Jornal do Campus - Edição 438 (abr/2015)

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ANO 33 - Nº 438 SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015

BIANCA CABALLERO

Onde está o público? Complexo Brasiliana ainda busca entrosamento com comunidade universitária CULTURA

Programa Nascente abre inscrições CIÊNCIA

JORNALISMO JÚNIOR

AMANDA MANARA

ESPORTE

UNIVERSIDADE

CREF notifica Cepeusp por irregularidades

Atos políticos impedem reuniões do CO

p. 12

p. 6

As aranhas do campus: entenda EM PAUTA

Empresas e trabalhadores divergem sobre terceirização


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EM PAUTA

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015 JORNAL DO CAMPUS

“Enterramos a última peça da Guerra Fria” Para especialistas, reaproximação entre EUA e Cuba engrandece legado de Barack Obama e diminui rejeição aos norteamericanos, mas pode reafirmar força do país no continente ANDRÉ SPIGARIOL

Frente a frente Barack Obama e Raúl Castro: o momento que marcou uma nova fase nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Os mandatários protagonizaram um encontro histórico no início de abril, durante a Cúpula das Américas no Panamá: o primeiro contato formal entre os países em mais de meio século. Foi apenas o primeiro passo de um processo gradual de reestabelecimento da diplomacia e amistosidade entre os dois países, historicamente separados por herança da Guerra Fria. Herança maldita para os caribenhos, obrigados a lidar com um embargo econômico imposto pelos estadunidenses desde o estabelecimento do socialismo na ilha. “Nossos governos continuarão a ter diferenças, mas ao mesmo tempo, nós concordamos que podemos continuar a avançar em nossos interesses mútuos”, disse o presidente norteamericano em uma coletiva de imprensa. Obama trabalha para deixar um legado em seu nome na política externa americana, solucionando de forma pacífica o conflito com os cubanos. Em dezembro, ele já

havia anunciado seu objetivo de reabrir as embaixadas em Havana e Washington. Diante dos jornalistas, o democrata admitiu: “não estou interessado em batalhas que, francamente, começaram antes de eu nascer”. Raúl Castro reconheceu em sua contraparte a figura de um homem “humilde”. Ele se mostrou disposto a um novo começo para o relacionamento da ilha com os EUA, apesar de um “histórico longo e complicado”. “Nós queremos discutir tudo, mas precisamos ser pacientes, muito pacientes”, falou. Na opinião de Cristina Pecequilo, doutora em Ciência Política pela USP e professora de Relações Internacionais da Unifesp, a aproximação é claramente positiva: significa o abandono de uma política externa norteamericana “ultrapassada, que vem lá da Guerra Fria e hoje não faz mais sentido”. “Foi realmente uma grande jogada diplomática do governo Obama”, avalia. É uma postura que aumenta o otimismo da comunidade internacional, mas uma série de medidas ainda precisam ser tomadas.. “Fora esses primeiros encontros entre Obama e Castro, você não tem nenhuma questão concreta que mostre que isso vai ser algo

Para que os EUA levantem o embargo econômico, é necessário que o Congresso atualmente dominado pelos republicanos revogue leis que o regulamentam.

sólido no médio e longo prazo. São questões que se o Obama não resolver antes de sair da presidência, dependendo de quem ganhe as eleições no ano que vem, pode ser que tenha uma reviravolta”. O primeiro passo para isso foi dado: Obama removerá Cuba da lista do governo americano de países que financiam o terrorismo. A presença dos caribenhos nesta listagem causa uma sanção, além de política, econômica, já que inibe investidores e empresas interessados em fazer negócios na ilha. A medida deve tomar efeito dentro de um mês, caso o Congresso não tome uma ação conjunta para bloquear a remoção. Impasse legislativo A negociação com o Legislativo é justamente o ponto a ser trabalhado pela administração democrata para levar adiante o legado que pretende, explica Amâncio Jorge de Oliveira, pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni) da USP. “Para o término do embargo econômico, será necessária uma ratificação no âmbito legislativo, onde o jogo político é diferente e temos que lembrar que está sendo dominado pelos republicanos. Quando essa ratificação ocorrer, a mu-

MINISTERIO DE LA PRESIDENCIA

Barack Obama e Raúl Castro se cumprimentam na abertura da Cúpula das Américas do Panamá

dança será radical”, analisa. “Enquanto o acordo com Cuba fica no âmbito do poder executivo, é um acordo precário porque depende muito das vontades políticas”, diz. Para Oliveira, uma vitória republicana pode fazer com que haja uma regressão na postura de aproximação entre Estados Unidos e Cuba. “Como já aconteceu na história: desde 1962 houve momentos de flexibilização ou radicalização dos embargos. Uma ratificação no Congresso consolida a mudança nessa relação e o fim do embargo. Obama precisa conseguir essa aprovação no legislativo e aí sim ele deixará um legado permanente e muito importante de um estadista moderado”. Na avaliação de Pecequilo, a reversão dessa postura de Obama ficaria mais difícil para seus opositores caso o atual presidente conquiste vitórias diplomáticas significativas. “Ele precisa conseguir a retirada de Cuba da lista de países que apóiam o terrorismo, acho que isso seria um primeiro passo. Depois que esse passo for alcançado, temos a possibilidade da reabertura da embaixada norteamericana em Cuba”, explana. A pesquisadora acredita que a abertura da embaixada trará novas oportunidades de negócios para os americanos e levará a uma flexibilização do embargo. “Se essas duas coisas acontecerem, talvez o legado do Obama não possa ser tão facilmente desconstruído assim. A sinalização é de que o embargo será a última etapa”. Mais que bilateral. De acordo com Pecequilo, o efeito do reestabelecimento dos laços entre Cuba e EUA será sentido também em toda a região e no restante do mundo. Na América Latina, enfraquece o antiamericanismo, retirando um elemento de crítica à agenda externa norteamericana. “Ao mesmo tempo em que abre oportunidades de negócios, é preocupante porque significa que os Estados Unidos talvez queiram imprimir o ritmo deles para as Américas, quebrando os processos de integração regional. Seria uma reafirmação de força americana”, reflete a especialista em ciência política. “Para o resto do mundo, é algo muito mais simbólico, porque parece que enterramos a última peça da Guerra Fria”.

JORNAL DO CAMPUS - Nº 438 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo - Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes - Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração - Chefe: Dennis de Oliveira. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsáveis: Daniela Osvald Ramos, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Assistente: Issaaf Karhawi. Redação - Diretora de Redação: Mirella Kamimura. Diretora de Arte: Stella Bonici. Editor de Imagem: Daniel Muñoz. Editor Online: William Nunes. Entrevista - Editora: Nina Turin. Repórter: Quéfren de Moura. Universidade - Editores: Bianca Caballero, Mariana Miranda e Murilo Carnelosso. Repórteres: Fernando Magarian, Giovana Feix, Isabelle Almeida, João Cesar Diaz, Luís Viviani, Marcelo Grava e Vinícius Crevilari. Em pauta - Editor: Sérgio de Oliveira. Repórteres: André Spigariol e Laura Viana. Cultura - Editora: Victória Pimentel. Repórteres: Ana Machado e Jullyanna Salles. Esporte - Editor: João Henrique Furtado Silva. Repórteres: Amanda Manara e Gabriel Carvalho. Ciência - Editora: Marcela Campos. Repórteres: André Meirelles e Pâmela Carvalho. Opinião - Editora: Bruna Eduarda Brito. Repórter: Marina Yukawa. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 5° semestre do curso de Jornalismo Noturno, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.


EM PAUTA

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Trabalhadores combatem terceirização Projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados permite que funcionários sejam contratados para exercer atividades principais da empresa, em vez de apenas funções auxiliares

Há mais de dez anos tramitando pelo Congresso, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no último dia 8, o texto principal do Projeto de Lei 4.330/2004, com relatoria de Arthur Maia (SD-BA), que regulamenta a terceirização das atividades trabalhistas no país. Contando com a pressão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para impedir novo adiamento, a votação foi encerrada com 324 deputados favoráveis, 137 contrários e duas abstenções. Com a legislação atual, apenas as atividades-meio – aquelas que não fazem parte do processo específico de produção de uma empresa – podem ser realizadas por funcionários prestadores de serviço, sem vínculo empregatício direto. Já com as alterações, permite-se que as empresas terceirizem também a realização de suas atividades-fim. Assim, uma montadora de automóveis, por exemplo, passa a poder ter funcionários terceirizados não só em suas equipes de segurança e limpeza, mas também na linha de montagem. A lei é defendida principalmente por federações industriais e comerciais como forma de regulamentar uma atividade já existente e fornecer amparo jurídico às empresas. Em pesquisa encomendada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ao Instituto GPP, 73,2% das 235 indústrias entrevistadas afirmaram utilizar mão de obra terceirizada, aomesmo tempo em que, das que deixaram de utilizá-la, 53,1% o fizeram devido à insegurança jurídica. A Federação também argumenta que, com a nova legislação, cerca de 700 mil empregos podem ser gerados só no estado de São Paulo, podendo chegar a 3 milhões no país inteiro. Em entrevista ao JC, Delano Coimbra, assessor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, defendeu a terceirização como forma de agilizar a contratação e classificou a lei como vantajosa ao trabalhador, já que a empresa prestadora de serviços passa a ter que fornecer garantia financeira de que irá recolher todos os encargos trabalhistas, como FGTS e previdência social. “Hoje, ele [o trabalhador] pode descobrir quando for mandado embora que não pagaram a previdência, que o fundo de garantia está zerado”, exemplifica. Coimbra também defende que a lei representa melhora na competitividade das empresas nacionais, já que, com o aumento de produtividade resultante da mudança “elas vão poder concorrer em melhores condições com as empresas de fora do país”.

Já os opositores afirmam que o projeto amplia a precarização do trabalho e pode até pôr em risco direitos assegurados pela legislação trabalhista vigente desde 1943. Em aula pública realizada no vão livre do MASP no último dia 16, Ruy Braga, professor da USP e especialista em sociologia do trabalho, voltou a classificar a aprovação da lei como “a pior derrota popular desde [o golpe militar de] 1964”. Ele afirma que, apesar de continuar contemplado pela CLT, o funcionário terceirizado acaba prejudicado pela alta rotatividade. “Você tem uma dinâmica muito perversa de contratação e demissão que faz com que o sujeito se afaste muito daqueles que são os direitos mais ou menos reconhecidos, por exemplo, o décimo terceiro salário, as férias”, explica. Braga cita também a pesquisa conduzida pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomicos) que conclui que o funcionário terceirizado trabalha cerca de três horas a mais, ao mesmo tempo em que recebe cerca de 25% a menos que aquele contratado diretamente. A aprovação do projeto também não tem sido bem recebida por centrais sindicais e movimentos sociais, que têm articulado paralisações por diversas cidades, e prometem greves caso a mudança seja efetivada. Em 15 de abril, data definida como dia de mobilização nacional, grupos tomaram as ruas pelo país inteiro. Em São Paulo, o ato principal contou com 40 mil manifestantes, na contagem dos organizadores, ou 3,8 mil, segundo a polícia. Após a discussão sobre as emendas, o projeto segue para votação no Senado e, caso aprovado, para sanção presidencial. É esperado que a presidente Dilma Rousseff, se alinhada com a votação dos deputados do PT, vete a mudança, ao menos em parte. A Câmara e o Senado, porém, podem derrubar o veto e optar por manter a nova lei.

FABIANO IBIDI

LAURA VIANA

Estudo aponta que terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana que os empregados diretos, e ganham 25% menos.

