga e aguarda pelo próximo processo seletivo. Erika, graduada em História, entrou em 2010 na USP, quando morava no Grajaú, bairro da Zona Sul de São Paulo. Se inscreveu para o processo do Crusp em 2011 e durante a etapa da procura de vagas “por afinidade”, foi recusada por um morador que alegou que seu signo não era compatível. Morou por um mês em um apartamento no Bloco F e saiu, pois a moradora com quem dividia o apartamento não a aceitava. Morou por mais um ano no 506 do mesmo prédio que vive hoje e se mudou no final de 2013 para seu apartamento atual. A aluna de doutorado em Geografia Física e membro do Coletivo Independente e de Luta, atuante no Crusp, e da gestão da Associação de Pós-Graduandos (APG), Aline Franco afirma que a principal pauta quanto à distribuição de vagas do coletivo é pela transparência no processo de seleção. “A gente luta para ter um aluno, representante discente no processo de seleção da SAS”. Os principais ofícios contidos no dossiê relacionado a vagas enviados pelo coletivo ao órgão questionam a distribuição e disponibilidade de vagas nos apartamentos. Irregular no Crusp Amanda*, soteropolitana, veio ao Crusp em 2008 convidada por amigos que estudavam na USP. Desde então mora na sala de apartamentos do conjunto de forma irregular. A estudante assistiu ao cursinho oferecido pela Aeusp (Associação de Educadores da USP), que acontece no próprio conjunto residencial e prestou Fuvest ao final do ano. Foi aprovada na quarta lista, quando já tinha sido contemplada pelo ProUni e estava es-

tudando em uma universidade particular, optou por não fazer o curso na USP. Hoje, já graduada, ainda não estuda na Universidade e passa pelo processo de matrícula para fazer seu curso de mestrado na USP. A situação de Amanda* é comum nos apartamentos do Crusp: a moradia irregular. Diversas pessoas que não estudam na USP, mas frequentam a Universidade residem no conjunto sem passar pelo processo de seleção – que reserva vagas somente aos alunos. Insuficiência de vagas O conjunto oferece 1187 vagas para alunos de graduação e 378 para alunos de pós-graduação, segundo dado disponível no site da SAS. Para o professor João Meyer, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o número não é suficiente para a demanda “principalmente à medida que a faculdade está fazendo um esforço de absorver pessoas que não tiveram oportunidade no passado, pelos programas de cotas e, por exemplo, o Enem, [a USP] começa a receber mais gente com dificuldades econômicas”, argumenta. Segundo o superintendente da SAS, Prof. Waldyr Antonio Jorge, não há projetos para a ampliação de vagas no Crusp. Plano diretor e o que está sendo feito O plano diretor do Crusp, feito em 2009 pela Superintendência do Espaço Físico (SEF) da USP, prevê a curto prazo a liberação do piso térreo de todos os blocos do conjunto. A liberação será feita com transferência da biblioteca do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), localizada no Bloco D, para a sua sede junto à Biblioteca Brasiliana, a transferência do Sisusp odontológico do bloco G e reforma do Bloco B -- que aconteceria após a conclusão da construção do Bloco A1. O bloco foi finalizado em 2011. Segundo o superintendente da SAS, não há previsão para a liberação do piso térreo dos prédios e o órgão não foi informado sobre os procedimentos para a implantação do projeto. A SAS respondeu que não há obra de reforma estrutural em andamento no Bloco B, e que a SEF contratou a elaboração de um projeto de reforma do sistema de combate a incêndios em todo o conjunto residencial para atender às normas de segurança necessárias. Entramos em contato com a SAS sobre as denúncias sobre as vagas e não obtivemos respostas. *Nome fictício

FOTOS DE ROBERTA VASSALLO

ROBERTA VASSALLO


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Núcleo sofre com degradação e falta de apoio Mesmo em espaço precário, Consciência Negra mantém debates e seu cursinho ativo LEONARDO DÁGLIO

O Núcleo de Consciência Negra (NCN) da USP foi fundado há 28 anos. Desde então, tem promovido o debate de questões como a discriminação à população negra e cotas raciais – bem como outros assuntos que se referem às suas condições históricas e sociais e, principalmente, ao acesso do negro à faculdade.

“Estão fechando cada vez mais a USP. Recentemente tivemos dois menores detidos aqui” — Geovana, estudante do cursinho do Núcleo de Consciência Negra

LEONARDO DÁGLIO

Cursinho Ao longo dos anos, a atividade que ganhou maior importância dentro do Núcleo foi o cursinho, que é oferecido principalmente para a população afrodescendente e de baixa renda, mas que também recebe outros estudantes. É cobrada uma taxa de inscrição mas, segundo o professor Evandro, que leciona Química, “na prática, essa taxa acaba sendo simbólica, porque muitos estudantes não têm como pagar, e nós não deixamos de recebê-los por isso.” Há ainda o Centro de Estudos de Idiomas, que oferece aulas de inglês, francês, alemão, espanhol e de português para os estudantes estrangeiros que frequentam o cursinho. O cursinho funciona de segunda à sexta, em dois períodos: o vespertino e o noturno. Há um número limitado de vagas, mas, devido à grande evasão, dificilmente as turmas ficam lotadas. De acordo com Geovana, aluna do Núcleo, uma das razões para isso é a condição financeira: “tem gente que não consegue vir por causa do transporte. O circular não é de graça pra nós. E também tem a alimentação. Só agora, e com muita luta, conseguimos fazer com que liberassem o bandejão para nós.” Um dos grandes problemas do NCN é a infraestrutura do local. Além dos cupins e da falta de espaço, há ainda sujeira, rachaduras nas paredes e fios soltos. O banheiro parece estar desativado pela grande quantidade de materiais de obras abandonadas deixada lá. Sem

Instalações do Núcleo de Consciência Negra

apoio, o Núcleo se mantém, basicamente, com as taxas de inscrições dos alunos e com doações. Além disso, outra questão importante é a falta de professores e funcionários, uma vez que todo o trabalho é voluntário e muitas pessoas se comprometem a ajudar e não o fazem. Mas nem tudo são problemas: todo ano, dezenas de estudantes são aprovados, não somente na USP, mas em diversas outras faculdades públicas por todo o Brasil. De acordo com os professores, quase todos os alunos que realizam o cursinho completo com dedicação são aprovados, quando não com um ano de estudo, com dois. Os alunos concordam e contam suas próprias experiências em sala. Geovana diz que o cursinho é muito bom porque, além dos conteúdos normais de vestibular, ele também é bastante carregado política e ideologicamente. A estudante, que deseja cursar Têxtil e Moda, acrescenta ainda que “outra coisa legal é que há uma troca: não é aquela coisa que gira em torno do professor e todo mundo fica quieto e ouve. A gente debate, tem direito de fala, e todo mundo aprende com todo mundo.” De acordo com Leonardo, que quer estudar Direito, outro aspecto relevante é que os alunos se ajudam, diferentemente do que parece acontecer nos cursinhos das grandes redes educacionais, em que os outros estudantes são vistos como concorrência. William, que deseja se formar em Arquitetura, lembra-se de um episódio marcante: “um dia vieram aqui falar sobre se aceitar negro. Aceitar o seu cabelo, a sua boca, aceitar quem você é, e ter orgulho disso.” O professor Evandro explica que o Cursinho tem uma matéria chamada Debates Sociais em que representantes de coletivos discutem pautas diversas com os alunos. Não apenas relativas à população negra, mas também a outras minorias sociais,

como as mulheres e os LGBTs. Em outras disciplinas também se notam diferenças: em História, por exemplo, os estudantes têm aulas sobre a História da África. “O núcleo entende a importância disso”, diz ele. “A gente não prepara simplesmente o aluno pro vestibular, a gente também o prepara para questionar o vestibular. Questionar como ferramenta de acesso, ou ferramenta de exclusão.” Inserção na USP A relação da universidade com o NCN não é das melhores: “a melhor interação que a gestão Rodas teve com o Núcleo foi mandar uma cartinha dizendo: ‘Saiam, porque esse lugar vai ser derrubado’ e aparecer com o trator no dia seguinte. Demoliram metade do barracão, e só não derrubaram o resto porque os alunos acamparam aqui”, diz Evandro. Ele acredita que, na atual gestão, as coisas estão um pouco melhores, mas eles ainda têm que brigar para consertarem janelas, por exemplo, e, às vezes, esquecem de cortar a grama. “Mas só o fato de não ameaçarem mais acabar com o núcleo o tempo todo já é algo bom”, afirma. Questionados sobre o assunto, os alunos confirmam. William diz que “estudante do cursinho não tem direito a nada” e Leonardo concorda: “dá pra perceber que eles não nos querem aqui.” Geovana acrescenta que “estão fechando cada vez mais a USP. Recentemente tivemos dois menores detidos aqui”. A estudante se refere à ação da PM no Núcleo empreendida em Julho deste ano. De acordo com o NCN, vários policiais armados entraram no local, em busca dos dois jovens, de forma truculenta e hostil, sem muitas explicações. Ao falar sobre a interação entre o Núcleo e os estudantes da USP, Evandro afirma que ela é quase inexistente. Segundo o professor, além da falta de tempo e de pessoal para cuidar

