Jornal do Campus - Edição 435 (dez/2014)

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CAMPUS

EVELYN SOARES

JORNAL DO

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ANO 32 - Nº 435 PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014

FFLCH se consagra tricampeã do BIFE

Projeto quer medir benefícios de pedalar

Conquista de cinco ouros nas modalidades coletivas e atenção especial aos individuais ajudaram AAA Oswald de Andrade a superar dificuldades do ano. p.12

Desenvolvido pela Faculdade de Medicina, Projeto Pedal procura saber se pedalar em ambientes poluídos, como a cidade de São Paulo, ajuda ou atrapalha a saúde. p.14

JÚLIA PELLIZON

Quem traz no corpo essa marca Cantos e gritos oprimem minorias, enquanto omissão protege opressores e abandona vítimas p.6

Baterias são desafiadas a repensar seus hinos Ambiente competitivo contribui para reprodução de preconceitos p.4

Problemas na FMUSP estão associados a ritual de iniciação Segundo coordenadora do USP Diversidade, situação exige reflexão mais profunda p.5 CULTURA

Estudantes organizam exposição para trabalhos extracurriculares ExpoFAU e Semana de Arte no Meio foram criadas de maneira criativa pelos estudantes e acabaram questionando o papel do estudante e do artista dentro da Universidade. p.15


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EM PAUTA

PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014 JORNAL DO CAMPUS

Leis dos Estados Unidos revelam fracasso da “guerra às drogas” Medidas antiproibicionistas ressaltam questões de segurança pública e direitos individuais THIAGO NEVES

No início de novembro, os eleitores dos estados norte-americanos de Oregon, Alasca e da capital federal Washington DC decidiram legalizar o uso recreativo da maconha. Apesar de não serem esses os primeiros estados do país a aprovarem tal medida, ativistas favoráveis à regulamentação da droga esperam que essas sejam vitórias cruciais para um fortalecimento do antiproibicionismo nos Estados Unidos. No ano de 1971, o então presidente Richard Nixon declarou que “o inimigo público número um dos EUA é o abuso das drogas”, propondo que se estabelecesse uma política repressiva à produção, tráfico e ao uso de certas substâncias. Quarenta e três anos depois da declaração de “guerra às drogas” tal proposta é colocada em cheque, e a legalização da maconha no local onde foi arquitetada é uma evidência da necessidade de sua revisão. Segundo o jornalista e ativista político Maurício Moraes “a legalização da maconha em Washington (DC) faz parte de

Entre 2006 e 2010,

96,2%

das mortes causadas pelo uso de drogas foram acarretadas por substâncias lícitas

56%

dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico de drogas

JORNAL DO CAMPUS - Nº 434 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo – Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes – Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração – Chefe: Mayra Rodrigues Gomes. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsável: Daniela Osvald Ramos. Redação - Diretor de Redação: Breno França. Diretor de Arte: Thiago Quadros. Editora de Imagem: Anais Motta. Editor Online: Dimitrius Pulvirenti. Entrevista - Editora: Sara Baptista. Repórter: Otávio Nadaleto. Universidade - Editores: Ana Carla Bermúdez, Arthur Aleixo e Thaís Matos Pinheiro. Repórteres: Ana Carolina Leonardi, Dimitrius Pulvirenti, Gabriel Lellis, Helena Rodrigues, João Paulo Freire e Rafael Bahia. Em Pauta - Editores: Bruna Larotonda e Fabíola Costa. Repórteres: Júlia Pellizon, Maria Alice Gregory e Thiago Neves. Cultura - Editor: Ana Luisa Abdalla. Repórteres: Carolina Shimoda e Pedro Passos. Esporte - Editor: Gabriela Romão. Repórteres: Maria Beatriz Melero e Victoria Salemi. Ciência - Editora: Bruna Larotonda. Repórter: Thaís Freitas. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 30914211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 4° semestre do curso de Jornalismo Matutino, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.

um processo que já vinha acontecendo nos EUA e em outros lugares do mundo (...) mas é correto pensar que do local de onde parte toda a política proibicionista ocorre uma reversão dessa ótica, e é de lá, dos EUA, onde se nota os maiores avanços”. Dentre os estados que têm legalizada a maconha para fins recreativos (em 23 deles o uso é permitido para fins medicinais) há diferenças notáveis entre os modelos de produção e comercialização. No distrito de Columbia, ao contrário de Colorado, Oregon, Alasca e Washington, não é permitida a venda da droga em varejo, apenas a o porte de 57 gramas e o cultivo de até seis plantas. Apesar de aprovada em referendo, a decisão no distrito federal dos EUA pode ser revista pelo Congresso, que possui jurisdição sobre a legislação da capital do país. Legislação e o tráfico A relação social brasileira com o proibicionismo vai muito além da discussão acerca do número de mortes causadas pelo uso de drogas. Grupos de ativismo favoráveis a legalização defendem que essa é uma alternativa para o estabelecimento de uma política de segurança pública baseada na garantia dos direitos humanos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, entre 2006 e 2010, 96,2% das 40.692 mortes causadas

pelo uso de drogas foram acarretadas por substâncias lícitas: o abuso de álcool (84,9%), e o tabaco (11,3%). A maconha não foi citada nesse relatório, apesar de também ser causa de muitas mortes. No entanto, não é o uso da cannabis que mata, mas sua proibição. De acordo com o relatório produzido pelos jornalistas Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico, isso representa aproximadamente 30 mil mortes por ano. Em 2006 foi instituido o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), uma política anti-drogas que provocou um aumento significativo na população carcerária brasileira, sendo que o número de prisões motivadas pelo tráfico aumentou em 220%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. A falta de uma distinção clara entre traficante e usuário pelo Sisnad colabora amplamente para a composição desses dados. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (apenas atrás de China e EUA, respectivamente), com 715.655 presos. Segundo o Ministério da Justiça, em dezembro de 2012, a maioria desses presidiários é jovem (52% tem entre 18 e 29 anos), negro ou pardo (58%), e 24% preso por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Maurício Moraes ressalta que há uma estimativa que entre 80 a 90% dos presos por esse tipo de crime são indivíduos que carregavam quantidades pequenas de substâncias ilícitas. A legalização no Brasil Em março de 2014, o Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7270/2014, que, primariamente, propõe a anistia daqueles condenados, processados ou indiciados pelo tráfico de maconha, não incluindo aqueles condenados por outros crimes, ou policiais e agentes públicos envolvidos no tráfico. Além disso, outro ponto central do PL7270, é a legalização da droga, estabelecendo mercado de produção e comércio, além da possibilidade de cultivo da planta. Para o deputado, o objetivo da anistia, uma consequência lógica da descriminalização do comércio de maconha, é liberar aqueles que tenham sido presos ou acusados apenas por vender a droga. “A maioria é composta por vapores, aviões, pequenos assalariados do tráfico, jovens e adolescentes que moram nas periferias e que entraram no tráfico por uma evidente carência de oportunidades”.

Através do projeto de lei, Jean ainda propõe a inserção à legalidade - por um tempo determinado - daqueles que praticam o comércio da maconha, com o objetivo de que o dono da “boca” seja estimulado, por meio de um registro, a abandonar as armas e a violência. Diferentemente do modelo uruguaio, por exemplo, o Estado não teria o total controle da produção, distribuição e comércio da droga, fator que, para muitos ativistas, limita a capacidade de acabar com o estigma acerca da droga e com o tráfico residual (aquele que se mantém mesmo após a legalização). Além do projeto de lei protocolado por Jean Wyllys, desde fevereiro de 2014 o Senado Federal discute uma outra proposta que regulamenta o uso recreativo, medicinal e os parâmetros produtivos da maconha. A articulação online foi feita pelo carioca André de Oliveira Kiepper, no Portal e-Cidadania do Senado. Em oito dias a proposta recebeu mais de 20 mil assinaturas, o que é suficiente para que seja enviada à Comissão de Direitos Humanos. Esse segundo Projeto de Lei tem como redator o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Em pronunciamento o parlamentar propôs que fossem feitos estudos dos possíveis impactos da regulamentação do uso da droga cientificamente e em relação à diminuição dos índices de violência nos centros urbanos. No entanto, ressaltou a relevância do tema e o fato desse ter sido uma iniciativa da população, não do Congresso. O panorama de legalização da droga (para fins recreativos ou medicinais) nos próximos anos é confuso. Apesar do evidente ganho de espaço da pauta nos meios de comunicação, o cenário político posto para os próximos quatro anos não deve tornar a discussão tão simples. Bancadas como a da Bala e a Evangélica se colocam amplamente contrárias a essa possibilidade. Para Maurício Moraes, portanto, as ações devem surgir da organização social dos ativistas. “Não me pergunto se a maconha vai ser legalizada, mas me questiono sobre quando e como. É um caminho sem volta, o apoio vem crescendo. A questão da maconha medicinal, por exemplo, além de contar com a aprovação de mais de 50% da população, tem o lobby da indústria farmacêutica.” O ativista diz que a discussão tende a se intensificar, dando força ao debate sobre uma regulamentação mais ampla. “A questão do proibicionismo está ligada às opressões, é sobretudo um processo de esclarecimento da população”, diz.