“Projeto interessa só às grandes corporações” Contrária à aprovação do projeto, Valdete Severo, juíza do trabalho e integrante do grupo de pesquisa Trabalho e Capital, ligado à Faculdade de Direito da USP, classifica as mudanças na legislação como o retorno “à situação de barbárie que determinou o surgimento de um direito do trabalho”. Em entrevista ao JC, falou sobre as críticas à nova lei: Um argumento favorável ao PL 4.330 é que ele formalizará a terceirização não regulamentada. A nova lei é necessária? Ela representa proteção ao funcionário? A lei permitirá apenas mais precarização nas relações de trabalho. O projeto interessa só às grandes empresas, que querem enxugar gastos à custa dos direitos dos trabalhadores. Não há necessidade de lei sobre terceirização, o que precisa é o combate à essa forma de atravessamento na relação entre capital e trabalho. A informação de que a lei, caso aprovada, gerará empregos, também é mentirosa. O emprego da grande empresa será extinto e, em seu lugar, trabalhos precários, mal remunerados e muitas vezes informais, é que surgirão. Retornaremos à situação de barbárie que determinou o surgimento de um direito do trabalho.

A aprovação da lei afeta a todos os trabalhadores? Afeta a todos os brasileiros. O que ocorrerá é o rebaixamento do patamar mínimo civilizatório. Os ministros do TST, quando lançaram um manifesto de repúdio, ressaltaram os problemas sociais que decorrem da terceirização: déficit na arrecadação das contribuições sociais, maiores gastos do Estado com doenças e acidentes de trabalho, redução da renda com prejuízo à economia. Com a terceirização, o funcionário continua protegido pela CLT. Como a mudança compromete os direitos assegurados? O dano é mais perverso e profundo. É verdade que o empregado terceirizado terá sua carteira de trabalho assinada. Mas grandes empresas que mobilizam grandes categorias se sujeitam a normas coletivas que fixam valores mínimos de remuneração, e o piso não beneficiará os terceirizados. O projeto admite que a mesma empresa contrate sucessivas prestadoras para os mesmos serviços, e isso incentiva contratações de até dois anos para evitar que os trabalhadores fruam férias. Há o que mudar na legislação trabalhista para que efetivamente as normas sejam observadas. A terceirização é o caminho oposto.

OMBUDSMAN

Jornalismo é apuração, não opinião e ativismo A edição 437 do JC acertou ao dar manchete para o movimento negro na USP. A universidade vive intenso debate sobre o sistema de cotas e o assunto acaba de ganhar um documentário. Mas a reportagem escorregou na apuração: não ouviu ninguém. O texto prova com dados quão raro é o ingresso de negros na universidade a despeito dos esforços de cursinhos comunitários. Mas é somente na coluna de opinião, na pág. 16, que o leitor encontra a mais relevante informação: que apenas 2,4% dos ingressantes em 2013 eram negros. Nenhuma fonte comentou os números ou coisa alguma. Nem mesmo o movimento Ocupação Preta foi ouvido: o leitor não sabe quem são seus integrantes, quantas intervenções já foram feitas, quais os planos do grupo para o futuro. A publicação do manifesto na íntegra faz o jornal pender para o ativismo, o que não é bom.

Também faltaram fontes e comparações na reportagem sobre o Piso do Museu da FAU. Qual é a situação dos espaços de vivência estudantis das outras unidades? A proposta da FAU é muito diferente? Qual seria o impacto palpável dessa regulamentação? Sem essas respostas, o leitor não consegue se posicionar. A melhor forma de combater injustiças quando se escolhe a trincheira do jornalismo é com informação de qualidade. A equipe do JC está engajada nessa luta, ou não teria dado manchetes seguidas para violência contra minorias. Mas é preciso que as informações falem por si, que o jornal esteja a serviço de seus leitores e prepareos para os debates relevantes da universidade. Em suma: menos opinião e mais apuração farão bem ao jornal, à USP e à sociedade. Guilherme Alpendre - secretário-executivo da ABRAJI


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ENTREVISTA

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015 JORNAL DO CAMPUS

“A crise que estamos vivendo atinge as bases da acumulação do capital” ANDRÉ MEIRELLES

Jorge Luís Grespan discute a atual crise e reflete sobre a precarização do trabalho e da vida

QUÉFREN DE MOURA

Em meio ao debate sobre as condições de trabalho no Brasil, centrado nas discussões sobre o PL 4330/04, que trata da terceirização, o Jornal do Campus decidiu conversar com o professor Jorge Luís Grespan, docente de Teoria da História da FFLCH, a fim de refletir sobre o processo de precarização do trabalho - e por que não dizer, da vida - que vem ocorrendo de forma maciça nos últimos anos e em âmbito mundial. Nesta entrevista, o especialista fala do atual momento de crise e do desenrolar da História nas últimas décadas, observando as contradições inerentes ao sistema capitalista e falando do lugar do sujeito neste contexto permeado de inseguranças quanto ao futuro. Grespan fez graduação em História e Economia pela USP, doutor em Filosofia pela Unicamp e pós-doutor pela Universidade de Berlim. Atualmente é docente do Departamento de História da FFLCH. Vivemos um momento de crise? Que tipo de crise é essa? Basicamente, vivemos uma crise, sim. Algumas pessoas a tratam como crise econômica; outras até delimitam mais e a chamam de “crise financeira”. Porém, se você chama de crise financeira, parece que é algo que só se dá na órbita das finanças, mas que não atinge profundamente a economia, a parte produtiva - a indústria, a agricultura etc. Neste caso, se houvesse a regulação do sistema bancário ou do sistema financeiro em geral, o mundo e a economia voltariam a funcionar de acordo com os velhos padrões - e o capitalismo, aquele da produção, ficaria sadio

de novo. Isso não leva em conta que a dimensão financeira hoje em dia é fundamental para que o capitalismo consiga, pelo menos de uma maneira fictícia, reproduzir e acumular valor. Então é mais do que uma crise financeira ou econômica. É também uma crise social. Quando essa crise começou, efetivamente? A crise não é uma coisa recente. É algo que começa, de fato, lá pelo fim dos anos 1970, e que foi encontrando saídas durante os anos 1980, 1990, até que arrebentou em 2007, 2008. Mas foi nos EUA que ela explodiu. E a solução foi uma política monetária que a exportasse, subindo a taxa de juros. É por isso que os americanos não abrem mão de que o dólar seja a moeda mundial. E eles estão fazendo a mesma coisa agora. Mas não é só essa a questão. Com a crise forte dos EUA e o desemprego muito alto, as pessoas, para manter suas condições de vida, aceitaram um rebaixamento de salário muito grande e, com isso, houve uma precarização das relações de trabalho, e assim aumentaram as margens de lucro do capital. Diante dessa conjuntura contraditória e caótica, como fica ou se posiciona o sujeito no enfrentamento da crise? O que acontece é que muitas pessoas, por estarem perdendo seus empregos, ou ameaçadas de perder, estão se sentindo inseguras. A inserção social no futuro e as expectativas estão rebaixadas. O futuro está incerto, e incerto de uma maneira muito ruim. Nada de bom está aparecendo pela frente. E isso tudo detona completamente as expectativas

“A questão toda é como os sujeitos irão partir para tomar a história em suas mãos e tentar mudar as coisas, de forma não a remendar o que já está podre, mas buscar uma transformação mais profunda da sociedade.”

das pessoas. Agora a coisa está batendo no Brasil. Por outro lado, a questão toda é - e para isso eu não tenho resposta - como os sujeitos irão partir para tomar a história em suas mãos e tentar mudar as coisas, de forma não a remendar o que já está podre, mas buscar uma transformação mais profunda da sociedade. E isso é uma incógnita: o que é que vai acontecer. A discussão sobre questões trabalhistas no Brasil, como o tema dos terceirizados, é antiga, e vem se arrastando desde a década de 1990. Mas agora é que está eclodindo. Isso é consequência de uma política neoliberal? Essa história é longa. Na década de 1990, o capitalismo vinha em crise, com queda nas taxas de lucro da produção. Uma solução era diminuir os custos da mão de obra. Aliás, essa é a solução clássica do capitalismo para aumentar o lucro. E como é que isso estava sendo feito? A proposta na década de 1990 era, claramente, a precarização - que foi feita. A Inglaterra fez isso na década de 1980, com a Margaret Thatcher, no centro do capitalismo. E aí virou o grande mote mundial na década de 1990. Na época, o PSDB na presidência, dizia que era necessário acabar com o emprego com carteira assinada, pois era coisa do passado. O Fenando Henrique Cardoso falava que as pessoas que estavam perdendo empregos eram “inimpregáveis”, ou seja, que não seriam mais reabsorvidas pelo sistema, e era preciso dar um outro jeito. Quando, de fato, aconteceu o fenômeno China, na primeira década do século 21, e o Brasil começou a exportar muito, isso

permitiu um surto de incremento, de entrada de riqueza no Brasil, que sustentou consumo alto, crédito fácil para o consumidor e emprego com carteira assinada, que voltou a crescer - o que desmentia as teses dos neoliberais. Aliás, até pouco tempo, um ano atrás, o emprego com carteira assinada estava aumentando. Mas, até 2005, o próprio PT não ousava bater de frente com essa tese neoliberal. Eu me lembro que no começo de 2005 ainda estava na pauta da discussão do Congresso a questão de uma reforma trabalhista. O Lula estava tentando adiar essa reforma, dizendo que antes era preciso fazer uma reforma sindical. Isso significava destruir os sindicatos centralizados, inclusive para facilitar depois a fragmentação e a destruição das leis trabalhistas. Eu me lembro que o Lula dizia na época: “A única coisa em que eu não quero que mexam é nas férias remuneradas. De resto, podemos discutir tudo.” Ou seja, já se tinha feito a concessão. Só que, em seguida, veio o mensalão, a oposição ficou assanhada com a ideia de poder fazer o impeachment do Lula e “esqueceu” a pauta da reforma trabalhista. Apesar das incertezas desta crise, você arriscaria um prognóstico para os próximos anos? É difícil de arriscar prognósticos, mas eu acho que o mais provável é que haja um agravamento da situação atual. A questão é: a crise que estamos vivendo atinge as bases da acumulação do capital. Ela tem a mesma profundidade da Grande Depressão da década de 1930. Claro, a história não se repete desse jeito, então não dá para querer comparar num nível primário. O que dá para comparar é a profundidade. Como é que se saiu daquela crise? Primeiro, houve uma guerra, onde morreram dezenas de milhões de pessoas. Em segundo lugar, houve uma reorganização completa do capitalismo, com novas bases tecnológicas, novos acordos políticos, novos pactos entre capital e trabalho. Foi inventado o tal do “estado de bem-estar social”. Tudo isso recolocou o capitalismo no sistema; ele se reinventou para sobreviver. Com essa nova crise que estamos vivendo, o capitalismo vai ter de se reinventar de novo.

Entrevista completa no site: jornaldocampus.usp.br


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015

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Balanço das eleições para o DCE e perspectivas do movimento estudantil Frente à crise da USP, chapas responderam sobre o contexto da mobilização dos estudantes LUÍS VIVIANI

No começo de abril ocorreram as eleições para a nova gestão do Diretório Central de Estudantes da USP (DCE-Livre da USP) e para Representantes Discentes de 2015. O quórum foi de 8994 estudantes e a chapa vencedora foi “Manifesta! Ousadia para vencer”, com 3949 votos, dando prosseguimento à última gestão. Paralelo ao resultado e ao balanço das eleições, é importante também discorrer sobre os meandros e as perspectivas do movimento estudantil (ME) no atual cenário brasileiro e da USP. O Jornal do Campus conversou com as cinco primeiras chapas sobre o desenvolvimento desses temas.

