Jornal do Campus - Edição 440 (mai/2015)

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ANO 33 - Nº 440 SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015

JULLYANNA SALLES

STELLA BONICI

JULLYANNA SALLES

Idosos na Universidade UNIVERSIDADE

As disciplinas mais curiosas da USP p. 14

Mudança do Bilhete Único confunde estudantes p. 9

UNIVERSIDADE

ESPORTE

Baterias não têm onde ensaiar p. 10

Saiba mais sobre a lei de incentivo ao esporte p. 12

BRUNA BRITO

CIÊNCIA

SÉRGIO RODAS

Quebrando estereótipos, a terceira idade participa de aulas e atividades diversas p. 5 EM PAUTA

Índios do Jaraguá podem perder suas terras p. 2 e 3 UNIVERSIDADE

Uspianos aprovam faixas de ônibus e ciclofaixas p. 6


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EM PAUTA

SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Índios do Jaraguá correm risco de perder Reintegração de posse movida por Antônio Tito Costa foi suspensa provisoriamente pelo STF às vésperas

Os índios guarani da Grande São Paulo correm o risco de perder uma das sete áreas que possuem na cidade, a Aldeia Itakupe, localizada no Pico do Jaraguá. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) havia marcado a reintegração de posse em favor do proprietário formal da área, o ex-deputado federal e ex-prefeito de São Bernardo, Antônio Tito Costa (PMDB) para o fim de maio. No entanto, na última sexta-feira (15/5), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, suspendeu provisoriamente a medida. A terra reivindicada tem 72 hectares, e fica atrás da montanha. A reportagem do Jornal do Campus visitou a aldeia, no sábado (16/5). Há cerca de cinco pequenas casas rústicas, sem móveis como sofás e camas. O banheiro fica no centro do espaço habitado. Perto dele, há uma espécie de área de serviço, com uma banheira, um tanque de lavar roupas e diversas bacias com calças e camisetas no chão – tudo ao ar livre. Os meninos Adilson, 13 anos, e Luan, 10, fizeram questão de promover um “tour” para mostrar a terra. Visivelmente menores do que garotos de suas respectivas idades, os guaranis apontaram a horta da tribo, onde cultivam batata, mandioca e milho para seu sustento, que é complementado pelas galinhas que criam. Depois disso, apresentaram a casa de reza, um estabelecimento de madeira e palha onde, diariamente, são promovidas orações. Essa é a parte inicialmente visível da aldeia. Mas há muito mais. Seguindo a extensa trilha dos meninos pela mata, descobre-se um paredão e uma câmara de pedra, que teriam sido construídos pelos escravos, de acordo com os guaranis. E, no final do caminho, algo essencial para os índios: uma nascente de água pura, a única da região, segundo o líder guarani David Martim. Geni Vidal Lima, em conjunto com sua nora, Leidiane Rodrigues, produz colares, pulseiras e brincos indígenas. Ela vende o artesanato a quem visita Itakupe. Quando precisa descer o morro para comprar algo ou ir ao médico, Geni aproveita para oferecer as bijouterias por onde passa.

FOTOS DE SÉRGIO DE OLIVEIRA

SÉRGIO DE OLIVEIRA

Conflito judicial Itakupe, Teko Pyau e Teko Ytu, que ficam no lado oposto do pico, compõem a Terra Indígena Jaraguá. Esta última é a única oficialmente demarcada – com 1,7 hectare, é a menor área de índios já reconhecida no Brasil. Conforme informações da Funai, cerca de 600 guaranis vivem na região. Embora os guaranis ocupem a região apenas desde 1950, estudos históricos e culturais da entidade constataram que o terreno é composto por terras ligadas ao antigo aldeamento de Barueri, do século XVII. Com base nisso, a Funai recomendou que a Terra Indígena Jaraguá fosse ampliada para 532 hectares, englobando Itakupe e um pedaço do Parque Estadual do Jaraguá. O documento está desde 2013 aguardando parecer do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Se aprovado, ele segue para a presidente Dilma Rousseff, que pode homologá-lo ou rejeitá-lo. Enquanto o procedimento se arrasta pelo Executivo Federal,

os guaranis são ameaçados de perder sua terra há 10 anos. Alegando que a família de sua mulher havia adquirido a propriedade em 1947, Tito Costa moveu ação em 2005 reivindicando a área. No processo, ele alegou que indígenas nunca haviam habitado a região. Na ocasião, a Justiça considerou que os moradores de Itakupe não eram índios, e sim sem-terra, e, por isso, ordenou a reintegração de posse em favor do ex-deputado. Depois disso, Tito Costa colocou pessoas no local para garantirem a posse em seu favor. Segundo David Martim, eram moradores de favelas próximas que desmatavam muito e eram violentos com os guaranis. Mas em 2014, uma ordem judicial determinou que eles saíssem da aldeia, que foi novamente ocupada pelos índios. Porém, em março de 2015, a 10ª Vara Federal de São Paulo voltou a impor que os índios deixassem Itakupe. A Funai recorreu ao TRF-3, mas a decisão foi con-

JORNAL DO CAMPUS - Nº 440 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo - Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes - Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração - Chefe: Dennis de Oliveira. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsáveis: Daniela Osvald Ramos, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Assistente: Issaaf Karhawi. Redação - Diretora de Redação: Bruna Eduarda Brito. Diretor de Arte: Marcelo Grava. Editora de Imagem: Marina Yukawa. Editora Online: Victória Pimentel. Em pauta - Editora: Ana Paula Machado. Repórteres: João Cesar Diaz e Sérgio de Oliveira. Entrevista - Editora: Amanda Manara. Repórter: Bianca Caballero. Universidade - Editores: André Spigariol, Daniel Muñoz e Mirella Kamimura. Repórteres: Fernando Magarian, Giovana Feix, Jullyanna Salles, Luís Viviani, Murilo Carnelosso, Pâmela Carvalho e Vinícius Crevilari. Cultura - Editora: Nina Turin. Repórteres: Isabelle Almeida e Marcela Campos. Esportes - Editor: João Henrique Furtado Silva. Repórteres: Gabriel Carvalho e Mariana Miranda. Ciência - Editora: Quéfren de Moura. Repórteres: André Meirelles e William Nunes. Opinião - Editora: Stella Bonici. Repórter: Laura Viana. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 5° semestre do curso de Jornalismo Noturno, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.


EM PAUTA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015

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parte de suas terras para ex-político de ser executada. Destino das terras ainda é incerto.

firmada. Insatisfeita, a entidade levou a questão ao STF, onde seu pedido foi acatado por ora. No ato, Lewandowski recomendou que o juízo de primeira instância “promova uma tentativa de conciliação entre as partes ou, então, justifique eventual impossibilidade de levá-la a efeito”. Ou seja, se os índios e Tito Costa não chegarem a um acordo, o juiz pode reafirmar sua posição de atribuir o domínio da área ao ex-político. Somente após isso o Supremo voltará a analisar a questão, dessa vez em caráter definitivo. Na visão de Martim, o ministro da Justiça está sendo omisso ao não dar prioridade para a demarcação da área em favor dos indígenas. Segundo ele, a demora do governo em resolver a questão está alimentando a especulação imobiliária no Jaraguá, gerando desmatamento e prejudicando os guaranis que vivem na região e dependem da água e do plantio de Itakupe.

Mais direitos A Constituição Federal de 1988 trouxe uma mudança “filosófica” em relação aos índios, aponta Nicolau. “Com isso, a sociedade passou a reconhecer a dívida histórica que temos com eles por termos tomado de assalto suas terras”, explica. Para pagar esse débito, foram incluídas diversas disposições no texto constitucional protegendo os indígenas e suas terras. Além disso, o Ministério Público passou a ter competência para proteger os interesses deles. Em 2009, ao confirmar a homologação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), o STF ampliou os direitos dos índios. No julgamento, os ministros estabeleceram que terras caracterizadas como indígenas não podem ter sua posse ou propriedade reivindicada. Dessa forma, não é possível que alguém more em uma aldeia por mais de 15 anos e depois reivindique o título da área por usucapião. As leis são boas, mas não bastam, ressalta Lúcia: “O problema é que ninguém respeita a Constituição”. De acordo com ela, em nome do direito de propriedade, as elites “impõem suas vontades aos três Poderes e à população”, passando a ideia de que índios são “vagabundos, ladrões, e que têm terra demais”. A antropóloga aponta que o governo federal concluiu apenas 50% das demarcações de terras indígenas. E o prazo para concluir esse processo era de cinco anos após a promulgação da Constituição - ou seja, venceu em 1993. Lúcia ainda afirmou que nenhum dos presidentes depois da redemocratização deu atenção contínua ao tema, preferindo ações pontuais que lhes conferissem benefícios políticos.

O doutor pela Faculdade de Direito da USP Gustavo Nicolau explica que, no ordenamento jurídico brasileiro, o direito de propriedade não é absoluto, e tem que ser compatibilizado com o interesse público. “Essa relação tem que ser muito sopesada. Será que nossa cultura, tradição e história não seriam mais importantes do que a propriedade do Tito Costa? Em análise superficial, me parece que sim. Melhor proteger uma das últimas aldeias de São Paulo do que ter mais uma propriedade”, opina. Já a professora de antropologia da PUC-SP Lúcia Rangel destaca que, para os índios, uma área não é apenas um espaço de terra, e sim um local que tem importância simbólica e espiritual para eles, e de onde tiram seu sustento. Sem ela, eles viram seminômades, e acabam caindo na criminalidade, diz. Lúcia inclusive defende que os guaranis sejam nomeados guardiões do Pico do Jaraguá.

OMBUDSMAN

NARRATIVA JORNALÍSTICA NÃO TEM DESFECHO, TEM LIDE Lide é um dos jargões mais batidos do jornalismo. Indica a informação mais importante em uma reportagem, aquilo que ao mesmo tempo a justifica como notícia e orienta toda a sua construção. Quando o repórter encontra o lide, no final da apuração, seu trabalho está quase pronto. Basta colocá-lo no começo do texto e explicar como ele foi encontrado. O JC 439 pecou nisso em mais de um texto, mas o caso mais grave está na reportagem sobre as acusações de racismo em uma aula no Instituto de Biologia. O lide não existe, e a história termina num desfecho anticlimático. O leitor é levado a crer que o conteúdo racista do artigo indicado para leitura era ministrado aos alunos de pós-graduação. Mas não: a disciplina é “English for Science”. O artigo serviria de base para um debate entre os estudantes, em inglês. Esta foi a versão apresentada pelo Instituto de Biologia e comprovada por uma

fonte. A abordagem dos fatos foi sensacionalista e embarcou na mesma barrigada do movimento Ocupação Preta, que invadiu um curso de inglês pensando ser uma aula de eugenia. Apesar desse problema, a reportagem está bem apurada - como, aliás, todo o jornal. Mesmo nos assuntos mais polêmicos, a equipe ouviu os diversos lados e apresentou as versões com objetividade. Mas faltou valorizar o lide de cada reportagem: o melhor da apuração está escondido no final dos textos sobre assédio na Prefeitura, o tornado em Xanxerê e o machismo no esporte. Também faltaram boas fotos para a capa. As publicações feias que me desculpem, mas beleza é fundamental. Guilherme Alpendre - secretário-executivo da ABRAJI


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ENTREVISTA

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DANIEL MUÑOZ

“Os casais homoafetivos passam a ter mais visibilidade na hora de adotar” Isabel Gomes fala sobre as novas configurações familiares, o processo de adoção por casais homoafetivos e a impotância de se quebrar preconceitos de vista da fertilização, principalmente se for uma família de mulheres, enquanto os homens em geral vão em busca da adoção.