EM PAUTA

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014

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Projeto de Lei propõe

regularizar prostituição JÚLIA PELLIZON

Falta de diálogo Seja a favor ou contra esse PL, uma das questões-chave é a falta de debate sobre a prostituição no Brasil. A profissão precisa de espaço na mídia para entendimento e para tratar a profissão sem preconceitos ou machismo. Para Blotta, “mais do que um reconhecimento legal e político, a lei deve organizar essa rede de proteção que articule diversos órgãos que já fazem o tratamento de casos de violência contra homens ou mulheres que praticam sexo como forma de trabalho”.

JÚLIA PELLIZON SARA BAPTISTA

Entraves Apesar de ser reconhecido como avanço frente à descaracterização do tema como tabu, ainda há divergências de opiniões. Em artigo para a revista Carta Capital, publicado em dezembro de 2013, com título de “As prostituitas também são mulheres trabalhadoras”, Jean Wyllys

JÚLIA PELLIZON

Gabriela Leite morreu há pouco mais de um ano, porém o seu nome ainda permanece vivo nas discussões políticas do país. Prostituta por opção, ela se firmou como símbolo do ativismo em prol dos direitos dos profissionais do sexo e causou polêmica ao apresentar um lado diferente da profissão. Como militante, Gabriela criou a grife Daspu – que faz alusão à luxuosa Daslu – e foi responsável pela Organização Não-Governamental (ONG) Dadiva, associação em apoio aos que trabalham com a prostituição. Em 2012, o deputado estadual Jean Wyllys (PSOL/RJ) apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que leva o nome de Gabriela Leite, o PL4.211, que propõe a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo. Antes dessa proposta, os ex-deputados Fernando Gabeira e Eduardo Valverde empreenderam em causas semelhantes, entretanto nenhum dos dois avançou. No caso de Gabeira, arquivou-se o Projeto de Lei; já no de Valverde, o próprio deputado pediu a retirada legal antes que o processo de aprovação fosse desenvolvido. Agora, mais estruturado, o Projeto de Lei Gabriela Leite defende a desmarginalização da profissão. Um dos argumentos mais intensos se direciona aos direitos trabalhistas que os profissionais conquistariam com a situação regularizada de seus locais de trabalho. Além disso, há a defesa de que o controle do Estado sob o serviço, ao fiscalizar casas de prostituição, seja eficaz contra a exploração sexual, tanto adulta quanto infanto-juvenil. Se o PL4.211 entrar em vigor só poderá exercer a profissão quem tiver idade acima dos 18 anos e a praticar espontaneamente, sendo obrigatório o pagamento de quem se utilizar dos serviços sexuais oferecidos.

defende que a regularização dos profissionais do sexo não intensifica a mercantilização do corpo do profissional, mas sim imprime autonomia a ele. Atualmente no Brasil, o “profissional do sexo” consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), desde o ano de 2002. Desse modo, o governo reconhece a prostituição como atividade integrante ao mercado de trabalho do país, sendo possível a aposentadoria pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para os que exercem funções na área, entretanto ainda são poucos os que conhecem seus direitos. O Código Penal Brasileiro expressa como crime somente os estabelecimentos e agenciadores dos profissionais do sexo, principalmente na questão da exploração sexual. O Gabriela Leite, então, se encaixaria como regularizador das casas que abrigam o ofício desses profissionais, garantindo melhores condições e um suporte legal, para assegurar os seus direitos trabalhistas. Para Letícia Pinho, estudante do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante da executiva nacional do Movimento Mulheres em Luta (MML), analisar o perfil dos indivíduos – principalmente das mulheres – que vivem da prostituição é um passo a ser pensado antes de se posicionar sobre o PL 4.211. “Nosso país é muito desigual e uma parcela gigantesca da população se encontra aleijada de direitos básicos como moradia, trabalho, educação. Entre estes estão mulheres que na sua grande maioria são pobres, negras e moradoras das periferias que, para lutar pela sua sobrevivência, recorrem à prostituição”, constata a aluna. Ao se defrontar com esse cenário, Letícia ressalta: “essas mulheres sofrem desde a violência do Estado que ao não garantir os seus direitos as obriga a recorrer a essa prática, como também a violência dos cafetões, dos aliciadores, dos ‘clientes’”. De encontro ao que Jean Wyllys apoia em seu projeto de lei, o MML acredita que a mulher é quem comanda seu corpo, porém, o sistema em que se encontram na situação de profissionais do sexo as oprime e explora.

Trâmites legais O Gabriela Leite foi proposto em 2012 e está no caminho jurídico comum antes da validação. “Um projeto de lei deve passar pelas comissões permanentes ou especiais das duas casas do Congresso antes de ser aprovada”, explica o professor de direitos humanos Vitor Blotta. Proposto na Câmara dos Deputados, o PL em questão precisa ser avaliado pela própria instituição e, se permitido, é dirigido ao Senado. Se aceito, o projeto vai à Presidência da República para sancionar; quando o Senado propõe mudanças, ele volta à Câmara para novamente ser discutido. No entanto, o projeto defendido pelo deputado Jean Wyllys não tem previsão de entrar em vigor: “Não há prazo específico para um projeto ser aprovado, somente alguns para votação e sanção ou veto do Presidente, ou no caso de o Presidente propor Projeto de Lei com urgência”, esclarece Blotta.

JÚLIA PELLIZON

Proposta busca permissão para casas de prostituição e garantia de direitos trabalhistas, porém mercantilização do corpo ainda é conflito

OMBUDSMAN

Aleluia! Quando chegou às minhas mãos a última edição do JC, as nuvens se abriram no céu e ouvi um coral de anjos. Ok, estou exagerando um pouco. Mas que legal ver o percurso que vocês percorreram este semestre. Há alguns meses, o JC era uma publicação insegura, amadora. Agora é um jornal. Acho que vocês chegariam mais longe se esse laboratório durasse um ano, em vez de meio. Mas, ainda com essa limitação, fiquei orgulhoso do novo projeto gráfico-editorial. O JC está mais instigado, mais moderno, mais atraente, mais relevante. É gostoso assistir daqui, do camarote, ao processo de aprendizagem acontecendo. Não se enganem: há muito a melhorar. Algumas matérias poderiam ter ido mais fundo. Por exemplo, no texto sobre negros na USP (uma ótima pauta), senti falta de dados sobre raças no corpo docente, no Pro-Uni, informações mais completas sobre cotas – a matéria está imprecisa. Impreciso também é definir “swahili” como “língua africana” – poderia ter dito “do sudes-

te da África”, pelo menos. Abusou-se de clichês – como dizer que Volpi “marcou presença na História da Arte do Brasil”. E certas matérias talvez pudessem ter se resolvido em menos espaço (a do serviço odontológico, por exemplo). Aliás, fica a dica: o novo projeto permite uma diversidade maior de tamanhos de texto, com notinhas convivendo com matérias de página inteira. Estranhei também o fato de a página 2 (aliás uma ótima inovação) falar apenas de design mas não fazer nenhuma afirmação editorial. Ok, mudamos a fonte, a colunagem – mas o que isso significa? Como isso se traduz no nosso jornalismo, nas nossas pautas, nas nossas escolhas? Bom, parabéns, meus caros. Uma boa carreira para vocês! Denis Russo Burgierman escreveu para o Jornal do Campus em 1993, como aluno. Hoje é diretor de redação da Superinteressante. denis.burgierman@abril.com.br


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EM PAUTA

PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014 JORNAL DO CAMPUS

Opressivos, hinos de baterias Nos cantos, são identificadas marcas de racismo, universitárias carecem de reflexão homofobia e machismo MARIA ALICE GREGORY