— Gabriela Ferro, da chapa “Manifesta!”

“USPInova” Alexys Lazarou, estudante da Faculdade de Direito e membro da chapa que alcançou o 2º lugar com 2228 votos, viu avanços nesse ano. “Conquistamos espaço nos conselhos da universidade, tivemos alcance maior no eleitorado, mais pessoas participando e resultados contundentes em faculdades como FEA e ESALQ”. Segundo ele, houve um amadurecimento no programa e uma habilidade maior em traduzir suas ideias, apesar de comentar que outros grupos difamaram alguns pontos da chapa. Sobre o ME, Lazarou explica que o maior problema é a falta de diálogo com as instâncias. Além disso, ele diz que existe um distanciamento com instituições e com o próprio estudante. “Uma universidade de mais de 80 mil alunos, um quórum por volta de 8 mil mostra que a maioria desconhece, ou ignora, o DCE. Falta um trabalho direcionado, fazer do DCE uma entidade presente na graduação dos estudantes”. Nesse sentido, ele comenta que as últimas gestões erraram em aproximar pautas movimentadas “puramente por grupos políticos” e negligenciaram as demandas estudantis que buscam “foco na graduação de qualidade”. “Compor e Ouvir: todo o povo quer cantar” Segundo Kyo Kobayashi, estudande da Letras e membro da 3ª colocada, com 1760 votos, a chapa se consolidou como oposição de esquerda à atual gestão, obteve resultados satisfatórios na apresentação do programa e em institutos como FFLCH, IRI, FEA, São Francisco e São Carlos. Porém também advertiu que sofreram com calúnias. “Alguns grupos se propuseram a fazer campanha de queimação contra a nossa chapa, no entanto, acreditamos que

pudemos convencer estudantes de nossa perspectiva política”. Kobayashi citou que a chapa vencedora tem um grande potencial de articulação política, mas espera que, pela reeleição, ela não caia no imobilismo e na falta de diálogo. Para ele, é imprescindível que o DCE se articule com os CAs, pois assim vai fazer política “com” os estudantes. “O ME precisa estar massificado, caso contrário, as lutas e bandeiras que levantamos, por mais nobres que sejam, serão apenas pautas vazias”. Por fim, ele entende que é fundamental a luta por cotas, acesso e permanência, a discussão sobre a problematização da crise orçamentária da USP e do processo de estatuinte em curso, “propondo sempre uma Universidade menos elitista e mais democrática que combata as opressões de gênero, raça e classe”. “Do impossível ao Inevitável” Para Guilherme Kranz, estudante da Letras e integrante da 4ª colocada com 468 votos, o objetivo principal, que era expandir as ideias do programa, foi atingido.“Muitos ficaram entusiasmados, principalmente à nossa proposta de gestão proporcional para o DCE, à necessidade de nos aliarmos aos funcionários e professores da USP e à democratização radical no acesso à universidade, através de cotas raciais como parte de uma luta pelo fim do vestibular”. Segundo Kranz, os problemas enfrentados pelo ME são o governo Estadual do PSDB, a reitoria da USP, o Conselho Universitário e a grande mídia que “manipula informações em defesa dos interesses de alguns poucos”. Além disso, diz que o principal erro da atual gestão do DCE seria não enxergar que para superar esses problemas é preciso se “aliar aos setores de dentro e fora da Uni-

versidade para construir uma verdadeira mobilização”. Porém, ele aponta que, apesar de algumas limitações, “é um programa que deixa claro a sua independência com relação à reitoria e aos governos, diferente das chapas USPInova e Compor e Ouvir”. “Território Livre” Ocupando a 5ª colocação com 167 votos, Franciel de Souza, estudante de Artes Cênicas, disse que prioridade da chapa não era a conquista de votos, mas a discussão mais incisiva do programa. “Somos contra o reformismo conciliador no movimento e a favor de radicalizar a luta na defesa das nossas condições em unidade com os trabalhadores, que a reitoria vem atacando”. Franciel também criticou a atual gestão na sua dificuldade de mobilização. “No ano de 2014, era decisivo erguer o ME contra os ataques da reitoria e dos governos, mas o movimento ficou paralisado e vazio”. E afirmou que o DCE não consegue atuar nas bases, além de super valorizar fóruns burocráticos como o CCA. Porém, como ponto positivo disse que a atual gestão se diferencia de maneira mais determinada do ‘petismo’. “Dos partidos da ordem, o único que atua no movimento, de forma disfarçada, é o PT. E este será um dos nossos entraves, pois controlam movimentos sociais, estudantis e sindicais, barrando os enfrentamentos contra os ataques dos governos. O DCE aponta um bom caminho atacando o PT e se colocando como oposição de esquerda, mas ainda falta determinação e ação”. As outras chapas foram: “Nada será como antes”, com 149 votos; “Poder Estudantil”, com 65 “Autonomia Universitária: Fora Zago! Fora PM!”, com 30 .Brancos e nulos somaram ao todo 178. AMANDA MANARA

WILLIAM NUNES

“Manifesta!” Para Gabriela Ferro, estudante de Geografia e integrante da chapa, a vitória se deu com uma quantidade representativa. “Fomos a única chapa presente em todos os campi. Somando apoiadores e membros da gestão, somos mais de 600 estudantes”. Em relação ao programa, disse que a aceitação das pessoas foi excelente, por tratar de três grandes eixos: os cortes orçamentários; a falta de democracia na USP e as opressões existentes. Outro ponto ressaltado foi a importância da chapa ser independente dos Governos Estadual e Federal. “A polarização nacional entre PT e sua oposição de direita não serve a nenhum dos estudantes, pois ambos são os responsáveis pelos cortes de investimento da educação”. Gabriela, entretanto, reconhece que o ME passou por um momento difícil em 2014, com assembleias pouco representativas. “A legítima greve dos funcionários e professores, por motivo salarial, que tomou grandes proporções e saiu vitoriosa, acabou fazendo com que o ME estivesse aquém de sua capacidade de mobilização”. E alerta para a necessidade de uma reorganização do movimento: “[o ME] precisa se arejar, queremos construir neste ano o Congresso dos Estudantes da USP. O próximo CCA [Conselho de Centros Acadêmicos] agendado já tem como pauta de discussão o planejamento do Congresso”. Por se tratar de um ano ímpar de lutas, ela observa como um caminho a maior unidade com os CAs, Frente Feminista, LGBT, Núcleo de Consciência Negra, pois “quanto mais participativo, mais forte e empoderado se torna o ME, que pertence a todos os estudantes”.

“Acreditamos que a pauta de democracia e acesso será prioritária, sobretudo por conta do avanço do movimento negro em 2015, com as ocupações pretas, que colocam na ordem do dia a necessidade de implementação das cotas raciais na USP, e também pelo debate sobre a estatuinte que já acontece.”


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UNIVERSIDADE

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015 JORNAL DO CAMPUS

Protestos suspendem primeiras reuniões do Conselho Universitário em 2015 Sessões do colegiado foram ocupadas após manifestantes pró-cotas terem acesso negado JORNALISMO JÚNIOR

presentante da Congregação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), defende que “a reforma do estatuto da USP deve ser um projeto coletivo dos professores, funcionários e estudantes”, sem ser apropriada por qualquer “segmento dos movimentos sociais ou da administração da universidade”.

MARCELO GRAVA VINICIUS CREVILARI

— Informe da reitoria sobre ocupação do segundo CO

No dia seguinte, foi a vez da Associação dos Docentes da USP dar a sua versão do ocorrido. Em seu informativo nº 398, a Adusp afirma que “não endossa” os atos que levaram à suspensão do CO, mas critica a reitoria por conduzir a discussão das propostas “de forma açodada e autoritária” para impedir um debate profundo sobre o estado atual da universidade. A nota finaliza dizendo que “modificações esta­tu­tá­rias e regimentais” que permitam “desenvolver e aprimorar as relações sociais e acadêmicas” não são “as perspectivas da oligarquia que atualmente controla a USP”. Citado no boletim, o professor Benedito Machado, re-

Manifestações interromperam duas reuniões do CO; reitor saiu escoltado SINTUSP

DIVULGAÇÃO IMPRENSA USP

No Ipen, novos atos Buscando prevenir nova ocupação, a reunião seguinte foi transferida para a sede do Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen). Na manhã do dia 14, o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) promoveu diferentes ações pela Cidade Universitária, culminando em assembleia na qual deliberou-se apoio à Ocupação Preta e à reivindicação por cotas.

Docentes reagem No dia 16, um informe da Reitoria condenou a ação por “constrangimento moral e ameaças à integridade física” de “várias pessoas, incluindo o reitor e os pró-reitores da Universidade”, e identificou o “grupo de invasores” como “heterogêneo”: “havia servidores, estudantes da USP e pessoas estranhas à Universidade”, diz o documento. (leia na matéria da página 7 trechos da carta-resposta divulgada pela Ocupação Preta)

“Várias pessoas, incluindo o reitor e os pró-reitores da Universidade, passaram por constrangimento moral e ameaças à integridade física, tendo de ser retiradas sob proteção policial.(...) O grupo de invasores, heterogêneo, era orientado pelo Sintusp: havia servidores, estudantes da USP e pessoas estranhas à Universidade”

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Maior órgão colegiado da USP, o Conselho Universitário (CO) realizaria, nos últimos dias 7 e 14 de abril, suas primeiras reuniões no ano. De caráter extraordinário, as sessões tinham o intuito de continuar a discussão, iniciada em 2014, sobre alterações estatutárias na universidade. Nenhuma, no entanto, chegou a ser concluída. A primeira, no antigo prédio da reitoria, durou cerca de três horas, até mais de 50 integrantes do movimento estudantil e de coletivos negros interromperem a reunião. O grupo, que fazia um ato em frente ao CO reivindicando a inclusão de cotas no novo estatuto, decidiu intervir após pedir, sem sucesso, para assistir à sessão, tendo inclusive cedido nomes e documentos para a segurança do prédio. No momento em que os manifestantes tiveram acesso ao edifício, o Conselho se encerrou e o reitor da universidade, Marco Antônio Zago, foi retirado por outra saída.

Enquanto isso, uma nota assinada pelo reitor Zago anunciava a primeira reunião do CO em que seriam votadas questões relacionadas ao estatuto, pedindo “para que as discussões transcorram em um ambiente tranquilo, sem interrupções, ameaças de invasão ou impedimentos”. No momento da sessão, trabalhadores da universidade realizavam um protesto no Ipen, com participação de estudantes, para pressionar o Conselho, quando membros do movimento negro chegaram, em ato paralelo, com um pedido protocolado junto à reitoria para que Zago, como presidente do CO, aceitasse a entrada de quatro pessoas na reunião. Esses representantes foram levados ao encontro de uma comissão designada pela reitoria. Uma vez que o acesso à sala principal continuou sendo negado, os manifestantes do lado de fora interromperam novamente a sessão, que acabou após cerca de uma hora e meia.

Sessões extraordinárias Em 1º de outubro de 2013, o Conselho Universitário decidiu que iniciaria, no ano seguinte, a revisão de seu estatuto e mecanismos de governança. No dia 25 de março de 2014, foi definido o cronograma de reuniões extraordinárias, que se iniciou em 3 de junho e culminou na reunião do último dia 14, quando seria definido qual órgão realizaria as reformas: se uma Assembleia Estatuinte, uma Assembleia Universitária (ou “colegião”) ou o próprio CO. Para conduzir o processo de discussões, foi criada uma Comissão Assessora Especial (CAECO), composta por seis docentes, dois funcionários e dois alunos. Em assembleia de 25 de março, o Sintusp deliberou seu desligamento da comissão, “formada para dar uma aparência democrática ao processo de auto reforma do regime universitário” segundo nota divulgada em seguida pelo sindicato. A reitoria informou que a próxima reunião do Conselho Universitário, ainda sem pauta definida, ocorrerá em 16 de junho. Questionada se o colegiado pretende debater políticas de ingresso na universidade, como cotas, respondeu que “não há previsão de discussão do tema”.


