Jornal do Campus - Edição 439 (mai/2015)

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CAMPUS

JULLYANNA SALLES

JORNAL DO

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ANO 33 - Nº 439 PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015

Machismo se faz presente em inters

Assédio moral paralisa Prefeitura do campus

Competições universitárias ainda são palcos de casos contra as mulheres

Sindicância foi aberta e investigados foram afastados após denúncias no Butantã

DANIEL MUÑOZ

Violência contra professores marca história do Paraná Episódio gera empatia inédita para com vítimas de repressão policial p. 3 Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudo da Violência, fala sobre ação policial no país p. 4 Opinião: ação policial reflete a maneira como a educação brasileira é tratada p. 16

Ingresso via ENEM será colocado em pauta no Conselho Universitário Em discussão, parte das vagas seriam voltadas aos estudantes de escolas públicas p. 7 UNIVERSIDADE

Acusações de racismo em aula de pós-graduação Texto tratado por docente defende que negros são menos inteligentes p. 10 CIÊNCIA

Fenômenos não tão naturais assim Tornado em Xanxerê traz debate sobre monitoramento de desastres naturais p. 13

CRUSP: Falta apoio à permanência estudantil Crise universitária reflete problemas de infraestrutura nos prédios de moradia p. 5


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EM PAUTA

PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

ARTE: MARINA YUKAWA

As cores da bandeira da Armênia foram manchadas com o sangue de mais de 1 milhão de pessoas

100 anos do Genocídio Armênio Centenário do “massacre” foi lembrado ao redor do mundo, embora o episódio ainda enfrente tabus dentro da própria Armênia ISABELLE ALMEIDA

“Entre 1915 e 1917 os turcos exterminaram mais de um milhão de armênios. Quem fala sobre isso hoje?” Essas palavras foram ditas por Adolf Hitler em um discurso proferido em 1939, pouco antes da invasão da Polônia. Pouco depois, em moldes semelhantes ao que foi feito pelos turcos contra os armênios, os nazistas organizariam o que seria conhecido como holocausto, o extermínio em massa dos judeus. É muito significativo que o próprio Hitler tenha usado o caso armênio como exemplo para demonstrar como a humanidade pode se esquecer facilmente de seu passado. Em 1939, os nazistas ainda podiam ter confiança que da mesma forma que os culpados pelo genocídio armênio foram esquecidos pelo mundo, eles também poderiam muito bem ser “perdoados” por praticar atrocidades semelhantes contra os judeus. O caso do genocídio armênio é emblemático. Diferente da Alemanha, a Turquia ainda não admite que tenha sido cometido um genocídio. A negação se tornou política do Estado e hoje na Turquia

“Faz parte das nossas vidas. Se eu falo para um armênio, ele sabe do genocídio. É uma coisa que não precisa de registros, não precisa de arquivos.” – Lusine Yeghiazaryan, professora da FFLCH

os livros didáticos não explicam o que ocorreu e existe até um artigo no código penal do país que prevê penas para quem insultar “a qualidade de ser turco”. Essa lei já foi utilizada, por exemplo, para processar escritores proeminentes como os ganhadores do Nobel, Orhan Pamuk e Hrant Dink, que abordaram a questão do genocídio em público. “O argumento deles é que foi uma guerra, pessoas morrem em guerras. Morreram uns armênios, mas morreram turcos, albaneses, gregos também, não houve genocídio. O que é mentira, porque foi uma limpeza étnica intencional, uma barbárie inexplicável a nível de estado do governo, planejada minuciosamente”, explica a professora do departamento de línguas orientais da FFLCH, Lusine Yeghiazaryan. Questões em Aberto A questão permanece como uma ferida ainda aberta. Nem todos os países do mundo reconhecem o genocídio, principalmente por questões políticas. “O genocídio é um fato histórico, o seu reconhecimento é político”, explicou a professora, “Falar genocídio é comprar briga com

a Turquia, e a Turquia é um aliado forte de Israel, dos Estados Unidos, eles têm bases militares lá, existem interesses geopolíticos na região”, acrescentou. Nesse sentido, o pronunciamento do Papa Francisco, que em uma missa realizada no Vaticano em abril desse ano falou abertamente sobre o genocídio do povo armênio ter sido a primeira grande tragédia do século XX, foi de grande importância para causa, pois trouxe novamente os olhos do mundo para o assunto. “Criou-se essa avalanche, o que os turcos chamaram de “tsunami armênio”, porque entrou em destaque em todos os grandes veículos”, disse a professora. Como previsto, o discurso do pontífice irritou as autoridades turcas, que classificaram o pronunciamento como “calúnia”, além de “infundado e distante da realidade histórica”, como argumentou o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu. O Papel da Turquia As razões para ferrenha negação da Turquia são muitas. Primeiro existe uma preo-

cupação territorial, pois 25% do atual território turco eram terras que pertenciam historicamente à Armênia. Além disso, existe também a questão econômica, já que as bases da economia turca foram construídas em cima das propriedades e riquezas que os armênios foram obrigados a abandonar durante a 1˚ Guerra Mundial. A questão ainda se estende para o âmbito cultural, pois grande parte do patrimônio histórico armênio foi destruído durante esse processo, “As perdas culturais são enormes. Você tem fotos de uma Igreja Armênia do séc. X sendo usada como estábulo, em ruínas. É muito complexo”, afirma Lusine. E somando-se a tudo isso, uma questão um pouco mais subjetiva diz respeito à imagem do povo turco perante o mundo, “Uma nação inteira vai aparecer como assassina você querendo isso ou não. Os alemães até hoje têm o complexo de mostrar ao mundo que eles não foram aquilo lá. Isso implica em muitas coisas, geopolítica, territórios, indenização”, explicou a professora. O Papel do Brasil Diferente de outros países da America Latina como a Argentina e o Uruguai, o Brasil ainda hoje não reconheceu o genocídio armênio a nível federal. “Até agora existe uma rejeição à ideia, não sei se isso se deve ao fato do Brasil não querer se envolver em um conflito que é territorialmente distante. Também porque o Brasil tem interesses econômicos com a Turquia, mas pelo papel do Brasil como uma das potências do futuro, seu destaque na América Latina, seu papel na defesa dos direitos humanos, isso seria importante”, afirma Yeghiazaryan. 100 Anos de Luta O centenário do genocídio armênio ocorreu no dia 24 de abril. Mais do que nunca vivemos em um mundo marcado pela intolerância étnica e religiosa, que se manifesta tanto em países desenvolvidos quanto no chamado terceiro mundo. Basta olhar para a forma que Israel trata da questão Palestina ou para os massacres dos cristãos pelo Estado Islâmico. Mesmo tendo acontecido há tanto tempo, as marcas do genocídio ainda são visíveis e fazem parte do cotidiano de gerações de armênios. “Faz parte das nossas vidas. Se eu falo para um armênio, ele sabe do genocídio. É uma coisa que não precisa de registros, não precisa de arquivos. Você acredita num mundo onde a memória coletiva, um país inteiro queira sofrer? É muito bárbaro imaginar isso. Como assim? Eu quero sofrer? Ouvir como foram mortos os meus antepassados? Dá arrepio”.

JORNAL DO CAMPUS - Nº 439 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo - Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes - Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração - Chefe: Dennis de Oliveira. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsáveis: Daniela Osvald Ramos, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Assistente: Issaaf Karhawi. Redação - Diretor de Redação: William Nunes. Diretora de Arte: Stella Bonici. Editora de Imagem: Marina Yukawa. Editora Online: Nina Turin. Entrevista - Editor: André Spigariol. Repórter: Bianca Caballero. Universidade - Editores: Ana Paula Machado, Victória Pimentel e Quéfren de Moura. Repórteres: Fernando Magarian, João Cesar Diaz, Laura Viana, Luís Viviani, Marcela Campos, Marcelo Grava, Vinícius Crevilari. Em pauta Editora: Amanda Manara. Repórteres: Giovana Feix e Isabelle Almeida. Cultura - Editora: Jullyanna Salles. Repórteres: Pâmela Carvalho e Sérgio Rodas Borges. Esporte - Editora: Mirella Silva Kamimura. Repórteres: André Meirelles e Murilo Carnelosso. Ciência - Editora: Bruna Eduarda Brito. Repórteres: João Henrique Furtado e Mariana Miranda. Opinião - Editor: Gabriel Carvalho. Repórter: Daniel Muñoz. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 5° semestre do curso de Jornalismo Noturno, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.


EM PAUTA

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015

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Repressão em Curitiba suscita debate Nas redes sociais, reações à violência policial demonstram empatia do público em relação aos professores, que seguem lutando contra condições de trabalho deterioradas pela crise econômica GIOVANA FEIX

Pátria Educadora A reação particular ao episódio paranaense parece encontrar explicação na profissão das vítimas. Em um momento histórico em que a insatisfação toma conta de uma grande parte dos brasileiros, uma das demandas mais recorrentes é a que pede maior atenção à educação. O “massacre”, portanto, daqueles que são peça-chave no alcance dessa meta não poderia ter tido repercussão diferente.

“Atualmente, a desconfiança e resistência são nossas principais armas e escudos.” – Vanessa Rodrigues, professora da Universidade Estadual do Centro Oeste Paranaense

de seus professores estaduais, que alegam estar paralisados há mais de 50 dias. Sem poder negar a presença e o barulho dos manifestantes em frente ao Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná, o governador Beto Richa parece ter sido obrigado a encontrar uma maneira de silenciar os seus. O pretexto para a convocação de 1.500 policiais militares à região era a votação de um projeto de lei proposto pelo próprio Richa, do qual discordam não só a maior parte dos professores estaduais, mas também diversos outros servidores públicos. A lei sancionada por Richa no dia 30, altera o plano de financiamento da ParanáPrevidência, responsável pela previdência dos servidores estaduais. “Existe uma conta que estima que, antes dessa situação, havia uma projeção de 59 anos com fundos para pagamento”, explica o professor. “Agora, com a nova lei, pode ser que daqui a 10 anos o estado não tenha mais dinheiro para pagar aposentados”.

Confronto, massacre, estopim O episódio curitibano do dia 29 de abril esclareceu, para os que deram volume à mancha rosa do gráfico, a ideia de que nenhum grupo ou indivíduo, por mais “perigoso” que seja, justifica a violência policial. Depois de chocar, esse dia sangrento pode também abrir questionamentos sobre o que teria permitido atingirmos essas cenas tão marcantes. Diante da truculência da polícia, já foram organizadas diversas manifestações, inclusive em São Paulo, em solidariedade às vítimas. Em assembleia na terça-feira, dia 5, a manutenção da greve foi decidida. Vanessa Rodrigues, professora da Universidade Estadual do Centro Oeste Paranaense (UNICENTRO), exalta a luta dos professores. “Atualmente, a desconfiança e resistência são nossas principais armas e escudos”, diz.

O grafo representa a repercurssão do “massacre” na internet. A área rosa corresponde aos compartilhamentos que defenderam os professores

INTERAGENTES

O dia 29 de abril de 2015 marcou a história do Paraná. A polícia militar do estado, em ação para proteger a votação de um projeto de lei, deixou mais de 200 pessoas feridas - em sua maioria, professores. Em oposição à ideia de “confronto”, muitos estão escolhendo a palavra “massacre” para nomear o episódio. Escolha feita por gente influente como Priscilla Placha Sá, advogada criminalista e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas também por muitos internautas que, através das redes sociais, compartilharam impressões com suas redes - menores, mas não menos importantes - de influência. Através de uma análise topográfica desses compartilhamentos, o portal InterAgentes constituiu o grafo que ilustra o final desta reportagem, traçando um panorama amplo das reações virtuais ao incidente. A partir da obtenção desses dados, o portal mostra que o episódio trouxe à população paranaense ânimos bastante distintos daqueles gerados por situações semelhantes, em momentos e estados brasileiros diferentes. No gráfico, a área marcada pela tonalidade rosa confirma o que a escolha vocabular majoritária já indicava: diante do ocorrido, a maior parte dos internautas condenou os policiais e defendeu os professores. A área indicada pela cor roxa, extremamente menor e isolada das demais, corresponde aos 5,4% que defenderam o comportamento da PM, concordando que, se houve violência, foi somente porque os guardas foram obrigados a reagir. Segundo a professora Priscilla, esse pretexto é comum diante de ações policiais truculentas, quando se procura explicar a agressividade pelo caráter “perigoso” de determinados grupos. Seja nas ruas ou no discurso, é a presença deles que tranquiliza a mente desses 5,4%, além de todos os que, diante daqueles outros momentos em outros estados, concordam que os “confrontos” nunca acontecem por culpa da polícia.