O ambiente esportivo é, sem dúvidas, um dos mais propícios a elevar os ânimos de seus participantes e incentivar a vocalização de emoções fortes, sejam elas boas ou más. Assim, não é incomum que encontremos, dentre esses sentimentos aflorados, a expressão de pensamentos agressivos e opressores, como fica evidente nos hinos racistas, homofóbicos, elitistas e machistas da grande maioria das torcidas organizadas. Nesse contexto, o cenário universitário não fica de fora: os próprios cantos das baterias das faculdades, durante os eventos esportivos, frequentemente reproduzem opressões bastante severas e que passam quase despercebidas pela torcida eufórica e agitada. “Esporte é um ambiente preconceituoso, e o esporte universitário reproduz bastante isso. Ainda assim, acredito que é possível torcer sem ser um idiota”, afirma Fernando de Freitas, mestre da bateria da ECA (BaterECA). Em sua experiência na bateria, Fernando relata que o grupo já recebeu críticas voltadas principalmente para o canto conhecido como “ECA Maravilhosa”, que celebra os estudantes pela entrada na USP, mas denigre de forma elitista aqueles que não conseguiram passar pelo processo seletivo. Embora a música tenha sido criada para um contexto de jogos interuniversitários, para “provocar” as torcidas de faculdades particulares, ele reconhece que em outros contextos o hino acaba sendo bastante excludente e reforça uma opressão meritocrática intrínseca ao vestibular. “Eu percebi o quanto esse hino é

escroto e cruel, e extremamente elitista, e passei a me sentir mal na hora de já tê-lo cantado”, explica. “Infelizmente, a maior parte das pessoas do meio da torcida (bateria, atlética e atletas mais velhos) não estão dispostos a se desapegar do seu ‘fiel instrumento’ de provocação”. Na bateria da FEA (Bateria S.A.), o membro Bruno Ikeuti relata que a criação das músicas não parte do próprio grupo, mas sim da faculdade como um todo. “Não sei como funciona em outras faculdades, mas nossa bateria em si não cria músicas. A faculdade sim, principalmente perto do Economíadas sempre aparece uma e nós acompanhamos lá nos jogos”, explica. Ainda assim, não tardam a aparecer problemas relacionados à opressão enraizada no uso de certos jogos de palavras, para ofender e provocar o adversário. “Tem um grito nosso, cuja letra coloca a figura da empregada doméstica como alguém inferior, em que vejo um teor extremamente elitista e que pessoalmente me incomoda bastante. A minha mãe foi empregada doméstica por muitos anos... Vejo que o grito carrega a parte ‘sutil’ do pensamento, o pessoal acaba sendo opressor e às vezes nem tem consciência disso”, relata. Em dados momentos, Bruno ainda relata que a problematização do conteúdo machista de alguns dos gritos já foi trazida à tona em meio a diálogos com o coletivo feminista da faculdade. Embora nem todos os integrantes da bateria aceitem a abertura desse debate (que, por vezes, acaba por exaltar ânimos e hostilizar a comunicação entre os grupos), o apontamento dos

problemas nos hinos é um dos primeiros passos para desconstruir o pensamento preconceituoso que reproduzem. “A minha opinião pessoal é de que as baterias não deviam cantar esses hinos problemáticos. Eu entendo as pessoas não darem atenção pra eles, não fazer uma reflexão crítica e não verem problemas (como era meu caso), mas acho que a partir do momento em que se coloca essa problematização, você passa a ter consciência do que aquele hino representa. Daí pra frente, se você optar por continuar a cantá-lo, tenha a consciência de que você está sendo machista/ racista/ elitista. Preconceito não tem contexto”, concorda Fernando. Desconstrução do discurso Embora em muitas faculdades a problematização dos discursos opressores reproduzidos nos hinos das baterias ainda esteja em sua fase inicial, na Faculdade de Direito os grupos passam por outra fase importante de desconstrução. “Desde de 2011, quando entrei na faculdade, tenho percebido um crescente repúdio às músicas opressoras. Naquela época, as músicas problemáticas eram entoadas e aceitas pela grande maioria, mas cada vez mais foram sendo questionadas, até que uma parcela bastante expressiva da faculdade passou a considerar inaceitável reproduzir músicas machistas e homofóbicas como acontecia”, relata Ana Côrtes, ex-integrante da bateria. Vivendo a experiência da descontrução de dentro, Ana conta que, em reuniões internas, sempre defendeu a exclusão de músicas com teor precon-

“Esporte é um ambiente preconceituoso, e o esporte universitário reproduz bastante isso. Ainda assim, acredito sim que é possível torcer sem ser um idiota” - Fernando de Freitas, mestre da BaterECA

ceituoso do repertório, o que gradualmente foi dando resultado. “Na verdade, eu diria que foi um processo que se deu de fora pra dentro, não foi algo que tenha partido de participantes da bateria ou da Atlética. A insatisfação com as músicas e seu repúdio partiram em maior parte de pessoas de fora, que consideram inconcebível músicas com esse teor, entoadas dessa forma. E isso foi sendo notado e problematizado cada vez por mais gente, de forma que as musiquinhas mais explicitamente opressivas (geralmente machistas e homofóbicas) e criticadas foram banidas”, explica. Por mais que a exclusão dessas músicas do repertório oficial do grupo já seja em si um grande avanço, ainda cabe o debate acerca de outros hinos e termos contidos nos gritos que possam reproduzir outras formas de opressão. A desconstrução é um processo contínuo. Por mais que em um dado momento, depois de muito estudo, reflexão e observação do mundo em que vivemos, nós acreditemos estar livres de preconceitos, é sempre necessário que revisemos nossas atitudes até nos contextos mais lúdicos e relaxados. “Eu vejo potencial de mudança nas músicas e na forma de torcer. Nos últimos jogos aos quais compareci (jurídicos Rio - São Paulo), grande parte dos gritos entoados (inclusive pelos membros da bateria presentes) rebatia colocações machistas e homofóbicas das demais faculdades, utilizando inclusive músicas criadas pelo coletivo – que venceu as eleições para o Centro Acadêmico esse ano – que denunciam machismo, racismo e homofobia”, pontua Ana.


ENTREVISTA

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014

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“Há um problema evidente

com a noção de consentimento” OTÁVIO NADALETO

É preciso criar uma política transformadora na Universidade

Como você se aproximou dos incidentes da Medicina? Muitos alunos vêm me procurar por causa da minha disciplina. Alunos da FFLCH, da ECA, da Educação... e até o pessoal da medicina. Então, algumas meninas, vinculadas ou não a coletivos feministas, começaram a me contar, primeiro, dos casos de estupro em festas na USP. Eles não são um problema exclusivo da Medicina. É bem generalizado, presente também no direito, nas engenharias, no interior... e isso acontece mesmo nos cursos mais “LGBT friendly”, que eu costumo falar. Isto é, mesmo em lugares que são mais abertos, menos machistas, tradicionalmente. O que você observou ao estudar esses casos? Há um problema evidente com a noção de consentimento. É essa ideia de que se a menina está bêbada, “ajoelhou, tem que rezar”. A sensação que eu tenho desses casos é que antigamente também aconteciam, mas a menina se sentia culpada e não denunciava. Hoje elas percebem isso como uma violência. Faço muitas pesquisas com mulheres e sei que muitas das mais velhas tiveram episódios assim, mas elas pensavam “a culpa foi minha, eu bebi”. Elas não qualificavam a experiência como um estupro. Se você conversar com uma pessoa mais velha, ela pode falar “mas a menina não se deu ao respeito”. É um problema de geração que vem por uma experiência geracional de como você classifica o que é sexo, o que é estupro. Isso muda. Nem sempre o que você chama de violência é igual ao que eu chamo de violência que é igual ao que uma pessoa da favela chama de violência. Quanto à questão da decisão da Congregação da Medicinia, o que você achou das resoluções que

Eu entendo que no momento, dado o grande escândalo, seja necessário fazer algo mais radical

foram tiradas na última semana, que envolvem a proibição de festas e álcool na Universidade, além da criação do Centro de Defesa de Direitos Humanos? Eu entendo que no momento, dado o grande escândalo, seja necessário fazer algo mais radical, do tipo “vamos olhar o problema”. Mas não é a melhor solução. É mais importante criar regras de convivência e permitir a confraternização dos alunos. A questão do álcool é mais polêmica, porque há leis estaduais a respeito, então é mais complexo do que nosso desejo interno. Mas só o proibicionismo não vai resolver. Sobre ter uma comissão de direitos humanos, isso é excelente. Sou de opinião, inclusive, que a USP tenha um comitê central que não fosse formado por pro-

fessores de dentro, como diversas universidades norte-americanas, para discutir o problema de assédio e violência sexual. Como você chegou ao USP diversidade? Comecei a me aproximar do programa ao conhecer esses casos. Aí o então coordenador, Ferdinando Martins, pediu para eu assumir o programa, porque ele estava se sentindo sobrecarregado. O USP Diversidade foi criado para lidar com casos de homofobia, mas o Ferdinando percebeu que nós tínhamos um problema de violência machista que cabe dentro do nosso escopo.