BIANCA CABALLERO

De 11 a 15 de maio, foi realizada no Instituto de Psicologia da USP a Semana de Psicologia USP 2015. Entre diversos mini-cursos apresentados no evento estava “A Adoção e suas Vicissitudes”, proposto pela docente Isabel Gomes. Formada no Instituto de Psicologia, atualmente Isabel é professora titular do IP e coordenadora do Laboratório de Casal e Família. Nele, realiza pesquisas com a clínica e estudos psicossociais, que abordam as mudanças na família ao longo do tempo. Em entrevista ao Jornal do Campus, ela falou sobre o que esses estudos vêm mostrando em relação às novas configurações familiares, e abordou também o tema da adoção, processo essencial para a formação dessas novas famílias. O que os estudos têm mostrado a respeito dos novos modelos familiares? Você tem o grande modelo tradicional de família, que é o que imperou no passado e que ainda existe hoje, ao lado das novas configurações familiares. Dentro das novas configurações familiares, a gente tem as famílias reconstituídas a partir da possibilidade do divórcio, que já não são tão novas assim, porque existem faz muito tempo. A gente tem também o que os meus orientandos vêm estudando mais recentemente, que são as famílias homoafetivas, tanto masculinas quanto femininas. A questão não só da conjugalidade homoafetiva, mas a construção da família homoafetiva mesmo, do ponto

O que as abordagens teóricas da psicologia estudadas por você colocam a respeito dessas novas configurações? Do ponto de vista da psicologia clínica, da psicologia do desenvolvimento e até dentro da psicanálise, a grande questão era o que vai acontecer com uma criança que não vai viver a diferenciação sexual. A criança vai crescer numa família assim, com modelos homossexuais, homoafetivos, será que isso não vai gerar nela comprometimentos, sintomas, ou até fazer com que ela também tenha uma orientação sexual homo? Outra questão que aparecia, principalmente em relação aos casais homoafetivos masculinos, era que a gente sempre teve a questão do feminino associado ao cuidar, à maternagem, enquanto o homem, dentro do modelo tradicional, sempre foi visto como o provedor. Então dois homens para cuidarem de uma criança gerava um estranhamento muito grande.

“As pesquisas já mostram que as crianças se desenvolvem da mesma forma e que não necessariamente elas vão ter a orientação sexual dos pais.”

E o que os estudos mostram a respeito dessas questões? O que a gente vai percebendo e o que vão mostrando tanto as pesquisas relacionadas às crianças quanto aos casais, é que as crianças tem o mesmo desenvolvimento daquelas que vem da família hétero. Até porque a família hétero até hoje é a que gera problemas e sintomas psicológicos nos seus descendentes, então

cai por terra essa justificativa. A família heterossexual é o modelo normativo até hoje, mas ela é a que gera as grandes patologias. As pesquisas já mostram que as crianças se desenvolvem da mesma forma e que não necessariamente elas vão ter a orientação sexual dos pais. Então isso está cada vez mais presente e a partir do momento em que há um referendamento, digamos assim, os casais homoafetivos passam a ter mais visibilidade porque também estão amparados pela lei, pelos direitos, direito de herança, de guarda da criança, de convênio médico. Sobre a segunda questão, uma doutoranda minha vai na casa desses casais masculinos que acabaram de adotar, já entrevistou cinco casais e já conheceu essas cinco famílias. São casais que adotaram há pouco tempo, na medida em que a adoção por parceiros homoafetivos é recente. E o que o trabalho dela está confirmando é que eles têm uma preocupação e uma necessidade muito grande de mostrar para a sociedade que eles são pais preocupados, engajados, e que eles acabam se estruturando dentro das funções de qualquer outra família. Então, por exemplo, um é mais provedor pro outro poder cuidar mais das crianças, não muda muito. Mesmo alguns deles buscam ajuda de uma mulher, seja da família mais extensa, seja uma empregada. Com isso eles dizem reconhecer que algumas coisas são da natureza feminina, então buscam essa ajuda. É uma preocupação muito grande da parte deles mostrar que as adoções estão sim caminhando bem.

O que é importante falar sobre a adoção, tema do seu mini-curso, e a relação dela com essas novas configurações familiares? Então, a família adotiva não é algo das novas configurações familiares, a adoção existe desde sempre. O que a gente teve a partir da década de 90, com o surgimento do estatuto da criança e do adolescente, foi também legislar sobre a possibilidade de adotar. Hoje você tem um cadastro nacional de pretendentes à adoção, e é crime aquilo que a gente costumava chamar da “adoção à brasileira”, quando um casal pegava um bebê porque a mãe não queria ficar com ele e registrava como filho biológico. Além disso, hoje essa legislação prioriza a criança, não é uma criança para um casal ou para uma pessoa sozinha, a gente busca uma família para ela. Então por que a adoção entrou de novo nessa questão das novas configurações familiares, na medida em que ela é uma coisa muito antiga? Por conta de uma procura maior dos casais homoafetivos bancarem adotar enquanto casal. Isso também faz com que você tenha que quebrar preconceitos no outro lado, no lado jurídico, para mostrar aos envolvidos que esses casais também podem adotar. Porque o que acabava acontecendo é que eles eram preteridos na fila. Além disso, por eles também já se colocarem nesse lugar de serem estigmatizados, o que acabava acontecendo, e ainda acontece, é que eles tem uma disponibilidade maior para adotar um perfil de crianças que os casais hétero não adotam, crianças mais velha, grupos de irmãos, crianças com alguma deficiência ou doença. Os estudos relacionados ao tema podem ajudar na quebra do preconceito que ainda existe com esses novos grupos familiares? Eu acho que a gente tem que construir conhecimento, principalmente nós que somos da área da psicologia, para ajudá-los a quebrar com os estigmas. Numa interface com os profissionais da área do direito, podemos mostrar aos que trabalham no lado jurídico as novas famílias, os novos arranjos que estão aí, para que não olhem com essa carga de preconceito. Eu acho que essa é a finalidade da pesquisa na área acadêmica, por isso que a gente tem que publicar, por isso que a gente faz parcerias. Esse trabalho de adoção que eu estou fazendo e que a gente apresentou na Semana de Psicologia é fruto de uma parceria do meu laboratório com a vara da infância e da adolescência de Osasco. Além de escrever artigos para a área jurídica, a proposta é trabalhar com os pretendentes e também com as psicólogas e as assistentes sociais da vara para quebrar esses preconceitos.

Entrevista completa no site: jornaldocampus.usp.br


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015

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Cabelos brancos e vontade de aprender A terceira idade que frequenta a universidade, acompanha disciplinas e quebra estereótipos JULLYANNA SALLES

Após os 60 anos é compreensível que não se queira mais aprender, que falte disposição para participar de aulas ou cursos regulares. Com a idade chega o cansaço, não é possível acompanhar disciplinas teóricas ou realizar exercícios físicos frequentes. Esse discurso é bastante presente entre, vejam só, não-idosos. Teresinha Violi Correia, aluna da EACH (Escola de Artes e Ciências Humanas), discorda: “Não é porque estou com 75 anos que não posso fazer uma atividade ou sair sozinha. Saio com cuidado, é claro, mas saio sim - e acho muito bom”. Há 22 anos a USP lançava o Universidade Aberta à Terceira Idade, disponibilizando vagas para idosos em disciplinas regulares e em atividades complementares como ciclos de palestras, oficinas ou aulas práticas, divididas em didático-culturais ou físico-esportivas. Mantido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, o programa visa proporcionar a experiência de universidade a pessoas que, após completar 60 anos, continuam dando importância ao aprendizado ou àquelas que não puderam ter acesso a um curso superior durante a juventude e que não estão dispostas a desperdiçar a nova oportunidade. Este é o caso de Terezinha, que teve que esperar até os 9 anos de idade pela primeira escola pública de seu bairro, na Zona Leste de São Paulo. Com mais três irmãos e uma mãe com a saúde debilitada, precisou começar a trabalhar logo e não pôde se dedicar a uma graduação. Hoje, com filhos e

netos criados, se envolve com várias ocupações durante a semana. Na EACH, faz aulas de teatro e dança sênior, disciplina com atividades físicas de forma lúdica, favorecendo a socialização, lazer e saúde dos alunos. Gilberto Neves é formado em ciências econômicas com especialização em contabilidade. Assim que atingiu a idade mínima para matrícula, 60 anos, começou a participar do Universidade Aberta à Terceira Idade, buscando se atualizar. Nos últimos dez anos cursou, aproximadamente, quarenta disciplinas. “Eu faço cerca de duas aulas a cada semestre. Às vezes até repetida. Agora mesmo, estou fazendo ciência política novamente. Fiz há uns sete anos, estou retornando porque naquela ocasião era outro enfoque, vale a pena refazer”, afirma. Aulas na área de sua graduação, a economia, o idoso prefere evitar, diz gostar de “coisas novas”. Começou fazendo matérias do MAC (Museu de Arte Contemporânea) e ultimamente tem gostado bastante das disciplinas oferecidas na ECA (Escola de Comunicações e Artes). Quando questionado sobre o curso preferido até o momento, fica sem jeito “Agora você me pegou. Gostei muito dos dois semestres de Música Popular

Brasileira, com o professor Ivan Vilela. Estudei cinema também no IEE (Instituto de Estudos Avançados), foi muito interessante. Uma preferida mesmo é difícil, eu fiz muitas”. As matérias regulares, como as que Gilberto cursa, são semestrais e com atividades integradas à graduação. As inscrições são abertas, normalmente, nas primeiras semanas de fevereiro e nas últimas de julho. Já as complementares não possuem data fixa para abertura e são lançadas individualmente pelas unidades, de acordo com uma programação interna. Nestes casos, o ideal é que o idoso acompanhe o site da unidade responsável por atividades que o atraiam. Na grande maioria das matérias, não há pré-requisitos para matrícula, apenas a disposição para aprender. Leda Losso voltou a ser aluna USP com 75 anos. Formada em odontologia na FO (Faculdade de Odontologia), sequer estudou no campus Butantã. Concluiu sua graduação na R. Três Rios, primeira sede do instituto que foi um dos primeiros a formar a universidade. Apesar de exercer ainda a profissão de cirurgiã-dentista, prefere aulas em outras áreas: “Eu quero conhecer outros pensamentos, gente nova, um lado da vida que não seja apenas a ortodontia. Quero sair da técnica e aprender coisas novas”, explica. Depois de pegar algumas indicações de disciplinas comigo, Leda ainda afirmou “Pretendo fazer mais cursos sim, fiquei

“Não é porque eu estou com 75 anos que eu não posso fazer uma atividade”. — Terezinha Violi Correia, aposentada

MARINA YUKAWA

Terezinha Violi Correia, Leda Losso e Gilberto Neves, alunos da USP

muito na biologia, física e química por conta da profissão. Quero conhecer o que mais tem de interessante do outro lado”. Programas como o Universidade aberta à Terceira Idade se tornam cada vez mais comuns. No dia-a-dia, o espaço garantido a este público tem crescido gradualmente e pode ser notado em pequenos fatores como o aumento de bancos reservados no transporte público ou a obrigatoriedade de filas preferenciais em estabelecimentos comerciais. Isso é o reflexo de uma sociedade composta por idosos ativos e, sobretudo, em maior número. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que em 1991, a expectativa de vida era de 66 anos. A última pesquisa, divulgada em dezembro de 2014, revela um novo valor: 74,9 anos. O aumento é bastante significativo e assim sendo, impacta a sociedade brasileira como um todo. A mensagem é clara, a terceira idade constitui uma parcela relevante da população e já não se acomoda no estereótipo comum estabelecido de que idosos devem levar uma vida tranquila e abdicar de atividades regulares como aulas ou exercícios físicos. Apenas neste ano, o programa já disponibilizou mais de quatro mil vagas em mais de quinhentas disciplinas diferentes. Para acompanhar a abertura das inscrições, acesse: www.prceu.usp.br/nucleodosdireitos/usp3idade/.


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UNIVERSIDADE

SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Com faixas exclusivas para ônibus e bicicletas, trânsito no campus melhora Apesar dos enormes congestionamentos que se formam nos portões nos horários de pico, estudantes aprovam alterações nas principais vias da Cidade Universitária MURILO CARNELOSSO

2600 metros

172

mil reais foram gastos para implementar as faixas segregadas nas avenidas da USP.

educadas do que lá fora”, comentou Paulo Vinícius, por exemplo. Segundo os dados da Prefeitura do Campus, historicamente a via com maior número de acidentes é a Av. Professor Lineu Prestes, seguida da Av. Prof. Luciano Gualberto. Outro ponto perigoso é a travessia de pedestres próxima ao portão de acesso à Vila Indiana. “Neste local, os pedestres devem redobrar a atenção e os motoristas reduzir a velocidade”, recomenda o órgão.