especificamente disso, as tentativas anteriores, principalmente no que se refere ao DCE, não foram as melhores, o que faz com que o NCN geralmente não busque parcerias com eles, embora todos afirmem que, se alguém da comunidade USP os procurar e propuser mobilizações ou outras atividades, haverá interesse por parte do núcleo. No entanto, existem boas experiências: recentemente, por exemplo, o Centro Acadêmico da Biologia promoveu um debate sobre raça do qual o Núcleo fez parte. No Instituto de Química, em mais de uma ocasião, deu-se voz ao NCN em debates sobre questões como as cotas raciais nas universidades. Há muito trabalho a ser feito, além de dar aula: o Cursinho possui uma biblioteca cujos livros não estão catalogados e nem arrumados, o que torna impossível que haja um controle ou uma busca mais eficiente dos títulos; o Núcleo não tem uma secretária fixa, o que dificulta a comunicação interna; há muitos eventos em que a participação do NCN seria importante, e muitos outros que ele próprio poderia organizar, mas não há um número suficiente de pessoas para isso ser possível. O NCN não tem ligações com projetos de extensão voltados para a comunidade mais carente, como o Projeto Redigir ou os coletivos representativos das minorias sociais, espalhados por toda a universidade. “O núcleo é um Núcleo de Consciência Negra na USP, e não da USP, porque a universidade nunca reconheceu o NCN como uma entidade”, comenta Evandro. Assim, professor conclui que “o Núcleo considera que a USP é extremamente atrasada nesse sentido. As únicas universidades que não propuseram ainda uma discussão sobre a questão das cotas raciais são as estaduais, como a USP e a UNICAMP. Esse processo já está acontecendo nas universidades federais.”


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Resistência: matéria-prima da consciência negra Projeto realizado pela FE leva história e cultura da África a alunos de escolas públicas HAILTON BIRI IGOR TRUZ

No lugar da figura de princesa Isabel como a benevolente heroína que libertou os “passivos” negros da escravidão, o dia 20 de novembro lembra os brasileiros da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da luta e do protagonismo dos africanos e afrodescendentes contra a opressão. Mais que uma celebração, o Dia da Consciência Negra ajuda a descontruir a ideia, contada pela “história oficial”, na qual os negros são retratados como personagens passivos, quase coadjuvantes na conquista de sua própria liberdade. Assim, na mesma sintonia, como uma espécie de esforço para geração desta consciência negra, nasceu neste ano, na Faculdade de Educação (FE), um projeto que tenta levar a África e a cultura africana e afro-brasileira para estudantes e professores do ensino básico, com uma perspectiva diferente da que encontramos nos livros didáticos e aulas de História. Coordenado pela professora Mônica Amaral, um grupo de pesquisadores e artistas trabalha para demonstrar e reforçar ao máximo o traço mais marcante da trajetória do negro no Brasil: a resistência. “A ideia é fazer uma articulação entre passado e presente, recuperando nossas culturas ancestrais e fazendo isso dialogar com a cultura contemporânea que eles [alunos] curtem. Antes eram oficinas, mas agora é um trabalho articulado entre alguém da cultura afro e o professor”, explica Mônica. Cerca de vinte pesquisadores – especialistas em Hip Hop, Funk, Break, Rap, Capoeira e outras artes – fazem parte do projeto de pesquisa O ancestral e o contemporâneo nas escolas: reconhecimento e afirmação de histórias e culturas afro-brasileiras, que trabalha com a ideia da docência compartilhada, na qual os arte-educadores atuam como parceiros

dos professores da escola municipal Saturnino Pereira, situada na região de Cidade Tiradentes, extremo leste da capital paulista. “Nós recebemos o conteúdo que será passado pelo professor e analisamos como podemos complementá-lo, ampliar seus horizontes” explica Valdenor Silva dos Santos, mestre de capoeira que faz parte do grupo. Além da estrutura da própria FE, os pesquisadores contam também com apoio da Fapesp e do Núcleo Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação que, recentemente, por meio de um edital, ajudou na contratação de mais arte-educadores. O objetivo do grupo de pesquisa é ampliar o cumprimento da Lei 10.639, de 2003, que determinou a obrigatoriedade do ensino de África e cultura africana nas escolas, públicas e privadas, de ensino básico. Apesar de já existir há 12 anos, a lei ainda não foi traduzida em mudanças nos currículos escolares. “Nós aprendemos que os gregos são o berço da civilização, mas não que os gregos aprenderam com os egípcios, que são africanos e negros. Essa lei tem a importância de obrigar os brasileiros a voltar os olhos para essa cultura que faz parte de nossas origens, penetrou em nossa sociedade e continua muito viva. Mas existe muita dificuldade, pois os professores e diretores que estão nas escolas hoje não estão preparados para isso. Eles tiveram uma educação eurocêntrica, em que a história da África foi relegada a segundo plano, quando não eliminada do currículo”, afirma Mônica. Segundo a coordenadora do grupo, inspirada no projeto, a prefeitura de São Paulo deve contratar outros artistas para trabalhar, na mesma linha, por escolas de toda cidade. Construção O projeto não enxerga a educação a partir de um prisma “conteúdista”, mas sim como uma ferramenta de

formação dos estudantes. Os arte-educadores procuram potencializar aquilo que já está no currículo escolar, sempre com a preocupação de conectar o que é discutido na escola com a realidade do mundo de hoje. A musicista que fala sobre funk, por exemplo, trabalha em parceria com o professor de português analisando as letras das músicas. Enquanto isso, os capoeiristas, cuja associação óbvia seria com o professor de Educação Física, estabelecem parcerias com os professores de História. “Nós temos algumas dinâmicas ligadas à cultura da capoeira para pode fazer a aproximação com os alunos. Isso é importante no trabalho com a criança, porque você não pode chegar e colocar ela para fazer um golpe de capoeira. É preciso entrar por outro viés, pelo lazer, pela música, pela questão lúdica. Você constrói a capoeira dentre de cada um até o momento de trabalhar o corpo ficar mais tranquilo”, explica o mestre Valdenor. Juntamente com Alexandre Miranda e Hipolito Roberto da Silva – os mestres Padinha e Bahia –, Valdenor se encontra com alunos do 8º ano do colégio Saturnino Pereira todas as terças-feiras. Os capoeiristas dão palestras, exibem trechos de filmes, ensinam letras de músicas usadas na capoeira e fazem dinâmicas com os estudantes. Em uma destas atividades, aproveitando a oportunidade de que o assunto da aula de História era o tráfico negreiro, os mestres propuseram que os alunos se agrupassem em um espaço muito pequeno com o objetivo de simular o “conforto” dos africanos que eram trazidos para o Brasil nos navios negreiros. Em outra dinâmica, chamada de “Jogo do Quilombo”, os jovens brincam de pega-pega enquanto simulam a perseguição do capitão-do-mato ao escravizado. Segundo Valdenor, por meio do projeto é possível transmitir aos alunos valores civilizatórios

“Nós aprendemos que os gregos são o berço da civilização, mas não que os gregos aprenderam com os egípcios, que são africanos e negros” — Mônica Amaral, professora da Faculdade de Educação e coordenadora do projeto

diferentes da perspectiva europeia, como a hierarquia circular de uma roda de capoeira, na qual todos têm um diálogo de igual para igual; o respeito aos mais antigos; e a importância da musicalidade e da oralidade. Além disso, as músicas e as palestras abordam assuntos que, muitas vezes, são desconhecidos até pelos próprios professores. “Os livros didáticos não trazem a história completa em relação aos negros. Eles sempre aparecessem em condição submissa, de sofrimento. Fala-se muito pouco dos heróis negros, das batalhas, dos levantes vitoriosos” ressalta o mestre Valdenor. A coordenadora da escola Saturnino Pereira, Odete Carvalho afirma que as atividades estão sendo muito bem recebidas pelos alunos e pelos professores. “É um elemento muito rico para a escola. Ninguém nunca falou com a gente dessa forma. Nós aprendemos aquela história da princesa Isabel e pronto. O projeto enriquece o nosso currículo. Essa história de estereotipar o negro, de se pintar de preto quando vai fazer um teatro, isso tinha que acabar nos colégios. Temos que ter um currículo verdadeiro. Todos deveriam ter a oportunidade de trabalhar como nós aqui”, destaca Odete. De acordo com ela, apesar do projeto funcionar há pouco tempo na escola, já é possível perceber como as atividades estimulam o desenvolvimento da consciência sobre a questão do negro no Brasil, tanto com alunos quanto com professores. “Mesmo quem não participa do projeto adquire essa consciência. Porque todo mundo começa a falar a mesma coisa, o mesmo discurso. Apesar de ainda estar no começo, já dá para notar uma diferença enorme. Pela postura, pelo comportamento. As músicas, o batuque, eram coisas muito mal vistas pelos alunos daqui, alguns diziam que era macumba. Agora não, está todo mundo querendo aprender”, relata Odete.