UNIVERSIDADE

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“Qual outra alternativa a não ser ocupar?” Ocupações continuarão enquanto reitoria se negar a discutir a questão na universidade “Desde sua fundação, a universidade foi pensada para a ‘elite branca’. Um projeto que se aprofundou com a ditadura militar e que a atual burocracia universitária quer manter.” — Bruno Gilga, representante dos funcionários presente na reunião

Alunos negros, que ainda são minoria na universidade, estiveram presentes na reunião do CO Universidade. Mas contra isso, continuaremos ocupando enquanto a USP não pautar cotas e enquanto não houver discussão sobre o tema com a população negra. A gente não quer apenas uma política de inclusão, a gente quer cotas”, finaliza. Segundo Marcela Carbone, estudante de Artes Cênicas e representante discente no órgão máximo de deliberação da USP, o debate em relação às formas de ingresso na universidade vem sendo feito desde 2014, através da pauta da reforma do Estatuto da USP, mas a reitoria nunca inclui as cotas para serem apresentadas para o conjunto da universidade: “uma [assembleia] Estatuinte livre, soberana, democrática e feita de forma paritária, proporciona à própria comunidade o apontamento das questões de seus interesses, e nisto estão cotas”, defende.

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Os acontecimentos de 14 de abril escancaram a crise política pela qual passa a universidade. Tanto as pautas trazidas pelos estudantes e funcionários na paralisação, quanto a questão das cotas raciais, levada pelos representantes da Ocupação Preta (OP) como forma de ampliar o ingresso de pessoas negras na universidade, vieram à tona através da ocupação no prédio do Ipen, onde ocorria a reunião do Conselho Universitário. Entre os representantes dos discentes, dos trabalhadores e dos membros da OP, presentes na reunião, é unânime que a ocupação só ocorreu pela falta de abertura ao diálogo por parte da reitoria. Para B.F, representante da OP, “o movimento negro está organizado há muitos anos na universidade, como no Núcleo de Consciência Negra, e nunca foi convidado pela reitoria para discutir cotas. Protocolamos um ofício que exigia a participação de quatro membros da Ocupação para participar da reunião do CO e mesmo assim não incluíram nossa pauta. Qual outra alternativa, a não ser ocupar?”. Questionada sobre quem seriam as “pessoas estranhas à universidade”, apontadas pelo documento da reitoria em repúdio à “implosão” do CO, B.F. diz enxergar uma “obviedade” na acusação: “É muito claro que as pessoas estranhas à Universidade são as pessoas negras. Ele mesmo questionou se as pessoas que estiveram protestando no CO do dia 07 eram estudantes de escola pública, já que é explicito em nossa sociedade que negros não tem lugar na

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VINÍCIUS CREVILARI MARCELO GRAVA

Movimento exigia que a discussão sobre cotas fosse pautada na reunião do CO de 14 abril

Assim como a representante da OP, Carbone vê nas intervenções a única resposta possível para um movimento que constantemente vem sendo ignorado e aponta a própria universidade como responsável pelas ações mais radicais dos reivindicantes. “Já tínhamos sido ignorados pelo Zago no CO do dia 07, e naquele dia, as negras e negros ocuparam a reunião devido à recusa do Conselho em pautar as cotas; e no dia 14 não poderia ter sido diferente. Não foram estudantes e nem trabalhadores que implodiram o CO, foi a própria universidade que o fez, com seu caráter elitista e antidemocrático”. Intitulado “Violência contra o Conselho Universitário”, o informe da reitoria sobre a ocupação do dia 14 é contestado por Bruno Gilga, representante dos funcionários e presente na reunião. Segundo o servidor, não existiu nenhuma ameaça à integridade física e moral dos participantes do CO por parte dos ocupantes. Ele ainda considera a nota da reitoria, em si, repressiva, já que responsabiliza o SINTUSP pela ação. “A reitoria falsifica a história porque sabe que tanto a comunidade universitária quanto a opinião pública reconheceriam a legitimidade da reivindicação por cotas, se o documento realmente dissesse o que aconteceu e sabendo que a USP sempre se negou a discutir a questão. Ninguém naquela reunião foi ameaçado moral ou fisicamente. A sala onde acontecia a reunião do Conselho Universitário foi ocupada legitimamente para que seja pautada a questão das cotas e automaticamente o racismo institucional da universidade”, assevera.

O funcionário sustenta que o próprio caráter da USP e a forma como ela foi concebida só contempla os interesses de uma minúscula parcela da população: “desde sua fundação, a universidade foi pensada para a ‘elite branca’. Um projeto que se aprofundou com a ditadura militar e que a atual burocracia universitária quer manter”. No mesmo dia em que a reitoria divulgou o informe, a Ocupação Preta lançou em sua página no Facebook uma carta em resposta, na qual afirma que Zago se utiliza de “argumentação falaciosa, expressões semânticas tendenciosas em seu favor” e se exime da responsabilidade em relação ao cancelamento da reunião. Além disso, declara-se que o reitor instrumentaliza os meios de comunicação da universidade para atendimento de interesses políticos próprios, enquanto deveriam existir “para atender às demandas da comunidade, e não as do grupo que ocupa os espaços institucionais de poder”. Em 16 de abril foi realizada uma assembleia geral dos estudantes cujo tema central foi cotas. Entre os encaminhamentos, estão duas paralisações — uma no dia 30 de abril e uma no dia da próxima reunião do Conselho Universitário, em 16 de junho — e a proposta do movimento estudantil coletar assinaturas para um abaixo-assinado da Ocupação Preta. A intenção é reunir 1% de assinaturas da comunidade universitária, para encaminhar a pauta das cotas para reunião do Conselho de Graduação (CoG), órgão central da administração universitária. A próxima assembleia de estudantes está marcada para o dia 6 de maio.


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Complexo Brasiliana ainda intriga comunidade universitária BIANCA CABALLERO

Dois anos após inauguração, um dos mais novos espaços da USP não tem público expressivo

GIOVANA FEIX

a esse lado da construção pouquíssimos visitantes e muitos escritórios improvisados, em salas pensadas originalmente para exposições. Segundo Jaime Oliva, professor do instituto, para que a transferência do acervo se realize são necessárias diversas licitações, visto que sua preservação requer o uso de um mobiliário especial. Rodrigo Mindlin Loeb, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do prédio, lamenta a baixa circulação de visitantes. “Há todo um desenho de ocupação proposto que não se concretizou”, conta ele. “Pode e deve se concretizar. Tem um belíssimo conjunto de salas de aula, pode ser um espaço repleto de gente”. O professor Oliva completa: “Com as condições atuais de acondicionamento do acervo [em outro prédio da USP] e a falta de

“Há todo um desenho de ocupação proposto que não se concretizou."

BIANCA CABALLERO

Há pouco mais de dois anos, este jornal noticiava a elogiada inauguração, na Cidade Universitária, da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Através de pinceladas de história, falou-se das conquistas, mas também das perspectivas e possibilidades que a materialização desse projeto representava. “Uma oportunidade de reunir pessoas para produzir conhecimento, pesquisas e ativar a cultura”, especulou em entrevista Pedro Puntoni, então diretor da unidade. Tanto a reunião de pessoas quanto a “ativação” da cultura, no entanto, até hoje não parecem se concretizar dentro do edifício. Apesar do complexo já fazer, há dois anos, parte da vista cotidiana de quem circula na USP, muita gente ain-

da não conhece suas instalações, e não sabe, inclusive, que ele não abriga apenas a Brasiliana. Quem entra no prédio hoje pode se deixar intimidar rapidamente, pela pompa, altura do pé direito e escassez de gente. Antes mesmo de estar lá dentro, porém, o que intimida mais ainda é a presença de bloqueios, nos dois únicos acessos ao saguão central. “Ali não é lugar apropriado para ciclismo ou skate”, esclarece a atual diretora, a professora da FFLCH Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. Passado esse estranhamento inicial, quem segue seu caminho no edifício geralmente o faz por saber o que procura. Se vai para o lado esquerdo, provavelmente não o encontra: o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), previsto no projeto, ainda não está lá. Isso traz

Apenas pesquisadores selecionados por edital podem acessar a sala no segundo andar

recursos e funcionários, a acessibilidade ao material não é óbvia”, conta. “Com a transferência, isso terá que mudar, a acessibilidade terá que ser outra”. Se, por outro lado, o visitante segue para a direita, em busca de uma obra específica na Biblioteca Mindlin, também corre o risco de não encontrar o que veio procurar. Quando se solicita por um título na BBM, o que se recebe primeiro é um aviso do computador: “Para requisições de consulta na mesma data, haverá um período de espera de até 60 minutos”. Nesse meio tempo, é possível ainda que o livro não seja sequer encontrado. “Nossa biblioteca contém um acervo de obras raras”, procura explicar a diretora, “o que já justificaria essa espera”. Ela frisa que, além disso, um processo de reorganização de todos os cerca de 60 mil volumes está acontecendo, desde a inauguração, ainda sem previsão exata de término. “Temos quatro bibliotecárias, para essa reorganização e também para atender quem sobe à procura de um título”, continua. “A ideia é que, ao longo do tempo, essa demora se reduza à metade, ou muito menos”. Como alternativa à espera, a professora menciona a possibilidade de agendamento. “Se você não quer esperar, manda um e-mail, e o exemplar vai estar à sua disposição sem nenhum momento de espera”. Quando os “até 60 minutos” acabam ou chega o dia marcado em seu agendamento, o acesso aos livros da Brasiliana acontece no segundo andar do prédio.


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015 estas cenas diariamente, e tem procurado mudar a situação. “Quando eu resolvi assumir, não foi simplesmente para administrar a BBM”, ela conta. “Quero transformá-la num centro vivo de pesquisa sobre o Brasil”. Além de lembrar as palavras de Puntoni quando da inauguração do prédio, a fala da professora remete também à noção de biblioteca como organismo vivo. Defendida tanto pelo arquiteto do projeto quanto por seu avô, o próprio José Mindlin, essa ideia é o que justifica outra questão que salta aos olhos do visitante: a presença de espaços vazios em determinados pontos das estantes. Esse aparente problema, porém, consiste apenas no planejamento de um futuro aumento no número de livros. É o que Mindlin desejava, novas ideias podendo conviver e dialogar com as antigas. Também em prol da “ativação” da cultura, vêm sendo organizados colóquios, palestras, os próprios editais e até mesmo recitais de música dentro do complexo - a sala de piano do primeiro andar assim se justifica. “O acervo do IEB estava para mudar para cá, quando bateu a crise na USP”, conta a professora. “Quando ele for transferido, isso aqui vai ficar o sonho de qualquer pesquisador”. Conforme afirma o neto de Mindlin, no projeto do prédio também constavam outros atrativos para os visitantes, como a presença de um café e de um paisagismo especial, que devem ser levados adiante em breve. Passados dois anos de Complexo Brasiliana na USP, a situação ainda está longe do ideal, mas as perspectivas e possibilidades se mostram, mais uma vez, interessantes. Resta agora nos perguntarmos o que o JC vai poder relatar, daqui a mais dois.

“Quando eu resolvi assumir, não foi simplesmente para a administrar a BBM. Quero transformála num centro vivo de pesquisa sobre o Brasil.”