BRUNA EDUARDA BRITO

de faixas exclusivas e ciclofaixas no campus.

vero, que dirige um dos veículos da linha 2 do circular. Quando perguntado sobre o que poderia ser feito para diminuir o congestionamento nos portões da universidade, o motorista não se mostrou otimista. “Esse trânsito não tem jeito, o pessoal sempre vai usar pra cortar a Marginal parada. Os portões são abertos ao público e não tem o que fazer”, comentou. Essa opinião também é compartilhada por diversos estudantes, como, por exemplo, Murilo de Carvalho, do Instituto de Biociências. “A situação dos portões nos horários de pico é caótica, mas não tem jeito, vai estar sempre lotado e não tem o que fazer”, sentenciou. A Prefeitura do Campus garante que está estudando formas de diminuir o congestionamento nos portões da universidade, tanto internamente em seu Plano de Mobilidade como ao lado da CET em um termo de cooperação com duração de cinco anos. “Estão sendo estudadas questões como serviços de engenharia de trânsito, projetos de segurança e temporização dos semáforos”, afirmou a assessoria técnica da Prefeitura do Campus em resposta à reportagem. De tempos em tempos a USP também ganha os noticiários com acidentes e atropelamentos que acontecem no campus, principalmente de madrugada. O último caso aconteceu em agosto de 2014 com o atropelamento de cinco pessoas que praticavam corrida próximo ao P1 e que resultou no falecimento do corredor de 67 anos, Alvaro Teno. Mas mesmo assim, os estudantes entrevistados disseram não se sentir inseguros com o fluxo de carros na cidade universitária. “As pessoas no trânsito aqui na USP são bem mais

BRUNA EDUARDA BRITO

A cena é corriqueira. Nos horários de pico, os portões do campus Butantã da USP ficam abarrotados de carros. De manhã, é frequente ver as filas de automóveis chegarem até em frente à Casa de Cultura Japonesa, que fica já na Av. Lineu Prestes, há quase 1,5 quilômetro da portaria principal da universidade. Mas apesar deste e outros possíveis transtornos, os estudantes têm se mostrado satisfeitos e esperançosos com as alterações nas prioridades do trânsito da universidade, valorizando outras modalidades de transporte com a implantação de faixas de ônibus e ciclofaixas, por exemplo. Desde o inicio deste semestre a Cidade Universitária conta com 2.600 metros de faixas exclusivas de ônibus e ciclofaixas, que começam na Av. Lineu Prestes, passam pela Praça do Relógio Solar e se estendem pelos dois sentidos da Av. da Universidade, indo até o cruzamento da Rua Alvarenga com a Av. Afrânio Peixoto. Para muita gente que usa o ônibus circular todos os dias para ir do campus ao Metrô Butantã, essa alteração facilitou bastante o trajeto. “As faixas fizeram muita diferença, dá pra chegar no metrô bem mais rápido de ônibus nos horários de pico”, disse Paulo Vinícius, 31, estudante da Faculdade de Educação. A implementação deste trecho teve o custo de R$ 172 mil. Os motoristas desses ônibus que carregam 50,4 mil pessoas por dia, porém, acham que quem circula de carro pelo campus não respeita o espaço do transporte público como deveria. “É lógico que a faixa de ônibus ajuda, mas se o motorista do carro respeitasse mais e não invadisse o nosso espaço, os passageiros chegariam bem mais rápido tanto no metrô como nas aulas”, disse Edson Bro-

Delimitação de espaço para carros e ônibus melhorou fluxo dos coletivos

Espaço das bicicletas É visível que após a instalação da ciclofaixa próxima à região do portão principal, a circulação de bicicletas como meio de transporte aumentou na região. Mas os ciclistas pedem por mais espaço seguro dentro do campus. “Ainda falta muito, só tem esse pedacinho do P1. É claro que ajuda e melhorou, mas isso tem que ser só o começo”, comentou Sebastian Lopez, estudante da Escola Politécnica que usa a bicicleta como meio de transporte na universidade. A Prefeitura do Campus promete mais ciclofaixas para o início do ano letivo de 2016. “A próxima ciclofaixa deverá ser instalada na Av. Prof. Mello Mo-

raes [a avenida da raia olímpica], após um recapeamento asfáltico. A previsão de conclusão é até o primeiro trimestre de 2016”, garantiu a sua assessoria. Logo depois estão previstas ciclofaixas em mais três vias da universidade. Primeiro na Av. Prof. Luciano Gualberto, seguida pela Av. Prof. Lineu Prestes e a Rua do Lago. Diferente dos ciclistas comuns, as equipes de ciclismo que utilizam o campus para treinar causam mais preocupação. “Com as equipes de bicicleta o trânsito fica mais perigoso, porque eles ocupam espaços grandes da avenida. Tudo bem que eles vêm em horários e dias alternativos, mais à noite e no final de semana, mas alguma coisa devia ser pensada”, acredita Ronaldo Lopes Coelho, 29, estudante de Psicologia que utiliza uma moto para se locomover pelo campus. A USP realizou alguns testes entre o ano passado e o começo de 2015 com percursos feitos especificamente para ciclistas esportivos e para corrida e caminhada aos sábados para priorizar a prática esportiva em dias alternativos na Cidade Universitária. Os resultados serão apresentados ao Conselho Gestor do Campus.


UNIVERSIDADE

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“Direito de escolher a droga é fundamental” Movimento estudantil antiproibicionista debate descriminalização das drogas em evento STELLA BONICI

legalização. A adesão de setores da massa é muito baixa”, completa Fiore. Para ele, também é necessário articular o tema com outros movimentos sociais, como sindicatos e o movimento negro. “Penso que a narrativa de crítica ao proibicionismo precisa compor suas vítimas, aquelas que são as populações mais vulneráveis das consequências negativas da proibição”.

LUÍS VIVIANI

Atraso do Brasil Para Maurício Fiori, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), já há uma certa mobilização como alternativa de luta para a legalização, porém os movimentos sociais precisam crescer para o legislativo e o executivo perceberem sua importância. Fiori comentou que o movimento antiproibicionista deve englobar novos públicos para ganhar maior notoriedade. “Temos que abrir a discussão para perspectivas políticas que não são aquelas tradicionais de esquerda, acho que há setores abertos a discutir a política de drogas, mas que não se engajam. Temos que ser flexíveis e entender que esse movimento dificilmente vai prosperar se não transcender aquilo que chamo de ‘campo da esquerda’”, comenta. Entretanto, Fiore enxerga um descompasso entre a discussão no Brasil e em outras partes do mundo. “Vários ativistas internacionais e especialistas olham para o Brasil e ficam decepcionados com relação ao nosso avanço em relação aos vizinhos, não só ao avanço concreto, em termos de lei e política pública, mas ao avanço da discussão”, analisa. Esse descompasso se relaciona com o pouco engajamento, por exemplo demonstrado em pesquisas de opinião, nos quais os índices no Brasil são baixos. “Temos cerca de 80% da população que responde não quando se comenta sobre

“Há um projeto chamado Plataforma Brasileira de Política de Drogas, que tenta colocar a discussão no país em outro patamar.” — Maurício Fiori, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP)

Movimento de massas Um ponto importante tratado foi em relação ao direito do indivíduo de ter autonomia sobre o seu próprio corpo. Segundo o historiador Henrique Carneiro, professor do Departamento de História da FFLCH, deveria haver uma regulamentação para uso, porém “o direito de escolher a droga que será ingerida é um direito humano tão fundamental quanto a religião ou o livro que escolhemos, pois essa perspectiva diz respeito a um conceito central do modelo de liberdade que devemos estabelecer como fundamento societário”. Além disso, Carneiro discorreu sobre como apenas com muito ativismo de massas é que as políticas de drogas podem mudar, pois para ele prevalece hoje “um modelo internacional de um bloco reacionário fundamentalista que impede que até no UNGASS de 2016 [Assembleia da ONU que tratará sobre a questão das drogas] não tenhamos esperança”. Assim, segundo o historiador, a única possibilidade de acontecer alguma mudança na situação política é, além da legalização já em curso nos EUA, que o movimento de massas cresça nos outros países. “Nos últimos anos, o movimento da legalização da maconha é um dos mais ascendentes da história mundial. No dia 2 de maio teve mais de 100 cidades no mundo com marchas, em Buenos Aires 150 mil pessoas saíram às ruas”, comenta Carneiro, revelando não ter nenhuma ilusão quanto ao Congresso determinar mudanças nas políticas. STELLA BONICI

Nos dias 11 a 15 de maio, houve na FFLCH a quinta edição da Semana Antiproibicionista da USP, realizada pelo coletivo Frente Universitária de Mobilização Antiproibicionista (FUMA), organização que visa promover a discussão sobre a legalização das drogas. O objetivo principal do evento foi justamente tentar trazer para a universidade a importância do debate acerca da descriminalização e as questões paralelas envolvidas com a proibição de certas substâncias psicoativas. A Semana acontece de modo tradicional em Maio, no mesmo mês das mobilizações da Marcha da Maconha em São Paulo e em outras cidades do mundo. Segundo uma das organizadoras do evento, Fernanda Cimino, o FUMA foi criado em 2011 após confusão no estacionamento do prédio da História e Geografia entre policiais militares e estudantes, com o intuito de colocar a questão das proibições em debate na USP, já que o Movimento Estudantil (ME) não pautava essa temática. “Apesar do estopim da greve ter sido relacionado ao uso de drogas na universidade, a questão proibicionista não foi colocada em debate pelo ME naquele momento. Alguns alunos se incomodaram com essa postura, pois essa pauta sempre ficou em segundo plano”, explica Fernanda. Além disso, para ela, o evento teve também a finalidade de transcender o debate das drogas na universidade e alcançar novos temas, explicando os problemas advindos da atual política pública em relação aos psicoativos. “Buscamos fazer mesas que interseccionem as mais diversas pautas, como a de opressões, a questão do uso entre povos indígenas, o

debate dos cultivadores, a luta antimanicomial, a luta do abolicionismo penal e o uso recreativo, entre outros”, aponta. Com a presença de diversos pesquisadores da área, professores e militantes da causa, a semana se caracterizou também por rodas de conversas, debates, oficinas e filmes.

Maiores vítimas Nesse âmbito, a jornalista e militante feminista e anti racista Luka Franca apontou quem são os principais atingidos por essa política de drogas. Tratam-se dos negros e, principalmente, das mulheres negras da periferia. “Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o assassinato de jovens negros aumenta 70% com as entradas em morros por conta do tráfico; as incursões policiais dentro das favelas e de comunidades dizendo que estão desbaratando, são os casos das UPPs no Rio de Janeiro, e aqui no Jardim Rosana ou no Rio Pequeno, o discurso é o mesmo”, diz. Para ela, existe um “amplo processo de criminalização do povo preto e das mulheres”, decorrente da violência policial. “Precisamos compreender que os assuntos se imbricam, o Estado brasileiro está em guerra contra as drogas, mas essa guerra é também contra os negros, contra as mulheres. É preciso lutar contra esse processo de ‘higienização’ tão visível”, explica Luka, mostrando que 65% das mulheres presas entre 2007 e 2012 foram ligadas ao tráfico de drogas, pois o

“sistema penal se associa com essa lógica proibicionista que o capital necessita”.