IGOR TRUZ

Grupo de pesquisa da Faculdade de Educação

Valdenor Silva dos Santos, mestre de capoeira

Alunos do colégio Saturnino Pereira em atividade


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ENTREVISTA

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“Um desastre é construído diariamente” Para especialista, negligência na comunicação de riscos determinou tragédia de Mariana DOUGLAS RESENDE E RAFAEL LAGE

GUILHERME ELER

O rompimento das barragens da mineradora Samarco, sociedade da Vale com a australiana BHP, aconteceu no dia 5 deste mês e devastou o distrito de Bento Rodrigues, região de Mariana, interior de Minas Gerais. O gigantesco mar de lama carregado de rejeitos químicos foi responsável por desalojar centenas de famílias, destruir plantações e rebanhos, além do ainda crescente número de mortos e desaparecidos. Não bastassem as perdas humanas e econômicas, o legado do desastre preocupa também no aspecto ambiental. O Rio Doce, principal corpo hídrico da Bacia do Sudeste, e os ecossistemas e comunidades dele dependentes, sofrem com intensa contaminação e dificilmente irão se recuperar nas próximas décadas. As diversas manifestações de comoção pública e a ação das autoridades sofreram grande influência pela forma como a tragédia foi abordada nos meios de comunicação. Tal como a fiscalização e tomada de medidas na área de comunicação de riscos, a cobertura do desastre tem se mostrado deficiente? A fim de discutir tais questões, o JC conversou com Cilene Victor, jornalista, doutora, pesquisadora e consultora nas áreas de comunicação e percepção de riscos de desastres. JC – É possível afirmar que essa é uma das maiores catástrofes ambientais brasileiras? Cilene Victor – A cobertura da imprensa tem tomado importância maior que o desastre em si. Isso acontece quando o jornalismo começa a apelar para a adjetivação, para os advérbios de intensidade, tentando fazer imperar uma relevância que o desastre em si já tem, e que, portanto, não seria necessária. Desastres de grande magnitude são os que pautam a mídia, que, por sua vez, pauta as conversas cotidianas. Quando a imprensa trabalha com exageros, afirmando que em uma série histórica é o maior, é exatamente devido à isso, à necessidade do agendamento, de fazer isso pautar as conversas cotidianas. É importante considerar várias nomenclaturas. A ONU pede para evitarmos a ideia da naturalização dos desastres, não usando mais a expressão “desastre natural”, e sim, apenas “desastre”. No caso de Mariana, falamos de um desastre tecnológico, iniciado por uma falha de um sistema de uma dada empresa. Esse desastre tecnológico causou um desastre ambiental, que levou a um impacto ambiental e está refletindo nas vidas das pessoas que fazem parte desse

Danos ambientais ocasionados pelo desastre em Mariana ainda estão sendo contabilizados meio-ambiente. Se formos pela ótica do desastre tecnológico, tivemos desastres muito maiores. Mas não se precisa ter cem mortes para que um desastre seja uma pauta jornalística relevante. Um óbito já é um desastre de grande importância, que precismos debater. E a cobertura acaba ficando uma repetição dos desastres. O cenário de destruição, imagens das pessoas desalojadas, mantimentos, roupas em barracões e etc. Kofi Annan (ex-secretário geral das Nações Unidas) disse uma vez que os desastres começam, para as áreas afetadas, quando a última emissora de TV se retira da cena. É isso o que vamos ver em Mariana. É isso que vimos em Branquinha, em Alagoas, em Pernambuco, no Piauí em 2009, em Santa Catarina em 2008. Esses desastres aconteceram e nem nos lembramos mais deles. Nos casos de desastres na região serrana, vi jornalistas de bancada, âncoras, praticando aquilo que chamamos de “turismo de desastre” (sobrevoar áreas, apresentar in loco). Temos de nos lembrar que o impacto é efêmero. Humanizar a cobertura é importante, mas existe uma linha muito tênue entre humanizar a cobertura e a exploração da vertente humana. Essa fronteira se chama ética jornalística. Até que ponto, nós, das redações, estamos preocupados com essas pessoas que foram acometidas pelo desastre? O desencontro de informações, a dificuldade de trazer a notícia e não replicá-la, trazer abordagens diferentes, também se deve a isso? É sempre assim, tem a pressa, e a opinião misturada com informação. Depois, começam as análises mais cuidadosas. Não há dúvida de que a cobertura força a formulação de políticas públicas. Mas temos que tomar cuidado,

pois políticas públicas no campo do gerenciamento de riscos de desastres, concebidas no calor da pressão da cobertura jornalística, são geralmente débeis e não resolvem o problema. A instalação de uma mineradora demanda a mobilização de uma cidade em torno de uma atividade. Como, mesmo integrada a ela, esses riscos ainda são eminentes e a comunicação de riscos de desastre é deficiente? No Brasil, tanto o Estado, como as indústrias, querem fazer acreditar que isso é trabalho da imprensa, e não é. A imprensa, os meios de comunicação, são ferramentas. O trabalho de gerenciar o risco competia à empresa, é claro, com responsabilidade do Estado. Toda operação tem riscos. Isso deve ser comunicado principalmente com a comunidade do entorno. Havia como as vidas humanas serem preservadas. E isso passava pela questão da comunicação de riscos. Como isso se dava na empresa? Eram audiências públicas? Eram câmaras técnicas? Existia plano de contingência? Não são todos os municípios brasileiros que têm corpo de bombeiros e defesa civil. Mariana tinha? Como operava? Há um monte de perguntas para entendermos por que o desastre foi deste tamanho. Um desastre é construído diariamente. Quem tinha de realizar esse trabalho de fiscalização? O que sempre temos de discutir é que o desastre é sempre local. É um desastre no Brasil, em Minas Gerais, em Mariana, no distrito. O risco dele acontecer tem que ser gerenciado no âmbito da localidade, com o aparato tecnológico necessário e sob a luz da legislação brasileira. Até o momento não sabemos o tamanho do impacto ambiental. Precisaremos de mais

tempo para análises de especialistas em solo, recursos hídricos, etc, e para saber como isso afetou a vida das pessoas, além do impacto cultural e social. Qualquer empresa responsável e ciente das suas operações teria cuidado para que esse desastre não acontecesse. Embora temos avançado bastante, o Brasil ainda é um país em que “está tudo bem” até acontecer um desastre. E quem paga a conta mais alta é o pobre. A cobrança que a imprensa está fazendo tem de imprimir o nome Vale, que é omitido muitas vezes. Essas empresas atuam na linha do risco. Todas as empresas cuja atuação gera grandes riscos ao meio ambiente e à vida humana, serão fiscalizadas? Não vão. O desastre pauta nossas conversas cotidianas e um abraço, daqui a pouco nem sabemos mais onde fica a cidade de Mariana. Porque sempre se chega depois do acontecimento… Sempre fico apavorada quando vejo “Mariana era uma tragédia anunciada”. Se era mesmo, nós tínhamos que anunciar. Onde estava o jornalismo de Mariana, de Minas, daqui? Quais são os riscos que temos aqui em São Paulo, no pólo petroquímico? Precisamos que ocorra um desastre naquele local para que ele seja investigado. A recuperação dos danos não depende, então, da “responsabilidade” da empresa? Não, em hipótese alguma. Há a necessidade de se desnaturalizar os desastres. Imagina que aquilo tivesse sido provocado por uma chuva acentuada. Eu tenho de ter o controle desse risco em diversos cenários, não posso culpar a natureza. Não dá para se trabalhar com risco zero, mas os desastres não podem acontecer, porque são irreparáveis. Não tem nada pior, em uma cobertura, do que ver autoridades dizendo: “aprendemos com o desastre”. Ninguém tem que aprender com um desastre. Você não pode usar perdas humanas para aprender a fazer alguma coisa. Além das perdas, que medidas ficam como consequências? Talvez um processo por dano ambiental, uma ação civil pública, uma autuação do Ministério do Meio Ambiente. Normalmente a empresa paga uma multa depois de um laudo mais completo, além de ter que indenizar as famílias afetadas… mas o que se recupera disso? O que é importante saber é que, depois do desastre, nada mais volta ao normal, independente da magnitude dele. Se vai pagar algo muito pouco representativo comparado com ao tamanho do dano.