BIANCA CABALLERO

Com entrada bastante restrita, por conta da delicadeza do acervo, esse piso comporta uma sala pensada especialmente para consulta. No caminho até lá, uma outra sala, vazia e inacessível, chama atenção do visitante. O cheiro de pó contrasta com os aparelhos eliminadores de ácaros, acoplados a quase todas as paredes para preservar a rara coleção. “Esse espaço em particular é aberto só para pesquisadores”, explica a diretora, “desde que eles desenvolvam uma pesquisa na Biblioteca Mindlin, que trabalhem conosco em colaboração”. Atualmente, há editais selecionando os pesquisadores que poderão ocupar esta sala - mas, por enquanto, só aqueles que já têm doutorado podem participar. No primeiro andar da Brasiliana, há uma circulação de pessoas maior que a do IEB. Logo após o almoço, no entanto, uma grande parte delas pode ser encontrada dormindo, em algum dos macios sofás espalhados pelo espaço. Também há, claro, visitantes que vêm para estudar, a qualquer hora do dia. De frente ao balcão central da BBM, é imediata a percepção de que a sala de estudos situada à direita é o cômodo mais movimentado das redondezas. Já o espaço à esquerda, semelhante a esse, encontra-se majoritariamente vazio, com exceção do piano que ocupa um dos cantos. Até cerca de um mês atrás, ali ficava a exposição “Não Faço Nada Sem Alegria”, que conta a história de José e Guita Mindlin e que teve de ser diminuída e adaptada ao espaço entre as duas salas. Junto com o que sobrou da exibição, estão justamente os sofás que alguns aproveitam para descansar. Tendo assumido o cargo de diretora em setembro de 2014, a professora Sandra presencia

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O DJ, Departamento Jurídico XI de Agosto ira desvincular-se do CA de onde sempre fez parte e de onde encontra seu suporte financeiro, como decidido em assembléia realizada no dia 14

Assembléia delibera desvinculação do Departamento Jurídico da São Francisco Manobra visa proteger a organização de processo contra o centro acadêmico XI de agosto

O Departamento Jurídico XI de Agosto, DJ, irá desvincular-se do centro acadêmico do qual sempre fez parte e onde encontra seu suporte financeiro. A decisão foi tomada em assembléia realizada no dia 14 de Abril, na Faculdade de Direito da USP. Tendo iniciado suas atividades ainda na década de 1920, o DJ presta serviços gratuitos de representação legal à população. De acordo com o que afirmam em nota, o departamento se consolidou em torno de seu propósito pro bono antes mesmo que órgãos oficiais, como a Procuradoria de Assistência Ju-

BRUNA LAROTONDA- FEVEREIRO 2014

JOÃO CESAR DIAZ

diciária e a própria Defensoria Pública, o fizessem. Hoje, auxiliando cerca de três mil famílias em todas as áreas do direito, o Departamento Jurídico XI de Agosto se vê ameaçado frente ao processo levado contra seu centro acadêmico. Com uma dívida milionária contraída com o não pagamento do IPTU de uma propriedade localizada em uma “região nobre” de São Paulo, próxima ao Parque Ibirapuera, o Centro Acadêmico XI de Agosto enfrenta, nesse momento, a fase de execução do processo sobre a dívida, que, segundo alunos da faculdade procurados pelo JC, não tem como pa-

gar. Ainda segundo os alunos procurados, a origem da dívida provém de erro de uma gestão dos anos noventa, que, quando teve a oporunidade, não pediu a isenção do IPTU sobre o terreno em questão, uma vez que esse se enquadraria como uma propriedade com fins culturais. Agora, com a decisão acerca da desvinculação do DJ, este fica protegido contra a execução do processo que, como disse o aluno Victor Serino ao Jornal do Campus, significaria ao departamento a perda do andar que ocupa em prédio perto da praça João Mendes. “a perda do andar significaria o fim das atividades do DJ“, completa.


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Grupo traz à tona discussão sobre assédio no ambiente acadêmico Plataforma é criada por alunos da pós-graduação para receber denúncias de assédio na USP e analisar quais os tipos mais comuns, quem os comete e em quais cursos ISABELLE ALMEIDA

STELLA BONICI

“Você não sabe fazer isso? Olha como você é burro! Você não é um pesquisador e não deveria estar na universidade”. Xingamentos como esse e outros muito piores são uma forma de assédio que permeiam o ambiente acadêmico, mas que infelizmente passam despercebidos no cotidiano da universidade. Quebrar o silêncio e denunciar casos de assédio tanto moral quanto sexual praticado por professores ou colegas é um desafio e uma experiência traumática para muitos estudantes. Além de fragilizado, o aluno tem medo de prejudicar sua carreira acadêmica por conta de desentendimentos com docentes que estão em um nível hierárquico superior. “Vivemos em um cotidiano violento que não é reconhecido como violento. Dependendo do caso, o assédio é menosprezado e não tem visibilidade. O sujeito que é assediado está invisível. E uma vez que ele é considerado menos importante, a universidade não tem como responder a isso, não tem ferramenta e não tem nem como identificar. Então as coisas vão acontecendo e existe uma forte sensação da impunidade, porque raramente o assediador vai ser responsabilizado”, explica Fernanda Luccas, aluna da pós-graduação e integrante do Grupo de Trabalho Contra Assédios na Pós-Graduação, um projeto criado pela Associação de Pós-Graduandos da USP, que tem como objetivo acolher e orientar estudantes que passam por esse tipo de situação, além

de funcionar como uma plataforma de denúncia, quantificando e averiguando quais os tipos de assédio mais comuns, quem pratica com mais frequência e em quais cursos. Relações de Poder No ambiente acadêmico, as relações hierárquicas são facilmente confundidas com relações de poder, “O assédio moral e sexual são a cereja do bolo. Quando uma pessoa que tem uma relação hierárquica diferente pode assediar aquele que está em uma relação hierárquica inferior, com a certeza de que essa responsabilização não vai acontecer, perpetua diversos tipos de violência dentro da campus. Não é uma questão apenas da USP, mas sendo a universidade um local onde temos um grande corpo intelectual, esse é o tipo de coisa que não deve acontecer”, afirma Fernanda. Como consequência, a vítima do assédio muitas vezes desiste da vida acadêmica. Quem consegue terminar o mestrado ou o doutorado, porque não pode desistir da bolsa de estudos, faz isso sem a menor vontade de estar naquele ambiente. “Ela também pode entrar em depressão e adoecer, como em muitos dos casos que conhecemos. E na pior das hipóteses, irá internalizar essa forma de tratamento como um comportamento normal e posteriormente vai reproduzi-lo com outras pessoas. E esse é o tipo de coisa que queremos romper e desnaturalizar”, explica Natalia Dias, também aluna de pós-graduação e integrante da APG-USP e do GT.

GRUPO DE TRABALHO CONTRA ASSÉDIOS NA PÓS-GRADUAÇÃO APG-USP - CAPITAL HELENIRA PRETA REZENDE 2015 Site: http://elepsidr0.wix.com/gtcontraassedio Endereço: Travessa 8 - Rua Relógio Solar, 300, Butantã, São Paulo - SP, CEP: 05508-050 Email: apg.usp.capital@gmail.com

“Em outros casos, as mulheres são coibidas a não engravidarem durante o período de pós-graduação para não prejudicar a pesquisa” — Fernanda Luccas, integrante do GT Contra Assédios na Pós-Graduação

Os tipos de assédios Qualquer um pode ser potencialmente vítima de assédio, no entanto existem diferenças no tipo de ataques sofridos por homens e mulheres. No caso dos homens, por exemplo, o assédio é geralmente moral e acontece com mais frequência em cursos que exigem uma produtividade maior de resultados. Já no caso das mulheres, os assédios costumam ser piores porque se misturam com machismo. “Pelo fato dela ser mulher, ela tem um direito de errar muito menor do que um colega que é homem. Ela tem que provar que é melhor do que ele, senão ela não é digna de ocupar aquele espaço, que em grande parte é dominado pelo setor masculino. Em outros casos, as mulheres são coibidas a não engravidarem durante o período de pós-graduação para não prejudicar a pesquisa”, explica Fernanda. Além dos casos já bastante comentados de estupros e trotes violentos dentro da USP, outra forma de assédio que recebe muito menos atenção, mas que é relativamente mais comum, são os casos de preconceito entre brasileiros e latinos. O argumento é de que é um absurdo que o Estado brasileiro dê bolsas para alunos de outros países, quando alunos daqui ainda não tem um aporte financeiro necessário. “São discursos xenófobos que ainda aparecem. É inquestionável a necessidade de haver intercâmbio cultural, de termos parcerias com outros países do mundo inteiro”, explica Phillipe Pessoa, também membro da APG-USP e do GT. Como denunciar Atualmente os meios que a USP possui para apurar e punir casos de assédios são ineficientes. Além da Ouvidoria, existe a Comissão de Ética e a Comissão de Direitos Humanos, que foi criada recentemente como resposta do reitor Marco Antonio Zago à crescente pressão da comunidade para que as denúncias de casos de violência ocorridos dentro do campus fossem levados adiante.

“A comissão de ética foi estabelecida a partir dos casos de plágios e fraudes de projetos científicos. O foco dela não é a relação entre os atores da ciência. Então embora ela já tenha tratado de alguns casos que envolveram ações de assédio, a nossa decepção é que não temos notícias de efetividade ao tratar desses casos, e nem sabemos se estão abertos”, disse Phillipe. “Já tivemos casos de pessoas que passaram por situações de assédio e não tiveram coragem de chegar até a comissão, porque sabem que são a parte mais frágil”, completou. Em janeiro desse ano, o reitor delegou à Comissão de Direitos Humanos a responsabilidade de supervisionar a apuração de todas as denúncias de abusos dentro da universidade, como agressões, trotes violentos, estupros e assédios. No entanto, por ser um órgão ainda muito recente, pouco se sabe da real efetividade dessa nova medida. “A Comissão de Direitos Humanos ainda não disse a que veio. Suas atribuições estão sendo revistas, mas não sabemos ainda se vão tratar de casos individuais ou se vão apenas dar diretrizes para que as unidades cumpram seu dever de investigar e de tornar o processo claro e legítimo”, explicou Phillipe. De todo modo, é um passo importante para que a universidade comece a se preocupar em investigar e punir tipos de comportamento violentos entre seus docentes e estudantes. “A universidade é corporativista, ela se protege, protege seu nome e reputação. Protege a reputação de seus docentes. E ao fazer isso, ela não se importa com o que acontece com essas pessoas. Temos que convencer a universidade que a ciência não se faz protegendo os professores que têm esse tipo de conduta, fechando os olhos para a violência. Por que se a universidade não enfrentar os grandes problemas, quem vai? A universidade é quem deveria ter mais coragem para mudar”, conclui Phillipe.


CULTURA

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Programa Nascente abre período de inscrições Em sua 23ª edição, concurso incentiva produção cultural de alunos em sete categorias diferentes RODRIGO MONTEIRO

Artístico e o papel das artes e da cultura na formação de nossos alunos. Ao final de sua participação ele tem um texto publicado no catálogo do programa”.