8 UNIVERSIDADE

SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Reunião sobre reajuste acaba sem acordo Cruesp e Fórum das Seis discutem salários das universidades estaduais de São Paulo VINÍCIUS CREVILARI

Piso salarial da USP, se reajustado com base no Índice de Custo de Vida (ICV/Dieese):

Piso salarial da USP, sem reajuste mensal

mai/2013

R$ 1863,60

R$ 1863,60

nov/2013

R$ 1901,60

R$ 1863,60

mai/2014

R$ 1994,91

R$ 1863,60

set/2014

R$ 2011,73

R$ 1911,49

dez/2014

R$ 2037,00

R$ 1960,62

mai/2015

R$ 2161,67

R$ 1960,62

R$ 2149,87

R$ 1960,62 R$ 1911,49

Segundo os cálculos do sindicato,

R$ 1863,60

R$ 2.117,10

foi a perda salarial, entre maio de 2013 e maio de 2015, sem o reajuste mensal

Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-FIPE), calculado a partir do custo de vida de famílias com renda de 1 a 20 salários mínimos. Isso significa, como mostra o gráfico da página, que o padrão utilizado pelo DIEESE varia mais que o utilizado pela FIPE, fazendo com que a proposta das três reitorias reflitam menos as condições de compra dos servidores das universidades. “A proposta do CRUESP é ruim, porque o índice utilizado por eles inclui uma camada da população que possui um poder de consumo maior do que o considerado pelo ICV. Não é a realidade dos trabalhadores”, afirma João Borghi, representante do SINTUSP. No mesmo dia, o Gabinete do Reitor emitiu nota explicando a proposta feita na reunião. O informe explica que “o índice proposto representa um grande esforço das três Universidades no sentido de preservar o poder aquisitivo dos

salários diante de um cenário econômico desfavorável, em que pese o alto comprometimento orçamentário das Instituições com as folhas de pagamento”. Após a negociação, as organizações que compõem o Fórum das Seis reuniram-se e qualificaram a proposta como insuficiente, recomendando às categorias que “discutam uma contraproposta a ser levada à negociação de 25 de maio”, referindo-se à próxima reunião de negociação entre os órgãos. Sujeição ao Conselho Universitário Durante a reunião do CRUESP, Marco Antônio Zago -- reitor da USP e presidente do conselho de reitores -- informou que agendou uma reunião extraordinária do Conselho Universitário (CO) da USP para o dia 19 de maio, a fim de levar a proposta

MARCELO GRAVA

No dia 14 de maio ocorreu reunião entre o Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (CRUESP) e o Fórum das Seis, órgão que representa os sindicatos dos trabalhadores e professores, junto às entidades dos estudantes da USP, Unesp e Unicamp. Entre as pautas específicas e conjuntas às três universidades, estava a do reajuste salarial, em discussão desde antes de 1 de maio - dia limite em que as reitorias, docentes e servidores acordariam o reajuste dos salários para os próximos 12 meses. O dia foi marcado com um ato, que partiu do MASP até a Rua Itapeva, onde se encontra a sede do CRUESP. A intenção era fazer pressão para que fosse aprovada a proposta do Fórum das Seis de 11,6% de reajuste, sendo 8,36% segundo o Índice de Custo de Vida elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (ICV-DIEESE) e 3,24% a título de reposição de perdas. A reunião terminou sem acordo, já que o CRUESP propôs um reajuste de 7,21%, sendo 4% em 1º de maio e 3,09% em 1º de outubro. A diferença entre as propostas se dá pelo fato dos índices utilizados pelos órgãos serem diferentes. Enquanto o Fórum das Seis utiliza o do DIEESE, que mede o custo de vida de famílias com renda média de R$ 2.800, o CRUESP aplica o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação

E se o piso salarial da USP seguisse o cálculo do DIEESE?

do CRUESP à aprovação do CO. A reunião referendou a proposta de reajuste salarial feita no dia 14 de maio. Os funcionários da USP aprovaram apresentar na próxima reunião do CRUESP a contraproposta de reajuste de 11,6%. Na mesma reunião, os representantes dos funcionários foram informados de que a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) não considerou no orçamento atual o reajuste dos benefícios sociais (como o Vale Refeição e Alimentação), já que o reajuste dos auxílios são pautas de reivindicações específicas dos funcionários da USP. A posição política de Zago, ao limitar a decisão sobre o reajuste salarial das três estaduais a um conselho específico de uma universidade, causou reação. Magno Carvalho, diretor do SINTUSP, afirma que a decisão do reitor

Fontes: Sintusp, ICV/Dieese

“cria uma situação absurda que acaba com a legitimidade tanto do Fórum das Seis, quanto do CRUESP, ao delegar ao CO opoder de decisão que deveria ser posto ao conjunto dos representantes da USP, Unesp e Unicamp”. A reitoria não respondeu a reportagem sobre o motivo de delegar a decisão quanto à questão do reajuste do CRUESP para o CO. Sobre a proposta salarial do Fórum das Seis, a reitoria da USP informou que “O CRUESP entendeu que essa proposta chega ao limite do que as Instituições [USP, Unesp e Unicamp] podem conceder. O propósito é recompor os salários, sem desprezar o comprometimento do orçamento com folha de pagamento”, destacou o reitor Marco Antonio Zago. Os funcionários realizarão uma Assembleia em 21 de maio para avaliarem as decisões no CO e o indicativo de greve para 01 de junho.

Catracas instaladas na Geociências

VINÍCIUS CREVILARI

MURILO CARNELOSSO

O ato partiu do MASP, indo até a Rua Itapeva, onde se encontra a sede do CRUESP.

Na última sexta-feira, dia 15 de maio, catracas eletrônicas começaram a ser colocadas no Instituto de Geociências. Foram R$ 68 mil gastos pela Reitoria para a compra dos objetos que vão controlar o acesso ao prédio. Outras medidas que visam aumentar a segurança já haviam sido tomadas anteriormente, como a instalação de cercas, câmeras de segurança e o fechamento do vão livre do prédio com portas de vidro. Estudantes do IGC estão se organizando contra a implantação das catracas no prédio. A página do Facebook “IGC-sem catracas” critica a medida, que segundo eles foi tomada sem diálogo com o corpo discente. Em nota publicada na página, os estudantes dizem que o prédio da Geociências foi projetado para

ter um vão livre que facilitasse o acesso e a convivência das pessoas, como os prédios da FFLCH e da FAU, por exemplo. “O IGc tem passado por uma série de reformas de segurança que afastam o público: Instalação de cercas, câmeras de segurança e o fechamento do vão livre com portas de vidro. O que foi projetado para ser um prédio de integração social hoje se transforma num forte de segurança máxima”, diz a nota. Um dia antes da implantação das catracas, estudantes do curso organizaram uma atividade de visitação ao museu que fica no segundo andar do prédio. Das 16h às 19h foi realizada uma monitoria para apresentar o museu aos visitantes, e no final foi realizada uma roda de conversa para debater a implantação das catracas, que viria a acontecer no dia seguinte.


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Novo passe estudantil gera confusão Mudança surpreende alunos e levanta questões sobre a relação da empresa com uniões estudantis

As cotas e cargas do antigo Bilhete Único de estudante foram bloqueadas sem aviso prévio pela SPTrans MARIN WA A YUKA

GIOVANA FEIX

Anunciada pelo Diário Oficial da Cidade de São Paulo em janeiro de 2015, a mais recente mudança no modelo do Bilhete Único Estudante só chegou a de fato se materializar três meses depois. O aviso, longínquo, não conseguiu impedir que muitos dos cerca de 500 mil cadastrados no sistema fossem pegos de surpresa quando a transição ocorreu, entre o fim do mês de abril e o começo de maio. O episódio não destoa das dificuldades de que diversos usuários da SPTrans já se queixam há tempos. Interpretações polêmicas que circulam na universidade, no entanto, indicam que a confusão, dessa vez, não se dá só por falhas de comunicação.

GIOVANA FEIX

Confusão que vira regra Para os usuários, há uma época especialmente propícia aos “desencontros” com a SPTrans: o começo do ano, quando os cartões devem ser renovados. “O site é sempre congestionado, e, se você liga na central ou se vai

a um dos postos, a orientação dada é que só se pode renovar o bilhete pela internet”, diz Rodrigo Galvão, estudante da FFLCH. “Enquanto nós ficamos à mercê do site, continuamos pagando o valor inteiro da tarifa”. Outras épocas, no entanto, não privam os usuários de situações igualmente complicadas. Por ter perdido seu cartão logo após uma recarga, o aluno da ECA Rafael Bahia vem tentando compensar o prejuízo há dois meses. Depois da “difícil” recuperação do cartão, teve de continuar cobrando a empresa. “O saldo veio incompleto, e estou há um mês tentando resolver isso, sendo passado de um atendente para outro e de um posto a outro”, ele conta.

Juliana Domingos de Lima, aluna da ECA, conta ter ligado para a empresa logo após perceber que sua cota tinha sido desativada. “A atendente não disse que havia um cartão novo que eu tinha que ir buscar”, conta. “Nem ela sabia.”

No dia do fechamento desta edição do jornal, ainda havia fila para retirar o novo cartão

A bola da vez Ao entrar em vigor, a alteração atual fez com que os créditos de todos os cartões em circulação fossem bloqueadas. A recarga pelo preço originalmente cobrado aos estudantes também foi impossibilitada, gerando estranhamento e grande procura por explicações. Juliana Domingos de Lima, aluna da ECA, conta ter ligado para a empresa logo após perceber que sua cota tinha sido desativada. “A atendente não disse que havia um cartão novo que eu tinha que ir buscar”, conta. “Nem ela sabia”. No site da empresa, tudo estava explicado. “O Bilhete Único Estudante agora faz parte da Carteira Estudantil UNE/ UMES”, lê-se. “Em breve, você receberá em sua escola a nova Carteira Estudantil”. Ao tomarem conhecimento da mudança, os estudantes da USP tiveram que encarar extensas filas formadas diariamente em frente ao prédio do Coseas, desde pouco menos de um mês atras. Por trás de tudo Além de falhas na comunicação, há questões maiores confundindo o público. Entre grupos políticos estudantis de São Paulo, circulam histórias sobre a medida da SPTrans junto à UNE (União Nacional dos Estudantes), que se favorece financeiramente da mudança. Marcela Carbone, integrante da ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre) e do DCE da USP, é uma dentre os que veiculam essas histórias. “No começo do ano, A UNE sentou

com o Haddad, em nome dos estudantes, e fez um acordo”, alega. Em meio às manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público, em janeiro, a diretoria da entidade teria negociado com o prefeito por uma “trégua”. “‘A gente se retira das mobilizações, da rua, se você der para a gente o monopólio do Bilhete Único’”, sugere a estudante como uma fala da diretoria da união. Membro de um aglomerado de oposição dentro da própria UNE, Pedro Serrano diz que não há provas factuais desse acordo. “Não foi firmado nenhum documento”, explica. “Mas é bastante suspeito que a direção de uma entidade que não mobilizou ninguém, no começo do ano, receba agora um grande favor da prefeitura”. Além das histórias, circulam também críticas a respeito da parceria que existe entre a UNE e a SPTrans. Anterior à mudança no Bilhete Único, ela fica ainda mais estreita agora. “É positivo que as entidades estudantis tenham direito a um financiamento sustentável, a UNE, os DCEs, os centros acadêmicos”, opina Pedro. “Mas as carteirinhas não deveriam ser monopólio da UNE, dirigida por um grupo político determinado”. O monopólio a que ele se refere, na verdade, envolve ainda outras “entidades”. O Estatuto Nacional da Juventude, publicado no Diário Oficial da União em 2013, muda as regras para obtenção de meia-entrada, propondo o uso de carteirinhas oriundas preferencialmente ou pela Associação Nacional de Pós-Graduandos, ou pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), ou pela UNE. Fazer com que todos os usuários do Bilhete Único Estudante passem a ter a carteirinha dessa entidade está longe de uma medida ideal, segundo Pedro. “Se todos os DCEs e CAs também pudessem ter essa parceria, não seria injusto desta forma”. O outro lado Até o fechamento desta edição, a SPTrans e a diretoria da UNE não chegaram a responder os questionamentos da reportagem e nem a desmentir estas críticas e acusações. Atendentes da empresa forneceram quatro números de telefone diferentes, antes de finalmente indicar o endereço de e-mail da assessoria de imprensa. Em um dos telefonemas, a funcionária demorou mais de cinco minutos para encontrar o número que acreditava ser apropriado. “Desculpa pela demora”, pediu, “é que hoje o site está meio lento”.


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Baterias da USP não têm onde ensaiar Com falta de espaços adequados e reclamações de barulho, grupos enfrentam dificuldades FERNANDO MAGARIAN

— Gabriela Vieira, ritmista da Farmatuque

WILLIAM NUNES

As baterias da USP têm tido grandes problemas para ensaiar dentro do Campus da capital. Sem espaço para alocar todos os grupos na cabeceira da Raia Olímpica - local oficialmente destinado para este fim - muitas delas ensaiam em outros lugares do campus, o que por vezes atrapalha outras atividades e, nos últimos tempos, tem levado agentes da Guarda Universitária a interromper ensaios. A fim de solucionar o problema de reclamações recebidas referentes ao barulho proveniente dos ensaios, a Prefeitura do Campus da capital (PUSP), desde o final do ano passado, convocou reuniões com as baterias envolvidas. Nelas, chegou a ser cogitada a obrigatoriedade de ensaios exclusivamente na Raia, com transporte dos instrumentos e ritmistas oferecido pela Prefeitura. Esta proposta, no entanto, foi rejeitada pelos ritmistas, que elaboram um projeto de construção de novos espaços no Campus, a ser apresentado à PUSP (ainda não se sabe quando).