Heloísa Buarque de Almeida acredita que os abusos e o trote estão relacionados

Entrevista na íntegra: jornaldocampus.usp.br

RAFAEL BAHIA

Como você caracteriza o problema da violência especificamente da forma como ela se dá na FMUSP? Há dois problemas. Além dos estupros nas festas, que é mais geral, há um outro nível de problema, que no caso da medicina aparece junto. É esse “ritual de iniciação” associado ao trote. A Universidade tem que ter recepção aos calouros, festas… mas trote está associado a violação de direitos humanos. O trote e as festas tradicionais, como o Show Medicina, como as festas da Atlética, mas enfatizo que não só na Medicina, são muito antigos, soam como tradicionais. São rituais de iniciação marcados por abusos corporais e psicológicos que criam a ideia de que em um ano o calouro sofre aquele abuso e no ano seguinte ele será o perpetrador. Isso cria uma espécie de “grupo secreto”, que em alguns cursos permite uma hierarquia entre os alunos “legais”, que suportam os rituais e que vão perpetrar a violência nos anos seguintes, e os alunos que não passaram por isso, que não se submeteram. E, infelizmente, parece ser um nível de hierarquia que liga alguns alunos a certos professores, a algumas residências da medicina. Eu não saberia mapear quais e não quero acusar individualmente ninguém sem ter provas, mas eu quero alertar para o problema. É preciso criar uma política transformadora na Universidade. Ela deve contar com a participação dos alunos, porque eles já estão participando, visto o fato que na USP estão aumentando cada vez mais os coletivos feministas, os coletivos LGBT. Eles são importantíssimos para criar parcerias que buscam a boa convivência. Da mesma forma que a gente não quer mais aceitar o trote, não queremos mais aceitar que o aluno sofra coação, constrangimento, hu-

Coordenadora do USP Diversidade fala sobre o que vem acontecendo na Faculdade de Medicina da USP OTAVIO NADALETO

Heloisa Buarque de Almeida é doutora em Ciências Sociais e coordenadora do programa USP Diversidade. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, ela é a professora responsável por ministrar a disciplina de “Antropologia e Gênero”. Em entrevista para o Jornal do Campus, ela comentou os casos de preconceito, violência e abuso sexual que vêm ocorrendo na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

milhação para ser aceito na Universidade. A gente e a sociedade brasileira não quer mais aceitar algumas coisas como a piadinha machista em sala de aula. O professor tem uma posição de autoridade, ele não pode humilhar as alunas. Assim como ele não pode fazer algo contra os negros ou os gays. E a gente começa a ter também alunos transexuais. Eles têm que ser recebidos, acolhidos, respeitados. Isso é fundamental, porque a sociedade mudou, essas pessoas estão aí, elas são parte da sociedade. Tem que ter um esforço de convivência e de conscientizar tanto alunos quanto professores e funcionários de que a universidade pode ser um lugar de acolher as diferenças.


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UNIVERSIDADE

PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014 JORNAL DO CAMPUS

Por trás da alvura dos jalecos A tradicional Faculdade de Medicina da USP vira foco de acusações de assédios e abusos RAFAEL BAHIA

transparentes e acessíveis. “Estivemos em contato frequente com a Frente Feminista da USP e vemos problemas semelhantes entre os grupos. Na Cidade Universitária, a coesão é ainda mais difícil, visto que muitas integrantes estão dispersas entre cursos, e a Frente apresenta ainda situações mais complexas, como as condições das mulheres que vivem no Conjunto Residencial.” Além do coletivo, há investigações abertas no Ministério Público. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito também está sendo conduzida na Assembleia Legislativa do Estado para apurar violações dos Direitos Humanos em universidades que recebem verbas públicas.

Coletivos feministas se organizam em resposta às denúncias de constantes casos de abuso na FMUSP

RAFAEL BAHIA

Forças propulsoras No fim de 2013, após uma jovem denunciar seu estupro durante uma festa e ser desencorajada por diversas vias institucionais (inclusive a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, da FMUSP), estudantes sentiram a necessidade da existência de um espaço onde a opressão pudesse ser debatida. Nessa conjuntura, foi fundado o Coletivo Feminista Geni. O grupo tem estado presente nas reuniões da Congregação da Faculdade e avalia como positivo o relatório apresentado pela chamada Comissão da Violência (instância que investiga as denúncias), cujo teor abarca temas como abuso moral, racismo e violência sexual e de gênero. A pedido deste repórter, as integrantes se reuniram para a emissão de uma opinião coletiva.

Nos cartazes feitos à mão, lia-se protestos não só antimachistas, mas também relacionados aos abusos da terceirização

Sobre a recente proibição de festas no campus, em Pinheiros, elas expressam: “Lamentamos que a tensão do momento possa ter colaborado para medidas de cunho proibicionista, as quais cremos que não abordam o problema em seu cerne.” Em relação à criação dos centros para auxílio às vítimas, o coletivo frisou a importância de que esses núcleos sejam articulados com grupos externos, de especialistas inclusive, e que sejam

RAFAEL BAHIA

Os portões verde-escuros da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desapareciam por trás de camisetas, cartazes e faixas… Tudo de uma só cor: o roxo, que representa o combate à violência contra a mulher. Às 11h daquele fim de manhã, quem passasse pela Avenida Doutor Arnaldo ou saísse do metrô Clínicas se depararia com cerca de vinte manifestantes, quase todas mulheres, empunhando canetões e latas de tinta em spray. Ao redor delas, aproximadamente o dobro de jornalistas. “Dia 25 de novembro é o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. O ato foi organizado nessa data para dar visibilidade ao tema, denunciar casos de opressão aqui na faculdade e, também, para promover um abaixo-assinado exigindo uma série de medidas da reitoria”, diz a estudante Leticia Pinho. O documento, entre outros itens, solicita a criação de uma ouvidoria para casos de opressão, a instalação de centros de referência para apoio às vítimas, um novo plano alternativo de segurança e o aumento do efetivo feminino nos serviços universitários (fazendo menção à Guarda Universitária, cuja única integrante mulher nas rondas foi entrevistada pelo Jornal do Campus na última edição). “A lista será entregue à reitoria no começo do ano que vem”,

falou a estudante Júlia Forbes, colhendo assinaturas e puxando o coro que cantava: “Machismo contra a mulher, não é a USP que a gente que quer!” A campanha daquele dia foi tirada em reuniões do coletivo Mulheres em Luta dentro da USP, grupo do qual Leticia e Júlia fazem parte. Além dele, havia participação expressiva do movimento RUA — Juventude Anticapitalista, movimento militante em causas sociais. Nos cartazes feitos à mão, lia-se protestos não só antimachistas, mas também relacionados aos abusos da terceirização.

Histórico de opressão Desde março deste ano, a ouvidoria da Universidade não recebeu nenhuma denúncia de estupro ou trote vexatório. Sem poder averiguar na ausência de notificações, o órgão se diz satisfeito pelo fato dos casos terem sido trazidos à tona. Na procuradoria, os últimos casos de expulsão são relacionados à ocupação da reitoria em greves passadas. Em seu artigo 5°, o Código de Ética da USP especifica que a comunidade universitária deve “prestar colaboração ao Estado e à sociedade no esclarecimento e na busca de soluções em questões relacionadas com o bem-estar do ser humano”. O reitor Zago parece ir na contramão dessa máxima, dizendo que os casos de violência são reflexos da sociedade. Já o diretor da FMUSP nos proporciona uma afirmação no mínimo irônica ao pedir que as vítimas de estupro tenham, por favor, a “hombridade” de relatarem seus casos.