Além das imagens e dos relatos marcantes do 29 de abril curitibano, no entanto, está a violência silenciosa que os precedeu. “Violência do descaso”, como disse o analista político Paulo Vannuchi sobre os professores paulistas, em entrevista à rádio Brasil Atual. Apesar dos Estados diferentes, os momentos em que esses profissionais se encontram são tudo, menos isso. Enquanto a USP passa pela maior crise financeira dos últimos tempos, as universidades estaduais paranaenses passam por dificuldades análogas. “Elas estão passando pelo arrocho mais profundo de sua história”, conta Érico Ribas Machado, professor do departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). “Cada uma está tendo que negociar mês a mês com o governo do estado, para conseguir pagar suas contas”. Segundo ele, os problemas econômicos que atingem vários estados estão sendo repassados a áreas essenciais, como a da educação. “Atualmente, o que verificamos como mais presente nas políticas educacionais e na gestão do trabalho pedagógico é uma lógica empresarial”. Secretário de Educação paranaense até dia 6 de maio, Fernando Xavier Ferreira veio de instituições privadas e tinha uma experiência ínfima na área da educação antes de assumir o cargo. Segundo Romualdo Portela de Oliveira, professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP (FE/USP), essa origem é, por si só, problemática. “Pessoas vindas do setor privado têm uma visão muito montada por essa origem, supondo que as relações são hierarquizadas como em empresas”, explica. “O sistema público de educação não funciona assim, é preciso ter diálogo com os professores”. Esse diálogo está em falta, e não só no Sul. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vem negando na mídia a greve

OMBUDSMAN

JC faz as pazes com o jornalismo A edição 438 do Jornal do Campus é a melhor já produzida em 2015. A equipe trabalhou mais, apurou melhor e levou em conta o interesse (do seu) público nas pautas. A dupla que assina o texto sobre a blitz do Conselho Regional de Educação Física no Cepe não poupou esforços. Narrou a atuação dos fiscais, explicou as exigências do Conselho, deu voz ao Cepe, às Atléticas, à Escola de Educação Física, fez ponderações sobre o financiamento do esporte na USP, comparou com os Estados Unidos, analisou o futuro - enfim, fez bom jornalismo. A pauta interessa à comunidade USP e o leitor recebe munição para se posicionar no debate. É o que bom jornalismo deve fazer. Esse esforço de reportagem não se repetiu na cobertura das reuniões do CO. É preciso se aproximar do outro lado da questão

- a Reitoria. Pôr no título a fala de um militante não identificado revela desequilíbrio na apuração. E faltou, de novo, explicar ao leitor quem são e a que vieram os integrantes do Ocupação Preta. Passa a impressão de que o JC esconde algo. Texto e fotos constroem perfeitamente a pauta sobre a desértica Brasiliana. A repórter nos conduz num passeio pela ociosidade do prédio, usa o arquivo do JC como fonte e entrevista diversos atores. Faltou dizer quanto custou a obra e quanto a USP gasta por ano para manter a unidade funcionando. Com isso, talvez o complexo não causasse “intriga”, como diz a manchete, mas revolta. Com jornalismo, o JC ficou melhor. Esse é o caminho. Guilherme Alpendre - secretário-executivo da ABRAJI


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ENTREVISTA

PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

“As pessoas acreditam que exterminar ladrão deixa o mundo mais seguro” Bruno Paes Manso destrincha a questão da violência policial e aponta suas causas no Brasil

Presente em diversas manifestações e na realidade da periferia, a violência policial é uma questão que precisa ser analisada. O jornalista Bruno Paes Manso, especialista em segurança pública, já trabalhou em veículos como O Estado de S. Paulo, é um dos fundadores da Ponte.org e faz pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV). Em entrevista ao JC, ele falou sobre o que vem observando em relação às ações violentas da polícia brasileira. O que você e os outros pesquisadores do NEV têm observado no que diz respeito à violência policial no Brasil? Em São Paulo e no Rio, a partir de meados dos anos 70, houve a formação da polícia militar nos moldes que existem hoje, territorializada, com a cidade crescendo e as polícias começando a agir nas periferias. E, ao mesmo tempo, a polícia saindo da ditadura, de uma época em que ela atuou ativamente no DOI-CODI, no combate à luta armada de resistência ao regime. A partir daí acabou o problema da guerrilha e começou o problema da criminalidade urbana, passaram a lidar com a criminalidade comum usando as mesmas técnicas usadas no combate político feito na ditadura. E o extermínio ao bandido como novo inimigo começou a ser uma técnica usada nas periferias quando determinadas pessoas, suspeitas de participar de atividades criminais, eram exterminadas como se dessa forma você conseguisse evitar a desordem nesses bairros. A partir de 2013, com as manifestações de junho, ficou evidente o despreparo da policia para lidar com grandes grupos. Você tinha um comando do choque que estava habituado a lidar com manifestações pacíficas, em que sempre existiu a possibilidade de negociar com as lideranças. Aí houve uma nova tática dos manifestante, com um jogo de resistência que eles não estavam acostumados. Eles usavam as velhas táticas de reintegração de posse, como se jogando bomba em todo mundo resolvesse a situação. E tinham dificuldade em negociar com lideranças, mesmo porque os formatos dos novos grupos eram horizontais, não tinham lideranças tão claras. Então você tem ao mesmo tempo manifestantes com mais clareza de táticas e polícias ain-

da despreparadas pra lidar com isso tendo que se repensar. Só que é uma polícia que sempre acreditou na violência como instrumento e agora fica perdida, porque só sabe usar a violência, não sabe usar a inteligência.

BRUNA EDUARDA BRITO

BIANCA CABALLERO

O quanto a origem da violência policial está ligada ao período da ditadura militar? A história da violência da polícia é mais antiga, mas pegando da época da ditadura pra cá, eles começaram a atuar no combate ao crime comum e reproduziram muitas dessas técnicas usadas ao longo do período ditatorial. Só que uma coisa que os policiais falam, e eu acho que eles tem razão nesse sentido, é “Bom, eu sou de uma geração que nasceu na democracia, eu nem sei dessa história de ditadura, então por que que as pessoas falam como se eu tivesse um pensamento dessa época?”. No meu entender você tem o grande problema estrutural das polícias, que é a existência de duas policias, a polícia civil e a polícia militar. A PM é a polícia ostensiva, que faz o patrulhamento de território, e a polícia civil é a polícia judiciária, que a partir desse trabalho nos territórios vai formar as provas, vai processar, vai fazer todo o trabalho de inteligência para julgar. O que acontece nos EUA, por exemplo, que tem uma polícia só? O policial começa trabalhando na rua e faz parte depois, com o passar do tempo, da investigação, que é o filé do trabalho policial. O que acontece no Brasil? O policial faz esse trabalho ostensivo, e quando ele pega o garoto em flagrante, ele vai ter que entregá-lo para uma corporação que é vista como inimiga, como corrupta. Eu entrevistei alguns policiais, e muitos tem uma justificativa na ponta da língua, “Bom, eu arrisco minha vida, o meu cotidiano é tenso, ai na hora H eu vou entregar o cara para uma polícia que vai pedir dinheiro e não vai acontecer nada? Então faço justiça pelas próprias mãos”. Essa divisão estrutural estimula a crença na justiça privada e no extermínio para lidar com o problema. Por que as ações violentas da polícia se mantém tão impunes? Eu acho que tem corporativismo e tem falta de vontade das instituições em investigar. O DHPP, que é responsável por essas investigações, não se esforça. Eu acompanhei um caso, do Daniel, em que o filho estava fazendo uma tatuagem grande,

ele e o primo dele, e iam toda noite fazer a tatuagem. Quando eles estavam voltando, encontraram uma viatura que perseguia dois traficantes numa moto, acharam que eles eram os traficantes e mataram os garotos. O pai falou “Como o ladrão fez isso com o meu filho?”, e daí falaram “Não, os bandidos não mataram o seu filho, a policia matou”. Ele foi no lugar do crime, começou a anotar tudo, achou uma série de furos, foi atrás de testemunhas. Foi ele que levantou o caso e conseguiu, a partir da investigação dele, punir os policiais. Ou seja, a polícia, se dependesse dela, ia ser mais um caso, como existem inúmeros.

“O extermínio ao bandido como o novo inimigo começou a ser uma técnica usada nas periferias, como se dessa forma você conseguisse controlar ou evitar a desordem nesses bairros.”

Essa violência usada pela polícia também é alimentada por crenças da sociedade? Sem dúvidas. Medo, insegurança, sensação de impunidade, as pessoas se sentem vulneráveis, tem raiva de serem assaltadas. A grande questão é que elas acreditam que é uma política eficiente, que exterminar ladrão deixa o mundo mais seguro. Então você tem essa crença na eficiência do homicídio como política pública, é uma coisa que persiste há 40 anos e a gente não consegue mostrar que não, que piora as coisas. Quais são as principais consequências da violência policial? Mais crime, mais raiva, perda de legitimidade das institui-

ções brasileiras, desconfiança da polícia, desconfiança no Estado. Em 2007 eu entrei no complexo do alemão logo depois que mataram 19 pessoas lá dentro. Eu fui colhendo testemunhos, entrava na casa de algumas pessoas. Vi a casa de uma senhora cheia de balas no chão, ela tava com uma lata de Nescau grande cheia de balas de fuzil. Eles entraram, começaram a atirar em traficantes da janela da casa dela, botaram fogo na moto de um outro que era suspeito de ser do tráfico, roubaram um comerciante, roubaram o toca fitas de um carro. Ai você entra nesse lugar e quem que são os amigos? Quem que as pessoas acham justos? Os traficantes. Quem que as pessoas odeiam? Os policiais. É um processo de deslegitimação do Estado. É todo um sistema de produzir raiva, ódio e revolta contra o sistema. Como é possível comparar a violência policial no Brasil com o que acontece em outros países? A violência policial nesses moldes é um fenômeno muito típico daqui, ela e a própria forma como as pessoas estão anestesiadas para esse tipo de violência também. Você vê, a gente vem falando das histórias de Baltimore, de um cara que morreu assim, isso acontece três vezes por dia aqui e a gente não fala sobre isso. É uma coisa considerada desagradável. Qual você imagina ser o futuro da violência policial? Eles são muito fortes corporativamente e eles têm uma possibilidade de pressionar politicamente os governantes. Sendo que se você fizer uma reforma que desagrade alguns policiais você tem o problema, primeiro, de que eles são armados e, segundo, que eles podem fechar os olhos e a coisa tender a greve de polícia, por exemplo. Então você tem essa dificuldade política de alguém falar “Vamos reformar, a gente precisa fazer essa reforma”, é uma discussão que empaca. Assim, hoje haveria todos os motivos do mundo para ser pessimista. Agora, eu acho que em algum momento as pessoas vão perceber, para não se autoexterminar até. É uma discussão que já vem sendo feita faz tempo, o desafio é mostrar que são necessários outros tipos de reformas, outro tipo de compreensão sobre esse sistema.

Entrevista completa no site: jornaldocampus.usp.br


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015

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Problemas no apoio à permanência estudantil refletem precarização da USP Questões vão de atrasos nos resultados de auxílios à situação das dependências do CRUSP

Problemas de infraestrutura Superada a dificuldade em encontrar um apartamento no CRUSP, os discentes esbarram em outra questão: a infraestrutura dos blocos e quartos ocupados. A reportagem presenciou

inúmeros problemas estruturais, os quais podem comprometer a integridade física e a saúde de muitos moradores. Elevadores com fiação exposta, entulhos espalhados pelos corredores, problemas de iluminação, falta de cadeiras nas cozinhas e saídas de emergência contra incêndios sem os degraus no primeiro andar (o que seria fatal em ocasião de incêndio) são apenas alguns dos problemas estruturais com os quais os estudantes se deparam. “A precarização não deixou o CRUSP de fora. Por conta dos cortes, a falta de limpeza tem tornado nossa vida um caos, e isso vem desde a greve do ano passado. Já vi rato andando pelo corredor do meu bloco e até encontramos uma pomba morta em um tubo de ventilação, que desemboca em uma das cozinhas”, contou S.T. Foi relatado também que a falta de conexão com a internet em alguns blocos permance desde 2012, bem como problemas com infiltração e rachaduras nas paredes dos prédios.