“A raia só comporta, no máximo, três baterias em um mesmo horário, e ainda assim, o barulho de uma prejudica a outra”.

Incômodo De acordo com a Assistência Técnica de Relações Institucionais da Prefeitura do Campus (ATRI-PUSP), há pelo menos sete anos a Prefeitura recebe “mensagens da comunidade

universitária, de moradores do entorno e da Ouvidoria, contendo reclamações sobre o barulho proveniente dos ensaios”. Desde 2008, através de uma parceria com o Centro de Práticas Esportivas, a- cabeceira da Raia Olímpica foi cedida para receber ensaios. O espaço, no entanto, não foi suficiente para alocar todos os grupos, que na última década se multiplicaram dentro da USP. “Nuca houve qualquer espaço que fosse realmente montado visando atender as demandas das Baterias “, o ritmista Pedro Marques, da Bateria Manda Chuva (FFLCH), relata. “A Raia veio como uma medida, supostamente provisória, para comportar o número crescente de baterias na USP e diminuir o incômodo da comunidade acadêmica”. Ele explica que a cabeceira tem apenas três “pisos”, cimentados e cobertos, e que eles são próximos um do outro. O resto do espaço é gramado e pista de atletismo. Por estes motivos, quando foi proposto em reunião pela PUSP que todas as baterias passassem a ensaiar na Raia, com transporte feito pela Prefeitura, diversas baterias que hoje ensaiam em outros lugares do Campus se reuniram para discutir sua situação e “somar forças”. “Nossa conclusão, vide o espaço disponível para ensaios na raia, o número de grupos

que ensaiam e os horários dos ensaios, foi de que, mesmo com a disponibilidade de transporte, seria impossível comportar todos os grupos”, Pedro relata. A instrumentista da Farmatuque (Farmácia-USP) Gabriela Vieira completa: “o número de baterias que ensaiam no campus é grande, e muitas ensaiam nos mesmos dias e horários. A raia só comporta, no máximo, três baterias em um mesmo horário, e ainda assim, o barulho de uma prejudica a outra”. Esta posição foi apresentada à PUSP e à administração da Raia em reunião no início deste ano. Projeto Nesta reunião, os ritmistas ressaltaram a importância da existência de espaços apropriados para ensaios. Propuseram, então, de acordo com Pedro, “a criação de novos espaços para ensaios, de forma a atender as demandas de uma manifestação estudantil que vem crescendo muito nos últimos anos”, o que foi bem recebido pela PUSP. “Foi relatado que a prefeitura entrou em contato com a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, e ao que parece eles estão dispostos a receber um projeto, feito por nós mesmos, propondo locais para a construção de novos espaços de ensaio”, ele conta. A construção efetiva de novos espaços, no entanto, parece estar

longe da realidade concreta, e seu processo é um tanto nebuloso. A Prefeitura informou que não executaria nenhum tipo de obra - apenas encaminharia um eventual projeto apresentado pelas baterias à Reitoria da Universidade, através do Programa Campus Sustentável USP – projetos de Governança do Campus e Cultura de Sustentabilidade. A Reitoria, por sua vez, não quis se manifestar sobre esta questão, uma vez que ainda não recebeu nenhum projeto. Até o momento, portanto, não se sabe quem executaria a construção de novos espaços para ensaios, com que dinheiro nem em que prazo. De qualquer forma, os ritmistas trabalham na elaboração do projeto para apresentar à Prefeitura. De acordo com Gabriela, já estão sendo mapeadas as sedes das baterias e os locais de ensaio atual .“A intenção é que o projeto agrade a todos, tornando acessível o acesso para ensaios e sem transtornos com professores e/ou outras baterias”, ela diz. Pedro conclui: “pensamos em incluir nesse projeto não somente uma proposta de construção de novos espaços, mas também um texto descrevendo quem somos, o que somos, o que fazemos e o que a música e nossos grupos representam e significam a nós mesmos e à comunidade da USP como um todo”.

Voz aos sobreviventes do holocausto Coordenada por professora da FFLCH, iniciativa reúne relatos de judeus refugiados PÂMELA CARVALHO

Ao fim do projeto, parte da coletânea será disponibilizada gratuitamente para museus, bibliotecas escolares e arquivos brasileiros, no formato de livros contendo os depoimentos, que serão acompanhados por 10 DVDS que conterão o registro audiovisual dos testemunhos.

Depoimentos Alguns testemunhos de sobreviventes podem ser acessados no site do Arqshoah (www.arqshoah.com.br). Os relatos disponibilizados contam com informações pessoais do colaborador. Além disso, a posição frente ao nazi-facismo também é divulgada, revelando as passagens por campos de concentração, os esconderijos usados e se o sobrevivente teve ou não participação em frentes de resistência.

Dados do holocausto cerca de 12,5 3 milhões milhões de pessoas de eslavos foram mortos

3 milhões

de prisioneiros de guerra comunistas foram assassinados...

sobreviveram

284

sobreviventes vivem hoje no Brasil

60% ...bem como

15 mil

homossexuais

da população judaica europeia foi morta

Fonte: Arquivo Virtual Arqshoah

Motivação O projeto “Vozes do Holocausto” é o resultado de anos de trabalho da professora Maria Luiza. Segundo ela, sua busca por relatos de sobreviventes começou há mais de duas décadas e foi motivada por um convite de um conhecido. Após a publicação de seu livro “Antissemitismo na Era Vargas”, ela recebeu a ligação de um sobrevivente, que lhe disse que se identificava com as narrações na obra, e a convidou para ouvir testemunhos de um grupo em Riolândia, no norte do Paraná. A partir dessa viagem, passou a reproduzir documentos, álbuns de família e outros arquivos pessoais. Desde então, ela tem se dedicado a reconstruir essa parte da história.

O incentivo para dedicar tanto tempo ao projeto vem da necessidade de construir documentos históricos que explicitem a ocorrência do genocídio. Segundo a professora, a iniciativa ocupa um papel importante na tarefa de evitar que existam grupos que neguem o holocausto. Essa negação representaria uma grave discriminação da minoria étnica judaica, uma vez que isso ofenderia sua identidade histórica.

MARCELO GRAVA

O Arquivo Virtual sobre Holocausto (Arqshoah) está desenvolvendo um novo projeto. Sob a coordenação de Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a iniciativa tem o objetivo de colher depoimentos de sobreviventes da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A coletânea terá o nome “Vozes do Holocausto”. Segundo a professora Maria Luiza, a importância do projeto está no fato de as memórias coletadas completarem a história do holocausto. Ao ouvir sobreviventes, o projeto reconstitui um dos lados pouco explorados do genocídio, reescrevendo a história a partir de testemunhos de pessoas que realmente viveram o acontecimento. Além disso, a iniciativa é capaz de criar uma identidade entre os colaboradores, uma vez que suas narrativas de vida os aproximam. “É importante para os sobreviventes saberem que existem

outros, as vezes mais perto do que imaginam. As vezes um deles não faz nem ideia que o outro, com a mesma história, está morando perto, em São Paulo mesmo”, afirma a coordenadora Maria Luiza. A professora também acredita que o projeto deixa um importante legado histórico ao mostrar, através dos relatos, a postura do Brasil perante os massacres nazistas. Apesar de contar hoje com um número considerável de sobreviventes do holocausto, o país muitas vezes se omitia perante os pedidos de refúgio de judeus que escapavam dos campos de concentração. “O projeto explicita a postura antissemita do governo brasileiro perante as atrocidades nazistas”, afirma Maria Luiza. Os colaboradores do projeto não contribuirão somente com a história de sua trajetória. Segundo a equipe do Arqshoah, os depoimentos serão complementados por um conjunto de documentos históricos, sendo que a grande maioria deles pertence aos próprios sobreviventes ouvidos.


CULTURA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015

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Peça expõe olhar histórico sobre autoritarismo Cia do Tijolo apresenta musical baseado em texto do dramaturgo Federico Lorca no Tusp ALÉCIO CESAR ALÉCIO CESAR

Do dia 22 de maio a 22 de junho fica em cartaz no Tusp (Teatro da USP), o musical “Cantata para um Bastidor de Utopias” realizada pelo grupo Cia do Tijolo e baseado no texto Mariana Pineda, de Federico García Lorca. A proposta da peça é dialogar com três momentos históricos diferentes, mas que de alguma forma se complementam por representar temas comuns, como a opressão e utopia. Na montagem, mesclam-se a história da jovem Mariana Pineda Munõz, enforcada aos 26 anos por desafiar o poder do rei espanhol Fernando VII, em 1831, com o assassinato do dramaturgo e poeta Federico García Lorca em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola e também com a ditadura militar brasileira de 1964 a 1985 e as suas consequências. “Um dos temas mais importantes abordados pela peça é a questão da ditadura no Brasil, mas não só. Partimos da ideia de amor, liberdade e revolução para questionar as possibilidades de uma revolução e as consequências da ditadura”, explica o diretor da peça, Rogério Tarifa. O texto de Lorca foi então transformado pelo grupo em uma cantata, e durante os intervalos são feitas conexões com outros períodos históricos. “Porque até hoje não se sabe exatamente onde está o corpo da Mariana Pineda ou do Federico Lorca, os

ALÉCIO CESAR

ISABELLE ALMEIDA

dois são considerados desaparecidos políticos. Na ditadura brasileira existe também essa questão, então nos intervalos cada ator interpreta um desaparecido político brasileiro, como forma de homenagem”, acrescentou Rogério. A peça também inova ao convidar pessoas cujas histórias estão relacionadas à ditadura, criando uma mesa de debate durante o espetáculo. Foram chamados intelectuais, ex-militantes, filhos de desaparecidos políticos e artistas, que são incentivados a compartilhar sua relação com a ditadura na época e também o que esse período nos legou. “Se você olhar

para nossa sociedade, muito do nosso atraso é consequência dessa época. Essas pessoas que vêm falar na mesa trazem no corpo toda essa história. E pelo debate ocorrer durante a peça, os relatos são muito mais potentes, porque está todo mundo ali tocado pelas atuações, pelas questões apresentadas. Então as falas e os depoimentos acabam sendo muito fortes”, diz Rogério. O Cia do Tijolo, que não estava acostumada a realizar textos clássicos, gastou mais de um ano na preparação da peça e optou por adaptar o texto de Lorca no formato de uma cantata, devido à

forte formação musical do grupo. “A Cia é formada por atores e cantores, então a questão da música é muito forte. Quando pegamos o texto da Mariana Pineda, ficamos pensando como poderíamos colocar música, como isso poderia ser feito em cima do texto. Então tivemos a ideia de transformar a peça em uma cantata, que é como se fosse uma ópera menor, só que sem as cenas dramáticas típicas de óperas. A cantata é muito mais narrativa”, explicou. A peça foi premiada com um prêmio Shell de cenário e música e recebeu uma indicação ao prêmio de direção. A Cia do

Tijolo em parceria com o Tusp, também pretende lançar até o final da temporada um CD com as músicas do espetáculo e um livro contendo grande partes das transcrições das falas colhidas durante os debates.