Durante o ato, foi promovido um abaixoassinado exigindo uma série de medidas da reitoria


UNIVERSIDADE

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7 DIMITRIUS PULVIRENTI

USP quer evitar novas crises hídricas Projeto da Prefeitura do Campus pretende melhorar a gestão de água na Cidade Universitária HELENA RODRIGUES

A Divisão de Gestão Socioambiental está desenvolvendo o projeto Gestão Territorial das Águas como parte do Programa Campus Sustentável, que busca planejar e desenvolver projetos sustentáveis, articulando ensino, pesquisa, cultura e extensão e integrando a USP e a cidade. Com o programa, a Prefeitura busca discutir a necessidade de adoção do planejamento e do manejo adequado e integrado da água, considerando sua disponibilidade e as prioridades em situações de escassez. O estudo será desenvolvido entre 2015 e 2018 tendo a Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira (CUASO) como foco. Fazem parte do projeto o Centro Tecnológico de Hidráulica e Recursos Hídricos, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, a Escola Politécnica, a Escola de Enfermagem e o Instituto de Geociências. O Programa Campus Sustentável, que também desenvolve campanhas contra a dengue e a quantidade de lixo jogado nas ruas da CUASO, busca a aproximação da área acadêmica com a gestão do campus desenvolvendo projetos que reúnam pesquisadores de várias áreas. Apesar de no mês de novembro ter aumentado a frequência e intensidade das chuvas na região metropolitana de São Paulo, a quantidade de água praticamente não faz diferença para o restabelecimento dos reservatórios de abastecimento de água. Como o solo está seco devido à captação de volume morto,

Pensar em maneiras de evitar que crises como esta voltem a acontecer é também responsabilidade da universidade pública

a água da chuva é perdida por evaporação ou vai para o fundo da represa, não sendo suficiente para encharcar o solo e encher os reservatórios. Ainda serão necessários vários meses de chuva abundante para que alcancemos uma situação de normalidade. Pensar em maneiras de evitar que crises como esta voltem a acontecer é também responsabilidade da universidade pública. A Prefeitura do Campus da Capital informou que algumas medidas estão sendo tomadas para diminuir o consumo de água na

Cidade Universitária. A higienização de pontos de ônibus e lixeiras de alvenaria, o apoio na rega de gramados, jardins e na produção de mudas e vasos em seu viveiro, assim como lavagem de vias, pátios e muros estarão temporariamente interrompidos até que os reservatórios voltem ao regime normal. A lavagem de veículos também está suspensa, salvo em situações extremas, e a Sabesp é acionada de imediato caso seja identificado algum vazamento. Segundo a entidade, os serviços

acima citados consomem 16 mil litros/dia de água de reúso da Raia Olímpica, que já sofreu diminuição de seu volume. Além disso, a Prefeitura do Campus também está iniciando estudos para avaliação e reativação de poços artesianos e captação de água de chuva na CUASO, como alternativa para atender as necessidades do Campus.

Ações do projeto Gestão Territorial das Águas Caracterização dos corpos d’água no campus em funções, classes e segundo usos, considerando aspectos ambientais, sociais e paisagísticos em interação com as demandas de consumo, lazer e preservação Pesquisa de percepção sobre as águas: composição histórica das águas no campus e percepção de seus usuários, reflexões geradas e como tem sido ou poderão ser incorporadas na governança e gestão das águas, na criação de indicadores, nos processos de (re) naturalização dos corpos d’água por meio do resgate dos rios e córregos em seu território original Diagnóstico e avaliação dos corpos d’água Situação e cadastramento preciso das redes pluviais, de esgoto, de distribuição para consumo e reservatórios

Utilização das águas do campus considerando apontar as categorias de usos à luz da disponibilidade, demandas de consumo, custos, formas de captação e de tratamento, reuso e distribuição gestão da qualidade das águas do campus sob os seguintes aspectos: - Saneamento Ambiental: qualidade e mudança na qualidade após tratamento - Efluentes: domestico e industriais (laboratoriais) - Poluição do Solo: resíduos - Remanescentes florestais: mata ciliar, áreas degradação, erosão Relação esgotos e poluição difusa: qualidade das águas córregos Jaguaré e Pirajussara - relação com o entorno Portal das águas do campus: voltado à governança e controle social das águas do campus e do entorno, como forma de consolidar uma base unificada de informações.


8 UNIVERSIDADE

PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014 JORNAL DO CAMPUS

Estudante da EACH processa universidade alegando contaminação Rosangela Toni, aluna de Gestão Ambiental, relata sintomas de doença relacionada a Ascarel

“A EACH é o pesadelo da minha vida”. Quando Rosangela Toni ingressou no curso de meteorologia no Instituto de Astronomia e Geofísica da USP (IAG) em 2003 com 46 anos, não imaginava que 11 anos depois estaria depondo numa CPI sobre a toxicidade do solo da Escola de Artes Ciência e Humanidades, também conhecida como USP Leste. Passar na maior universidade do Brasil não significou conseguir um diploma, mas sim adquirir uma grave contaminação por Ascarel, substância química geralmente utilizada como isolante em equipamentos elétricos, e abolida do Brasil em 1981. Trabalhando como costureira em Guarulhos e cuidando de um filho com um grave tipo de diabetes, Rosangela não conseguia manter frequência nas aulas do IAG, ainda que contasse com a ajuda dos colegas. A distância e os gastos com passagem também eram problemáticos: “eu vendia doces para conseguir parar a minha passagem de ônibus e metrô”. Em 2005 a EACH iniciou suas atividades, e Rosangela decidiu pedir transferência para o curso de Gestão Ambiental. É aqui que começa o calvário da história. Neste ano em questão ainda não havia prova de transferência, mas sim uma entrevista com uma banca de professores: “Fiz uma única entrevista e fui rejeitada principalmente por não ter o ‘perfil da EACH’. Isso até hoje pra mim é um mistério. Qual o perfil da EACH? Ser jovem e não ter encargos?”, afirma. “Naquela época o Júpiter estava para lá de Plutão, mas mesmo assim eu consegui me matricular em algumas matérias de Gestão Ambiental para não ficar muito atrás no curso. Acontece que algumas aulas eu não conseguia frequentar pois mesmo matriculada meu nome não constava na lista”. Rosangela resolveu entrar com uma ação no Ministério Público e descobriu uma lei que proíbe a entrevista como única forma de avaliação para a transferência de alunos. A partir de então, após a derrota na justiça, a USP implantou provas de mudança de curso para todas as unidades e Rosangela conseguiu passar na prova, entrando no curso de desejo. O inimigo mora ao lado O ano é 2009. Tudo corria bem, apesar dos altos e baixos. Rosangela seguia sua vida normalmente no

ACERVO PESSOAL

GABRIEL LELES

“A contaminação ocorreu pelo solo. Eu costumava estudar sentada na grama.”

Rosangela ao lado do filho, também estudante da EACH

“Colocamos o Hospital Universitário à disposição da aluna para que ela realizasse uma série de exames. No entanto, até a presente data, a aluna não compareceu ao hospital e, portanto, não realizou nenhum exame”

curso de Gestão Ambiental. De repente, uma pequena alergia começou a surgir e aos poucos se espalhou pelo organismo. Demorou alguns meses, e muitos exames, para Rosangela descobrir a contaminação por Ascarel. Nesse meio tempo, Rosangela perdeu totalmente as sobrancelhas e parte do cabelo, além de perceber uma debilitação constante de sua situação de saúde: “a contaminação ocorreu pelo solo. Eu costumava estudar sentada na grama. Comer meu lanche sentada no chão. Acho que já dá pra deduzir como isso ocorreu, não é mesmo?” Quando o caso da contaminação da EACH estourou na mídia foi chamada para depor na CPI, em vigor até hoje. “Também entrei na justiça processando a EACH. Eu sofro muito bullying pela minha situação. Alguns me acusam de querer acabar com o campus, mas não é verdade. Aquele lugar é perigoso, e ainda tem problemas! Imagine o que pode acontecer com quem frequenta o local?” A Escola ficou interditada durante um tempo em razão dos riscos oferecidos aos frequentadores. O retorno normal

das atividades em agosto deste ano foi cercado de incertezas sobre as reais condições do local em manter a integridade dos estudantes. Em nota oficial, o reitor Marco Antônio Zago admitiu a necessidade de uma manutenção constante de medidas ambientais: “Importante ressaltar que medidas continuarão em andamento para resolver o passivo ambiental, de modo a fazer do campus da USP Leste um modelo de ocupação segura e sustentável, em uma área que estaria, de outro modo, inutilizada para ocupação humana”. Procurada pelo Jornal do Campus, a direção da EACH alega a inexistência de laudos médicos capazes de provar a contaminação de Rosangela por Ascarel. Segundo nota enviada, “A EACH entrou em contato com a Superintendência de Saúde da USP, que colocou o Hospital Universitário à disposição da aluna para que ela realizasse uma série de exames. No entanto, até a presente data, a aluna não compareceu ao hospital e, portanto, não realizou nenhum exame”. Rosangela não foi a única pessoa contaminada pelo solo do local. Segundo ela, há mui-