JULLYANNA SALLES

Em sentido horário, Nara Isoda, finalista em Artes Visuais em 2014, Zé Leônidas, finalista em Música Popular em 2010 e Gilberto do Canto Silva, vencedor na categoria Texto em 2014

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Mostra EAD: Processos, perspectivas

A Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo comemora seu aniversário de 67 anos com a “II Mostra EAD: Processos, perspectivas”, a ser realizada no Tusp. Ressaltando a tradição e a invenção do ensino na escola, a mostra apresenta seis espetáculos encenados pelos próprios alunos. Na direção das apresentações estão as professoras Cristiane Paoli Quito, Maria Isabel Setti, Bete Dorgam e Silvana Garcia, além de Lucienne Guedes, Grace Passô e Kenia Dias como convidadas. Entre as seis montagens está Não Vejo Moscou da Janela do Meu Quarto, espetáculo convidado dirigido por Silvana Garcia. A peça conta com a atuação de alunos recém-formados da EAD, atualmente participantes do grupo Lasnoias & Cia., e se baseia na obra As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, e no conto Casa Tomada, de Julio Cortázar. O enredo se dá na década de 1950 e apresenta como protagonistas três irmãos que vivem confinados em uma casa misteriosa e que anseiam por uma viagem a Moscou. Após cada espetáculo, haverá uma conversa entre a equipe e o público sobre o processo criativo de cada montagem. Além disso, parte das peças será apresentada sob o formato de espetáculo-aula. Paralelamente à apresentação das montagens, as diretoras explicarão como funciona o processo de direção. A programação conta ainda com um Show de Calouros, o qual será realizado no dia 28 de abri, às 19h, própria EAD. Tudo gratuito. 27.04 - 20h 29.04 - 20h 30.04 - 20h 01.05 - 20h 02.05 - 19h 03.05 - 19h -

Na Solidão dos Campos de Algodão Só eles o Sabem Ensaio sob(re) Angústia Carne Moída Exit Não Vejo Moscou da Janela do Meu Quarto

As peças serão apresentadas no Tusp (r. Maria Antônia, 294, Consolação). A Escola de Arte Dramática fica na r. da Reitoria, 215, Cidade Universitária.

Na última segunda-feira, 20 de abril, foram abertas as inscrições para a 23ª edição do Programa Nascente, organizado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. Alunos de qualquer curso de graduação, pós-graduação ou também pertencentes a Escola de Arte Dramática da ECA podem participar do concurso, individualmente, em grupo ou submetendo algum projeto, de acordo com a categoria de seu trabalho. O envio deve ser feito até 29 de maio. O Programa Nascente, criado em 1990, tem como objetivo incentivar a criação artística dos alunos da Universidade de São Paulo. Presos a grades acadêmicas e com enfoque em pesquisa, muitos estudantes acabam por inibir talentos ou mesmo não desenvolver habilidades relacionadas às artes devido ao pouco tempo e oportunidades disponíveis. Em cursos das áreas de exatas e biológicas, este é um problema ainda mais comum. A vivência universitária é bastante pobre quando se limita ao aprendizado técnico de profissões. A troca de ideias, a produção cultural e os debates promovidos a partir de divergentes pontos de vista são fundamentais para a formação de um pensamento crítico que realmente diferencia um bom profissional. É nesse sentido que o Programa Nascente age; incentivando a produção de arte de alunos de graduação e de pós-graduação e premiando os melhores trabalhos. Comparando-se a edição de 2010, com 136 inscritos à última, com 644, observa-se um crescimento considerável na adesão dos estudantes. O organizador do projeto, Rodrigo Monteiro, explica: “O concurso cresceu e diversificou seu público e as atividades realizadas. Hoje, um pós-graduando nas áreas de Artes e da Crítica pode se inscrever para acompanhar as reuniões das Comissões Julgadoras. Embora não participe do processo de decisão sobre os trabalhos finalistas, ele desenvolve uma reflexão sobre o Concurso

Como funciona? Atualmente o programa conta com sete categorias diferentes, são elas: Música Erudita, Música Popular, Artes Cênicas, Artes Visuais, Audiovisual, Design e Texto. Cada uma delas comporta de três a sete subcategorias, assim, a avaliação contém um caráter mais específico, mantendo ainda certa unidade entre as áreas que o Nascente abrange. Além disso, a divisão expande os tipos de trabalhos que pode ser inscritos. Os mais variados materiais possuem espaço dentro do concurso: reportagens, documentários, instalações, composições e poemas são alguns deles. As premiações do programa são em dinheiro, para que o aluno consiga continuar e aprimorar o trabalho apresentado, seja através de investimento em um projeto ou de cursos na área. Após os resultados, é planejado o Circuito Nascente, uma sequência de apresentações dos vencedores em outras cidades, sobretudo nos campi da USP no interior, como São Carlos, Piracicaba e Ribeirão Preto. O regulamento é atualizado anualmente com sugestões das Comissões Julgadora e Acadêmica, ambas renovadas em cada edição. É a partir destes apontamentos que foram realizadas mudanças como a separação da categoria música em erudita e popular. Essa preocupação garante que o concurso possua um caráter de constante aperfeiçoamento. Sobre o retorno social que o programa traz, Rodrigo Monteiro explica: “é possível destacar a possibilidade da cultura produzida pelos alunos extravasar os muros da Universidade e ser vista pela cidade, oferecendo uma rica e diversificada programação cultural aos paulistanos. O Nascente é uma das iniciativas mais bem sucedidas da Universidade em oferecer visibilidade e projeção a talentos artísticos anônimos que caminham todos os dias pelos corredores da USP. É uma das formas que a Universidade constituiu de pensar e dar o devido destaque ao papel da Cultura na formação acadêmica dos jovens que aqui ingressam”. O programa tem revelado nomes promissores no cenário cultural de São Paulo. Destaca-se a banda Filarmônica de Passárgada, vencedora da 16ª edição e que, em 2014, lançou um novo disco (Rádio Lixão) com participações especiais de Tom Zé e Guilherme Amarante. As inscrições podem ser realizadas até o dia 29 de maio pelo site http://prceu.usp.br/nascente/.


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ESPORTES

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2015 JORNAL DO CAMPUS

Conselho Regional de Educação Física notifica Cepe e técnicos universitários AMANDA MANARA GABRIEL CARVALHO

Na primeira terça-feira do mês (07), o Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) recebeu uma visita inesperada: fiscais do Conselho Regional de Educação Física (CREF/SP), que foram fazer uma análise dos procedimentos adotados pelo Centro e verificar as condições dos treinos que acontecem no Cepeusp. O CREF/SP entende que só podem exercer a função de técnico, mesmo quando de times universitários, aqueles que fazem parte do seu quadro de associados. Para poder ter seu registro no órgão é preciso ser formado em Educação Física ou possuir bacharelado em Esportes. No dia que realizaram a visita, os fiscais se passaram por alunos interessados em treinar, procurando pelos técnicos. Tudo isso aconteceu na hora do almoço, portanto não haviam muitos treinos sendo realizados, já que a maioria costuma ocorrer no fim da tarde ou durante a noite. Mesmo assim, eles chegaram a falar com dois treinadores - um de atletismo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) e outro de rugby da Escola Politécnica - e ambos foram notificados pelo órgão. Segundo o coordenador do departamento de fiscalização do Conselho de Educação Física, Valdir Fregolon, “foram encontradas irregularidades na pista de atletismo e na modalidade

de Rugby, onde foram constatadas pessoas orientando atividades próprias do profissional de Educação Física sem a devida habilitação para tal função, caracterizando exercício ilegal da profissão. Foi constatada também irregularidade na sala de musculação, onde não havia profissional habilitado para orientar as atividades, caracterizando ausência de profissional”. As punições não foram apenas direcionadas aos treinadores e, por conivência, o Cepeusp também foi notificado. Um dos seus diretores, Emílio Antonio Miranda, que faz parte do quadro de associados do CREF/SP, teve dez dias para apresentar sua defesa e também recebeu uma notificação do Conselho. Os técnicos que são autuados pelo CREF/SP podem ainda sofrer punições mais severas, como serem suspensos da profissão por até dois anos após se formarem. Diante de um possível quadro em que as medidas orientadas pelo Conselho sejam de fato cumpridas, quais as consequências para o esporte universitário e todos os envolvidos no caso (Cepeusp, associações atléticas e técnicos)?

Após se passarem por alunos interessados em treinos, os fiscais notificaram dois técnicos, sendo um da EEFE e outro da Poli.

Situação das atléticas Se os alunos da graduação forem impedidos de atuarem como técnicos dos times universitários, quem vai ter que encontrar alguma solução para os treinamentos das equipes são as associação atléticas.

AMANDA MANARA

Segundo a entidade, foram encontradas irregularidades em alguns treinos e na sala de musculação

Alunos da EEFE veem no esporte universitário uma forma de preparação para o mercado de trabalho

Não é de hoje que as atléticas da USP enfrentam dificuldades para se manterem financeiramente, e a crise financeira que a universidade está passando dificulta ainda mais o financiamento do esporte universitário em seus campi. Diferente de outros países, como nos Estados Unidos, onde a grande maioria dos atletas são formados nas instituições de ensino e as ligas são completamente profissionais e atraem grande público, o nosso esporte universitário tem uma estrutura abaixo do nível profissional e é praticado como hobby, não como (futura) profissão. Nesse cenário, como as associações atléticas terão condições de se adequar às convenções do CREF/SP? A grande maioria das atléticas hoje fazem uma espécie de troca de favores com os alunos da graduação de Educação Física: em troca da experiência, os estudantes aceitam salários bem abaixo do que o Sindicato dos Profissionais de Educação Física de São Paulo (Sinfepesp) define, R$ 1,7 mil. O pagamento dos técnicos universitários normalmente não é regularizado e a forma de arrecadação é geralmente por doação dos atletas de cada modalidade. Ao mesmo tempo que a profissionalização do esporte universitário se mostra urgente, não há como as associações atléticas acompanharem os pedidos do CREF/SP, sem que haja mais financiamento direcionado às atléticas universitárias. Enquanto isso não ocorre, o melhor caminho tanto para os estudantes que não encontram outra forma de pôr em prática tudo aquilo que aprendem em sala de aula, quanto para as atléticas que possuem pouquíssimo ou nenhum recurso é manter essa espécie de convênio no qual todos saem “perdendo menos”. A National Collegiate Athletic Association (NCAA), entidade que regulamenta o esporte universitário americano, pode dar algum norte para o esporte brasileiro. No ano fiscal de 2014, a instituição norte-americana teve uma receita de US$ 989 milhões, o equivalente a quase R$ 3 bilhões. Obviamente que tanto dinheiro também traz inúmeros problemas para o esporte e não é desse montante que o esporte universitário brasileiro precisa. A grande questão é de onde vem esse dinheiro. Segundo dados da própria organização, 81% de toda arrecadação vem dos direitos televisivos de suas ligas. Em 1982, o contrato televisivo da NCAA era de US$ 50 milhões em três


ESPORTES

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Impacto para os técnicos A maioria dos cursos de graduação exigem que os alunos façam estágio. Naqueles em que não há essa exigência, os estudantes também acabam fazendo somente para poder colocar em prática aquilo que aprendem nos cursos. Na EEFE não é diferente. Essa experiência que os alunos buscam no esporte universitário é muito importante para a formação deles como profissionais. “Quem não consegue entrar em clube enquanto está estudando – o que acredito que seja a grande maioria dos estudantes da EEFE – tem no Cepeusp a oportunidade de colocar em prática o que aprende no curso. E isso é muito importante porque eu, por exemplo, acabei esquecendo muitas coisas que aprendi e não coloquei em prática.”, explica G.P.M., aluno do quarto ano do curso de Esporte, e auxiliar técnico do time de futebol do Instituto de Física. Alexandre Moreira, presidente da comissão de graduação da Escola de Educação Física e Esporte, alega que o instituto não possui relação com os acontecimentos no Cepeusp e que nenhuma medida está sendo tomada por parte da diretoria ou da comissão de graduação. “Não estamos falando de reconhecimento do curso, avaliação dos cursos oferecidos na EEFE, estrutura curricular, processos de ensino-aprendizagem ou problemas relacionados aos estágios. Não há, portanto, nenhuma medida a ser tomada.” No entanto, o auxiliar técnico de futebol também explica que os estudantes vêem nesses treinos com os times da USP, acima de tudo, uma fonte de aprendizado na universidade. Os estudantes dessa área, segundo ele, encontram algumas dificuldades de se inserir no mercado de trabalho enquanto ainda estão na faculdade, devido a alguns fatores, entre eles, a falta de “contatos” no meio do esporte. “Em outras instituições de ensino, como a Universidade do Porto, onde fiz intercâmbio, há programas que facilitam a inserção de alunos em clubes, e o mesmo não ocorre na EEFE. Aqui é muito difícil você entrar em um clube enquanto está fazendo a graduação, mesmo na condição de estagiário, porque o esporte é uma área muito fechada e você precisa desses contatos”, relata o estudante.