CULTURA

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Antiga Estação Ciência pode não reabrir Em tempos de crise, espaços culturais da Universidade permanecem fechados para reforma BEATRIZ QUESADA

Museu Paulista: nove anos de reclusão A Estação Ciência não é o único aparelho cultural relacionado à Universidade que está fechado ao público: o Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, ficará nove anos sem visitantes para reformas. Lar de mais de 18 mil peças, entre elas o famoso quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, o espaço tem previsão de reabertura apenas para 2022, ano em que se comemora o bicentenário da

“O prédio não está valendo a pena. Hoje, é pouco provável que o museu reabra naquele edifício” — João Marcos de Almeida Lopes, responsável pela Estação Ciência

proclamação da Independência. Além da coincidência do ano de fechamento, a situação deste Museu pouco se assemelha à da Estação. O espaço funciona como unidade da USP, com administração semelhante às de ensino como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Além disso, esse espaço passará por modificações estruturais e expansão, sem alterar suas missão e proposta. Apesar de estar fechado há dois anos, a reforma ainda não começou. Em 2013, a Superintendência do Espaço Físico da USP estimou em R$ 21 milhões o restauro predominantemente das fachadas do edifício. Contudo, segundo a assessoria do museu, a atual gestão da USP optou pelo restauro e modernização integral do prédio: “não só fachadas, mas coberturas, ambientes internos e outros itens, incluindo aspectos adicionais relevantes”. Para que possam ser iniciadas as obras civis, é necessária a desocupação quase integral do edifício, permanecendo apenas o que é de grande porte ou de difícil remoção – como o quadro de Américo, que possui mais de 7m de largura. Devido às limitações financeiras da Universidade, o Museu não sabe precisar quando essa nova fase do processo de reforma será iniciada. Segundo Luciene Moro, coordenadora pedagógica do Sesi Ipiranga, alguns espaços do Museu, antes de ser fechado, já estavam isolados e sem acesso ao público. “O que causou estranhamento não foi anunciarem o fechamento

do Museu para reforma. O prazo que deram para a reforma foi o que assustou”, explica. Os alunos deste Sesi costumavam realizar visitas periódicas ao Museu para aulas de história e literatura, assim como outras 119 escolas que visitaram o local apenas no ano de 2013. Para a coordenadora, as visitas eram parte importante do aprendizado por realizarem este contato prático do aluno com o conteúdo. “Até procuramos outros espaços para suprir a lacuna, mas não há muitas opções”, afirma Luciene. Buscando retomar o contato com o público, será inaugurado um núcleo educativo, em um dos sete imóveis alugados para preservação do acervo, na Avenida Nazaré, ao lado do Museu. Segundo a assessoria do museu: “Neste imóvel também serão ministradas disciplinas optativas oferecidas aos alunos de graduação vindos das unidades de ensino e também alunos especiais externos à Universidade.” Este novo espaço, contudo, não tem a pretensão de assumir a recepção dos mais de 170 mil visitantes que foram ao Museu somente em 2013. Com uma estrutura física e de equipe muito menor, o núcleo busca manter uma parte das ações educativas promovidas pelo MP. “A ideia principal é manter as ações educativas no Bairro do Ipiranga, relacionadas à história do próprio Bairro, do Parque da Independência e, é claro, do Museu Paulista. A equipe de educadores também realiza atividades em outras locais”, afirma a assessoria. ELIZABETH LEE / ESTAÇÃO CIÊNCIA

Importante centro difusor de ciência do estado de São Paulo, a Estação Ciência foi fechada à visitação pública em março de 2013 para reformas devido adiversos problemas estruturais. Passados dois anos de entraves burocráticos para a restauração do prédio, a diretoria do museu ainda não sabe precisar se o prédio será reativado como museu ou como será o novo projeto de interação com o público. Instalada na Lapa, em uma antiga fábrica de tecelagem do início do século 20, a Estação foi fechada após apresentação de um laudo que indicava, entre outros problemas, riscos de queda de material do teto do edifício. Segundo o reitor adjunto João Marcos de Almeida Lopes, atual responsável pela Estação Ciência, um laudo solicitado à época do fechamento indicou que a situação do teto estava muito crítica: “Foram tomadas medidas emergenciais, mas isso não é o suficiente. Tivemos que fechar o museu. Não se pode colocar centenas de crianças lá sabendo que o telhado precisa ser reconstituído”. O prédio, tombado pelo patrimônio histórico, não foi reaberto desde então. Apesar de terem sido tomadas medidas pontuais de segurança, como evitar que as pessoas entrassem no prédio e proteger a fachada, a restauração do prédio encontra-se estagnada pela crise financeira da Universidade e por trâmites burocráticos. Em uma estimativa realizada pela direção do museu, uma reforma básica giraria em torno de 13 milhões de reais, enquanto uma mais elaborada, com construção de anexo e adequação da fachada, ultrapassaria 20 milhões: “A Universidade não tem como custear tudo isso”, afirma a diretoria. Além disso, a USP não possui a escritura do imóvel: o terreno foi cedido pelo Governo do Estado de São Paulo através de diferentes concessões para partes distintas do edifício, o que dificulta sua adequação jurídica para dar início à licitação da reforma. Apesar de lamentar a situação em que o edifício se encontra, o reitor adjunto afirma: “O prédio não está valendo a pena: hoje, é pouco provável que o museu reabra naquele edifício. Mas a Estação Ciência não deixa de existir, ela é um projeto, o prédio que está doente”. Essas dificuldades físicas trouxeram à tona o debate sobre a rearticulação da proposta museológica e sobre como deveria ser um modelo atual de difusão científica. Começou-se a questionar se valeria a pena investir tantos recursos para reabrir um

museu com a mesma proposta. “Sabe aquele museu que você coloca a mão no Gerador de Van de Graaff [esfera que, quando tocada na sua superfície, faz com que os cabelos do visitante arrepiem]? Esse tipo de recepção lógico-formal de um conhecimento ou fenômeno natural, isso está ultrapassado”, afirma Lopes. Esse tipo de atividade interativa para promover o aprendizado científico foi a marca da Estação desde sua criação, em 1987. A estratégia funcionava bem: era um dos museus mais populares da USP, recebendo cerca de 20 mil visitantes por ano, além de ser um aparelho cultural importante da Zona Oeste. Contudo, para a direção do museu, espaços como o Museu Catavento ocupam hoje o papel que a Estação teve no passado. Para continuar na vanguarda da difusão científica, a Estação deve, nas palavras do reitor adjunto, “desapegar dessas linguagens e começar a pensar coisas novas”. Para estruturar um novo projeto museológico, foi criado um grupo de discussão entre representantes da Estação Ciência, Parque Cientec e Museu de Ciências, todos administrados pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, para repensar o modelo de divulgação científica implementado pela Universidade. Até o momento foi realizado um seminário, em julho deste ano, com o objetivo de trazer novas ideias para o debate. O próximo passo é apresentar uma publicação que sintetize as propostas discutidas no evento e apresente um esboço com as diretrizes para este projeto, que ainda não possui prazo para ser concluído. A direção da Estação ressalta que a intenção não é realizar um desmonte do aparelho cultural da Universidade, mas sim buscar uma saída: “O público às vezes é muito conservador, principalmente com a ‘perda’ do espaço. Hoje nós temos uma outra realidade e existe a necessidade de desapegar dos velhos modelos”, explica. Apesar do projeto não estar estruturado, algumas ideias propostas são a fragmentação do espaço em vários locais da cidade e atuação virtual.