tos outros casos parecidos mas que evitam se expor com medo de serem estigmatizados pela comunidade. A Universidade se defende, afirmando seguir todas as normas impostas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Se os informes oficiais da reitoria indicam normalidade, especialistas indicam o contrário. O professor do instituto de física, Alberto Tufaile, pesquisador da questão há algum tempo, contra-argumenta: “Tudo continua da mesma forma, a mesma contaminação trazida de caminhão de 2011 e ninguém foi responsabilizado”. A contaminação citada pelo professor Tufaile ocorreu devido a um despejo irregular de terra contaminada de origem desconhecida. Durante a ebulição das denúncias, cogitou-se que a terra tivesse vindo da construção do Templo de Salomão, localizado na região do Brás. Calcula-se uma quantidade despejada de cerca de 600 m³. A justiça ainda não chegou a resultados concretos sobre essa situação. “Ir para a EACH se tornou uma luta diária para mim. Não sinto mais vontade de ir para aquele lugar. Estou à beira de ser jubilada mas não posso entrar naquele lugar por questões de saúde atestadas em laudo médico. Eu apenas quero estudar. O diploma se tornou um pesadelo”. Quem está a amparando na questão dos processos contra a universidade é o núcleo de direitos humanos da defensoria pública. Os principais envolvidos são os advogados Rafael Lessa, diretor do núcleo, e Leonardo Scofanno. “Em breve vamos propor uma inicial na justiça. Infelizmente a universidade tem sido omissa e não tem dado nenhum tipo de resposta quanto a reparação”, afirma Lessa. Com informações sob sigilo de justiça, Scofanno não pode ceder entrevista para o Jornal do Campus. Hoje, Rosangela pensa em tentar transferência para algum curso no campus da Cidade Universitária, no Butantã, e recomeçar a vida de estudos. A escolha deve-se não apenas a uma questão de saúde, mas também de afastamento das lembranças ruins dos últimos cinco anos. Apesar de tudo, ela ainda é capaz de rir de alegria com a vida: “Meu filho passou no vestibular da EACH. Vocês conhecem alguma outra costureira de periferia que está na USP e estuda junto com o filho?”.


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Espaço estudantil gera impasse na Enfermagem Diretoria e alunos discordam com relação ao repasse do dinheiro para o centro acadêmico ANA CAROLINA LEONARDI

O que é hoje o espaço estudantil da Escola de Enfermagem era a área destinada à lavanderia, quando a instituição era ainda um internato. Atualmente, abriga o Centro Acadêmico XXXI de Outubro, a Associação Atlética, uma lanchonete, uma loja de cosméticos e uma livraria. O aluguel pago pelos estabelecimentos é a principal fonte de renda das entidades estudantis. No entanto, a situação atual do espaço está irregular. Nos anos 80, um termo de concessão de uso possibilitava que o centro acadêmico firmasse contratos de locação e tivesse soberania sobre o dinheiro resultante. Há alguns anos, porém, por conta das mudanças na legislação, essa autorização não é mais válida. O uso do local, uma vez que pertence à Escola, só seria possível a partir de uma licitação. Desde meados de 2008, a diretoria da unidade e os alunos têm buscado um acordo com relação à regularização do espaço. No primeiro semestre desse ano, a discussão se intensificou. Como parte do projeto de manutenção do espaço físico da Escola, está planejada uma reforma na unida-

de, que envolveria também espaço dos estudantes. Mas, segundo a diretoria, é preciso que a situação do local esteja regularizada ou, ao menos, que o destino dos serviços ali instalados seja definido. Ainda que tanto a diretoria quanto o centro acadêmico sejam a favor da regularização, os estudantes se preocupam com as consequências que a licitação feita pela USP, legalmente detentora do espaço, teria sobre o funcionamento do CA e sua autonomia financeira. Após a licitação, o eventual valor do aluguel do espaço seria encaminhado para a Escola, não sendo possível um repasse direto do dinheiro à entidade estudantil. A verba que fosse necessária aos projetos do CA teria que ser solicitada à Escola com, no mínimo, 3 meses de antecedência e aprovada pela diretoria. “Recentemente, os estudantes nos entregaram uma relação dos recursos que eles precisam, para quais atividades, para vermos se é possível pagar essas coisas com aquilo que eventualmente vier de uma licitação daquele espaço, feita pela USP, como manda o figurino”, conta a diretora atual da unidade, Diná de Almeida Lopes

Monteiro da Cruz. Segundo ela, a maioria das atividades provavelmente seria aprovada, com exceção de gastos relacionados a festas, que não seriam custos justificáveis no orçamento da Escola. O CA se preocupa com projetos acadêmicos que seriam passíveis de ser aprovados, mas com uma série de restrições. É o caso, por exemplo, dos Encontros Nacionais dos Estudantes de Enfermagem. “Hoje, se quiserem ir 30 pessoas no Encontro, as 30 irão e nós vamos pagar para as pessoas irem. Aqui na Escola, pode ser que não tenha como pagar para 30, só para 10, ou para 5… E como você vai escolher quem vai e quem não vai?”, diz Thiéri Lopez, presidente do centro acadêmico. Outro ponto de conflito é a antecedência com a qual é preciso apresentar os projetos para aprovação. Nesse ano, a JUS (Jornada Universitária da Saúde), iniciativa solidária organizada por estudantes de áreas da saúde em cidades do interior, quase não ocorreu por conta da situação financeira da USP. Com o corte de verba para projetos de cultura e extensão, a JUS teve que pedir ajuda financeira para os centros acadêmicos. Também em 2014, uma campa-

“Lógico que há situações imprevisíveis. Mas falamos tanto de uma Universidade gratuita e pública. Para ser público, a gente tem que ser como o público é. E o público exige que você planeje”.

nha estudantil de promoção de saúde em uma área carente na cidade de Munhoz teve que pedir o auxílio do CA em um curto prazo. “Aconteceram imprevistos com relação ao transporte e o organizador, que era da Enfermagem, pediu ajuda para pagar o ônibus dos participantes. Como o CA tem autonomia e tem seu dinheiro ali, sem ter que passar por burocracia, foi possível ajudar”, conta Lucas Piva, colaborador da entidade. De fato, segundo Diná, é difícil que gastos não planejados com antecedência sejam aprovados. “Lógico que há situações imprevisíveis. Mas falamos tanto de uma Universidade gratuita e pública... Para ser público, a gente tem que ser como o público é. E o público exige que você planeje”. Os estudantes chegaram a propor que a licitação fosse feita pelo próprio centro acadêmico, proposta que, segundo a diretoria, não é legalmente possível. O CA tem buscado assessoria jurídica para entender quais as possíveis ações dentro dos limites legais da situação e reunido casos anteriores em universidades nos quais as licitações foram encabeçadas pelas instituições, mas com a participação ativa dos estudantes em todo o processo licitatório.

Laboratório de brinquedos comemora 30 anos Labrimp está entre os pioneiros do Brasil no estudo da importância do brincar na aprendizagem ANA CAROLINA LEONARDI

No mesmo ano em que a USP completa 80 anos, o Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos (Labrimp) da Faculdade de Educação chega ao seu 30º aniversário. Fundado pela professora Tizuko Kishimoto, ele nasceu durante a ascensão do movimento de criação das ludotecas ou toy libraries ao redor do mundo. “Aqui no Brasil, a pedagoga Nylse Helena Silva Cunha começou o movimento na área de educação especial, para atender as crianças com deficiencia”, conta Tizuko. O nome “ludoteca” já era usado por uma escola particular no país, e assim foi cunhado o termo brinquedoteca. Em 1984, o governo do Estado de São Paulo deu início a um projeto de criação de seis brinquedotecas. A professora Tizuko se envolveu com a iniciativa e requisitou uma brinquedoteca para a Faculdade de Educação. Ela conta que, inicialmente, a iniciativa contava com apenas 200 brinquedos,

fornecidos pela marca Estrela. “Comecei, com os meus alunos, a estudar os brinquedos, e fiz um pedido na faculdade para criar o Labrimp. Em 1988, consegui fazer uma abertura oficial da brinquedoteca”. Assim como a Universidade, o laboratório tem suas funções apoiadas no tripé extensão, ensino e pequisa. A brinquedoteca tem, semanalmente, dias abertos à comunidade, em que crianças maiores de 5 anos podem vir desacompanhadas, e as menores, acompanhadas de pais ou responsáveis. Em outros dias, escolas públicas e privadas podem agendar horários, e certos períodos são reservados para os alunos de ensino fundamental da Escola de Aplicação da FEUSP, que têm as visitas à brinquedoteca como parte de seu currículo escolar oficial. Há momentos separados também para os pesquisadores adultos, que têm acesso ao extenso acervo de livros e materiais pedagógicos do laboratório. A observação das crianças no local e a análise dos brin-

quedos faz parte também da formação dos alunos e é tema de diversas pesquisas entre pós-graduandos e docentes. Na última quinta-feira, 27 de novembro, um evento comemorativo reuniu pessoas importantes na história do Labrimp, como o diretor da FEUSP à época da criação do laboratório,