VINÍCIUS CREVILARI

Acampamento A resposta dos moradores do CRUSP a esse tipo de dificuldade foi fazer um acampamento para acomodar os estudantes que necessitavam de moradia, a partir de uma lista com o contato destes alunos, feita desde o período de matrícula. A decisão pela medida partiu de deliberação em assembleia dos moradores do CRUSP. O acampamento se estabeleceu na sala 51 do bloco F e durou cerca de um mês, até que os estudantes fossem alojados. “Todos os estudantes que ficaram no acampamento conseguiram suas vagas”, afirma D.G, que, assim como, S.T., não quis se identificar

por “temer perseguições políticas por parte da SAS”. D.G. completa que as ocupações dos blocos continuam sendo a única saída para minimizar o problema da falta de vaga, frente às dificuldades de diálogo com a SAS e a reitoria: “Todos os blocos do CRUSP utilizados como moradia foram conquistados através de ocupações, pois a reitoria nunca entregou nada sem pressão dos moradores. O CRUSP nunca foi dado, sempre foi tomado”. O estudante lembra ainda a ocupação da reitoria em 2013, quando o movimento estudantil se mobilizava por eleições diretas para reitor e pela devolução dos blocos K e L, com sua entrega prometida desde 2009 e onde hoje se encontra o prédio da antiga reitoria.

VINÍCIUS CREVILARI

nomes de estudantes considerados em situação de emergência. Conforme as vagas no alojamento são ocupadas pelos alunos da lista emergencial, os nomes dos estudantes na lista de espera vão rodando. Mas isso não significa que sobrem vagas, pois a maioria dos casos são emergenciais e, por vezes, não há espaços para os alunos no alojamento.

JORNALISMO JUNIOR

Foi através de um comunicado por e-mail, em 30 de abril, que os estudantes da Universidade de São Paulo foram notificados do atraso nos resultados das inscrições do Programa de Apoio à Permanência Estudantil de 2015 (PAPFE-2015), para suporte à moradia e auxílios para alimentação, transporte e livros. O resultado foi adiado para 13 de maio. No mesmo informe, a Superintendência de Assistência Social (SAS) justificou que o grande número de inscritos neste ano e outras demandas urgentes do Serviço Social “impossibilitaram a conclusão do processo no prazo inicialmente previsto”. O aviso, dado no mesmo dia em que os resultados das bolsas-auxílio deveriam ser publicados, coloca em debate as dificuldades enfrentadas pelos estudantes em busca de apoio à realização de seus estudos na USP. “Sou do interior e não sabia ao certo se conseguiria estudar aqui, porque não tinha condições financeiras de me manter na capital. Só consegui minha vaga depois de esperar por uma lista de espera, e tive de me garantir em outro espaço, até que minha situação fosse resolvida. Minha graduação estava em risco”, diz S.T., morador do CRUSP e representante da Associação dos Moradores do Conjunto Residencial da USP (Amorcrusp). O “espaço” referido pelo estudante é o Alojamento Coletivo Provisório, que, segundo o site da SAS, existe exclusivamente para atender calouros no início do ano, até que seja divulgado o resultado final da seleção para os apoios à permanência estudantil. Porém, ali também não há lugares suficientes, e para conseguir um é necessário entrar em uma lista de espera, que é precedida por uma outra, que por sua vez é preenchida com

USP IMAGENS

VINÍCIUS CREVILARI

Precariedade do CRUSP reflete descaso na assistência aos estudantes

Fachada do Conjunto Residencial da USP contrasta com espaços internos precários, em situação que vem se arrastando há anos O Jornal do Campus tentou contato com o Superintendente de Assistência Social da USP, Waldyr Antonio Jorge, bem como com a diretora da Divisão de Promoção Social da SAS, Rosana Campanhã da Silva e a reitoria para esclarecimento em relação ao adiamento nos resultados das inscrições do PAPFE-2015, a questão da disponibilidade de vagas no CRUSP, bem como a situação física dos apartamentos e a devolução dos blocs K e L, mas não obteve respostas até o fechamento desta edição. Uma questão histórica A luta por apoio à permanência na Universidade é antiga e remonta aos tempos tensos de Ditadura Militar, quando estudantes ocuparam, em 1964, os prédios da Vila Pan-Americana localizados na Cidade Universitária - única construção feita exclusivamente para abrigar os atletas durante os Jogos Pan-Americanos de 1963, em São Paulo, e que hoje serve como Conjunto Residencial da USP (CRUSP). Da reintegração do local por tropas do exército cinco dias após decretação do AI-5, em 1968, à atual situação da moradia, uma sequência de ocupações e reintegrações de posse marcaram o cotidiano do espaço, evidenciando problemas de ordem política entre estudantes e reitoria, os quais se arrastam até os dias de hoje.


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UNIVERSIDADE

PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Professoras criam rede de apoio a vítimas de violência sexual na USP O grupo Quem Cala Consente pretende acolher alunas e desenvolver campanhas educativas sobre violência de gênero dentro da universidade MÁRCIA COUTO

LAURA VIANA

Cerca de oitenta professoras e pesquisadoras da USP se reuniram no dia 23 de abril para discutir a criação de uma rede de apoio às vítimas de violência sexual na universidade. O encontro, que aconteceu no auditório da Faculdade de Medicina, foi inicialmente articulado por seis professoras – Ana Flavia D’Oliveira, Márcia Couto e Maria Fernanda Peres, da Faculdade de Medicina, Vera Paiva, do Instituto de Psicologia, Heloisa Buarque de Almeida, da FFLCH, e Elisabete Franco, da EACH - e convocado por meio de um manifesto-convite divulgado entre docentes pelas redes sociais e por e-mail. O grupo, nomeado nesta primeira reunião como Quem Cala Consente, surge como resposta às denúncias de violência sexual e de gênero apresentados ao longo dos últimos meses na CPI que investigou violações de direitos humanos dentro da universidade, como o caso do aluno da Faculdade de Medicina que, acusado de envolvimento em três casos de estupro, foi suspenso por 180 dias em razão de “infrações disciplinares”. Além disso, a rede é vista como forma de oficializar o apoio que muitas docentes já prestavam de maneira individual às denúncias que recebiam de alunas. “Muitos dos casos de violência de gênero e de violência sexual chegavam até nós, professoras, e, conversando, pensamos que deveríamos fazer uma resposta mais propositiva e fugir da mera denúncia”, explicou, em entrevista ao JC, a professora Márcia Couto, definindo a criação do grupo como uma forma de demonstrar que “as professoras da USP não se calam nem consentem mais diante das situações de violência de gênero na universidade”. Formada apenas por professoras e pesquisadoras, a rede não inclui alunas ou funcionárias em seus grupos de discussão, ponto que foi alvo de questionamentos durante a primeira reunião. A docente de Medicina defendeu o modelo citando o fato de que as professoras têm papel mais estável na universidade, o que possibilitaria maior acesso à discussão institucional das questões – “são pessoas que passam vinte, trinta anos de suas vidas dentro da universidade e têm uma outra visão da instituição que não

O grupo reúne cerca de 80 professoras e pesquisadoras, além de receber apoio de outras 150 docentes aquela do aluno” -, mas não descarta a parceria com coletivos feministas já existentes. Em sua primeira reunião, foi definido que a organização das ações da rede se dará por meio de quatro grupos de trabalho diferentes. O primeiro deles ocupa-se do planejamento e da execução de campanhas educativas relacionadas à prevenção e ao enfrentamento da violência sexual e de gênero no espaço universitário, e também da criação de mecanismos que facilitem a comunicação entre as participantes do grupo e a divulgação das discussões e processos desenvolvidos. O grupo diz esperar que as campanhas, apesar de voltadas ao ambiente da universidade, “tenham eco para sociedade como um todo” e sirvam como forma de demonstrar que a USP “não é apenas alvo de denúncias, mas também tem se mobilizado para fazer o enfrentamento interno das questões”.

“As professoras da USP não se calam nem consentem mais diante das situações de violência de gênero na universidade.”

O segundo grupo é responsável pelo que é considerado o objetivo prioritário da rede: o desenvolvimento de métodos mais eficazes de acolhimento às vítimas, que seriam usados em capacitações de docentes e serviços de amparo já existentes, promovendo o que se classifica como “uma escuta mais qualificada” das questões de violência de gênero que possam ser enfrentadas pelas alunas, funcionárias ou mesmo professoras dentro do espaço universitário. Já o terceiro grupo é responsável por avaliar e pensar formas de aperfeiçoamento dos meios institucionais já existentes que lidam com os casos de violência e se encarregam da apuração das denúncias e da responsabilização dos agressores. “Uma das questões que nos angustiava muito era a morosidade e a ineficiência dos mecanismos de apuração e punição dos casos já divulgados”, diz Márcia, ao defender a revisão dos regulamentos e códigos de ética vigentes.

O quarto e último grupo de trabalho é responsável pelo intercâmbio entre as diferentes unidades da USP e reúne representantes de diversos institutos com a proposta de troca de informações sobre as atividades realizadas. Por volta de 150 outras docentes além das presentes na reunião inicial também se manifestaram de forma favorável à criação do grupo, que agora conta com apoio em 23 institutos da universidade. As reuniões seguintes serão sediadas de forma revezada entre as unidades representadas na rede. A próxima delas, que debaterá as propostas levadas pelos grupos de trabalho, acontecerá no dia 27 de maio, às 18h, na Faculdade de Saúde Pública. Como o grupo se encontra em fase de estruturação, os meios de contato para denúncias e acolhimento ainda não foram definidos.

Grupos de trabalho

Grupo de trabalho Campanhas educativas e comunicação

“Uma das questões que nos angustiava muito era a morosidade e a ineficiência dos mecanismos de apuração e punição dos casos divulgados.”

Rede de acolhimento às vítimas

Diagnóstico institucional

Intercâmbio e apoio às atividades locais

Coordenação

Objetivo

Márcia Couto (FMUSP)

Planejamento e da execução de campanhas educativas relacionadas à prevenção e ao enfrentamento da violência sexual e de gênero na universidade

Ana Flávia D’Oliveira (FMUSP)

Criação de métodos mais eficazes de acolhimento às vítimas e capacitação de docentes e serviços de amparo já existentes

Maria Fernanda Peres (FMUSP) e Deisy Ventura (IRI)

Análise e aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais já existentes responsáveis pela apuração de denúncias

Ana Flávia D’Oliveira (FMUSP), Vera Paiva (IP), Maria Fernanda Peres (FMUSP), Márcia Lima (FFLCH), Heloísa Buarque (FFLCH), Bete Franco (EACH), Simone Diniz (FSP), Nilce Aravecchia (FAU), Elizabeth Meloni (FM-RP), Maria Clara Di Pierro (FE)

Troca de informações sobre atividades e métodos de ação nos diversos institutos e campi da USP


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | MAIO 2015

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USP cogita Enem para acesso à graduação A forma de entrada abrangeria 15% dos ingressos e se prestaria a alunos de escolas públicas MARCELA CAMPOS

as ETECs são dirigidas pela autarquia Centro Paula Souza, que é controlada pela Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia. Além disso, as últimas ainda requerem a participação em um processo seletivo para ingresso, chamado informalmente de ‘vestibulinho’, que visa selecionar os melhores alunos sob a ótica conteudista. O vestibulando avalia as chances do aluno da ETEC de conseguir uma vaga em um curso superior mais concorrido, como Medicina ou Engenharia, como “muito difícil, e a da escola estadual comum é bem menor”. Segundo Constancio, “até então, cabiam aos estudantes de escolas públicas os cursos de licenciatura ou de baixa remuneração no mercado de trabalho.” O professor fala da necessidade de derrubar o mito que alunos cotistas podem ter desempenho pior do que a média e, consequentemente, degenerar o nível de qualidade das universidades públicas: “Alunos cotistas são dedicados, inteligentes, disciplinados. Desistem menos porque não podem se dar ao luxo de perder uma oportunidade.” A notícia da possibilidade de reserva de 15% das vagas na USP pegou Shinsuke de surpresa: “Fico feliz em saber que mais pessoas poderão cursar uma das melhores faculdades do Brasil”, declarou, após ressaltar a importância de qualquer forma de inclusão. Ele ainda chamou a atenção para outro ponto da medida que democratiza o ingresso na Universidade: “A inscrição

10.955

alunos ingressaram na USP em 2015

88,0,0

35,1%

eram da rede pública de ensino

“A principal diferença entre o ensino público e o privado é que o público tem, além do ensino, outras questões a serem resolvidas, o que faz com que o foco não seja somente o vestibular.” — Douglas Rocha Constancio, professor de Sala de Leitura e História da Diretoria Regional de Ensino de São Mateus