Estação Ciência, museu da USP instalado em prédio de 1926, teve pico de visitação que chegou a 500 mil pessoas no ano


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CIÊNCIA

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Atuação feminina no universo dos games Personagens hipersexualizadas e cultura machista são desafios para mulheres envolvidas na área

Lara Croft, personagem da série de jogos Tomb Raider, ganhou mais um universo para se aventurar em The Rise of the Tomb Raider, lançado em novembro. Desde 1996, a arqueóloga demonstra sua coragem e talento em aventuras ao redor do globo. Ao longo destes dezenove anos, as melhorias gráficas são tão perceptíveis quanto as mudanças em sua aparência física e psicológica: a hiperssexualização da personagem devido às suas vestimentas – não adequadas para uma arqueóloga – e a evidência de curvas – desproporcionais à realidade – têm sido atenuadas em detrimento de novas características e habilidades, que acentuam sua inteligência e destreza. Pioneira, Lara assumiu protagonismo em um jogo de aventura, gênero geralmente reservado a personagens do sexo masculino. Foi a primeira personalidade no universo dos games com a qual muitas garotas se identificaram. “Começou como uma personagem forte, mas extremamente sexualizada e que atualmente é forte, levemente sexy, mas, ainda sim, uma personagem mais profunda: ela realmente tem um motivo para estar lá, tem um embasamento psicológico”, comenta Thais Weiller, designer de games e mestre pela Escola de Comunicações e Artes (ECA). Em alguns aspectos, a evolução e enriquecimento da personagem nesses últimos tempos se deve à demanda do mercado e à presença feminina na produção do jogo. A atuação da roteirista de games Rhianna Pratchett no desenvolvimento da narrativa rendeu a Lara uma nova personalidade, com a exploração de aspectos psicológicos. Contudo, ainda são necessárias mudanças para a consolidação da presença e representação feminina no universo dos games. Evidenciando estereótipos De Lara Croft para os dias atuais, muitas outras personagens femininas vêm assumindo papéis de destaque em jogos das plataformas interativas. Visando estudar como essas figuras femininas são apresentadas, a estudante de design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP), Mariana Izuwaka, realizou seu trabalho de conclusão de curso na perspectiva de analisar como os padrões culturais e a indústria de games fortificam estereótipos. “Eu sempre me interessei por videogame e comecei a me perguntar: ‘por que você tem que ser um homem?’, ‘por que tem que salvar alguém, e esse alguém tem que ser sempre uma mulher?’”, conta.

Nesse sentido, a pesquisadora na área de games Flávia Gasi enxerga que há maiores possibilidades de representação feminina, mas faz ressalva aos jogos nos quais as personagens não passam por transformações ao longo da narrativa. Não necessariamente a personagem feminina será a “donzela em perigo”, mas, muitas vezes, está encaixada em estereótipos dos quais não consegue se livrar. “Do começo ao final da história, ela é a mesma coisa sem evolução”, explica. A figura feminina também é frequentemente moldada de forma hiperssexual, fazendo uso de vestimentas inadequadas para situações nas quais está inserida, principalmente em jogos de aventura ou luta. SoulCalibur, jogo para console e multiplataforma, é um exemplo disso. Enquanto na narrativa do game os personagens masculinos portam armaduras reluzentes e gigantes, as mulheres utilizam panos restritos a cobrir regiões estratégicas do corpo, como uma pequena parte de seu busto, os quais se apresentam de maneira desproporcional à realidade. Para Weiller, a série SoulCalibur tem piorado em sua representação de personagens femininas. “Nos últimos jogos, elas foram ficando com menos roupa e com mais peito, a ponto dos peitos ficarem maiores que as cabeças”, avalia. Em League of Legends (LOL), desenvolvido pela Riot Games e mais jogado do mundo, em uma arena de batalha multiplayer, as opções de heroínas femininas que possuem decotes, roupas curtas e desconfortáveis para o combate, além de armaduras que não protegem todo o corpo compõem a grande maioria. Em um de seus visuais alternativos, a heroína Miss Fortune, por exemplo, consegue se portar na batalha de salto alto, vestido com fenda profunda nas pernas, segurar duas pistolas e – como se não bastasse – manter uma pose sensual, ajeitando sua postura de forma a ressaltar suas curvas. Deve-se destacar porém, que novas heroínas que vêm surgindo apresentam traços diferentes do antigo padrão. Um exemplo disso é Illaoi, campeã prevista para ser lançada em breve, que apresenta corpo grande e musculoso, diferente dos das demais. Em relação à hipersexualização das personagens, a designer de games Weiller se define como não tão ortodoxa em relação ao tema, isso porque não é contra as personagens femininas serem sexies: “Eu sou contra elas serem sexies quando isso acontece fora de contexto”. A designer se posiciona contra a sexualização excessiva e desnecessária, no entanto. Ela acredita que, de forma

geral, as personagens femininas estão mais fortes e seguras. Em sua edição de 2016, a franquia de futebol FIFA inseriu o futebol feminino como opção de jogo, ação que demonstra o interesse da indústria de games em se adaptar à realidade de que as mulheres são parcela fundamental do mercado. Flávia Gasi relata que “em alguns países, como nos EUA, o futebol feminino é muito mais forte que o masculino, e as pessoas queriam poder jogar com as suas jogadoras favoritas”. Ao mesmo tempo, ela pontua a importância dos consumidores perceberem que outros elementos podem ser abordados nos jogos, e que isso não vai tirar o lugar dos personagens masculinos. “Isso não vai diminuir a posição de ninguém”, afirma. No FIFA 16, além do futebol feminino como opção, ele também aparece na capa das edições destinadas à América do Norte. De acordo com dados de pesquisa das britânicas Rosalind Wiseman e Ashly Burch, isso é muito positivo, não só para as garotas que se sentem representadas, como também para a própria indústria de games. Conforme analisado, as meninas que responderam à pesquisa mostraram sua preferência por jogarem com personagens femininas, número que atingiu a marca de 60% para as garotas do ensino médio. Ao responder à pergunta ‘é mais provável que você jogue algum jogo baseado no gênero do personagem?’, 20% dos garotos relataram que sim, ao passo que 28% das garotas concordaram. Ou seja, quando os desenvolvedores colocam personagens masculinos na capa, não estimulam as vendas entre garotos, mas desestimulam entre as garotas. Sobre a resistência em criar jogos voltados para mulheres, ela aponta como possível motivo a sociedade em que crescemos: “A gente nasce numa sociedade que é machista. E eu não acho que quando você vai pro mercado de trabalho isso mude”. Elas por elas De acordo com Gasi, uma das principais razões pelas quais as personagens femininas no universo dos games não são capazes de representar o gênero feminino sem estereótipos deve-se à pequena parcela de mulheres presentes no ramo de desenvolvimento de games. Segundo pesquisa realiza pela Next Gen Skills Academy no Reino Unido no ano passado, a média de desenvolvedoras nas empresas de jogos era de 14%. Diante dessa pequena porcentagem, os homens acabam tendo domínio da escolha de características e atributos para as personagens femininas em processo de criação.

LETÍCIA PAIVA

FERNANDA GUILLEN VITÓRIA BATISTOTI

A arqueóloga Lara Croft em uma de suas primeiras versões e a lançada em 2015

Opções de armaduras diferem muito em personagens masculinas e femininas em SoulCalibur

Illaoi, nova personagem de League of Legends, quebra padrões presentes em antigas heroínas


CIÊNCIA

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minoria, que são as mulheres. Devido à pequena representatividade feminina no espaço de desenvolvimento, é comum que os jogos criados para atender o público feminino sejam pensados de forma preconceituosa. “Os desenvolvedores me dizem ‘eu não quero apenas fazer jogo de ‘florzinha ou tamagotchi’, como se essas fossem as únicas opções que as mulheres jogam”, desabafa Weiller. Para ela, a inserção de jogos sociais e mobiles fez com que o consumo de games por parte das mulheres aumentasse, já que nesse tipo de jogo não havia o preconceito de que eles eram “para meninos”, de forma que os títulos acabaram sendo mais inclusivos. “As mulheres sempre quiseram jogar, só não tinham jogos para elas”, completa. Nos campos de batalha Segundo a agência Sioux, no Brasil, 47,1% dos jogadores de videogame são mulheres. Esse dado contesta o estigma existente de que o universo dos games é para garotos – como sustenta o nome do clássico console, gameboy. No cenário competitivo nacional de League of Legends (LOL), Geovana Moda, conhecida por Revy, foi a única garota que já teve a chance de jogar a maior liga do país como reserva do time KaBuM! Black. Mesmo diante de tal realidade, ela se posiciona contra a existência de campeonatos estritamente femininos, pois, para elas, “oportunidades variam de acordo com seu potencial, não com quantos cromossomos X você tem. Times querem lucrar, e se a garota for melhor que o garoto, ela vai ocupar a vaga no time”, comenta. No entanto, Anna Carolina Aurili, conhecida como Chiszen e que possui mais de 13 mil likes em sua página do Facebook, discorda. Para ela, nos últimos anos, essa realidade está melhorando, mas ainda é difícil para as garotas que querem evoluir no mundo dos jogos. Para a estudante do Instituto de Psicologia de Ribeirão Preto, Julia Di Nubia, jogadora casual de LOL e streamer (ou seja, jogadora que transmite suas partidas online), o problema não são as