Antonio Carlos Coelho Campino, e homenageou a professora Tizuko, que se aposenta neste ano, passando a coordenação do laboratório aos professores Mônica Appezzato Pinnazza e Marcos Garcia Neira. O trabalho do Labrimp reconhece o brinquedo como matéria prima do aprendizado

infantil. O próprio Ministério da Educação tem buscado organizar em seu site uma seção de brinquedos recomendados às escolas, fato que contribuiu para demonstrar a importância do estudo aprofundado de materiais pedagógicos, função que o Laboratório já desempenha há três décadas.

Brinquedoteca do Labrimp é aberta à comunidade semanalmente


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UNIVERSIDADE

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DANIEL RICCI

Alunos concorrem a prêmio de US$ 10 mil Estudantes da Poli e da Esalq participam de competição mundial de combate à fome

Como alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050? Para um grupo de alunos da USP, a solução é criar um sistema de hortas urbanas que envolvam a comunidade local de forma sustentável e a baixos custos. A pergunta foi lançada pelo Thought for Food Challenge, competição internacional que busca respostas para o problema mundial da fome através de universitários em projetos inovadores. Rooty Roofs Essa edição tem 336 times inscritos de 51 países. Um deles, o Rooty Roofs, é composto por alunos brasileiros das escolas Politécnica (Poli) e Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambas da USP. Sua intenção é “proporcionar o uso integrado da cobertura de prédios e estabelecimentos para a prática de agricultura sustentável em cidades, para garantir segurança alimentar e nutricional”. Para o Rooty Roofs, esta seria uma alternativa para diminuir os custos na produção de alimentos saudáveis e estreitar a distância entre produtores e consumidores – um real complicador na taxação de produtos orgânicos, por exemplo -, além de prover melhores condições no clima do espaço urbano, marcado por problemas como poluição e ilhas de calor (fenômeno que aumenta a temperatura de áreas urbanas pela alta concentração de edificações). A cidade se transformaria num grande parque em que as pessoas poderiam interagir com o ambiente de forma sustentável e cíclica. A participação da comunidade não seria direta e colaborativa. Por exemplo, os moradores de um prédio com a plantação do Rooty Roofs não se tornariam responsáveis pela gestão do negócio e pelos cuidados com a manutenção do plantio, todas essas incumbências dos idealizadores. No entanto, eles se beneficiariam diretamente da ideia sendo consumidores da agricultura praticada em seu próprio prédio, mais limpa, barata e próxima. Também seriam instalados espaços de convivência para os consumidores interagiram entre si. Apesar da iniciativa ter sido pensada para São Paulo, o projeto pode ser praticado em qualquer outra cidade do mundo, sem a exigência de custos elevados e alterações muito drásticas. Para o time, esta é uma “nova tendência em administração pública no que se refere à obtenção

de selos e certificações ambientais na construção civil, podendo gerar incentivos fiscais”. Eloi Ferracioli, aluno de Engenharia Ambiental da Poli e integrante do Rooty Roofs, já produziu alimentos no estilo do que se propõe com o projeto dentro de sua casa. Ele cultivou uma área de 9 m² e chegou a comercializar a produção entre seus vizinhos, gerando gerar lucros. Dificuldades Porém, quando questionado o porquê da descontinuidade da plantação em casa, Ferracioli revela um problema que o projeto ainda não consegue solucionar: como aplicar as ideias do Rooty Roofs em cidades que sofrem com a falta d’água? A região em que o estudante mora tem sofrido com o racionamento desse recurso, o que comprometeu a agricultura doméstica que era praticada até o início deste ano. Outra dificuldade é a falta de um planejamento financeiro específico. Os alunos ainda não sabem dizer quanto vão precisar para começar a tirar as ideias do papel. Eles contam com a premiação final do Thought for Food Challenge, de U$10 mil, e com a possibilidade de receber apoio de outras empresas, caso não ganhem a competição. Na verdade, o grupo ainda não se organizou como uma startup (tipo de empresa nova, com baixo custo inicial e ideias inovadoras) e espera o desenrolar da competição, com apoio financeiro e de tutoria profissional, para que isso aconteça. Além de Daniel Ricci e Eloi Ferracioli, também integram o Rooty Roofs Guilherme Arvate Álvares, da Engenharia de Produção, e Igor Ciambelli, da Engenharia Agronômica. Há outros projetos brasileiros inscritos na competição da Universidade Federal de Lavras (MG) e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS). Segundo Marcelo Pires, um dos responsáveis pelo desafio no país, a intenção é “derrubar o status quo atual em termos de disponibilidade da distribuição de alimentos em todo o mundo e estamos felizes por contar com diversos times do Brasil”. Os projetos serão submetidos a 10 jurados e, em 15 de dezembro, serão anunciados os 10 finalistas mundiais, que apresentarão seus trabalhos entre 13 e 14 de fevereiro, em Lisboa. O vencedor receberá um prêmio de U$10 mil para realizá-lo.

Plantação em baldes é alternativa para lugares pequenos

Centro de Biologia Marinha ainda é desconhecido na USP THAÍS MATOS

JOÃO PAULO FREIRE

THAÍS MATOS

Esse pequeno pedaço de paraíso na foto ao lado faz parte de um campus da USP. O Centro de Biologia Marinha está localizado em São Sebastião e abriga mais de 40 funcionários. Ele serve de base para pesquisas de graduação e pós-graduação de áreas relacionadas a biologia, ciências biomédicas e oceanografia, e atende alunos e pesquisadores de instituições do Brasil todo, suprindo a carência dessa área. É equipado com laboratórios e equipamentos de última geração. Apesar disso, ele ainda é desconhecido pela maioria da Universidade. De acordo com o professor Alvaro Migotto, “muita gente dentro da reitoria nunca chegou a ir até o local”. O centro oferece disciplinas de alguns cursos, mas luta por uma graduação própria, além de buscar a contratação de mais docentes. Atualmente, são apenas cinco. O centro está aberto a excursões monitoradas por seus laboratórios, duas praias e tanques com animais marinhos. Em fevereiro, ele comemorará 60 anos e vale a pena fazer uma visita a esse belo braço da Universidade.


UNIVERSIDADE

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DIMITRIUS PULVIRENTI

cursos públicos e considerado o menos eficiente e o mais arcaico, também refém do lobby político para aumento da arrecadação e cujos mecanismos de orçamento impedem as universidades de elaborarem um planejamento estratégico, com ausência de incentivo para maior eficiência e competitividade. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, realizada em 1992, chegou à mesma conclusão.