9,6

Acréscimo de até 20% da nota para alunos da rede pública

10,0

Acréscimo de até 25% da nota para indígenas

Bonificação na FUVEST 2015

18%

dos ingressantes são pretos, pardos ou indígenas

58% dos inscritos no ENEM 2014 eram negros

48% da população jovem é composta de negros ou pardos 56% dos alunos de escola pública são negros ou pardos

da Fuvest é muito cara. Alunos que não conseguem pagar muitas inscrições e alunos de outros estados vão ser beneficiados”. Quando questionado se pretende se inscrever no programa caso ele seja aprovado para o vestibular 2015, Shinsuke encerra a entrevista dizendo: “Pretendo, sim! USP é USP!” Ingresso Negro De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do total de inscritos no Enem 2014, 57,91% eram autodeclarados negros. Ao mesmo passo, negros ou pardos são 56,4% nas escolas públicas do país, segundo o Censo Escolar 2005. Para Pamela Camarano, estudante de Turismo da Universidade de São Paulo e negra, a medida pode ser benéfica para o grupo racial “se considerarmos que está reservado um espaço a um grupo no qual negros são maioria”, esclarece, sem deixar de mencionar que dificilmente a medida será tão eficaz quanto o sistema de cotas. Isso porque, segundo a estudante, ainda que as chances sejam maiores de haver um negro selecionado dentro da porcentagem (15%) de vagas destinadas à escola pública do que fora, ainda não se reserva a ele espaço e visibilidade próprios da desigualdade histórica de que sofrem. “Beneficia, mas não isenta da necessidade de um programa onde os negros e seu histórico de opressão sejam o foco e que almeje igualar seu espaço com o da população branca”, finaliza. STELLA BONICI

Shinsuke Kira, 20 anos, morador de Rio Grande da Serra, estado de São Paulo, acorda todos os dias às 4h45 da manhã. Sai de casa às 5h e pega trem e metrô para chegar à capital a tempo das aulas do cursinho, que começam pontualmente às 7h05. Shinsuke estuda no Etapa Ana Rosa com bolsa integral e já passou por outros dois preparatórios nos últimos anos, sempre contemplado pelo benefício na mensalidade. Foi ajudando os colegas da ETEC Alberto Santos Dumont a sanar dificuldades de aprendizado que o estudante da região metropolitana de São Paulo descobriu sua vontade de exercer a Medicina. Tendo sido aluno da rede pública por toda a sua vida, não foi até a chegada no cursinho que percebeu suas defasagens no conteúdo escolar: “Todos os meus colegas de sala eram de escolas particulares. O nível deles era, sem dúvida, superior ao meu”, explica. Para este e mais milhões de alunos é que está em vias de aprovação, na Universidade de São Paulo, uma medida que reserva 15% das vagas anualmente abertas para estudantes de escolas públicas com ingresso via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A medida afirmativa é mais um passo na direção da meta da USP, que é de ter, em sua composição de alunos, 50% deles provenientes da rede pública até 2018 — no último ano, 35,1% dos ingressantes se encaixavam neste perfil. Segundo a pró-reitoria de Graduação, a proposta conta com amplo apoio da comunidade acadêmica e deve ser apresentada ao Conselho Universitário (CO) para aprovação até junho, podendo estar em vigor já no próximo vestibular, ao fim deste ano. Já existe, na Universidade, o Inclusp — o programa consiste em medidas de bonificação que podem chegar até 20% de acréscimo na nota de alunos de escolas públicas e 25% para estes alunos que forem negros ou indígenas. Foi com o bônus que Shinsuke conseguiu passar para a segunda fase da Fuvest nos últimos dois anos: “Fiz 62 pontos [na primeira fase]. Com o Inclusp, fui para 72. Passei na primeira fase pra Medicina, mas não fui aprovado”, e desabafa: “Se eu não tivesse esses bônus, eu nunca iria passar ou sequer ter alguma esperança”. Douglas Rocha Constancio, professor de Sala de Leitura e História da Diretoria Regional de Ensino de São Mateus, também fala sobre a importância dos mecanismos de inclusão para o aluno da rede pública: “A criação dos bônus e

cotas é um primeiro passo para encorajar o aluno da periferia, para que ele também almeje a universidade”. A escolha do Enem é bem-vinda para Shinsuke, já que a prova “se aproxima mais da função social da escola”, apontando como exemplo as redações do exame, que sempre buscam questionamentos civis. Ainda segundo ele, há maior proximidade com o projeto da escola pública, que não forma “um aluno robô que resolve provas, mas prioriza a formação social do aluno, quer que ele saia de lá formado como um cidadão melhor”. Constancio concorda e ressalta a principal diferença que vê entre os colégios particulares e públicos — enquanto os primeiros podem focar no conhecimento técnico voltado ao vestibular, os últimos precisam com outras adversidades. Acrescenta, ainda, que as provas estão mais exigentes e que muitos dos alunos das escolas públicas precisam estudar e trabalhar simultaneamente, o que acarreta que “eles não tenham dedicação exclusiva”. Shinsuke não deixa de fora o recorte que diferencia as ETECs das escolas públicas estaduais de nível médio, que são maioria no país: “[Nas escolas públicas estaduais] o ensino é muito defasado. A expectativa de continuidade nos estudos não é prioridade”, aponta. De acordo com ele, ainda há diferenças na administração de ambos os modelos — enquanto as estaduais regulares são regidas pela Secretaria da Educação,

43%

dos ingressantes possuem renda familiar acima de 7 salários mínimos


8 UNIVERSIDADE

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Prefeitura da Capital afasta servidores por assédio moral Após 20 dias de paralisação e histórico de reclamações, funcionários conseguem afastamento de chefes abusivos FERNANDO MAGARIAN MARCELO GRAVA

“Estamos adoecendo por assédio, homofobia, machismo e más condições de trabalho”. Assim se apresentaram à comunidade uspiana, em carta aberta publicada no dia 16 de abril, os funcionários da Prefeitura do Campus da Capital (PUSP-C). Após constantes denúncias de assédio moral contra chefes da unidade, os trabalhadores paralisaram suas atividades por 20 dias e, em negociação junto à reitoria, conseguiram com que fosse aberta sindicância para investigar as acusações. As reclamações de funcionários da prefeitura contra seus superiores existem desde 2013, embora a unidade alegue não ter conhecimento de denúncias anteriores às do último mês. Além disso, diversos problemas de infraestrutura e queixa de sobrecarga de trabalho foram relatados pelos funcionários. Inicialmente, a intenção das vítimas era conseguir uma reunião com o prefeito, Arlindo Philippi Jr., mas a situação se intensificou quando não foram apresentadas medidas imediatas, tanto por parte da Prefeitura quanto da reitoria. Assédio constante Na carta aberta de 16 de abril, os trabalhadores, então paralisados, denunciaram uma série de casos de assédio moral, homofobia e machismo por parte de alguns chefes. “Queremos aqui relatar alguns desses casos, para que

toda a universidade conheça e compreenda por que paramos.” Na carta, chefes são nominalmente acusados de diversos casos de assédio a seus funcionários - incluindo conduta machista e homofóbica, ofensas diversas e o “encosto” de funcionários, deixados sem nenhuma atribuição por meses. Apesar das tentativas de contato, os repórteres não obtiveram respostas dos dirigentes citados. O Jornal do Campus conversou com trabalhadores e trabalhadoras da unidade, que relataram algumas das situações enfrentadas. Para evitar retaliações e para preservar sua intimidade, solicitaram que seus nomes não fossem revelados, portanto todos os nomes usados são fictícios. Pelo mesmo motivo, os relatos também não citam os nomes dos chefes envolvidos em cada caso, uma vez que a reitoria não informou se todos os acusados serão sindicados. Rafael, que é gay, conta ter sofrido perseguição de seu chefe por causa de sua orientação sexual desde que entrou na Prefeitura. “Ele me expôs a varias situações de humilhação, constrangimento”, relata. “Me perseguia, me proibiu de ir a uma consulta agendada no HU, tudo para mostrar que ele tinha poder e me humilhar”. Esse mesmo chefe, de acordo com o funcionário, ainda assediava uma colega sua , também homossexual, fazendo piadas homofóbicas e chamando-a de “sapatão”. “Ela tinha

“Paralisar foi o único modo que a gente conseguiur ser ouvido.”

mais de 60 anos, e não podia falar com nenhuma mulher que ele [o chefe] dizia que ela ‘tava’ tendo um caso com ela”, Rafael diz. A funcionária, não aguentando mais o assédio, se demitiu este ano pelo Plano de Incentivo à Demissão Vonluntária (PIDV). Ele também tenta se transferir para outra unidade: “há dois anos eu não sei o que é ter paz”. Tatiana, funcionária da Prefeitura há 20 anos, conta que mais de uma vez foi ameaçada por chefes por causa de problemas em seu trabalho. De acordo com ela, quando encontravam alguma falha, em função da sobrecarga de trabalho e da pressão de prazos, os chefes faziam insinuações do tipo “vai ser demitida, vai ser aberta sindicância”, em vez de conversar diretamente com ela. Ela relata que isso acontecia frequentemente, com diversos trabalhadores. “A minha opinião é que não é dessa forma, não é pressionando, ameaçando, tem que ter um diálogo. Tem que saber ouvir seus funcionários”, diz. Outra trabalhadora, Célia, alega ter sido encostada pela chefia após iniciar um curso técnico para se qualificar em sua área. “Quando eu mostrei um documento pra minha chefe do curso que eu ‘tava’ fazendo, ela mudou sua postura, começou a me evitar”, ela conta. “Todo chefe que ia me passar tarefas, ela falava pra não pas-

sar.” Os colegas confirmam a história. Tatiana relata que “várias vezes eu quis que a Célia trabalhasse comigo, porque ela já trabalhou comigo, e ela trabalha bem, nunca tive nenhum problema ao longo dos anos. Mas eu nunca consegui, toda vez que eu pedia era negado”. A funcionária ficou desde 2013 até este ano sem nenhuma atribuição, vendo seus colegas trabalhando e “se sentindo inútil”, como ela disse. “Quando chegava segunda-feira, eu saía para trabalhar por causa das minhas contas. Vontade mesmo de colocar o pé na USP, eu não tinha”. Ela, como tantos outros colegas, tentou se transferir para outra unidade, mas alega que a chefe dificultou o processo. A funcionária Mariana, também vítima de assédio que está em tratamento psiquiátrico, lamenta: “aqui na universidade acontece assim com os funcionários. Se você não faz o que eles [chefes] querem, eles te colocam num canto, pegando mosca, não te dão serviço. Acabam com a auto estima da pessoa”. Condições precárias Além do assédio, os trabalhadores se queixam de sobrecarga, agravada pelas demissões de funcionários pelo PIDV sem abertura de novas contratações, e de problemas de infraestrutura dos locais de trabalho. Na carta citada, eles relatam “móveis e cadeiras em péssimo estado,

Funcionários mantêm paralisação em 16 de abril.