FERNANDA GUILLEN

Assim, o desenvolvimento de personagens mais redondas, ou seja, que passam por transformações ao longo da narrativa, seria um grande desafio, pois “acabam sendo criados jogos dentro de um universo muito masculino”, explica Flávia Gasi. A pesquisadora diz que, “dependendo do país, existem incentivos para contratar mulheres, para podermos ter jogos desenvolvidos de forma mais igualitária, mas por enquanto há um predominância masculina”. Gasi explica que, com a presença de mulheres no desenvolvimento do game, criar personagens femininos mais complexas, com evoluções no decorrer do jogo se torna um processo mais natural. Quando o vídeo game surgiu no final da década de 60, não havia distinção de gênero. Foi na década de 80, quando já tinha atingido certo grau de popularidade, que “com vários jogos saíndo, as empresas perderam um pouco do controle da qualidade dos games, gerando o crash de 1980 no mundo dos games. As vendas caíram, e as empresas resolveram focar num público: o masculino”, afirma Mariana Izuwaka. Esta opção é apontada como fator que pode explicar baixo número de mulheres na indústria. Para Thais Weiller, a ausência de desenvolvedoras mulheres na área de jogos também é decorrente de as mulheres ainda estarem, em certa medida, distantes da área de exatas, responsável por formar metade dos programadores: “As pessoas acreditam na ideia de que quem trabalha com exatas são homens”. Ainda segundo dados da Next Gen Skills Academy, dentre as 311 mulheres que participaram da pesquisa, 33% já haviam sofrido assédio ou bullying relacionado ao seu gênero no ramo de games, ao passo que uma em cada três mulheres relatou se sentir insultada ou oprimida no ambiente de trabalho. Gasi entende que esses dados não significam necessariamente que todos os homens presentes na indústria de games sejam “maus” ou “machistas”, mas, por serem a maioria, criam um ambiente opressor para a

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Anna Carolina Aurili, a Chiszen, compartilha suas partidas online com seus seguidores

“O motivo deles comemorarem não era porque eu jogava bem, era por eu ser uma mulher” — Thaís Weiller, designer de games e pesquisadora da área

oportunidades para mulheres se profissionalizarem nos games, e sim, o incentivo. Enquanto os garotos têm muitos modelos de jogadores profissionais para se espelhar, as garotas não. Outro problema é que jogando online, sofrem constantemente com insultos machistas. Em uma partida, foi necessário apenas utilizar um pronome feminino para que quatro desconhecidos começassem a atacá-la. “Fui chamada de ‘attention whore’ [exibida], começaram com uma chuva de ‘manda nudes’, aquela brincadeira sem graça que envolve claramente a exposição de mulheres sem seu consentimento”, relembra. Hanae Oseki, aluna de arquitetura da FAU, também vivenciou situação desagradável. Quando entrou para o grupo de LOL da Universidade no Facebook, teve que bloquear garotos que “ficavam fazendo piada de mulher a todo momento”, além dos que “dão em cima, aí a gente se irrita, dá o fora e eles dizem ‘você é ruim, você é feia’”, relata. Devido a episódios desagradáveis e não raros, muitas mulheres desistem de jogar com desconhecidos. No caso da designer de games Thais Weiller, isso se deu no momento em que, em um jogo, vários homens começaram a comemorar por terem

uma mulher no time. “O motivo deles comemorarem não era porque eu jogava bem, era por eu ser uma mulher. Você se sente idiota e não quer isso. Você está lá por causa das suas habilidades e da sua capacidade de poder jogar”. As streams, transmissão simultânea das partidas, também são outro espaço no qual as garotas enfrentam situações desconfortáveis. Julia relata que, em certa ocasião, estava fazendo stream de cosplay – isto é, caracterizada de algum personagem – “quando um moço chegou, me chamou de gorda e falou que eu tava estragando o personagem”. Chiszen reconhece que ataques de terceiros não são restritos apenas às jogadoras femininas, entretanto, no caso delas, eles são mais especifícos: “O garoto chega falando ‘volta pro fogão’”. Para mudar essa realidade é necessário incentivo às garotas para que conheçam o universo dos games, joguem e programem. De acordo com Flávia Gasi, “às vezes a menina tem total interesse em trabalhar com vídeo game, mas ela não tem como descobrir isso se a gente não contar pra ela que ela pode”. Para Mariana Izuwaka, “é preciso fazer barulho, mostrar que estamos aqui também. Isso vai mudar, estamos vendo isso acontecer”.

LEANDRO BERNARDO


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ESPORTES

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Um chamado para as arquibancadas Embora seja fator de incentivo aos atletas, torcida ainda é escassa em jogos fora de inters

Ações das atléticas Segundo Carolina Saad, presidente da Atlética XI de Agosto, da Faculdade de Direito, falta um pouco de incentivo das próprias atléticas para motivar os torcedores não só a irem aos jogos, mas também a acompanharem os resultados dos times da faculdade. Carolina relembra um caso em que, antes da final do volêi masculino no campeonato da FUPE, a Atlética da Sanfran usou sua página do Facebook para dar mais publicidade à partida. “O feedback foi ótimo, tivemos várias curtidas e a própria bateria foi ao jogo, o que é coisa rara fora dos inters”, afirma. De acordo com Daniel Vargas, vice-presidente da LAAUSP, a entidade também vem tentando divulgar melhor os resultados

Importância da torcida Na opinião dos atletas entrevistados pelo JC, a participação da torcida pode ajudar bastante no desempenho dos times durante os jogos. Para Sophia, é uma forma de ver todo o esforço recompensado. “É muito estimulante, porque nós, atletas, dedicamos nossos sábados, domingos e vários dias

Poucos torcedores compareceram ao jogo entre FEA e Medicina, pelas semifinais dos Jogos da Liga da semana para treinar e defender nossa faculdade, mas muitas vezes sentimos que não somos apoiados”, diz a atleta da Poli. Contudo, quando o assunto é a participação das baterias, a opinião dos atletas varia. Deganello conta que, neste ano, a bateria do IRI só tocou em jogos do Jopri (Jogos Paulistas de Relações Internacionais). O atleta, que está em seu primeiro ano no instituto, não avalia que o barulho tenha atrapalhado a comunicação em quadra. “Foi muito legal, e quando o técnico ia falar, eles paravam”, lembra. Isabelle Wu, jogadora de handebol da Faculdade de Medicina, afirma que a torcida “motiva e traz uma energia boa”, mas gosta que as partidas tenham menos barulho. “Prefiro os jogos sem bateria, melhora muito a comunicação dentro de quadra e acho que faz os dois times jogarem mais tecnicamente, o que torna o jogo melhor, na minha opinião”.

“Quem não é atleta não tem quase nenhuma informação sobre os resultados” — Guilherme Deganello, jogador de futsal do IRI

DANIEL QUANDT

Seja InterUSP, CaipirUSP, BIFE, InterMED, JUCA, Jopri, Economíadas ou Engenharíadas: em época de inter, as faculdades se agitam. Os atletas, de repente, se tornam o centro das atenções, e todos passam a esperar deles os resultados que levarão suas faculdades à glória. Contudo, quando os torcedores se sentam nas arquibancadas de alguma longínqua cidade do interior, entoando hinos apaixonados com uma breja na mão, muitos se esquecem que a trajetória que levou os times àquele momento começou muito antes dos inters. Várias vezes por semana, os atletas se reúnem e dedicam seu tempo para treinar, organizar a agenda das equipes, comparecer a reuniões das atléticas e, depois de tudo isso, participar de campeonatos que ocorrem ao longo de todo o semestre. No geral, os times da USP participam de competições da NDU (Novo Desporto Universitário), da FUPE (Federação Universitária Paulista de Esportes) e da LAAUSP (Liga Atética Acadêmica da Universidade de São Paulo). Portanto, em quase todos os fins de semana do ano, há algum time da USP competindo. Uma rotina que vai muito além dos dias de inter. “Os não-atletas não sentem interesse por jogos que ocorrem fora de inters. A torcida costuma se limitar a familiares ou namorados”, afirma Lucca Zidan, presidente da Atlética da Poli. No interior, contudo, o panorama é um pouco diferente. Carlos Bortole, vice-presidente da FUPE, relembra alguns episódios em que o número de torcedores ultrapassou a casa das centenas. Um deles foi a final do basquete masculino entre São João da Boa Vista e UNIFAE, que teve mais de 2.000 presentes. “No interior do estado, a presença é consideravelmente maior”, diz.