Além de treinadores sem registro, CREF também alega que “não havia profissional habilitado para orientar as atividades” na sala de musculação do Cepeusp

AMANDA MANARA

anos; nove anos depois, o contrato atingiu o valor de 1 bilhão de dólares para sete anos. Ainda conforme os dados divulgados pela entidade, 11% da renda total vem das bilheterias. Em resumo, 92% de todo dinheiro arrecadado pela NCAA vem de audiência, de público. Falta, no Brasil, uma identificação com as entidades universitárias e um plano de maior exposição de nossas ligas. Muita coisa ainda precisa ser acertada antes de cobrarem profissionalismo das associações atléticas.

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Além disso, os cursos da EEFE, tanto Educação Física, como Esporte, possuem grade curricular integral, o que atrapalha muito a possibilidade dos alunos exercerem estágio com carga horária fixa. “Os horários do esporte universitário são muito mais flexíveis e adaptáveis à disponibilidade do aluno da EEFE, até porque muitas faculdades também possuem grade integral e só conseguem treinar nos nossos horários livres”, explica G.P.M. Portanto, com as dificuldades muitas vezes impostas pelo próprio curso, os treinos no esporte universitário acabam se tornando, para muitos, uma forma de se adaptar e aprender a lidar com as condições de treinamento dos clubes e do mercado de trabalho do mundo do esporte. Sobre os treinos em si, G.P.M. explica que não vê grandes problemas, uma vez que, na maioria das vezes, o estudante já possui base suficiente para exercer tal função. “Nos treinos de modalidades esportivas, se você não dosar o volume e a intensidade dos exercícios, existe o risco de danos à integridade física dos atletas. Mas eu acredito que um aluno a partir do terceiro ano na EEFE, com todo o aprendizado que já teve, tem totais condições de aplicar e controlar as sessões de treino, de modo que minimize esses riscos, como se deve fazer em qualquer outro lugar.”

“Aqui é muito difícil você entrar em um clube enquanto está fazendo a graduação, mesmo na condição de estagiário, porque o esporte é uma área muito fechada e você precisa desses contatos.” — G.P.M, estudante da EEFE

Situação do Cepeusp Já a situação do Cepeusp é um pouco mais delicada. Quem explica melhor toda a questão envolvendo a visita do Conselho de Educação Física e a repercussão disso tudo é o diretor do Cepeusp, Emílio Antonio Miranda, que foi notificado pelo órgão regional. Ele começa explicando qual é a relação entre as Atléticas e o Cepeusp. “As atléticas são entidades com atividades livres. O Cepeusp, enquanto órgão, tem que proporcionar às atléticas

lugares para exercerem suas atividades, é isso que a gente faz”, explica Emílio. Ele ainda citou um exemplo para ilustrar melhor a situação “embaraçosa” entre os técnicos e o órgão. “Se a Poli for lá e contratar alguém para ser técnico do time de vôlei, o Cepeusp não tem nenhuma ingerência nisso. Quem faz o pedido da reserva é a Poli. Se é alguém da Escola de Educação Física, nós não vamos pedir nada. Se eles forem trazer alguém de fora, aí muda de figura: a gente exige que ele seja formado, que ele tenha registro no CREF/SP. Até porque ele não vai entrar aqui [no Cepeusp], tem que ter uma autorização”. Ele também informou de maneira mais detalhada os re-

sultados da visita e conta que além das notificações, foram feitos relatórios sobre a situação do local. “Não é que eles autuaram a gente, eles notificaram. Nós temos dez dias para dar a resposta para eles e nós vamos dar”, disse Emílio Miranda. Há ainda dúvidas sobre até onde o CREF/SP pode ou não interferir nas atividades praticadas dentro do Cepeusp. Vale lembrar que o complexo não é apenas um espaço físico, mas também um órgão da reitoria onde ocorrem aulas, bolsas de extensão, entre outras atividades O caso ainda caminha para uma definição, o que significa que qualquer solução ainda vai demorar para aparecer, de qualquer um dos lados.

ATUAÇÃO DO CREF/SP O Conselho Regional de Educação Física (CREF/SP) é o órgão de fiscalização do exercício profissional em Educação Física no Estado de São Paulo. Além de representar o CONFEF – Conselho Federal de Educação Física, entidade civil sem fins lucrativos, destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício das atividades próprias dos profissionais de Educação Física – ele deve defender os direitos e promover o cumprimento dos deveres da categoria dos profissionais de Educação Física e das Pessoas Jurídicas nele registrados. Segundo seu estatuto, o órgão póssui um Departamento de Orientação e Fiscalização, que tem o poder de fiscalizar e apurar denúncias da sociedade sobre a prática ilegal da profissão, e age de forma legal e ética. No entanto, a forma como os fiscais fizeram a abordagem no Cepeusp levantou suspeitas e comentários pelo campus sobre essas ações de ética. Perguntado se a ação do CREF/SP foi de alguma forma irregular, o diretor do Centro de Práticas Esportivas afirmou que foi tudo de forma legal. “Nós não podemos impedir um órgão fiscalizador de entrar [no Cepeusp]. É uma ação periódica, eles vieram outra vez há uns três anos”, explicou. Mas como o Conselho é um órgão muito complexo, que apresenta contradições em alguns de seus aspectos, o diretor afirma que o Cepeusp solicitou um parecer da Procuradoria Jurídica, para que o caso seja resolvido da melhor forma possível. “Nós solicitamos um parecer da Procuradoria Jurídica da USP, e enviamos uma carta em resposta às notificações ao CREF/SP. Enquanto isso, as atividades no Cepeusp seguem normais, e, se necessário, depois serão pensadas soluções para a atual situação do esporte universitário na USP”.


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CIÊNCIA

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Nephilas clavipes estão por toda a USP Pesquisador estima que cerca de 70 espécies de aranhas vivam na Cidade Universitária ANDRÉ MEIRELLES

ANDRÉ MEIRELLES

Passando pelos jardins do Restaurante Central ou pelo caminho que liga o Instituto de Psicologia (IP) à Escola de Comunicações de Artes (ECA) é possível encontrar alguns pequenos habitantes da Cidade Universitária. Pousadas sobre teias geométricas ou irregulares, construídas entre árvores, as aranhas já dividem espaço com os frequentadores da USP. “Apesar do campus estar inserido hoje em uma área quase urbana, sobrou muita área de mata, com pelo menos uma bem típica do que era a Mata Atlântica. Então realmente tem muitas aranhas aqui”, explica Antonio Domingos Brescovit, aracnólogo e pesquisador do Instituto Butantan. Segundo seus cálculos, aproximadamente 70 espécies de aranhas devem viver no campus, entre as que vivem no ambiente externo e dentro de prédios, chamadas de sinantrópicas. Sua presença no meio-ambiente da Cidade Universitária é de grande importância pois elas são predadoras do topo da cadeia alimentar. Isso significa que a presença das aranhas proporciona um bom controle da população de insetos. “As pessoas reclamam muito que têm aranha em casa, mas pode-se ter em casa certas aranhas de teia, pois elas ajudam no controle. Se nós não tivéssemos um predador, imagina a quantidade de insetos que íamos ter, desde moscas, mosquitos e gafanhotos”, exemplifica. Entre as espécies que habitam as áreas verdes da USP, uma das mais comuns de se ver é a Nephila clavipes, também conhecidas como aranha do fio-de-ouro. O nome é devido à coloração de suas teias, que apresentam um tom amarelado. “Elas são sazonais e passam o período de chuva desaparecidas. Quando

começa a seca, começam a aparecer, constroem teias e ficam de três a quatro meses”. A fêmea da Nephila costuma ser bem maior que o macho, que fica andando pelas teias como parasitas. Não são aranhas agressivas e também não apresentam perigo algum aos seres humanos. Esses animais constroem suas teias principalmente para refúgio e obtenção de alimento. Os que predam usando as teias representam cerca de 40% das espécies. “As mais conhecidas são as que fazem as teias orbiculares em plantas”, diz. “Existe uma fobia em relação às aranhas. Se as pessoas soubessem que nem 2% de aranhas no mundo são perigosas para o homem, talvez ficassem mais calmas. A grande maioria não tem veneno ativo contra as pessoas. Muitas picam, se defendem, causam uma irritação local, mas em geral é isso”, afirma Brescovit. Das quase 4 mil espécies de aranhas presentes no Brasil, cerca de 10 podem ocasionar problemas mais graves ao ser humano — as chamadas peçonhentas —, apesar da maioria delas possuírem glândulas de veneno e serem consideradas venenosas. As quatro mais perigosas que existem hoje no Brasil são a aranha armadeira (Phoneutria), a aranha marrom (Loxosceles), a viúva-negra (Latrodectus) e as caranguejeiras (que causam irritação cutânea). “A armadeira e a marrom são as duas perigosas que temos aqui em São Paulo e que ocorrem aqui no campus. Aliás, semana passada recebi um material morto que veio do IPT. Era um macho da Loxosceles gaucho”. Acervo de aranhas A coleção de aracnídeos do Instituto Butantan é uma das principais do país. O acervo compõe material não só do Brasil, mas também da Améri-

“Existe uma fobia em relação às aranhas. Se as pessoas soubessem que nem 2% das aranhas no mundo são perigosas para o homem, talvez ficassem mais calmas.” — Antonio Brescovit, do Instituto Butantan

ca do Sul e Central. Além da coleta dos pesquisadores e das trocas através de intercâmbio, o Instituto também recebe muitos animais entregues pela população, que os encontram pela cidade. Atualmente, o acervo do Instituto conta com cerca de três mil espécies de aranhas e mais de 300 mil exemplares. Em maio de 2010, um grave incêndio ocorrido em um dos laboratórios destruiu grande parte dos animais da instituição. Segundo Brescovit, a estimativa é que foram perdidos aproximadamente 30% dos exemplares de aranhas.

Hospital Vital Brazil Localizado dentro do Instituto Butantan, presta atendimentos gratuitos a pacientes picados por animais peçonhentos como serpentes, aranhas, escorpiões e lagartas. Funcionando 24 horas por dia, o Hospital dispõe de 10 leitos para observação e internação. Através dos sintomas apresentados e do relato do paciente, os especialistas conseguem identificar de que animal se trata. Muitas vezes, a pessoa pode também levar o próprio animal ao Hospital, para que ele seja estudado e, talvez, integrado ao acervo do Instituto.