Cantata para um Bastidor de Utopias Local: Teatro da USP - Rua Maria Antônia, 294 Data: de 22.5 a 22.6 Horário: Sextas, sábados e segundas, 19h30; Domingos, 18h30 Preço: R$20,00 (inteira)

Trajetória indígena em mostra na Brasiliana Relatos e desenhos de Hercule Florence recompõem cenário indígena brasileiro no século XIX MARCELA CAMPOS

(LEER-USP), que trouxe o Instituto Hercule Florence (IHF) e seu acervo para a execução da mostra, que conta com a obra etnográfica do retratista bem como itens da cultura material das tribos. Para mostrar a trajetória indígena no País e também, segundo Francis, “as dinâmicas resultantes do encontro entre índios e não-índios”, a exposição lança mão de didáticas linhas do tempo que

MARCELA CAMPOS

É na Sala Multiuso da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin que estão expostos, desde o último dia 6, registros históricos que narram o desbravamento das terras brasileiras ainda no séc. XIX. Os relatos e ilustrações de Hercule Florence (1804 - 1879), desenhista oficial da expedição científica Langsdorff (1825 - 1829) e

um dos mais fiéis retratistas de indígenas na década de 1820, reconstroem a jornada na exposição, que fica até 30 de junho na Universidade de São Paulo: “O Olhar de Hercule Florence sobre os Índios Brasileiros”. Fruto da curadoria de Glória Kok e Francis Melvin Lee, o projeto nasceu de um convite do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação

Reprodução fotográfica da obra "Habitation des Apiacás sur l'Arinos", 1828

levam o espectador a conhecer hábitos, vestimentas e rituais de nove das tribos indígenas brasileiras. Recebem destaque, em grandes vitrines, os Apiaká e os Mundukuru: “São os grupos melhor descritos por Hercule Florence e extremamente simbólicos das dinâmicas decorrentes do contato entre índios e não-índios”, explica a curadora. De fato, o retratista discorre, em L’Ami des Arts livré à lui même - diário de bordo da viagem -, desde aspectos físicos até trejeitos culturais e suas intersecções com a cultura branca. Os relatos vêm corroborados por objetos e iconografias. De acordo com Francis, “a combinação de várias linguagens provém da própria versatilidade de Hercule.” Portanto, para a curadora não há “nada mais natural que combinar as várias técnicas para retratar seu olhar”, resultando numa exposição que agrega material digital como tablets e vídeos.

O didatismo conferido à mostra pela cronologia documental de narrativas e imagens finaliza-se, muitas das vezes, em fotografias referentes à década de 1980. A escolha denota a modificação da vida indígena decorrida do processo de confluência cultural que tomou lugar desde a colonização do Brasil e ainda avança sobre o relicário indígena do País, mas “mais do que um processo civilizatório, o uso de fotografias na exposição reflete a crescente importância do registro iconográfico até os nossos dias, e para todas as culturas”, encerra Francis. O olhar de Hercule Florence sobre os Índios Brasileiros Local: Sala Multiuso, Biblioteca Brasiliana Data: de 6.5 a 30.6 Horário: de segunda a sexta, das 8h30 às 18h30 Entrada franca


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ESPORTES

SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Conheça a Lei do Incentivo ao Esporte Legislação busca alavancar a prática esportiva por meio de incentivos fiscais a patrocinadores

Na edição de número 438 do Jornal do Campus, levantamos uma questão muito delicada na matéria Conselho Regional de Educação Física notifica Cepe e técnicos universitários (p. 12): o financiamento do esporte universitário. Afinal, de quem deve ser a responsabilidade de pagar a conta? A Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), sancionada em dezembro de 2006 pelo Governo Federal, pode ser um ótimo instrumento de “mecenização” para o nosso esporte carente de recursos enquanto uma solução mais específica não é proposta. O que é a LIE A Lei de Incentivo ao Esporte é na verdade um grande programa de incentivo fiscal, já que ela literalmente estimula pessoas e empresas a patrocinar e fazer doações para projetos esportivos e paradesportivos, em troca de incentivos fiscais.Tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas e empresas podem se “beneficiar” do programa com uma porcentagem de desconto aplicada ao Imposto de Renda. Pessoas físicas podem doar a totalidade de 6% de seu imposto devido para projetos aprovados pelo Ministério do Esporte; já para pessoa jurídica tributada com base no lucro real , o desconto é de até 1% sobre o imposto devido. Resumindo, os “mecenas” do esporte podem destinar um dinheiro que eles teriam que gastar de qualquer forma em impostos para iniciativas esportivas. Nesse ponto o Governo Federal é criticado por “terceirizar” o problema do financiamento esportivo e deixar na mão da iniciativa privada a forma como esse dinheiro vai ser gasto. Logo no primeiro ano de prática da LIE, essa crítica se mostrou verdadeira: dos R$ 50.920.591,16 arrecadados por meio de doações e patrocínios aos 17 projetos aprovados, R$ 23.386.164,26, quase metade, foram diretamente para o Comitê Olimpíco Brasileiro. O projeto denominado Preparação das equipes brasileiras no ano de 2008, visando também os XXIX Jogos Olimpícos Beijing 2008 recebeu todo esse montante de um único patrocinador: a Petrobras. No mesmo ano, o São Paulo Futebol Clube recebeu mais de R$ 12,7 mi em patrocínio para investir em seus vestiários, em seu estacionamento e arquibancadas do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o famoso Morumbi. O questionamento é: será que o COB e o São Paulo Futebol Clube não conseguiriam esse montante no mercado comum, sem a necessidade de incentivos fiscais que poderiam ser melhor

Por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, o Cepeusp captou mais de 1 milhão de reais para a reforma da pista de atletismo

DANIEL MORBI

GABRIEL CARVALHO

direcionados para projetos com menor apelo comercial? Em 2013, último ano em que era possível consultar a relação de projetos aprovados e doadores/patrocinadores até o fechamento dessa edição, o cenário já se mostra um pouco diferente. Foram aprovados 534 projetos, resultando na captação de R$ 238.214.570,31 bem menos concentrados do que em 2007. Exceto um projeto de formação de atletas do Esporte Clube Pinheiros que angariou mais de R$ 12 milhões, todos os outros projetos não passaram dos R$ 3,2 milhões - mesmo com projetos de proponentes como Flamengo, Corinthians e o próprio COB. O problema, porém, foi outro: menos da metade dos projetos conseguiu captar o valor aprovado, como o Projeto Faça de um Deficiente um Atleta que visava a captação de R$ 591.117,00 mas conseguiu apenas R$ 49,3 mil.

Em 2013, foram captados R$ 238.214.570,31 para 534 projetos distintos. No entanto, menos da metade dos beneficiados não conseguiu atingir o valor esperado.

Como ser beneficiado Antes de convencer uma pessoa física ou jurídica de que vale a pena apostar em seu projeto, você precisa demonstrar ao Ministério do Esporte que você tem um plano concreto, sustentado e economicamente viável. Como qualquer processo burocrático, isso não é nada fácil e Filipeh Pereira Pessanha, ex-Diretor Geral de Esportes Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim (A.A.A.L.C) - também conhecida como ECAtlética - atesta isso. Ele foi um dos responsáveis por uma proposta de projeto ao Ministério do Esporte enviada em setembro do ano passado e que ainda está em fase de julgamento. “Enviamos o nosso projeto pra Brasília e eu recebi a confirmação, via sedex postal, que meu pedido (que era o nosso projeto), tinha sido entregue com sucesso”, conta o estudante. Até

a entregua, porém, houve um um longo caminho. “Fácil? Nem um pouco. São muitos detalhes, muitas coisas. É um processo que tem que ser bem meticuloso para que tudo ocorra perfeitamente”, detalha Felipeh. Para uma pessoa jurídica ter condições de apresentar um projeto, ou seja, ser um proponente, ela deverá atender a três requisitos: não ter fins lucrativos, ter natureza esportiva e estar em funcionamento há pelo menos um ano. Cada um dos proponentes podem apresentar até seis propostas durante o ano. Até a proposta ficar pronta, porém, existe um longo caminho que a Cartilha da Lei do Incentivo ao Esporte divide em quatro partes: cadastrar o Projeto no SLIE (Sistema da Lei de Incentivo ao Esporte), imprimir os formulários pelo SLIE e assiná-los, realizar a juntada de documentos obrigatórios e postar ou protocolizar o conjunto do projeto. A parte mais trabalhosa é a tal “juntada de documentos”. Felipeh Pessanha conta que, mesmo com a ajuda de uma empresa, todo esse processo demorou muito tempo: “Desde que começamos a planejar a gestão 2013/2014, tínhamos esse objetivo de enviar o nosso projeto para tentar conseguir a LIE. Eu era o DGE mais interessado em fazer isso e comecei a tocar mais ou menos em abril. Fizemos em parceria com a Trion, uma empresa esportiva com foco em eventos e assessoria esportiva, e nesse caso, eles participaram da construção do nosso projeto, o que foi de grande ajuda. Enviamos o projeto em setembro, então podemos considerar um período de 6 meses”, explica. Ele pontua, ainda, que a parte mais complicada foi cotar todos os produtos que constam no projeto. “A questão de correr atrás de cotar tudo

três vezes foi a mais complicada. Quando você faz o projeto, você tem que selecionar tudo que você deseja e descrever no projeto. Como se tratava de uma Atlética, queríamos bolas, uniformes, quadras para treino, entre outras inúmeras coisas. Para podermos colocar esses itens no projeto, teríamos que cotar todos os itens em três lugares diferentes, além de solicitar para a empresa que estávamos cotando que eles colocassem a cotação em nominal para a ECAtlética, o que a maioria nem sabia o que era ou tinha dificuldade em entender”. Feito tudo isso, o Ministério do Esporte tem um ano para analisar o projeto e dar a resposta ao proponente. O projeto da ECAtlética ainda não obteve resposta. Esse é o caminho? A Lei de Incentivo ao Esporte ainda se mostra ineficaz para atender as demandas do esporte universitário. As empresas com condições financeiras preferem patrocinar eventos de grande porte ou grandes entidades do que financiar o ainda pequeno e precário esporte dentro das universidades. O Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) conseguiu captar mais de R$ 1 milhão para a reforma da pista de atletismo por meio da Lei de Incentivo ao Esporte. Grande parte desse montante, R$ 797 mil, foi doado pelo Banco Banestado S/A e o resto foi patrocinado pelo Banco Itaú. Essa reforma, porém, está longe de resolver os problemas estruturais do esporte dentro da USP. Enquanto o esporte universitário não for atrativo para grandes empresas, dificilmente as Associações Atléticas conseguirão angariar os fundos necessários para tornar o seu esporte grande o suficiente para caminhar com as próprias pernas.


ESPORTES

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015

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Natação Inclusiva busca apoio da reitoria Projeto da EEFE para pessoas com deficiência sofre com questões burocráticas e econômicas MARIANA MIRANDA

Natação Inclusiva O programa, criado há 18 anos, atende pessoas com diversos tipos de deficiência. O futuro aluno passa por uma triagem gratuita para saber se consegue entrar sem problemas na piscina e acompanhar as aulas. “Essa triagem é justamente para termos uma avaliação inicial do aluno e para ver se ele gosta da piscina”, conta Elisabeth de Mattos. Existem três níveis de curso: a adaptação, para o aluno que não sabe nadar, a iniciação, para o indivíduo que sabe nadar porém não sabe os estilos, e por fim o condicionamento físico, destinado às pessoas que já sabem nadar dois ou três estilos e vão fazer um condicionamento parecido com o de uma academia. Os alunos nadam duas vezes por semana, mas as aulas não estão focadas em competições. “A partir do momento em que o aluno chega no condicionamento físico, que eu chamo de aperfeiçoamento, ele está pronto pra ir para um clube, ter um curso regular e até ir para competições. Caso ele não queira, pode continuar nesse de manutenção”, explica Elisabeth de Mattos. Limitações Mesmo oferecendo um curso para pessoas com deficiência, o espaço da piscina não é tão adaptado como deveria. “A piscina não tem todas as adaptações que eu gostaria que

tivesse. Embora eu tenha um elevador hidráulico portátil, ele é muito demorado. Se todos os alunos precisassem usá-lo, até o final da aula eu não teria colocado todos na água. Então apenas um ou outro eventualmente o usam. Fora isso, eles têm que aprender a entrar e sair da água sozinhos ou então nós temos que conseguir içá-los para fora da água”, conta a professora. Outro problema estrutural é o vestiário. Mesmo sendo adaptado para atender esse público, ele não é misto, o que traz dificuldades na hora de trazer acompanhantes. “Existem diversas situações em que o deficiente precisa de um acompanhante no vestiário para se trocar e tomar banho, porém esse acompanhante é de sexo diferente do aluno, como por exemplo mãe e filho ou marido e mulher. É complicado, as mães têm que dar um jeito de vir com os filhos no vestiário feminino em um horário de menos movimento, ou se não eles só passam no chuveirinho e vão embora de roupão mesmo. Se a pessoa não se sentir a vontade por causa dessas limitações, provavelmente não vai frequentar nosso curso”, conta Elisabeth de Mattos.