de suas competições, postando os placares em sua página do Facebook e enviando as tabelas atualizadas para os DGE’s (Diretores Gerais de Esporte) de cada faculdade. Mas nem sempre essa informação chega aos torcedores. “Quem não é atleta não tem quase nenhuma informação sobre os resultados”, comenta Guilherme Deganello, jogador de futsal do IRI. “Sei que é difícil o trabalho das atléticas, mas seria legal se a divulgação dos jogos e das equipes fosse maior”, aponta Sophia Longoni, jogadora de basquete da Poli. O presidente da Poli concorda que a comunicação não é ideal, embora acredite que apenas ações de divulgação dos jogos não são suficientes. “Eu acho sim que há uma falta de informação aos não-atletas para eles saberem que os jogos estão acontecendo, quando e onde. No entanto, essa comunicação já foi melhor e mesmo assim não apareciam resultados”, diz Zidan. “Talvez a solução seja uma divulgação incessante, com criação de eventos no Facebook e atrativos além dos jogos, como venda de bebida e comida”, sugere. Para o presidente da Atlética da FEA, Yuri Szymanskyj, o problema reside, sobretudo, na falta de interesse dos próprios alunos. “Eu acho que falta um pouco de amor pela faculdade para as pessoas começarem a torcer mais por ela”, analisa.

CAROLINA OLIVEIRA

CAROLINA OLIVEIRA

Participação das baterias não é consenso entre os times. Na foto, bateria da ECA em partida do JUCA.

Gabriela Sarmento, ritmista da bateria da ECA, explica que, nos inters da faculdade, há uma combinação prévia com os times a respeito da participação das baterias. “Os diretores da BaterECA mandam email para todos os DM’s [Diretores de Modalidade] perguntando se eles querem que a bateria vá ou não, quais são os jogos mais difíceis, como a bateria pode tocar para ajudar o time”, afirma. Quanto aos campeonatos regulares, Gabriela comenta que há “uma burocracia grande”. No último dia 7, por exemplo, a bateria da ECA tocaria em uma partida do volêi masculino pelos Jogos da Liga, à pedido do time. No entanto, os instrumentos foram proibidos pelo árbitro. A LAAUSP, que organiza o torneio, afirma que não há nada no regulamento da competição que proiba a participação das baterias, e o mesmo ocorre para NDU e FUPE. “Nesses casos, vale o regulamento da federação para cada modalidade, e também levamos muito em conta a opinião dos árbitros”, explica Daniel. Na ocasião, o árbitro alegou justamente que o regulamento da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) não permitia que as baterias participassem. Para Ana Elisa Viana, técnica e jogadora de handebol, tanto a presença das torcidas quanto das baterias são aspectos importantes, que podem influenciar positivamente no rendimento das equipes. Assim, a treinadora afirma que os times precisam tentar superar eventuais situações negativas, como o barulho gerado pelos instrumentos. “Os times precisam se adaptar e desenvolver meios de ajustar isso”, diz. “A torcida nos jogos universitários faz com que o cenário se aproxime ao dos esportes profissionais, com mais visibilidade. Então não podemos perder essa oportunidade só por um ponto negativo.”


ESPORTES

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Campeonato busca integrar faculdades Em edição inaugural, JOIN USP contempla três cidades do interior e quatro modalidades MATHEUS PIMENTEL

ARTE: LEANDRO BERNARDO

Começaram no último final de semana (14 e 15 de novembro) os Jogos de Integração, que atendem pela sigla JOIN USP. Além de apresentar uma referência ao verbo em inglês “join” (juntar-se), o evento está em sua primeira edição e é organizado pela LAAUSP (Liga Atlética Acadêmica da Universidade de São Paulo) e LAURP (Liga das Atléticas da USP de Ribeirão Preto), duas entidades geridas pelos estudantes e que congregam atléticas locais da Universidade. “Os Jogos de Integração da USP surgiram da intenção da Pró-Reitoria de Graduação em apoiar projetos em que houvesse a integração dos cursos e campi da USP através do esporte, seja um campeonato ou evento similar”, explica João Francisco Vargas Meireles, atual presidente da LAAUSP. Segundo ele, a intenção dos organizadores é que a edição inaugural de 2015 sirva como teste para que, no ano que vem, haja uma competição ainda mais abragente, envolvendo todos os campi da USP no Estado. Na parceria entre os organizadores, a Pró-Reitoria de Graduação ficou responsável por financiar o campeonato, o que inclui os custos de deslocamento até os

Durante o primeiro fim de semana de jogos, o CAASO ergueu a taça no vôlei masculino e a equipe de Lorena foi a vencedora no feminino

campi do interior e alojamento para os atletas que estudam em outra cidade e irão participar dos jogos da competição. Como o próprio nome já denuncia, o intuito dessa competição nova é a integração entre os times, mais precisamente entre as faculdades do interior e as da capital. Ao todo, serão disputadas quatro modalidades: futsal, vôlei, basquete e handebol. Em cada modalidade, participam quatro faculdades da capital e quatro faculdades do interior: EEL (Escola de Engenharia de Lorena), CAASO (USP de São Carlos), ESALQ (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, de Piracicaba) e USP de Ribeirão Preto. Por conta do número reduzido de vagas, a LAAUSP realiza um sorteio para decidir que equipes irão competir, dentre as que manifestaram interesse. Neste ano, três campi do interior estão participando: Lorena, Ribeirão Preto e São Carlos. Em cada um dos três finais de semana do evento, a competição será sediada em uma dessas cidades. A partir do ano que vem, os organizadores têm o objetivo de incluir também os campi de Piracicaba, Bauru, Pirassununga e Santos, além das faculdades do campus da capital.

No primeiro final de semana de jogos, foi a vez do vôlei entrar em quadra, em Lorena, na região do Vale do Paraíba. No feminino, o time da casa foi campeão, e não houve participantes de faculdades da capital, somente as quatro do interior. Já no masculino, o IME (Instituto de Matemática e Estatística) e a Química também participaram da competição, que viu o CAASO levantar o troféu. Para João Francisco, o evento é importante para a atlética da EEL (Escola de Engenharia de Lorena) e também para as atléticas de outras faculdades, pela possibilidade de enfrentar times da mesma universidade, mas com os quais possuem pouco ou nenhum contato. “A Atlética de Lorena contatou a prefeitura e conseguiu a liberação de uma escola municipal, que servirá de alojamento, e um ginásio para a realização dos jogos. Além disso, também foi contratada a segurança e limpeza local”, esclarece ele. Embora a Medicina de Ribeirão Preto e a ESALQ participem do InterUSP, não existem faculdades do interior competindo no BIFE, por exemplo. Mesmo nos campeonatos regulares ao longo do semestre, existe o predomínio de equipes da capital.

A particularidade e o ineditismo do evento levaram a uma expectativa positiva do envolvimento por parte das atléticas e dos atletas, segundo a LAAUSP. A instituição estima que quase 300 pessoas estiveram envolvidas de alguma forma apenas com os jogos em Lorena, no primeiro fim de semana. Esse patamar deve se manter para as duas etapas seguintes, ou mesmo aumentar, tendo em vista que os campi de Ribeirão Preto e de São Carlos são maiores em número de cursos e de alunos do que o campus de Lorena, que existe há apenas nove anos. Embora a importância do esporte universitário e da integração entre faculdades, aspectos trazidos pelo JOIN USP, seja um consenso, há quem critique a data estipulada para o campeonato. O evento ocorre no final do semestre, época em que a realização de provas e trabalhos preenche boa parte do tempo livre dos alunos, mesmo aos fins de semana, quando são realizadas as partidas do JOIN USP. Algumas Unidades, como a ECA (Escola de Comunicações e Artes), não indicaram nenhuma equipe para participar, apesar de ter demonstrado interesse na natureza do campeonato. O planejamento para a segunda edição do campeonato ainda é incipiente. Os organizadores aguardam a conclusão do JOIN USP deste ano, que tem um caráter experimental, para avaliar os resultados e então pensar em edições futuras. De acordo com João Francisco, o JOIN USP é uma das iniciativas que ajuda no objetivo de fazer o esporte ser um assunto “no cotidiano da Universidade”. “Estamos saindo do estigma da bebida alcoólica e envolvendo cada vez mais o esporte”, afirma. Nos dias 28 e 29 de novembro, Ribeirão Preto sediará as competições de handebol masculino e de basquete. No final de semana seguinte, 5 e 6 de dezembro, será a vez dos times de handebol feminino e futsal lutarem, na cidade de São Carlos, pela medalha de ouro.