Hospital Vital Brazil Instituto Butantan Onde? Av. Vital Brazil, 1500 — São Paulo (SP) Telefones (11) 3723-6969 / 2627-9529 / 2627-9530


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Fofito presta atendimento a disléxicos Mestrandas criam projeto para auxiliar no aprendizado de leitura e escrita dos pacientes PÂMELA CARVALHO

O distúrbio A dislexia é uma doença de caráter genético e hereditário, com origem neurobiológica. A criança disléxica demonstra dificuldade no processo de aprendizagem da escrita e da leitura. Isso ocorre porque, em diferentes graus, elas não são capazes de estabelecer a memória fonêmica. Desse modo, a natural associação entre fonemas e letras fica comprometida. Os sintomas já podem ser notados na primeira infância ou após os sete anos e em cada um desses casos os sinais são diferentes. Na primeira situação, são comuns o atraso no desenvolvimento motor desde a fase do engatinhar, sentar e andar, distúrbios do sono e, ainda, hiperatividade e choro constante. Já a criança maior manifesta complicação ao realizar tarefas escolares, tendo a fluência em escrita inadequada para a idade e também dificuldade em compreensão de texto. Além disso, as memórias a médio e curto prazo podem ficar comprometidas, de forma que é comum que esqueça rapidamente o que acabou de aprender. No entanto, segundo especialistas, o sinal mais conclusivo da doença em uma criança, independentemente da idade, é o atraso no desenvolvimento da fala e da percepção fonética. Caso esse sintoma se manifeste conjuntamente a casos do distúrbio na família, o tratamento deve ser procurado com urgência. Cerca de 2 mil de brasileiros procuram, todos os anos, a Associação Brasileira de Dislexia para buscar maiores informações. A busca pela entidade, e também outros profissionais especializados, é importante para desmistificar a doença. Popularmente, lugares comuns a seu respeito são difundidos, o que dificulta a percepção dos sintomas e a consequente procura por tratamento. A dislexia ainda é confundida com déficit de

STELLA BONICI

Com o objetivo de atenuar as dificuldades de aprendizado de crianças disléxicas, duas mestrandas da Fofito (Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP), Lígia Zanella e Débora Manzano, iniciaram um programa de atendimento gratuito na unidade. O projeto, que teve início na primeira metade de 2014, é oferecido pelo Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Leitura e Escrita da faculdade, e tem orientação da professora Maria Silvia Carmo.

atenção ou mesmo com retardamento intelectual, por exemplo. A entidade esclarece, entretanto, que a criança disléxica não é menos inteligente do que as outras somente porque possui o distúrbio. Algumas vezes os pacientes possuem capacidade intelectual acima do normal. De acordo com a Associação, o transtorno acomete até 17% da população mundial. No entanto, ainda não é conhecida a cura para a doença. Após o diagnóstico, é recomendável que a criança seja encaminhada para tratamento com participação de especialistas em várias áreas, como a fonoaudiologia e a psicologia. O projeto da Fofito, portanto, representa um importante estágio no processo de tratamento, uma vez que visa a melhora de capacidades comprometidas em uma criança afetada.”Esse programa fonoaudiológico é importante pois atende a necessidade constante de buscar por novos e melhores meios de estimular a leitura e escrita das crianças com dislexia do desenvolvimento”, declara Ligia Zanella. O programa O projeto atende crianças entre o terceiro e o quinto ano do Ensino Fundamental da rede pública. Ele é dividido em 21 sessões de terapia, nas quais são oferecidos exercícios de leitura e escrita, sendo que o nível de dificuldade sobe progressivamente até o fim

do tratamento. Cada uma das mestrandas é responsável por ministrar sua área de pesquisa: Lígia comanda as atividades de compreensão de texto enquanto Débora coordena a parte de ortografia. No início e no fim das sessões são aplicados testes fonoaudiólogicos, os primeiros com o objetivo de verificar se a criança possui capacidade básica de escrita e leitura para que possa participar do programa. Já os segundos colocam à prova os resultados do tratamento, para que se saiba se o paciente pode receber alta fonoaudiológica ou não. Caso ele não tenha apresentado grande melhora, é encaminhado para continuação da terapia no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica da Fofito, caso haja vagas disponíveis. De acordo com Ligia, uma das motivações principais para a elaboração do projeto foi a carência de programas fechados voltados para crianças com dislexia. Segundo ela, quando um paciente com o transtorno procura tratamento, não se sabe quanto tempo ficará em terapia. Portanto, seria importante a promoção de um instrumento de auxílio voltado para esses pacientes, com tempo e estratégia definidos. Além disso, o projeto também auxilia a diminuir as filas de espera por atendimento no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Leitura e Escrita. Especializado em atendimento de pacientes

De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia, o transtorno acomete até 17% da população

com distúrbio de aprendizagem, o local recebe constantemente vários casos de dislexia, mais do que de déficit de atenção. Sendo assim, segundo a mestranda, a criação do programa especializado acaba descongestionando o atendimento do laboratório. Resultados Após quase um ano da criação do projeto, os resultados têm sido satisfatórios. De acordo com Lígia, as crianças atendidas demonstram melhora nas capacidades de escrita e leitura. Esses avanços não são observados somente ao fim do programa, já que após cada nível de dificuldade distinto é possível observar forte evolução. Notou-se também um significativo aumento na autoestima dos pacientes, uma vez que eles próprios conseguem observar a evolução que fizeram durante o tratamento, o que os motiva a continuar buscando melhoria.

Agendamento de Consultas Como? Entrar em contato com Ligia ou Débora, pesquisadoras da Fofito. Quando? Às quartas-feiras das 11h às 15h ou às sextas-feiras das 8h às 10h. Contato? (11) 3091-8412


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OPINIÃO / Marina Yukawa

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Objetificação da mulher ainda é constante Casos de estupro na USP e propagandas ofensivas evidenciam a desigualdade de gênero “Tem-se a crença de que as mulheres, em geral, são bastante calmas, mas as mulheres sentem a mesma coisa que os homens”, diz Jane Eyre, personagem-título do romance de Charlotte Brontë, publicado em 1847. Volto no tempo, pois perante os casos de violência contra mulheres recentemente denunciados na USP, a fala ousada da heroína ainda se mostra fundamental. Infelizmente, os quase 170 anos que nos separam da obra de Brontë parecem míseros dias, e precisamos lembrar constantemente que mulheres possuem sentimentos e vontades, assim como homens. Volto ainda mais no tempo para encontrar Helena, personagem motivadora da mítica Guerra de Troia, que aconteceu por volta de 1300 a.C. Helena foi dada a Páris pela deusa Afrodite como coisa que se dá ou recebe. Depois, roubada de seu palácio como coisa que se rouba e leva embora, e assim se iniciou o conflito. Após 10 anos de batalhas, a mesma Helena voltou para seu antigo lar como um prêmio de guerra. Ela foi constantemente “coisificada”, levada ao nível de objeto inanimado, como vítimas de abusos são encaradas por seus agressores. Jane Eyre e Helena parecem distantes de nós e citá-las pode soar anacrônico, mas poderia enumerar outros tantos nomes de mulheres da literatura e história que sofreram a realidade que mulheres vivem hoje. Os estupros contra alunas da Faculdade de Medicina da USP, que começaram a ser relatados em novembro passado, ainda desencadeiam novas denúncias de abusos contra mu-

lheres na Universidade. A série de atos violentos revela que as mulheres ainda são encaradas como coisas que podem ser roubadas e violadas, assim como foi Helena. Assédios e abusos contra mulheres as colocam em condição de objetos fragilizados, como produtos expostos em prateleiras que são violados ou furtados facilmente, a qualquer momento, sem ninguém se dar conta. A comparação parece bastante rude, e de fato é. Mas não é isso mesmo que caracteriza um estupro? Relações sexuais sem consentimento cometidas por meio de força, inibição ou constrangimento não são atos em que os agressores violam suas vítimas como se fossem objetos? A pressão para que as garotas não reportem os casos de abuso, a fim de não prejudicar os alunos agressores nem criar escândalos, também mostra como as mulheres estão em segundo plano – quando deveriam, como vítimas, ser prioridade. A verdade é que as mulheres estão, quase sempre, em segundo plano. Elas ganham 30% menos que os homens que realizam as mesmas funções, de acordo com dados de 2014 do IBGE, e exercem menor participação e representação política, segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres. Nas últimas eleições para vereadores, em 2012, apenas 31,9% dos candidatos eram mulheres, segundo o TSE. Casos de abusos sexuais são extremos, mas existem diversos momentos cotidianos em que as mulheres também são “coisificadas”, de modo quase imperceptível, mas real. Mulheres devem ser manequins, por exemplo, com

corpos impecáveis que vistam roupas da moda. Elas também devem ser robôs programados por homens para limpar, passar, lavar e cozinhar. Só falta mesmo o controle remoto, mas isso não é um grande problema. Muitas mulheres não precisam de controle remoto para se “coisificar”, pois são condicionadas a gostar de agradar aos homens. Para muitas, é motivo de orgulho estar em forma e se vestir bem para atraí-los, ou cozinhar para conquistá-los pelo estômago. Tudo começa com os pequenos eletrodomésticos cor-de-rosa e os cosméticos de mentirinha. Os brinquedos “de menina” ensinam desde cedo que mulheres nasceram para mimar os homens, e eles esperam que elas os sirvam cada vez mais. Nas propagandas de cerveja, muito populares na mídia brasileira, moças bonitas quase sempre servem homens. De sorriso no rosto, elas desfilam pelas mesas de quiosques à beira mar ou bares com os copos de cerveja e exibem seus corpos esculturais. A cantada estúpida e o assobio constrangedor não podem faltar. Esta condição de subserviência é retratada naturalmente, e o que era apenas um mimo se torna mais uma obrigação. Em contrapartida, mulheres não podem exigir nem esperar nada dos homens, e qualquer trivialidade que eles façam por elas deve ser considerada grandiosa. A coleção de esmaltes “Homens que amamos” da Risqué, lançada no final de março, faz um “tributo aos pequenos gestos diários dos homens”, como diz seu institucional. “André fez o jantar” e “João

“É um pensamento estreito dos seres mais privilegiados do sexo masculino dizer que as mulheres precisam ficar isoladas do mundo.”

— Jane Eyre

disse eu te amo” são alguns dos nomes das novas cores. Trata-se de uma coleção que expressa gratidão a ações banais que homens deveriam fazer cotidianamente, mas ali são consideradas grandes favores. André merece mesmo ser exaltado por fazer o jantar? E João deve ser louvado por ter dito “eu te amo”? Eu acho que não. Tenho certeza que não veríamos esmaltes “Marina fez o jantar” circulando pelas lojas. Não há nada de extraordinário no jantar feito pela mulher ou em suas palavras sinceras de “eu te amo”. Já os homens não devem cozinhar constantemente nem expressar seus sentimentos de forma sincera e expansiva. Pelo contrário, as mulheres devem merecer que eles lhes façam esses favores. A diferença de expectativas é visível e, infelizmente, natural. Rumo a minha conclusão, volto à Jane Eyre. Ela disse que as mulheres “precisam exercitar suas faculdades e ter um campo para expandi-los, como seus irmãos costumam fazer”. Jane tinha o desejo de conhecer o mundo e vivê-lo intensamente, como os homens de sua época faziam. É triste e retrógrado perceber que as mulheres de hoje ainda sofrem da mesma estagnação da heroína. Elas vivem às sombras dos homens, mesmo depois de tantos avanços sociais a seu favor. Essencialmente, pouco mudou. Apenas quando mulheres forem vistas e se reconhecerem como seres humanos iguais aos homens, com os mesmos direitos, sentimentos e capacidades, é que poderão viver livremente e sem medo para expandir seus próprios horizontes.

SANDRA THOMAS - LEGENDLESS

Pouco mudou...

Vamos jantar fora hoje.

Não tô muito a fim.

Você prefere italiano ou japonês?


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