“A piscina não tem todas as adaptações que eu gostaria que tivesse. Embora eu tenha um elevador hidráulico portátil, ele é muito demorado. Se todos os alunos precisassem usá-lo, até o final da aula eu não teria colocado todos na água.” — Elisabeth de Mattos, professora da EEFE e responsável pelo programa “Natação Inclusiva”

Curso em risco As aulas de sexta-feira são destinadas aos alunos muito comprometidos, seja cognitivamente ou fisicamente, portanto cada um precisa de um instrutor individualizado. Essa parte do curso é deficitário, já que o pagamento realizado pelos alunos não cobre o pagamento dos monitores. Além disso, a universidade só oferece dois tipos de estágios remunerados: de 20 ou 30 horas semanais. “Estou tendo um problema sério com a USP. Se tivesse um campinho no Júpiter onde eu pudesse selecionar um

GIOVANA FEIX

A Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE) oferece diversos cursos comunitários como forma de atividades de extensão. Além de colaborar para a manutenção da saúde e qualidade de vida dos alunos inscritos, também é uma boa maneira dos graduandos praticarem o que é ensinado em sala de aula através de um estágio ou monitoria. Além do público em geral, a escola também oferece um curso de natação para pessoas com deficiência, seja ela intelectual, sensorial ou motora. Frente à necessidade de pagar muitos estagiários para atender às demandas específicas de cada aluno, o curso destinado às pessoas mais comprometidas corre o risco de ser enxugado ou até mesmo fechado, já que não existe no Júpiter Web - sistema online da USP responsável por arquivar o desempenho do aluno nos diversos âmbitos da faculdade, desde a graduação até o estágio - uma opção de horas de estágio condizente com às cumpridas pelos graduandos. A importância do esporte para deficientes O esporte para deficientes teve início sob o aspecto terapêutico da prática da atividade física. O grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, indicava banhos e exercícios para pessoas com deficiência como forma de instrumento de tratamento da saúde. Já nos anos 40, logo após a segunda guerra mundial, a atividade física começou a ser aplicada em lesados modulares e paraplégicos provenientes das batalhas. Além de tratar a parte motora, o esporte também ajudava no setor emocional do paciente. Elisabeth de Mattos é professora da EEFE e ministra as disciplinas Esporte e Deficiência I e II.

Além disso, ela é a responsável pelo programa “Natação Inclusiva”, destinado a pessoas com deficiência: “o esporte tem importância no aspecto terapêutico e no social, sendo uma forma de trazer o aluno de volta para o convívio, mesmo que seja um convívio segregado. Com isso, o esporte é um instrumento grande de inclusão, trazendo uma vida de cidadania plena”.

Vicente Mastropaulo Neto, 46 anos, foi um dos primeiros alunos do projeto “Natação Inclusiva”, criado há 18 anos

estágio de 12 horas semanais, os monitores já teriam as horas da aula em si mais as do planejamento, das reuniões semanais de uma hora e da leitura de atualização. Ou seja, eu tenho como completar um estágio de 12 horas. Daí com o valor que a gente arrecada, já que esses cursos são pagos, eu teria como pagar o meu estagiário e manter o curso”, conta a professora. Devido à falta dessa terceira opção para estágios da USP no sistema Júpiter WEB, a professora está correndo o risco de fechar o programa depois de 18 anos. A diretoria da escola enviou uma carta para a reitoria tratando desse tópico em mais algumas outras pendências, porém Elisabeth não recebeu uma resposta para sua demanda: “Eles responderam às outras coisas e nem sequer tocaram no assunto disso. Nós não vamos poder continuar assim porque se eu tiver que colocar um estagiário e pagar o valor de 20 horas, nós não teremos esse dinheiro e vai ser mais um ônus para a própria universidade”. Atualmente o “Natação Inclusiva” possui cerca de 120 alunos cadastrados. Contudo, com o problema de pagamento de estagiários, o curso corre o risco de diminuir para apenas 20, que é a quantidade de alunos que o coordenador consegue atender nesses horários. “Na sexta que são as pessoas muito comprometidas, é um aluno para cada monitor, então como vamos fazer? Se o estagiário quiser vir só de sexta ele vai ganhar duas aulas só. Não posso pagar 20 horas para ele trabalhar duas, que ao todo vão dar 5 horas semanais somando com o planejamento. Ou seja, ele estará ganhando 15 horas a mais do que deveria. Vou estar jogando dinheiro fora. Eu acho isso contra producente para o aluno USP. Mas e como eu faço com o curso? Porque está difícil de falar com a reitoria”, explica Elisabeth de Mattos. Além de um enorme prejuízo para os alunos de natação, é também para os estagiários, graduandos da EEFE. “Eu poderia fazer esse curso somente com o aluno e seu acompanhante, e o coordenador auxiliaria de fora. Mesmo assim eu teria que enxugar o curso e não teria a mesma vivência para o estagiário, que é muito rica. E também não teria a mesma vivência para os alunos. Então é um problema. É esse o modelo que eu tenho atualmente”, conta a professora Elisabeth de Mattos. O Jornal do Campus tentou entrar em contato com a reitoria da universidade, porém não recebeu nenhuma resposta antes do fechamento desta edição.


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CIÊNCIA

SEGUNDA QUINZENA | MAIO 2015 JORNAL DO CAMPUS

Disciplinas curiosas revelam heterogeneidade e amplitude das pesquisas científicas da USP Para além dos cursos e campos de estudos tradicionais, Universidade comporta áreas de pesquisa inusitadas e pioneiras; conheça um pouco da gravimetria e do tupi antigo MARIANA MIRANDA

ANDRÉ MEIRELLES

VICTÓRIA PIMENTEL

Como uma das principais universidades da América Latina, a USP comporta várias áreas do conhecimento. Para além dos cursos mais tradicionais (e concorridos), como Engenharia, Direito e Medicina, ela apresenta outros campos de estudo e pesquisas que, muitas vezes, são uma verdadeira incógnita, ao menos para a maioria das pessoas. Algumas disciplinas da Universidade, por exemplo, possuem nomes tão diferentes que chamam a atenção. Quem nunca teve curiosiAlunos dade, ao acessar as optativas livres da disciplina pelo Júpiter, de saber de que se tra- de gravimetria tam áreas como a da agrostologia, saem a campo, ou a matéria ictioplâncton maripara aplicar nho, ou a estratigrafia, ou a astrotécnicas física estelar? Os campos de pesaprendidas quisa científica a que pertencem estas e outras disciplinas podem se Segundo o professor, o ponrevelar interessantes e fascinantes. to da Terra com maior gravidade Diante desta curiosidade a res- está localizado no Oceano Ártico peito de alguns cursos da USP, o (9,8337 m/s²), pois está próximo Jornal do Campus foi procurar ao centro de massa do planeta. Já saber mais sobre duas linhas de pes- o menor valor está na Montanha quisa científica de cursos pouco co- de Huascarán, no Peru (9,76392 nhecidos, mas cujo conteúdo talvez m/s²), justamente por estar a uma instigue pessoas de diferentes áreas. altitude elevada e longe do centro. Para aqueles que se interessaDinossauros e jazidas de ferro ram e desejam se aventurar por No Instituto de Astronomia, Ge- este campo do conhecimento nos ofísica e Ciências Atmosféricas próximos semestres, há uma in(IAG) da USP é ministrada a dis- formação adicional. Além de ter ciplina “Gravimetria e Geomag- explicações teóricas em sala de netismo”, oferecida para estu- aula, os alunos da disciplina tamdantes de Geofísica como parte bém contam com atividades prátiobrigatória do currículo, e de cas. O IAG possui três gravímetros Física como optativa. – o primeiro adquirido em 1974. Geomagnetismo é a área que Atualmente, o equipamento custa estuda o campo magnético da Ter- em torno de 500 mil reais e é utira. Por conta desta propriedade é lizado em áreas como engenharia que se torna possível a orientação de minas, geologia e, principalpor meio da bússola, dentre ou- mente, geofísica. tras coisas. “O geofísico usa essa “[A gravimetria] serve tanto informação para investigar, por para estudar a estrutura da crosta, exemplo, jazidas de ferro. Qual- onde ela é mais fina, mais larga, quer material que tenha uma pro- como para procurar estrutura priedade magnética, ele consegue para petróleo e depósito mineral”, estudar”, diz o professor Eder afirma Molina. O professor ainda Cassola Molina, responsável pela cita a cratera de Chicxulub, localidisciplina. Ele ainda dá o exemplo da Serra do Carajás, que foi descoberta por este método. Já a gravimetria é o estudo da distribuição de massa da Terra utilizando como ferramenta o campo da gravidade. Através de um equipamento chamado gravímetro é possível medir a aceleração da gravidade em diferentes pontos. “Se existe essa variação de aceleração da gravidade é porque há uma variação de massa em algum lugar. Então conseguimos enxergar o que está lá embaixo, o que está escondido. Com isso é possível dizer que onde tem mais massa a aceleração da gravidade vai ser maior”, explica Molina.

zada na Península de Yucatán, no México, tida como a que extinguiu os dinossauros, e que foi encontrada através de gravimetria.

Recentemente, foi publicado o primeiro dicionário de tupi antigo, como conta o professor Eduardo de Almeida Navarro, coordenador do curso na FFLCH

80 anos, uma língua extinta Se para alguns gravimetria e geofísica podem ser campos relativamente conhecidos, o que dizer de tupi antigo? Qual é a importância deste curso e de seus estudos científicos? O tupi antigo deixou de ser falado no final do século 17, mas, como legado, fica sua profunda influência na língua portuguesa e nos nomes geográficos – como Ibirapuera, Guarapiranga, Pacaembu e Tatuapé. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a USP ainda mantém um dos únicos cursos do país que se dedica a estudar a língua. Coordenada pelo professor Eduardo de Almeida Navarro, a disciplina completa em 2015 seus 80 anos. Foi em meados de 1935 que o reitor Reinaldo Porchat e Armando Salles de Oliveira convidaram o professor Plínio Ayrosa para começar a lecionar a língua tupi na Universidade. Estava inaugurada a primeira disciplina da língua indígena no Brasil e no mundo. Já na década de 1950, com apoio do presidente Getúlio Vargas, o ensino de tupi se tornou obrigatório nas faculdades de Letras do País. No entanto, após a década de 1960, muitas cadeiras deste ensino foram desaparecendo, e praticamente só a USP manteve o curso de tupi antigo. “Nós estudamos a língua, propriamente dita. [...] Hoje, este estudo está sendo revisto e temos um trabalho com muito mais visibilidade. Publicamos há pouco tempo o primeiro dicionário do tupi antigo”, diz Navarro.

O tupi foi a língua ouvida pela esquadra de Pedro Álvares Cabral quando esta chegou ao sul da Bahia, em 1500. No início chamada de língua brasílica, era falada ao longo de toda a costa brasileira. “Esta língua está presente na formação histórica do Brasil, pois foi a primeira aprendida pelos portugueses. Não havia a possibilidade de colonizar o país sem conhecer o tupi, porque a população portuguesa era muito pequena. A população de índios daquela época é estimada entre 1,5 milhão e 6 milhões”, explica. Além de cultivar a área de pesquisa científica de uma língua histórica, a FFLCH também conserva a cadeira de toponímia, responsável pelo estudo dos nomes dos lugares, e a de tupi moderno, conhecido também como nheengatu e falado atualmente por, no mínimo, 6 mil pessoas. Há quatro semestres de estudos, divididos em Tupi I, II, III e IV. Nos dois primeiros é ensinado o tupi antigo, enquanto nos dois últimos, a língua geral, ou o nheengatu. As recentes pesquisas da USP envolvendo o nheengatu buscam se aproximar dos falantes da língua. Pós-graduandos têm se dedicado a ter contato direto com os habitantes da região do Rio Negro e a conservar a língua através de traduções de obras conhecidas. O mestrando Marcel T. Ávila foi para o município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, onde se fala o nheengatu, e está fazendo a tradução do livro A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos, para a língua. “Nós adquirimos fluência por conversar com eles. Por outro lado, levamos materiais, como coletâneas de contos em nheengatu, história da língua, como surgiu e se espalhou pela Amazônia. Tentamos levar informações que temos por ter contato com a língua no meio acadêmico”, conta. A ideia é que obras sejam distribuídas nas comunidades falantes. “Com isso, dentro de alguns anos, vamos enriquecer muito a literatura na língua”, projeta o professor Navarro.