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LAÍS TIRANOSSAURO

rachaduras nas paredes, com claro risco de desabamento, instalações elétricas expostas, falta de forro no teto, falta de circulação de ar, locais de alimentação junto a banheiros, vestiário na cozinha, ambientes favoráveis à proliferação de roedores e insetos, enorme risco de acidentes, e nenhum conforto para o trabalho”. Mariana reclama: “eles reformam a sala do prefeito, enquanto a sala dos funcionários ‘ta’ caindo o teto”. A carta também afirmava que todos estes problemas já haviam sido relatados, oralmente e por escrito, ao prefeito Philippi Jr. - os primeiros relatórios seriam de 2013 -, e nenhuma providência teria sido tomada. A Prefeitura nega. Em resposta aos nossos questionamentos, a Assistência Técnica de Relações Institucionais da Prefeitura alegou que “nenhuma denúncia formal chegou ao gabinete da atual administração da PUSP-C anteriormente”. A solicitação dos repórteres para realizar entrevistas diretamente com o prefeito foi negada. Mariana nos contou ter elaborado, já em maio de 2013, um relatório sobre a situação do galpão de resíduos, com fotos e sugestões de reparos, que teria sido enviado ao prefeito, o que foi confirmado por outra funcionária, Juliana, responsável por um canal de comunicação institucional entre os trabalhadores e a administração da prefeitura. Juliana ainda afirma que em outubro do ano passado, ao final da última greve de funcionários da USP, ela apresentou um relatório ao prefeito alertando que havia “problemas de relacionamen-

to, situações de tensão e desconfiança mútua” entre os trabalhadores e chefes da unidade. Os problemas teriam sido reiterados em nova reunião com o prefeito em fevereiro deste ano, em que ela também esteve presente. No dia 17 de abril, durante a paralisação, Juliana conta que Arlindo apareceu em uma reunião dos funcionários, e alegou que não tinha conhecimento das denúncias de assédio, ao que foi confrontado por ela com o relato destas reuniões. De qualquer forma, em relação aos questionamentos sobre os problemas de infraestrutura dos prédios relatados pelos funcionários, apenas fomos informados que “o orçamento aprovado pelo Conselho Gestor do Campus da Capital e pelo Conselho Universitário, entre setembro e dezembro de 2014, tem prevista a reforma dos blocos F, I e A, além do Centro de Informações”. Vinte dias de paralisação Segundo Claudionor Brandão, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) que acompanhou todo o caso, os funcionários assediados, ao procurar a entidade, no início de abril, foram desaconselhados a se transferirem a outras unidades. “Falamos que não é o incomodado que tem que mudar, mas o incômodo”, comenta. No dia 6 de abril, os trabalhadores se reuniram com o Sintusp e decidiram pedir providências ao prefeito, deliberando uma paralisação no dia 8 após não conseguirem com que fosse marcada uma reunião. “O prefeito lavou as mãos e a reitoria empurrou com a barriga”, diz Brandão. Rafael conta que chegou a falar com o vice-prefeito, Tércio Ambrizzi, mas foi ameaçado

pela chefe. “Paralisar foi o único modo que a gente conseguiu ser ouvido”, diz. Foi instituída, então, uma Comissão Permanente de Relações do Trabalho da Reitoria (Copert) – composta pelo procurador Salvador Ferreira da Silva, pela professora Ana Carla Bliacherine, Diretora Geral do Departamento de Recursos Humanos da USP, e pelo assistente e analista financeiro Daniel de Souza Coelho –, que prometeu averiguar as denúncias em um prazo de quinze dias. Os funcionários, no entanto, entenderam que a reparação deveria ser imediata e seguiram com a paralisação. “Retornar ao trabalho sem que esses chefes sejam afastados significa voltar a expor os funcionários à situação que já levou alguns de nós a adoecer”, afirmaram na carta aberta. Seis dias mais tarde, em nota direcionada Aos membros da comunidade universitária, a reitoria anunciou que “foi solicitado à Justiça que assegurasse o direito de livre acesso aos prédios da Universidade”, “fixando multa diária pelo descumprimento da liminar”. Em 16 de abril, a Polícia Militar amanheceu na prefeitura alegando possuir ordem judicial para retirar os manifestantes do local. Imediatamente, porém, os funcionários se reuniram em assembleia e decidiram manter a paralisação.

“Vontade mesmo de colocar o pé na USP, eu não tinha."

Desfecho consensual No dia 24 de abril, o prefeito comunicou que seria instalada uma sindicância para apurar os abusos, enquanto os chefes acusados seriam substituídos por interinos, uma vez que a Comissão Permanente de Relações do Trabalho da Reitoria (Copert) “concluiu que os relatos apresentados por

funcionários indicam elementos caracterizadores de suposto assédio”. A reunião final de negociação entre funcionários, sindicato e reitoria ocorreu em 27 de abril, quando a paralisação finalmente se encerrou após quase 20 dias. Contatada, a reitoria informou que nenhum membro da comissão de negociação com os trabalhadores se pronunciaria, mas acrescentou que também foi acordado um ‘banco de horas’ para compensação do tempo correspondente à paralisação dos funcionários. Desconfiança Funcionárias da prefeitura deixaram claro que não confiam na medida tomada pela reitoria. “A gente não tem sequer informações sobre a sindicância”, diz Juliana. “Na reunião de acordo de encerramento da paralisação com a reitoria nós solicitamos os nomes da Comissão Sindicante, perguntamos como iria funcionar, e não fomos informados de nada. Nem os funcionários assediados estão recebendo satisfações”. Mariana completa: “nós não estamos confiando nessa sindicância aberta pela reitoria, não”. Ambas afirmaram que existem, ainda, cópias de diversos e-mails enviados por funcionários ao prefeito tratando de assédio, relatos escritos e outros documentos que comprovam seu conhecimento prévio da situação. No entanto, Mariana afirma que os funcionários da unidade decidiram preservar tais documentos, ao menos por enquanto, pois estudam usá-los como prova em potenciais ações contra os ex-chefes no Ministério Público e na Justiça do Trabalho.


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Aula na Biociências acende debate sobre racismo no meio acadêmico Professor discute tese controversa e causa polêmica em aula de pós-graduação JOÃO CESAR DIAZ LUÍS VIVIANI

“Alguns membros da Ocupação Preta começaram a se exaltar e o professor também perdeu a paciência.” —Davi Toshio

Uma resposta O IB, em nota de esclarecimento, relatou que a disciplina durante a qual ocorreu a ocupação se chama “English for Science”, e almeja estimular a escrita e o uso oral da língua inglesa entre os pós-graduandos. Dentre as estratégias de ensino adotadas está “a indicação de textos publicados em revistas de circulação internacional”. O conteúdo destes textos teriam de ser polêmicos, a fim de aumentar o engajamento dos alunos no debate em língua inglesa. A nota também diz que, de acordo com o Professor Peter, “pretendia-se estimular o debate sobre até que ponto os argumentos apresentados pelo autor seriam cientificamente defensáveis, e não estimular qualquer forma de racismo”. E completou-

-se: “ressaltamos que o Instituto de Biociências, em sintonia com a Universidade de São Paulo, estimula a tolerância e o respeito a divergência de opiniões, e a liberdade de expressão e discussão”. Um olhar de perto Davi Toshio, graduado em Biomedicina pela Universidade Federal do Pará, faz o curso em questão e estava na aula durante a intervenção. Segundo ele, o professor tinha alertado previamente a turma sobre o fato de o texto ser polêmico, e que por isso renderia discussões boas para treinar o inglês. Para ele, entretanto, o professor Peter escolheu um tema inapropriado para ser discutido em sala, “apesar de que nenhum dos alunos concordou com o artigo e ninguém foi obrigado a acreditar no mesmo”. Toshio também apontou que Peter arguiu, baseado nos dados apresentados no texto, a possibilidade de existir diferença entre os QIs dos grupos. “Ele falou que os dados o convenceram de que possa existir diferença no QI médio entre as populações, e gostaria que fizéssemos uma análise crítica e impessoal. Nesta análise ele gostaria de saber se concordaríamos ou não com o tema, e por quê”, disse. Segundo ele, o grupo entrou de surpresa um pouco antes do intervalo, mas a discussão se deu posteriormente, e tudo durou cerca de uma hora e meia. Sobre as acusações da OP contra Peter Pearson, Toshio acredita que “a partir do momento em

que alguns membros da Ocupação Preta começaram a se exaltar, o professor também perdeu a paciência, mas ele tentou valorizar o diálogo no início”. Em inglês? Sobre bater palmas durante o discurso dos estudantes negros e de dizer “shut up” para suas falas, Toshio disse que de fato esse desrespeito aconteceu, “mas que isso foi muito depois do início da discussão, pois alguns integrantes do grupo apenas se direcionavam de forma agressiva nas falas”. Com relação a se recusar a falar em português, Toshio acredita que o professor fez isso “pelo fato de esta disciplina ser ministrada somente em inglês”. Procurados pelo JC, alunos do Centro Acadêmico assumiram que, como disse Toshio, o professor não levou a discussão para o inglês numa tentativa de menosprezar os que faziam a ação de intervenção em sua sala. Também disseram que o tema trazido à tona pelo ocorrido, ou seja, a questão racial na ciência, necessita urgentemente ser colocado em discussão, já que o assunto ainda se encontra ausente de um debate que envolve diversos pontos históricos e culturais da nossa sociedade. Para eles, “é preciso discutir o tema. É pra haver censura? É pra trazer pra discussão? Se precisa debater o ambiente para que isso seja posto e, provavelmente, uma aula dada por um professor branco para uma classe quase completamente branca não deve ser”. ARTE: MARINA YUKAWA

No dia 22 de abril, uma aula ministrada para a pós-graduação no Instituto de Biociências da USP foi ocupada por cerca de dez integrantes do movimento negro. O acontecimento se articulou em tempo real, em resposta ao ocorrido, noticiado nas redes sociais como “uma aula racista”. Representantes do grupo Ocupação Preta (OP) consideraram ofensiva a escolha do texto que o professor britânico e colaborador da USP, Peter Lees Pearson, levou para discussão em sala. Em vista disso, segundo fontes procuradas pelo jornal, discussões acaloradas e protestos de ambas as partes se sucederam na sala de aula do edifício André Dreyfus. O texto gerador da polêmica é o artigo “A mais inconveniente verdade de James Watson: a realidade racial e a falácia moralista”, de autoria de J. Phillipe Rushton e Arthur R. Jensen, publicado em 2008 no editorial da revista científica Medical Hypotheses. Nele, o geneticista e ganhador do prêmio Nobel nos anos 1960 pela participação na pesquisa e descoberta da natureza da molécula de DNA, discorre sobre a ideia de que pessoas negras possuem menor capacidade intelectual do que brancas, usando como suporte para sua teoria estudos sobre coeficiente intelectual (QI) severamente criticados no meio acadêmico por seus métodos de realização. Conhecido por declarações gordofóbicas, homofóbicas e racistas, Watson chegou a falar em entrevista, a respeito de seu artigo, que, “apesar de esperar que todos [as “raças”] sejam iguais, qualquer um que já teve de lidar com um empregado negro sabe que não é verdade”. Em nota de repúdio publicada no Facebook, a OP, movimento que busca discutir temas e pautas raciais e a questão das cotas na universidade, explicou os motivos para sua intervenção. Composto por pessoas negras de dentro e fora da USP, o grupo se mostrou insatisfeito com o conteúdo da aula, apontando o texto como ofensivo, já que “o artigo propõe análises comparativas de QI entre populações africanas, europeias e asiáticas, sugerindo uma inferioridade intelectual do povo africano com base em estudos de J. Watson”. A nota lembrou que os estudos de Watson foram rechaçados pela academia, tendo seu autor, inclusive, sido exonerado do cargo na Spring Harbor Laboratory (CSHL), em Nova York, devido às

suas posições. A OP, ainda em nota, também acusou Peter de ter assumido uma postura racista, pois “defendeu subjetivamente o texto”. Para eles, o professor “não valorizava o diálogo”, “bateu palmas em cima das falas do estudantes negros”, “disse ‘shut up’ e se recusou a fazer a discussão em português”. O fato dá prosseguimento à onda de agitação expressa em diversas manifestações recentes na USP, como por exemplo as ocupações do Conselho Universitário (CO), no dia 14 de abril, e da aula de pós-graduação em Ciência Política ministrada pelo professor e prefeito Fernando Haddad, no dia 27. Manifestações, essas, que marcam a intensificação da atividade de movimentos de base estudantil na USP este ano.

QI 300

QI 70

Tese que gerou polêmica em aula utiliza argumento de QI para afirmar a superioridade dos brancos


CULTURA

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MAC expõe grandes nomes da gravura no Brasil DIVULGAÇÃO

Mostra é composta por obras contemporâneas dos artistas Oswaldo Goeldi e Evandro Carlos Jardim

"Santo Amaro III", 1986 Nanquim e aquarela sem papel. Evandro Carlos Jardim

PÂMELA CARVALHO

O MAC (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), no Ibirapuera, está apresentando a exposição “Goeldi / Jardim: A gravura e o Compasso”. Reunindo 40 trabalhos de Oswaldo Goeldi (1895-1961) e Evandro Carlos Jardim (1935-). A mostra tem curadoria de Claudio Mubarac, gravador, desenhista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. A exposição possui obras de dois artistas com estilos diferentes, mas que são temporalmente

próximas: as gravuras são datadas das décadas de 1960 e 1950, anos finais de Goeldi e época dos trabalhos inaugurais de Jardim. Outro fator que aproxima as obras dos dois mestres é a grande importância cultural que possuem, principalmente por representarem uma área das produções visuais pouco divulgada no Brasil, a da gravura. Segundo Claudio Mubarac, a falta de divulgação leva a um prejuízo no entendimento do papel que essa forma de construção artística cumpre na contemporaneidade. A exposição é fundamental para

explicitar essa função. “Os dois mestres que motivaram o recorte da exposição do MAC são prova da força dessa forma de arte, pois ambos têm sido fonte constante para os artistas jovens na criação de diálogos francos não restritos aos meios gráficos, mas como desafios para reflexão ampla diante da produção artística geral. Não é difícil estabelecer relações entre pintores, escultores, fotógrafos, por exemplo, e as obras de Goeldi e Jardim” , afirma o curador. As gravuras de Goeldi retratam as ruas de sua cidade, assim como os pescadores de suas

margens. Ele tinha um consciente artístico inconformista, que concordava com sua inquietude perante as injustiças sociais. Através de seus trabalhos, buscava retratá-las. A mostra do MAC traz as últimas obras da sua vida, um acervo de cerca de 12 obras, que apresentam cor forte. Os vermelhos se projetam nas xilogravuras, colorindo guarda-chuvas, sol, lua, mar. Uma de suas mais célebres gravuras é a arte sob papel “Pão de Açúcar”. A imagem retrata um dos maiores símbolos do Rio de Janeiro, representado com contornos desfocados, uma marca do artista. Jardim, por outro lado, não costuma interferir nos aspectos gerais da paisagem que xilografa. Ele apenas a particulariza nos objetos da cena. Algumas das suas obras podem até mesmo ser confundidas com fotografia contrastada. “Interlagos XIV, Luz e Sombra", trabalho feito em 1967, é um exemplo disso, e pode ser observado na mostra do MAC. Outro importante trabalho do artista em exposição é o “Novembro, 1964”. Exuberantes, suas gravuras chamam a atenção desde a primeira observação.