Erramos Na última edição (449), na matéria “Cepe clama por reformas estruturais”, dissemos que o CEPEUSP foi construído para sediar os Jogos Pan-Americanos de 1975, mas, na verdade, apenas o Velódromo foi construído com esse propósito. O CEPEUSP foi inaugurado em outubro de 1971, como um espaço para a prática de esportes e atividades físicas para a Universidade. Ele fez parte do plano de construção da Cidade Universitária.


FONTE: SECRETARIA DE ESTADO DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO. INSTITUTO GEOGRÁFICO E CARTOGRÁFICO - IGC. ACERVO - TOMBO: 1162

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OPINIÃO / Bruno Vaiano

SEGUNDA QUINZENA | NOVEMBRO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Para ler enquanto espera o ônibus (dá tempo!) USP tem dívida com o transporte, mas metrô não é a única solução. Que tal ser prático?

A Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira (CUASO) é tão grande que nem seu nome oficial coube na primeira linha da matéria. Mas não há mesmo muitas coisas na USP que caibam em algum lugar: seu campus, que ocupa “discretos” 4,7 milhões de metros quadrados, põe à prova a paciência de uma geração que, na média, não optou pelo carro. Nem no país que um dia foi casa do império automobilístico de Detroit. Segundo artigo de Amy Chozick publicado no The New York Times, americanos nascidos entre 1981 e 2000 não listam uma única montadora entre suas 10 marcas favoritas. Com Nike e Google à frente da General Motors (GM), a dona do Camaro não amarelou e pediu até ajuda da MTV para a ofensiva comercial motorizada. Batalha perdida, já que 46% dos jovens americanos entre 18 e 24 que dirigem ficariam com acesso à internet em detrimento a um carro se precisassem escolher um dos dois, segundo pesquisa encomendada pela emissora para a montadora. São Paulo, que acorda todos os dias com mais um pedacinho de asfalto pintado de vermelho, segue a tendência: as maiores taxas de rejeição à implantação de ciclovias estão justamente entre os mais velhos, segundo o Datafolha. 93% dos jovens apoiam as vias exclusivas para as magrelas, contra 66% dos mais velhos. Embora não seja mistério que o universitário de hoje prefira formas alternativas de locomoção, quem atravessa os portões da USP pela manhã logo vê uma desagradável surpresa: uma rotatória. Uma não, várias. A linha 177H (Metrô Santana – Butantã USP) encara cinco delas em seu trajeto pela USP. O 702U (Parque D. Pedro – Butantã USP), oito, e o

8012 (Circular 1), inacreditáveis quinze, algumas repetidas. A força das curvas torna uma tarefa quase impossível se manter em pé nos ônibus durante as “redondas” de maior diâmetro, quem já esteve pendurado nos balaústres amarelos sabe disso. Para os pedestres, as travessias se tornam distantes e difíceis. Esse é um problema simbólico: o viário da USP foi feito para os carros. Suas largas vias e enormes áreas verdes, filhas antiquadas de Brasília com um parque em péssimo estado de conservação, são absolutamente inadequadas à locomoção a pé. As calçadas irregulares terminam sem aviso prévio e estacionamentos espremidos entre os prédios e as avenidas simplesmente não permitem a passagem de pedestres. Qual será a melhor forma de resolver o descompasso entre o ideal de cidade do jovem e o campus da USP? História e Metrô Discutir mobilidade na USP significa falar de metrô, e metrô pede uma volta no tempo. No século XVII, o que hoje corresponde ao corredor formado pela rua da Consolação, a avenida Rebouças e a rua dos Pinheiros (o traçado da Linha 4 – Amarela) se chamava “Caminho para Pinheiros”, e era uma estrada de aparência rural. A trilha dá acesso ao Largo da Batata, centro de um bairro com mais de 400 anos que foi, em sua gênese, aldeia indígena. O próprio nome de Pinheiros, segundo algumas das versões, foi uma interpretação errônea dos colonizadores para Pi-iêrê, palavra indígena que se traduz por ‘derramado’, em referência às enchentes do rio. O local em que a ponte Eusébio Matoso cruza o canal de água é preferido para a travessia desde antes da chegada dos portugueses.

Pinheiros e Butantã em 1924. A USP corresponde ao “varjão alagado”. Em destaque no mapa, o traçado da atual Linha Amarela, que segue os núcleos habitacionais mais antigos

Após o rio se abrem três caminhos para o interior: a rodovia Raposo Tavares, que leva nome de bandeirante, a Francisco Morato (no mapa, “Estrada para o M’Boy”), e a Corifeu de Azevedo Marques, antigamente chamada “Estrada para Osasco”. São Paulo, sem organização, cresceu às margens desses eixos, que hoje possuem enorme demanda por deslocamento. Enorme mesmo. A Linha Amarela, que quando concluída seguirá até Taboão da Serra, carregará 1 milhão de passageiros diariamente. Ela é sobreposta em trajeto a um corredor de ônibus criado em 2003, que leva algo em torno de 320 mil passageiros todos os dias. A centenária estrada de terra leva o equivalente a um décimo da população do município de São Paulo. Ou seja: o metrô, por vários motivos, ainda não levou a USP em consideração. Uma questão de prioridades. Ele segue os caminhos mais antigos de São Paulo, que são, não por coincidência, os mais frequentados até hoje. Para passar pelo campus, ele deixaria de atender o bairro do Butantã, de demanda imensa e tradicional, proveniente dele próprio e de suas cercanias, para servir a uma área segregada da cidade, que sequer pode ser acessada aos domingos. A linha, vista no mapa, deixa claro: passar pela USP desviaria o trajeto do eixo Régis Bittencourt / Raposo Tavares, famoso por congestionamentos imensos, população carente e transporte insuficiente. Futuro? O Plano Integrado de Transporte Urbanos de 2020, feito pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, prevê uma estação de metrô na USP. Seria a ponta norte de uma linha que

terminaria em Diadema, fazendo integração com a estação Conceição da Linha Azul, a estação Morumbi da Linha Esmeralda e a própria estação Butantã. O plano pode ser alterado, e a previsão de conclusão é utópica. Não fosse a ineficiência do governo estadual, talvez a estação estivesse mais próxima da realidade. Além do metrô Se você faz graduação em veterinária, sua sala de aula fica a quase 3 km em linha reta do Restaurante Central. Mesmo com a construção de uma fictícia estação na CUASO, o sistema de ônibus circulares continuaria sendo imprescindível para qualquer um que não estudasse no entorno imediato do metrô. Há alternativas intermediárias melhores entre trens subterrâneos de alta capacidade e simples ônibus. Veículos articulados em corredores exclusivos ou um veículo leve sobre trilhos (VLT), espécie de neto do bonde, são duas alternativas de implantação mais barata que permitem maior número de paradas e atendimento mais flexível. Veículos leves tem melhor capacidade de atender gente dispersa em uma área de baixa densidade, como a USP, enquanto trens de metrô com capacidade para mais de mil passageiros a cada três minutos são mais apropriados para esvaziar um local pequeno que concentre grande quantidade de pessoas. Problema, mesmo, é o péssimo uso das alternativas disponíveis hoje: das nove linhas de ônibus que circulam na USP, apenas a de pior intervalo (Lapa -- Rio Pequeno) atravessa a Portaria 2, e nenhuma sai pela Portaria 3. Nenhum dos circulares gratuitos dá acesso às estações de trem Cidade Universitária e Villa-Lobos Jaguaré, mais próximas do campus que o próprio metrô Butantã. Isso significa obrigar o morador da Zona Oeste, que poderia sair pelo P3, a perder no mínimo meia hora para ir embora no sentido oposto ao de sua casa. Para quem vem da Zona Norte, a impossibilidade de cruzar a ponte do Jaguaré e acessar a região da Lapa, local de transferência tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, tira pelo menos uma hora do dia do estudante. Quem vai para a Zona Sul durante a noite não tem boas lembranças do escuro acesso à estação da CPTM. Mais barato, útil e prático que uma estação na Praça do Relógio seria cobrar o que é possível em curto prazo: conexões eficientes e seguras com as estações da CPTM, distribuição de linhas através dos três portões principais e aplicação de veículos articulados nos horários de maior demanda, entre outras medidas. A carência de transporte público da USP é relativa: com três estações em seu entorno, ela está mais bem servida de trilhos que boa parte da cidade de São Paulo. O problema é conhecimento e vontade política, tanto de quem aplica quanto de quem cobra, para usar os recursos disponíveis com eficiência.


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