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CIÊNCIA

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Alunos desenvolvem veículo de baixo consumo Equipe Polimilhagem reúne estudantes do curso de Engenharia em projeto de carro econômico; criado em 2007, grupo participa de competição de eficiência energética ção. “O que a gente cansa de ver na maratona são equipes que tentam fazer um carro de qualquer jeito, simplesmente para participar. Para a gente, esse não é o intuito”, diz Marcel. Organização A equipe do Polimilhagem se divide em sete grupos: motor; freio e direção; estrutura e carenagem (carcaça aerodinâmica desenvolvida para diminuir a resistência do ar); transmissão; administrativo; e estratégia. Este último é o grupo que cuida da parte elétrica. “Até então não tínhamos essa divisão. Isso acontecia porque a gente só participava da categoria de Gasolina na competição. Entraram muitos alunos da Engenharia Elétrica e desde 2014 estamos começando um novo protótipo voltado para essa outra categoria de carros”, conta o chefe da equipe. Além das pessoas que cuidam das partes estruturais do protótipo, há os grupos responsáveis pelo administrativo. “Não são funções que têm a ver com o carro, mas não tem como você tocar um projeto sem elas. São subsistemas separados, mas eles funcionam como uma coisa só.” Esses membros da equipe cuidam da divulgação do Polimilhagem, do recrutamento, das finanças e da organização geral da oficina (que eles chamam de gaiola, por ser um espaço delimitado por grades de metal), onde os alunos trabalham pelo carro. Devido à atuação dos responsáveis pela área mais “burocrática”, em apenas um ano o projeto foi de 5 para 30 membros. A maioria dos que ingressaram estava interessada na fabricação do projeto, o que, segundo o chefe da

equipe, se deve muito à vontade de colocar em prática o que os alunos aprendem em sala de aula. Marcela, a ex-piloto, por exemplo, diz: “Eu aprendi diversas coisas que nunca aprenderia em uma sala de aula. Eu acho bastante importante a gente ter um contato assim, na prática, com Engenharia Mecânica durante o curso.” Em relação ao suporte financeiro, a Poli apoia o projeto em alguns sentidos, segundo Marcel. “Geralmente, por ser uma competição que acontece durante uma semana e que também pode ser fora de São Paulo, a gente consegue angariar verba do departamento para manter a equipe, e isso já ajuda bastante.” No entanto, no que diz respeito à montagem em si do carro, a ver-

Veículo é adaptável e incorpora aprimoramentos ao longo do tempo

MARCELO GRAVA

Entre os dias 27 de julho e 2 de agosto, alunos da Escola Politécnica (EP) participarão da 12ª Maratona de Eficiência Energética. O intuito da competição é medir qual carro criado percorre as maiores distâncias com o mínimo consumo possível de combustível. A equipe que compete pela USP é a Polimilhagem. Composta apenas por alunos da Engenharia, foi criada em 2007, e hoje já traça novos objetivos para a disputa. “Este ano queremos, no mínimo, estar entre os três primeiros. Já vimos que o nosso carro é passível de evolução, competitivo, e estamos focados em fazer mudanças no motor, na transmissão e na estratégia que envolve o circuito da competição”, explica Marcel Gomes, atual capitão da equipe. No ano passado, o protótipo, com uma piloto que pesava por volta de 50 quilos, fez 290 km/litro, enquanto o Instituto Mauá fez 390. A piloto em questão é Marcela Cortes Ferreira, que conta que, inicialmente, não entrou na equipe para pilotar. “Como faço engenharia mecânica, entrei para mexer no carro mesmo. Mas quando a piloto não estava e precisavam testar o carro, eu era a única que cabia. Foi aí que comecei a pilotar e acabei sendo piloto na competição.” O protótipo que será utilizado pelo Polimilhagem este ano é um aprimoramento do mesmo carro utilizado em 2013. Segundo Marcel, ainda é muito mais vantajoso e econômico trabalhar em cima de um projeto que tem chances de ser aprimorado ao longo dos anos do que criar um “do zero” a cada nova competi-

BRUNA EDUARDA BRITO

WILLIAM NUNES

“Já vimos que o nosso carro é passível de evolução, competitivo, e estamos focados em fazer mudanças no motor, na transmissão e na estratégia que envolve o circuito da competição.” — Marcel Gomes, atual capitão da equipe

ba vem integralmente de patrocinadores. “Eles são mais flexíveis e se sentem mais à vontade em fornecer dinheiro pra gente. Alguns chegam a fornecer carros, por ser uma competição que tem ganhado bastante visibilidade. Na Poli o procedimento é mais burocrático”, conta. Mais que peças, uma estratégia Outro grupo também é encarregado de pensar na parte estratégica. A pista onde acontecerá a competição (o kartódromo Ayrton Senna, em Interlagos) não é totalmente plana. Ela tem subidas, descidas e curvas abertas e fechadas. Faz-se a simulação no computador, em um programa chamado MatLab, de uma volta completa neste circuito e, a partir disso, é possível traçar um plano estratégico para otimizar o uso da gasolina. Marcel exemplifica: “na reta a piloto acelera, e quando chega ao momento da subida, para de acelerar. Quando o carro começar a parar, ela volta a ligar e colocar velocidade. Na descida, desliga o carro e aproveita o embalo para correr durante a próxima reta”. Conjuntamente aos testes no computador, o Polimilhagem também faz testes empíricos dentro do campus. “A gente consegue levar o carro numa rotatória do bandejão central em um domingo e fazer as medidas e os cálculos. Colocamos uma certa quantidade de gasolina, damos as voltas necessárias, pesamos e, através da variação de peso e pela densidade, podemos ter uma estimativa de qual foi o volume consumido”, explica Marcel. “Mas, às vezes, a piloto pode acabar acelerando mais ou menos em algumas situações. Isso também influencia nos resultados e coloca um valor humano na jogada.”


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OPINIÃO / Laura Viana

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“Quem a princípio tinha a posse irrestrita da terra brasileira, hoje precisa se contentar com migalhas” LAURA VIANA

Desaproriação de terras indígenas do Jaraguá traz a tona o debate sobre a história dos ancestrais

“Vamos resistir até o último guerreiro, com as nossas vidas, com o nosso sangue! É muito pouco o que pedimos perto de tudo o que os brancos tomaram de nós e não podemos abrir mão de nem mais um palmo de terra.” Com estas palavras, o manifesto guarani contra a reintegração de posse das terras do Jaraguá nos lembra de que a história indígena no Brasil pós-colonização tem sido uma história de usurpação. O português do século XVI serviu ao brasileiro contemporâneo como ótimo professor no que toca a apropriações indevidas de territórios e matanças generalizadas em nome do deus desenvolvimento (de quê e para quem, resta-nos saber), e, acima de tudo, ensinou valiosamente como varrer os corpos para baixo do tapete e seguir fingindo como se nada tivesse acontecido. Foi este eterno estado de negação que permitiu, entre outras atrocidades, que os massacres realizados pelos Bandeirantes – hoje, heróis que dão nome a estradas, colégios e prédios públicos – fossem repetidos entre 1964 e 1985, ao longo da ditadura militar. Com os projetos desenvolvimentistas para o Norte do país, a população local foi incorporada à paisagem e derrubada com as árvores para a implantação de estradas. Relata-se, inclusive, o uso de armamento de guerra contra as aldeias, que teriam sido alvo de bombardeios e artilharia aérea, além, claro, das mesmas – e até mesmo pioradas – táticas de tortura empregadas contra os presos políticos da época. As perdas indígenas, diferentemente das que se deram no seio da classe média urbana, seguem

Quando opta por ignorar políticas de demarcação de terras, o Brasil amplia sua já inchada dívida histórica com os povos indígenas.

anônimas. Não ganham menção em monumentos aos torturados nem fazem parte das contas oficiais de mortos e desaparecidos do período – o saldo, segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, saltaria dos atuais 434 para ao menos oito mil, com vítimas de dez etnias diferentes. E não se trata só de todo o sangue derramado. Trata-se também de território. Hoje, depois de tantos roubos institucionalmente legitimados, quem a princípio tinha a posse irrestrita da terra brasileira, precisa se contentar com as migalhas que este mesmo Estado oferece. No Brasil inteiro, existem, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), aproximadamente 110 milhões de hectares de terra indígena oficial, que está, em sua maioria, já demarcada. Parece um número imenso, mas torna-se tímido quando comparado à extensão dos latifúndios – de acordo com dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), são 228 milhões de hectares de terra improdutiva, ou seja, mais que o dobro. A Grande São Paulo conta, oficialmente, com acanhados 54 hectares de terras demarcadas para os povos Guarani, dentre os quais está presente o território do Jaraguá, que contava inicialmente com 1,7 hectare de área reconhecidamente indígena – que também é a menor de todo o país. Enquanto as duas outras demarcações da região, Barragem e Krukutu, que ficam no extremo sul da capital, possuem densidade populacional de aproximadamente 34 e 20 indivíduos por hectare respectivamente, o índice chegava a exorbitantes

500 habitantes por hectare no Jaraguá, de acordo com a Comissão Guarani Yvyrupa. Com a superpopulação e a escassez de terras para plantação, o grupo por lá assentado promoveu a ocupação de outros 532 hectares dos terrenos ao redor, 72 deles reclamados por Antônio Tito Costa – exatamente a área da aldeia Itakupe onde se encontra a casa de reza e a plantação de mandioca, inhame e batata doce para subsistência. Costa, que já foi prefeito do município de São Bernardo do Campo, em São Paulo, afirma que a posse da terra é de sua família desde 1947. Ele, porém, nunca residiu no local, que encontrava-se improdutivo antes da apropriação indígena, e não apresentou, quando solicitado, os documentos que comprovassem a legitimidade da propriedade. A ocupação, por outro lado, recebeu aval da Funai em 2013, com o reconhecimento dos novos limites do local como Terra Indígena. Para a oficialização, porém, é necessário que haja a aprovação do ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, que vem analisando o projeto desde o início de 2014 e não tem dado sinais de que irá se decidir em um futuro muito próximo, ainda que a questão seja claramente urgente: enquanto não há a demarcação definitiva das terras, o povo guarani sofre com a incerteza, e absurdos como a reintegração de posse autorizada no início do mês de maio, e suspensa no último dia 16, têm espaço livre para acontecer. Privar da terra povos que dependem da agricultura como meio de sobrevivência é condená-los automaticamente à miséria.

Não à toa, os índices de desenvolvimento entre a população indígena são críticos: segundo relatório da Onu, 38% vive em situação de pobreza extrema e a taxa de suicídio entre os guaranis é seis vezes maior do que a média geral nacional. Além disso, impulsionado pela alta incidência de desnutrição e doenças infectoparasitárias de tratamento simples, o índice de mortalidade infantil indígena, de acordo com dados de 2010 do IBGE, é de 42 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 19. Confinados em territórios muito menores do que aqueles que forjaram os hábitos de seus antepassados, com opções restritas de culturas em solos muitas vezes inférteis e distantes de rios, sem saneamento básico, com atendimento médico precário e acesso prático muito restrito ao sistema de ensino, principalmente às universidades, os povos indígenas se veem em um limbo , em uma sociedade que não permite que vivam segundo seus próprios costumes, ao mesmo tempo em que não os incorpora. A reintegração de posse das terras guarani do Jaraguá foi suspensa temporariamente pelo Supremo Tribunal Federal. Enquanto não houver reconhecimento oficial do território, porém, a decisão ainda pode ser revertida. Quando opta por ignorar políticas de demarcação de terras, o Brasil amplia sua já inchada dívida histórica com os povos indígenas e reafirma o chavão de “país sem memória”, que carrega em suas instituições e avenidas os nomes de torturadores e genocidas, enquanto convenientemente apaga seus mortos e marginalizados.


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