Em seu trabalho, Goeldi e Jardim representam as imagens de uma maneira diferente. As figuras são muito distintas no imaginário de cada um dos artistas. No entanto, segundo Mubarac, ambos foram capazes de representar com excelência a visão de um universo internalizado, medido por afetos. Cada um deles restaurou, através das suas gravuras, os arredores da própria realidade, sendo que Goeldi gravou paisagens cariocas e Jardim, as paulistanas. Os dois mestres registraram as margens das cidades com olhar de um geógrafo andarilho, segundo o curador. A técnica de produção dos dois artistas se aproxima também na simplicidade de meios empregados na elaboração das gravuras. “Há, em ambos, uma enorme economia de meios, que se revela nas linhas xilografadas de Goeldi, frestas exatas de luz, e nas gravuras de metal de Jardim, que combinam as vezes a linha cortada, direta e indiretamente, com chapados xilográficos secos, erodindo a matéria corroída em contraluz”, declara Cláudio Mubarac.

Goeldi/Jardim: A Gravura e o Compasso De 28.03 a 29.11 MAC USP Ibirapuera: Terça, das 10h às 21h. Quarta a domingo, das 10h às 18h. Av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Moema, São Paulo/SP. Entrada franca

Cinusp exibe filmografia de John Cassavetes Pioneiro do cinema independente, produziu obras sem custeio de Hollywood e criou personagens complexos SÉRGIO RODAS OLIVEIRA

Em cartaz no Cinusp, a mostra “As Faces de John Cassavetes” reúne 15 filmes do ator e diretor, além de um documentário sobre ele e dois programas de televisão dos quais participou. A exposição apresenta obras marcantes de Cassavetes diante das câmeras e também atrás delas, onde teve papel fundamental para o cinema independente. Nascido em 1929 em Nova York (EUA), Cassavetes se formou em 1950 na American Academy of Dramatic Arts, onde conheceu sua futura esposa, companheira de vida e de cinema, Gena Rowlands. Nesta década, passou a atuar também em séries de televisão e filmes “B”. Durante este período, dois trabalhos chamaram a atenção do público para o ator. O primei-

ro foi uma participação no programa Alfred Hitchcock Apresenta, no episódio Você Tem Que Ter Sorte. O segundo foi o papel do personagem principal do filme Um Homem Tem Três Metros de Altura, do diretor Martin Ritt. A partir daí sua carreira deslanchou, e passou a ser chamado para diversos trabalhos, com destaque para suas performances em Os Assassinos, de Don Siegel, A Fúria, de Brian de Palma, e no clássico O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Apesar disso, não deixou uma marca por sua atuação, afirma o curador da mostra, Cédric Fanti: “Ele foi um ator bem versátil, trabalhou em filmes de diversos gêneros e desenvolveu muitos tipos de personagens, mas não consolidou uma persona específica como fizeram outros atores contemporâneos a ele”.

Mas um aspecto significativo do trabalho de Cassavetes como ator é o fato de ele ter ajudado a custear alguns dos filmes em que participou, destaca Fanti. Essa característica está ligada à sua marca como diretor: buscar meios independentes de financiamento para o cinema. Inspirado em um exercício de interpretação passado a seus alunos de teatro, Cassavetes criou seu primeiro longa-metragem, Sombras. Produzido de forma completamente independente, o filme teve dificuldades para chegar aos cinemas. Mesmo assim, ganhou o Prêmio da Crítica do Festival de Veneza de 1960. Os produtores de Hollywood se interessaram por seu trabalho, e chegaram a convidá-lo para dirigir dois filmes no famoso complexo de estúdios. Entretanto, o diretor não se en-

tusiasmou com a experiência, teve problemas com a excessiva burocracia e hierarquização do processo de filmagem. Para não ter que se submeter a esse controle mais uma vez, aproveitou o sucesso de sua segunda película independente, Faces – indicado a três Oscars –, e montou uma empresa para produzir e distribuir os seus filmes, a Faces International.

Seu auge como cineasta foi na década de 1970, com os filmes Uma Mulher Sob Influência, A Morte de um Bookmaker Chinês e Noite de Estreia, sucessos de público e crítica. Segundo Fanti, as três produções se destacam, nelas “Cassavetes manteve a inquietação do começo de sua carreira, mesclando-a com um olhar mais demorado e sereno sobre essas personagens, extremamente complexas”.

As Faces de John Cassavetes De 17.04 a 15.05 Cinusp: Segunda a sexta, com sessões às 16h e 19h Rua do Anfiteatro, 181, Cidade Universitária, São Paulo/SP. Maria Antônia: Sexta a domingo, com sessões às 18h e 20h Rua Maria Antônia, 294, Consolação, São Paulo/SP. Entrada franca


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CIÊNCIA

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Testes para medir a inteligência são efetivos somente quando aplicados por psicólogos O Quoeficiente de Inteligência pode afetar o dia-a-dia e relacionar-se à síndromes e transtornos MARIANA MIRANDA

Testes Online Os testes online que prometem estimar o QI exigem um certo cuidado. “Na grande maioria das vezes, os testes de internet que prometem avaliar o QI das pessoas não passam de uma brincadeira feita por quem não tem a menor ideia do que seja psicologia, avaliação psicológica e mesmo o QI. Em geral, são de senso comum, não têm qualquer base conceitual ou científica que sustente as interpretações que sugere. Portanto, definitivamente, testes de QI que podem ser facilmente acessados e respondidos pela internet não são absolutamente confiáveis ou eficazes”, explica Rodolfo. No Brasil, a legislação e a normatização do Conselho Federal de Psicologia asseguram que apenas psicólogos podem adquirir, aplicar e fazer uso dos resultados de testes psicológicos e de inteligência. O ideal é procurar um psicólogo formado e registrado para aplicar esse tipo de procedimento. “O Conselho Federal de Psicologia certifica os testes psicológicos, não somente os de inteligência, determinando se apresentam critérios de qualidade mínimos para a utilização. Os testes que não recebem esta certificação não devem ser considerados”, explica Nelimar Ribeiro.

“Testes de QI que podem ser facilmente acessados e respondidos pela internet não são absolutamente confiáveis ou eficazes.” — Rodolfo Ambiel, doutor em psicologia

Transtornos e síndromes Algumas síndromes estão relacionadas à QIs muito altos ou muito baixos, levando também em consideração outros fatores externos. Priscilla Rodrigues, doutora em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, explica: “relacionadas a um QI baixo temos todas as síndromes que afetam a parte cognitiva do desenvolvimento. Algumas são extremamente raras, como as síndromes de Patau e Edwards, outras são mais comuns, como a Síndrome de Down. No entanto o rebaixamento cognitivo não está relacionado necessariamente a uma síndrome genética, e pode levar ao desenvolvimento de doenças decorrentes da falta de cuidados próprios, tais como higiene, alimentação adequada e balanceada, entre outros”. As síndromes de Patau e Edwards estão relacionadas com má formação do coração da criança e também atraso mental. Geralmente associamos pessoas com QIs mais elevados a um bom desenvolvimento e uma vida de notoriedade social, mas elas também enfrentam complicações. “Um QI elevado significa enxergar o mundo com outros olhos e formar outras relações que a maioria das pessoas não conseguem atingir rapidamente. A pessoa pode ter dificuldade de adaptação, sendo mais reclusa, e interagindo pouco com o STELLA BONICI

Diversas pessoas se divertem fazendo testes online que prometem medir suas inteligências, os famosos “testes de QI”. Contudo, dificilmente esses questionários possuem alguma relevância quando o assunto é estimar a capacidade cognitiva de alguém. Por mais que pareça algo simples, os números resultantes de um teste de verdade - que podem ser considerados acima da média ou muito abaixo dela - estão relacionados à síndromes e transtornos, inclusive afetando a vida prática da pessoa. O Quoeficiente de Inteligência é uma interpretação matemática para mostrar o desempenho em testes de inteligência, ou seja, conjuntos de questões que avaliam a capacidade de resolução de problemas. Rodolfo Ambiel, doutor em psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, explica: “ É uma estimativa da habilidade cognitiva de uma pessoa, expressada por um valor, padronizado a partir da relação com a idade da pessoa avaliada, em geral variando de 50 a 150, com média em 100 e desvio padrão de 15”. Esse índice foi criado no começo do século XX para relatar os resultados de uma versão do teste de inteligência pioneiro na história da psicologia, o Stanford-Binet. Esse teste se baseia em perguntas acadêmicas que necessitam de lógica e atenção, medindo a capacidade de leitura, escrita e matemática de quem o faz. “A necessidade de se criar um índice padronizado, ou seja, que pudesse expressar igualmente a habilidade cognitiva independente da idade, se deu por conta das diferenças de desenvolvimento cognitivo de crianças ao longo da infância.”, acrescenta Rodolfo. Para medir esse desenvolvimento, a idade mental do indivíduo costumava ser dividida pela idade cronológica, e depois multiplicada por 100. A idade mental era aferida por testes de inteligência enquanto a idade cronológica era a idade real da criança. A multiplicação por 100 tinha como finalidade retirar números decimais provenientes da divisão. Nelimar Ribeiro de Castro, Mestre e Doutor em Avaliação Psicológica, também pela Universidade São Francisco, explica: “o QI transforma as pontuações de um teste para uma escala na qual o número 100 é sempre o ponto médio. QIs acima de 100

indicam desempenho acima da média, e abaixo de 100 desempenhos abaixo da média”.

ambiente, pois esse é muito simplório, pouco desafiador. Sendo assim, essa pessoa também fica exposta a situações como abuso de substâncias, comportamentos anti-sociais, transtornos psíquicos, como esquizofrenia ou paranóia”, explica Priscilla. Um bom exemplo de indivíduo com o QI elevado é o personagem Sheldon, do seriado americano The Big Bang Theory, que possui grande dificuldade de entender as relações sociais estabelecidas pela sociedade. QI na vida prática Estudos em diversos países, inclusive no Brasil, mostram que pessoas que têm QIs altos tendem a apresentar melhores desempenhos escolares, acadêmicos e no trabalho. Um QI maior ou menor vai influenciar na capacidade de adaptação adequada ao meio em que o indivíduo está inserido e o quão rápido ele é capaz de aprender novas tarefas, se necessário. Contudo, ter um QI alto ou baixo não é mera questão de sorte. “Além das questões genéticas que podem favorecer o desenvolvimento das habilidades, como por exemplo ter nascido com o aparato biológico cerebral sem malformações, o meio ambiente e o aspecto social tem um peso bastante relevante. Por exemplo, os anos de escolaridade de uma pessoa tendem a influenciar diretamente seu desenvolvimento cognitivo. Também a exposição a ambientes ricos em recursos, como a disponibilidade de livros e presença parental e/ou familiar profícua em estimulação cognitiva, em geral ajudam bastante no desenvolvimento das crianças”, explica Rodolfo. Algumas escolas ainda rotulam crianças de acordo com seus QIs, o que é negativo para o desenvolvimento da criança e do adolescente. “Atualmente no Brasil temos testes psicológicos adaptados para a população brasileira e com qualidade psicométrica para a aferição da inteligência. Cada um possui sua especificidade: testes não-verbais com tarefas de raciocínio lógico, testes em que o conhecimento formal e escolar são aferido e os que verificam áreas específicas da inteligência, tais como raciocínio verbal, numérico, espacial, entre outros”, comenta Priscilla. Além disso, diversos pesquisadores discordam desse método de aferição de inteligência -através de um quoeficiente - como mostra a matéria da página 10, na editoria de Universidade dessa edição.


CIÊNCIA

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Xanxerê abre debate sobre desastres naturais País está entre aqueles com maior ocorrência de tornados, São Paulo é o estado mais atingido JOÃO HENRIQUE FURTADO SILVA

11 mortos, 3 desaparecidos

2 mortes, mais de 64 feridos

Porto Murtinho - MS 1 vítima fatal

Pérola - PR

RS como um todo 1 morto, 2 mil desabrigados

vindas da Patagônia com ventos tropicais formados na Amazônia ou massas de ar quente advindas do Oceano Atlântico. No encontro entre elas, a diferença de pressão e temperatura faz com que o ar quente - que tem uma tendência natural a se levantar - crie uma corrente para cima em formato de cone, gerando, assim, os tornados. Seu grau de destruição, no entanto, depende de diversos fatores, sendo que o primeiro deles se refere à velocidade de atuação do tornado. A escala Fujita, principal indicador para essa característica, varia de F0 a F5, no qual os ventos superam a casa dos 500 km/h. No caso de Xanxerê, a variação de velocidade do tornado ficou entre 100 km/h e 330 km/h, segundo dados relatados pelo Inmet (Instituto Nacional de Metereologia), o que o coloca entre os níveis F2 e F3. Detecção Segundo um estudo feito pelo geógrafo Daniel Henrique Cândido, da Unicamp, no mínimo 205 tornados acometeram o país nas últimas duas décadas. Essa estatística, por fim, coloca o Brasil entre os países com maior número de ocorrências. Além disso, a pesquisa também aponta que

São Paulo é o estado com maior número de tornados, sendo que o Rio Grande do Sul e Santa Catarina ficam com a segunda e a terceira colocação. Para se ter uma ideia, cerca de 70% dos casos atingiram a parte brasileira do “Corredor de Tornados”. Foi justamente num trecho dessa região que o geógrafo aplicou alguns cálculos para determinar as chances de um tornado acontecer. Os resultados demonstram que o Rio Grande do Sul e São Paulo têm possibilidades equivalentes de sofrerem com esse fenômeno. Na região sul, a área abarca o litoral gaúcho e o entorno do lago Guaíba, enquanto o estado paulista possui mais risco em Itu, no Vale do Paraíba, em Campinas e em Indaiatuba. Vale destacar que, apesar da probabilidade ser equivalente – cerca de 25% ao ano -, a área de risco em terras paulistas abrange um maior número de municípios. Apesar da preocupação com as consequências advindas de alterações climáticas mundiais, a ocorrência de tornados no país não parece ser decorrente desses fatores. Pelo menos é o que afirma Maria Assunção Dias, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências

Taquarituba - SP Xanxêre - SC

2 mortos

Gramado e Canela - RS

Atmosféricas da USP (IAG-USP). Segundo ela, “pelos jornais e principalmente via internet dá para fazer uma avaliação de que de fato aumentaram os registros. O que não dá para dizer é que sejam devidos a uma causa física, específica, como a mudança climática. O pequeno número de ocorrências não permite tirar conclusões como essa”. Dias também explica que o monitoramento desses eventos está num ramo da Meteorologia chamado de Previsão a Curtíssimo Prazo, que envolve prazos de previsão de 6 a 12 horas à frente. No Brasil, empresas privadas de Meteorologia, responsáveis por fornecer informações a veículos de comunicação, e empresas ligadas à distribuição de energia são as principais instituições dotadas de tecnologia para fazer essa previsão. Para a professora, no entanto, é necessário um preparo prévio por parte de profissionais que manejam os equipamentos, já que, para prever, é necessária uma interpretação mais profunda dos dados dispostos. “O monitoramento está baseado principalmente em radares meteorológicos. Mas não basta olhar para a figura gerada pelo radar. É preciso

10 pessoas feridas, 480 casas danificadas

ter gente especializada em interpretar para o fim específico de detectar a probabilidade de ocorrência de tornados, e ventos fortes em geral, associados a tempestades severas. Devido à baixa frequência de ocorrência desses fenômenos, sua previsão na maior parte das vezes não é feita, seja por falta de treinamento do meteorologista de plantão, seja pela falta de protocolos de ação do órgão operacional que faz o monitoramento do tempo”, argumenta. Já o professor Carlos Rodrigues, também do IAG-USP, argumenta que “deveríamos ter um centro de monitoramento de tempestades severas similar aos Estados Unidos. No momento, os instrumentos que poderiam identificar estes fenômenos (radar meteorológicos) estão distribuídos entre institutos (DECEA, Simepar, Cemaden, SIPAM, Funceme) e universidades, que não conseguem trabalhar em uma integração”. Além desses pontos destacados, o professor Augusto José Pereira Filho ressalta que seria muito interessante realizar campanhas educacionais para a população, de modo que cada cidadão saiba como proceder em casos de tempestades severas.

STELLA BONICI

Formação de tornados Apesar de o senso comum dizer que o Brasil é um país isento de desastres naturais dessa magnitude - como terremotos e tornados de maior intensidade -, estudiosos apontam o contrário. Xanxerê, por exemplo, encontra-se em uma região conhecida como “Corredor de Tornados”, que é composta pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Triângulo Mineiro e Mato Grosso do Sul. Fora do país, a área também cobre o norte da Argentina, além do sul da Bolívia, Paraguai e Uruguai. A propensão por fenômenos desse porte na região se deve ao encontro entre massas de ar frio

Danos causados por tornados nos últimos 5 anos

STELLA BONICI

Na última semana, a gravação de um sistema de câmeras de segurança foi foco de atenção na internet. Nela, podemos ver uma sala de jantar, repleta de mesas, cadeiras, cortinas, poltronas e, em especial, portas de vidro que permitem a visão total do jardim de uma residência. Lá fora, plantas denunciam a chegada de ventos incomuns. Cerca de 20 segundos depois, a ventania atinge seu ápice e irrompe a barreira de vidro, levando consigo cortinas, cadeiras e tapetes. A gravação é uma das narrativas por trás do desastre ocorrido na cidade de Xanxerê, localizada no oeste catarinense. O município, com pouco mais de 47 mil habitantes, foi atingido por um tornado que devastou imóveis, vitimou três pessoas e deixou 97 cidadãos feridos. Segundo os últimos dados divulgados pela Defesa Civil de Santa Catarina, o número de desabrigados chega a 539, enquanto o de desalojados atinge a marca de 4275 pessoas. Segundo relatórios oficiais, os prejuízos econômicos em residências alcançam a casa dos 50 milhões de reais, enquanto os danos em empresas superam os 45 milhões de reais. Já em edificações públicas, o tornado causou estragos estimados em 9,7 milhões de reais. Segundo o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP), Augusto José Pereira Filho, a “ocorrência de tornados na região resulta de condições atmosféricas muito especiais. Este fenômeno, embora pouco frequente, ocorre no local. Portanto, trata-se mais de uma variação do tempo e do clima”. Além disso, o professor explica que esses acontecimentos são mais frequentes na região sul do país, durante a primavera ou no outono, épocas em que o contraste térmico e a umidade favorecem esse tipo de fenômeno climático.


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ESPORTES

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Machismo no esporte universitário FERNANDO PIVETTI

Debate sobre a presença de mulheres no esporte atravessa gerações e ganha novo destaque com últimos casos machistas em campeonatos que envolveram atletas da USP “O machismo dentro dos esportes universitários é reflexo do machismo em vários outros setores da sociedade.” — Ricardo Alexino, coordenador do USP Diversidade

Atletas da FFLCH sofreram agressões, verbais e físicas, na primeira edição da CUPA

ANDRÉ MEIRELLES MURILO CARNELOSSO

STELLA BONICI

Devido aos constantes casos de opressão à mulher ocorridos no ambiente universitário, as unidades da USP têm se movimentado para discutir a importância do combate ao machismo em todos os setores. Com relação ao ambiente esportivo, a organização é ainda maior. O Núcleo de Mulheres de Relações Internacionais (RI) promoveu um evento no último dia 22 de abril para debater como o machismo se manifesta dentro dos jogos universitários e, mais especificamente, nas partidas. Três mulheres compuseram a mesa: Luíza Ribeiro, integrante do Coletivo Feminista Geni da Faculdade de Medicina (FMUSP), Heloísa Buarque de Holanda, professora do Departamento de Antropologia e

ex-coordenadora do USP Diversidade, e Beatriz Lopez Roldão, diretora geral de esportes da Associação Atlética Acadêmica da Matemática (AAAMAT) e integrante do DiversIME. Dentro do contexto dos jogos universitários, os acontecimentos de violência contra atletas e alunas podem ocorrer em diversos ambientes, seja dentro das quadras, na torcida e até nas festas. Para Beatriz, é muito comum ouvir agressões desse tipo vindo das arquibancadas: “A própria torcida e a bateria estão lá representando o time, mas cantando músicas que colocam o homem em superioridade, e acabam colocando as mulheres em uma posição inferior”. Para Ricardo Alexino, professor da ECA-USP e atual coordenador do USP Diversidade, o machismo presente no esporte universitário é uma reprodução

natural da sociedade fora dos muros da universidade. “O machismo dentro dos esportes universitários é reflexo do machismo em vários outros setores da sociedade, que tem como modelos paradigmáticos o patriarcado. Nas Copas do Mundo, por exemplo, o futebol feminino sequer aparece”, comenta. A diferença, segundo Alexino, é que no contexto da universidade estas atitudes se chocam com o pensamento produzido dentro dela. “O ambiente universitário é composto por um grupo de pessoas muito restrito, e dessa forma tudo se intensifica. E dentro deste grupo, que constitui o pensamento da universidade, estas atitudes vão conflitar”, acredita o professor. Os casos de machismo são muito recorrentes nas festas, que estão sempre muito ligadas ao esporte no meio univer-

sitário. Um dos acontecimentos mais recentes ocorreu em abril, durante a primeira edição da Copa Universitária Paulista (CUPA). “Nas festas a gente lida com muitos casos, como foi o exemplo da CUPA. As meninas não querem alguma coisa enquanto os caras ficam forçando, achando que as meninas têm interesse ou estão fazendo algum tipo de charme. A gente sabe de vários relatos de festas em que o IME participa”, relata Beatriz Roldão Lopes. O professor Ricardo completa a análise, dizendo que todos os problemas presentes em qualquer festa universitária, como as calouradas, se repetem nos eventos esportivos, que são extensões dessas festas em sua visão. “Os eventos esportivos universitários no Brasil ainda se misturam com algo festivo. Ou seja, as bebidas alcoólicas e outras drogas ilícitas são presentes e o assédio também”, diz o pesquisador. “Na verdade, os eventos esportivos são como uma extensão das calouradas. Com isso, todos os valores das calouradas são enfatizados também nos jogos universitários. Se há problemas graves nas calouradas, com certeza existirão os mesmos problemas nos jogos universitários, pois a natureza dos dois é a diversão, muitas vezes machista”. Segregação histórica A dificuldade das mulheres em participar do espaço esportivo remonta à história do Brasil. Durante o período da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), entrou em vigor o decreto-lei 3.199, de 14 de abril de 1941. Em seu artigo 54, definia que “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de


ESPORTES

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Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Este decreto permaneceu válido até agosto de 1965, quando foi regulamentado pelo Conselho Nacional de Desportos e ficou ainda pior. No artigo 2º da deliberação o CND definiu os esportes proibidos para mulheres. “Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball”, dizia o texto, que só foi revogado em 1979, há menos de 40 anos atrás. Para Mariane Pisani, doutoranda em Antropologia na FFLCH e que pesquisa a situação das mulheres no futebol, eram três os principais critérios para excluir as mulheres do mundo esportivo. “O principal argumento era o médico, de que o corpo das mulheres não estava preparado para determinados esportes. Também havia o argumento religioso, que acreditava que as mulheres deveriam permanecer em casa e se prepararem para ser mães. E o próprio critério legal, já que havia leis que impediam esta prática esportiva”, analisa Pisani. Esta visão permanece enraizada na sociedade brasileira até hoje, com esportes onde a participação feminina ainda é considerada tabu, inclusive entre as próprias mulheres, como acredita Ricardo Alexino. “Aquelas [mulheres] que se aventuram nesses outros esportes ‘destinados aos homens’ são logo taxadas de lésbicas ou de mulheres masculinizadas. Tais alcunhas são feitas principalmente por outras mulheres. Isso é um reforço do pensamento machista e excludente”, explica. O reforço da mídia esportiva Não é nada raro no jornalismo esportivo encontrar galerias de fotos com jogadoras e torcedoras musas, por exemplo. As mulheres no esporte sempre são vistas a partir de seu corpo, antes mesmo do próprio desempenho esportivo, acredita Alexino. “A mulher esportista quase sempre é valorizada pela superação

de sua fragilidade e não pela sua força ou capacidade tácita. Quase sempre as matérias de jornalismo esportivo vão destacar a beleza da atleta como se isso pudesse ser relevante para o seu desempenho”, disse o professor. Um exemplo citado por Ricardo é o da ginasta Flávia Saraiva, de apenas 15 anos e 1,33m de altura, que conquistou duas medalhas na Copa do Mundo de Ginástica no último final de semana. Para ele “todas as matérias jornalísticas enfatizavam a sua altura, como se isso fosse algo extraordinário nesse tipo de esporte. Ou seja, a mulher é vista sempre a partir do corpo, de forma sensual ou não”. Combate ao machismo Após os acontecimentos da CUPA, a Atlética do IME vem buscando formas de combater estes casos na universidade. Beatriz Roldão

conta os preparativos para o Integramix, evento da qual sua faculdade participa, que vão desde a preparação das pessoas que compõem a gestão para estes casos até a retirada de músicas antes tocadas pela sua bateria. “Esse ano a gente pediu para a bateria tirar duas músicas que eles cantavam sempre e eles até foram bem compreensivos. Em um evento esportivo é muito propícia a ocorrência desse tipo de coisa [atitudes machistas], então a gente tenta ao máximo evitar e não tornar isso uma coisa comum”, conta a diretora geral de esportes. Para Mariane Pisani, o meio universitário acaba reproduzindo o discurso de fora da universidade e uma das várias formas de tentar combater essa situação seria com as atléticas fazendo um levantamento sobre a história de suas modalidades. “No futebol

“Em um evento esportivo é muito propícia a ocorrência desse tipo de coisa [atitudes machistas], então a gente tenta ao máximo evitar e não tornar isso uma coisa comum.” — Beatriz Roldão, diretora geral de esportes do IME

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durante a Segunda Guerra, enquanto os homens foram para a guerra, as mulheres organizaram competições de futebol para arrecadar recursos”, exemplificou a pesquisadora. A educação e o debate cada vez mais intenso são a melhor forma de combate ao machismo e outras formas de opressão para Ricardo Alexino, que não acredita que o esporte sozinho consiga mudar este panorama. “Para reverter essa situação, penso que se torna necessário um maior número de disciplinas que abordem os direitos humanos e a diversidade. Tais temáticas devem ser transversais em todos os cursos. Bem como disciplinas que falam de questões legais e criminais, envolvendo assédio, bullying, estupros, racismo, homofobia e outras formas de violência”. conclui o professor.

“Lá é uma terra que me sinto oprimida” Atletas da FFLCH relatam casos de machismo durante a CUPA No último feriado de Tiradentes (18/04 a 21/04), ocorreu a primeira edição da Copa Universitária Paulista (CUPA), na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo. A CUPA é uma competição poliesportiva que envolve as atléticas da EEFE, FFLCH, CAASO, UNESP RIO CLARO, EEL (USP Lorena) e LEU (Engenharias Unicamp). O campeonato surgiu com o objetivo de incentivar a prática do esporte universitário e de integrar os estudantes de diferentes universidades. No entanto, esta primeira edição foi marcada por vários casos de opressão, sejam eles de origem machista, racista ou homofóbica. Foram registradas inúmeras agressões verbais e físicas por parte dos integrantes do CAASO contra alunas atletas da FFLCH. Durante uma festa que ocorreu de dia, a Atleta 1, da FFLCH, sentiu alguém mordendo pela segunda vez sua perna. “Nisso eu não aguentei, o empurrei e disse ‘qual é a sua, por que você está fazendo isso?’. Ele me respondeu que tinha sido obrigado”. O acontecimento se tratava de um trote em que os bixos teriam que obedecer aos veteranos. “Me disseram que é normal em trote os caras ficarem mordendo as meninas ou fazer levantamento delas, e se os bixos não fazem isso, os veteranos batem neles”, afirmou a Atleta 2. A Atleta 1 continuou indo para cima do estudante, até que outro veio com o braço diretamente no seu pescoço, gritando e a ofendendo. “Ele dizia ‘você não é bem-vinda aqui, pára que você já brigou o suficiente. Aqui não funciona desse jeito, não é o campus da Cidade Universitária e você não pode fazer isso aqui’. Ou seja, ele pode mandar um bixo dele me morder, mas eu tenho que ficar quieta?”, relata a atleta. Após a confusão, alguns amigos da estudante interviram e começaram a discutir com os caras. “É uma coisa que eles dizem ser cultural, mas se essa é a cultura deles, nós temos que enfrentar isso. Porque não dá mais para mulher ficar apanhando em festa, levando mordida ou ser obrigada a beijar alguém”, atesta a Atleta 1, que destaca a importância das mulheres relatarem e denunciarem casos como esse. “Nós fomos lá e passamos quatro dias, mas e as meninas que estão lá todos os dias, o que elas passam?”, questiona. As estudantes foram conversar com os seguranças da festa para pedir um eventual banimento dos agressores, mas eles responderam insinuando que elas estavam alteradas. “O posicionamento que nós encontramos foi o da organização da festa, que era terceirizada, aceitando e acatando esse tipo de coisa”, relata a Atleta 1. Desde o começo das reuniões da CUPA, as atléticas participantes discutiram colocar dentro do estatuto do torneio formas de punições financeira contra machismo, racismo e LGBTfobia. No entanto, encontraram resistência pelas Atléticas CAASO e LEU (Unicamp), que foram contra a punição para estes casos.


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OPINIÃO / Daniel Muñoz

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Professores sendo disciplinados por policiais? A truculência de um governador que recebe com cães raivosos educadores aposentados

STELLA BONICI

No final do mês de abril, na quarta-feira dia 29, com o Dia do Trabalho já pairando no horizonte, o Centro Cívico de Curitiba foi palco de uma demonstração clara da prioridade que a educação tem no Brasil. Preparados para receber o protesto dos professores do estado paranaense, os soldados da Polícia Militar já tinham todo o plano traçado pelas ordens do governador Beto Richa (PSDB) de como lidar com a manifestação, que este havia descrito em nota se utilizando muito de termos expressivos como: radicalismo, irracionalidade e vandalismo. Quando o protesto tentava chegar à Assembleia Legislativa do Estado, foi recebido com cães, cassetetes, balas de borracha e jatos d’água, que infelizmente são reações já comuns a alguns tipos de manifestações que o país presencia na atualidade. Vale ressaltar algumas técnicas de alto valor estratégico utilizadas, como o lançamento de bombas de gás lacrimogênio desde helicópteros. Questiona-se se a motivação era atacar apenas manifestantes “exaltados” que se misturam no meio de uma multidão pacífica. No outro lado das portas da casa do poder legislativo local, os deputados discutiam um projeto que prevê algumas mudanças no sistema ParanaPrevidência, dentre elas a transferência de mais de 34 mil aposentados de 73 anos ou mais do Fundo Financeiro para o Fundo Previdenciário, sendo o primeiro bancado pelo governo estadual e o segundo composto por contribuições dos servidores. Esta mudança economizaria R$ 142,5 milhões aos cofres do estado por mês. O governo defende que todas as garantias aos seus funcionários serão preservadas e que os cálculos atuariais garantem uma solvência do sistema por 29 anos, pois o Fundo Previdenciário estaria capitalizado em R$ 8,5 bilhões em investimentos. Sua resposta truculenta à presença dos educadores durante a sessão é um válido questionamento sobre a prioridade do governo estadual em preservar os direitos quando isso entra em conflito com as contas do seu Estado, que vai criar um rombo no fundo dos educadores de quase 7,5 bilhões de reais até o final do mandato de Richa. Essa medida é uma tentativa por parte do governo estadual de reparar o problema orçamentário que o Estado enfrenta, reflexo do mesmo problema visto em âmbito federal.

Entre as várias contagens, calcula-se cerca de 200 feridos na chamada “ação de defesa” da PM. Segundo o governador se fez necessária por culpa dos próprios manifestantes.

Com o governo trabalhista federal sendo obrigado a fazer ajustes fiscais, a desconfiança na palavra do governador Richa ultrapassa barreiras partidárias e acaba na pergunta: como acreditar que a saída deste dinheiro do fundo responsável pela aposentadoria da categoria dos professores não vai significar, no futuro, o não pagamento de pensões aos trabalhadores? Entre as várias contagens, calcula-se cerca de 200 feridos na chamada “ação de defesa” da PM, que segundo o governador se fez necessária por culpa dos próprios manifestantes e de supostos “black blocs” que estavam infiltrados no movimento. Estes já muito famosos por receberem de forma bastante recorrente culpa por todo e qualquer ato de violência policial que acontece pelo país, na verdade não são um grupo de pessoas mas uma técnica de manifestação que se fez presente em manifestações desde os protesto de junho de 2013, no caso brasileiro. Nenhuma imagem foi divulgada de técnicas black bloc no ato da quarta-feira. No entanto não faltam imagens da brutalidade do conflito completamente desigual que ocorreu. Entre os feridos oito se encontram em estado grave. Durante a ação da polícia, os

professores iam sendo encaminhados a hospitais locais, no entanto, devido à incapacidade em atender a grande quantidade de pessoas, uma sala da Prefeitura de Curitiba teve que ser utilizada de ambulatório emergencial para cuidar de algumas vítimas que não podiam ser levadas a nenhum dos hospitais. O governo de Richa pareceu não se incomodar com outros setores do Estado estarem mobilizados a cuidar daqueles que seus policiais feriam com tamanha violência. No entanto, nada do que aconteceu abalou as forças do projeto que foi aprovado em texto final na mesma quarta-feira pela Assembleia Legislativa do Estado e sancionado em extrema velocidade no dia seguinte por Richa. Em resposta, os professores que naquele momento estavam há seis dias em greve, se reuniram novamente no Centro Cívico no dia 1º de maio, em ato que repudiava a violência que sofreram na ma-

nifestação anterior. Por volta do meio dia, os manifestantes tingiram o espelho d’água do Palácio do Iguaçu, sede do governo do Estado, de vermelho, representando o sangue dos feridos na quarta-feira. A bandeira nacional que tremulava na praça foi baixada em respeito às vítimas pelos próprios educadores e a figura de Nossa Senhora de Salete, que se situa frente à Assembleia do Estado, foi vendada, em uma lição de simbolismo que os educadores demonstraram a um país que fechou os olhos para a violência que eles sofreram. Dentre as diferentes repercussões que os acontecimentos geraram no Estado destaca-se a discrepância entre as definições dadas pela OAB do Paraná, utilizando-se da descrição “verdadeiro massacre”, contra a fala do procurador-geral da Justiça do Paraná que falou sobre “eventuais excessos” nas ações da PM. O conflito de Richa com os educadores não nasceu aqui, em fevereiro, durante o começo das discussões deste projeto. O governador já havia mandado ordens de repressão para a PM impedir que os protestos dos professores chegassem à Assembleia do Estado. Destaco que naquele momento os soldados da polícia se recusaram a cumprir tais ordens e a reunião da Assembleia foi interrompida pelos manifestantes. Não há informações de como Richa reagiu a tal “indisciplina”, só podemos imaginar o quanto isso incomodou este verdadeiro legitimador do país em que respeito se confunde com o medo. No entanto, como o próprio governador um dia afirmou, esta visão de nação não combina muito bem com pessoas que receberam boa educação, por isso não quer PMs que estudam muito e acabam se “insubordinando”. É importante lembrar que os soldados e os cães são apenas a arma de uma sociedade que continua a desqualificar a educação em troca de sua ode à subordinação, e estas duas jamais vão coexistir, pois a educação liberta o questionamento sobre como balas de borracha seriam a melhor forma de tratar os responsáveis por transmitir nossa cultura e educação aos nossos filhos.

Greve dos professores estaduais em São Paulo Os professores estão em greve há quase dois meses, reinvidicando ajuste salarial de 75,33% para equiparar a categoria a outras que contam com nível superior. Alckmin afirmou que a greve “não tem o menor sentido” pois há oito meses houve um aumento de 7% para a categoria. No dia 6 de maio foi autorizado um desconto salarial pelos dias de paralisação.


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