Futuro da Universidade depende do Conselho Universitário

Instituição de ponta ou universidade de massa? Comemorando 80 anos, USP debate caminhos que pretende seguir para manter relevância educacional DIMITRIUS PULVIRENTI

“Como deve a USP modificar-se para continuar ocupando uma posição importante na sociedade brasileira?”. Essa pergunta foi feita pelo Reitor Marco Antônio Zago aos debatedores do último seminário “A USP e a Sociedade”, durante sua fala de apresentação. A questão resumiu a dúvida que permeou os debates organizados em comemoração aos 80 anos da Universidade: o caráter da USP como instituição de massa ou universidade de ponta. Entre 2007 e 2011, a Universidade de São Paulo, que conta com mais de 90 mil estudantes e um orçamento com receita similar à cidade de Guarulhos, foi a 10ª maior instituição de ensino no mundo em número de pesquisas publicadas, de acordo com o ranking SIR World Report 2014. Por outro lado, o ranking coloca a USP na 3180ª posição em impacto de pesquisas e a Universidade ainda passa por uma grave crise orçamentária. Pública sim, gratuita talvez Para Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e vice-coordenadora do NUPPs, o Núcleo de Pesquisa sobre Políticas Públicas, “não é possível ter uma boa universidade

de pesquisa que seja ao mesmo tempo uma instituição de massa. Nenhum país conseguiu isso”. Experiências desse tipo foram tentadas em países como Argentina e no México, com resultados pouco satisfatórios. As grandes universidades desses países têm corpo docente contratado por hora-aula, com salários baixos e sem dedicação à pesquisa. Em 2000, a Reitoria organizou a Comissão de Defesa da Universidade Pública, que culminou no documento “A presença da universidade pública”. O documento defendeu a importância da gratuidade. Segundo o documento, a cobrança de mensalidades era uma “falsa boa ideia”. Depois de 14 anos, Elizabeth Balbachevsky concorda com a defesa do ensino superior público: “Nenhum país​ pode prescindir da existência de universidades públicas”. A professora, entretanto, acredita que o debate sobre mensalidades não pode ser demonizado. A tendência mundial é a política de cost-sharing, que divide os custos de formação entre Estado e aluno. Entre os países que introduziram a política estão Holanda, China, Reino Unido, Alemanha e a Coréia do Sul. A ideia é cobrar “de alunos provenientes de famílias mais ricas e, em alguns casos, mantendo a gratuidade para alunos provenientes de famílias

mais pobres”, explicou a professora. Os estudiosos do tema nos países que adotaram esse sistema de financiamento entendem que o ensino superior gratuito para todos, indiretamente, contribui para ampliar a desigualdade. “Há um problema que não queremos encarar, com o fato da sociedade sustentar a formação profissional de alto nível para jovens vindos de famílias de classe A”, contestou Elizabeth. Ouvido pelo Jornal do Campus, o jurista Rubens Beçak, professor das faculdades de Direito de Ribeirão Preto e do Largo São Francisco, se posicionou contrário à cobrança, mas afirmou que ela não é vedada pela lei. Beçak acredita que a cobrança vai contra o espírito da Constituição Federal de 1988. “Se a Universidade entender que tem que cobrar, não é algo ilegal, não há uma proibição literal. O que eu vejo é uma vedação do espírito da Constituição, uma vedação ético-moral do que é universidade pública no Brasil”, explicou. Em 2009, a Câmara dos Deputados organizou um seminário sobre as tendências do financiamento no ensino superior. De acordo com os especialistas, o Brasil ainda utiliza o modelo tradicional de financiamento das universidades públicas, que é dependente da transferência de re-

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Há um problema que não queremos encarar, com o fato da sociedade sustentar a formação profissional de alto nível para jovens vindos de famílias de classe A

Alternativas O documento da Comissão de Defesa da Universidade Pública afirma que “os verdadeiros sacrificados [pela cobrança de mensalidades], no entanto, seriam os alunos pobres”. O documento defendia a tese de que os estudantes de classes menos favorecidas são os que enfrentam os maiores obstáculos para ingressar na universidade e merecem valorização. Para Elizabeth Balbachevsky, a cobrança de mensalidades dos alunos não é a única alternativa a ser discutida, no entanto. “A Nova Zelândia, por exemplo, não cobra o curso, mas impõe uma taxa extra sobre o imposto de renda dos profissionais que se formaram nas universidades públicas”. Após suas rendas atingirem um determinado nível, essa taxa é cobrada de forma a reembolsar os custos de sua formação. No Brasil, aqueles que completam a universidade possuem uma renda 157% maior do que os que não tem acesso ao ensino superior, segundo pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013. A mudança na forma de acesso à universidade também está sendo debatida. De acordo com a professora, a USP possui um acesso bastante disputado e tende a recrutar os melhores alunos de cada área. Esse sistema favorece os estudantes dos bons colégios, geralmente de elite, caros e bem organizados, Segundo o Pró-Reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger, atrair os melhores alunos é fundamental. Ele acredita que é necessário ampliar o leque de seleção para além do vestibular, buscando estudantes que se destaquem em Olimpíadas ou com histórico de auxílio à comunidade. “Há vários indicadores que essa é uma pessoa diferente, e são elas que nós queremos dentro da Universidade, não simplesmente aquele que tem um desempenho bom no vestibular”. Elizabeth ressaltou o papel da Universidade como alternativa de mobilidade social: “A USP pode contribuir decisivamente para diversificar a elite brasileira, e com isso, aumentar a coesão social no país”. “Eu não quero saber qual é a cor do aluno, não quero saber qual é o credo do aluno, eu não quero saber se ele é rico ou se ele é pobre. Nós temos que viabilizar a maneira de ele estar aqui, se ele precisar de auxílio, nós temos que dar auxílio”, afirmou Krieger.


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ESPORTES

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PAULA THIEMY

Gestão da Atlética da FFLCH comemora conquista

A espera acabou: FFLCH é tri no BIFE! Atlética supera ano conturbado, leva o ouro em cinco modalidades e conquista inter após nove anos VICTORIA SALEMI

No último feriado da Consciência Negra aconteceu, em Araraquara, interior de São Paulo, a 15ª edição do campeonato interuniversitário uspiano BIFE — cuja sigla se refere às iniciais das fundadoras Biologia, IME, FAU e ECA. Após nove anos sem vencer, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) sagrou-se campeã, seguida pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), segunda colocada, e pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME), em terceiro. A vitória deve-se ao bom desempenho obtido nas modalidades. A FFLCH obteve o primeiro lugar em cinco esportes, contra quatro da ECA e dois do IME. Vôlei, atletismo, basquete, tênis de campo e rugby, todos no naipe masculino, trouxeram o ouro para a faculdade. A tesoureira da Associação Atlética Acadêmica (AAA) Oswald de Andrade, da FFLCH, destaca que a atenção aos esportes individuais foi muito importante. “Por exemplo, no atletismo, apesar de termos uma equipe, ela é pequena em comparação às de outras faculdades. O xadrez há muito tempo não possuía um diretor de modalidade e repre-

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foram as modalidades disputadas no XV BIFE

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foi o número de vezes em que a FFLCH esteve no pódio

sentatividade. Por esses motivos e tantos outros, sabíamos que os individuais precisavam de uma atenção especial e nos esforçamos ao máximo para ajudá-los”, diz Flora Cardoso. Para Vinicius Rolim, presidente da AAA Lupe Cotrim, da ECA, o campeonato estava equilibrado. “Apesar de acreditar que poderíamos ser campeões, e termos grandes chances de isso acontecer, sabíamos que não era nada garantido e que qualquer vacilo podia nos custar o título”. O diretor geral de esportes (DGE) do IME, Rodrigo Lima, comentou o campeonato da FFLCH. “Não esperávamos a vitória deles sobre a equipe da Geologia no basquete masculino e o título no atletismo masculino, mas já contávamos com uma boa regularidade de todas as modalidades coletivas. Portanto, o título da FFLCH não foi uma surpresa e foi muito merecido”, avalia o DGE. A FFLCH está entre o seleto grupo de unidades que já ganharam o BIFE. O maior campeão da história é o IME, com dez vitórias. Em segundo lugar está a atual vencedora, com três títulos. Por fim, a ECA tem o bicampeonato. Observando-se o número de participantes, que são dez (FFLCH, IME, ECA, FAU,

Psicologia, Geologia, Veterinária, Química, Física e Biologia), é possível notar que a quantidade de campeões é escassa. Superação Quem vê os resultados da FFLCH no BIFE não imagina o ano difícil que a Atlética enfrentou em 2014. Em maio deste ano, os cargos da gestão precisaram ser modificados por conta de uma acusação de improbidade administrativa. Todos os anos, a nova gestão é escolhida logo nos primeiros meses. Em 2014, apenas sete pessoas tinham interesse em participar da Atlética, devido ao histórico de desorganização e problemas financeiros. Um exemplo dessa situação foi o show da funkeira Tati Quebra Barraco contratado pela Atlética em 2012, que gerou uma dívida de cerca de R$ 30 mil para a associação. O ano teve início com a gestão reduzida. Em uma das reuniões, falou-se, em tom de brincadeira, sobre a criação do “Bolsa Noia”, que seria uma quantia destinada à compra de drogas para os membros da Atlética. “Isso não ia acontecer, obviamente, pela situação delicada das finanças e porque seria inadmissível”, diz Fernando Farina, tesoureiro da gestão à época. Em um grupo do Facebook, falou-se que, de fato, uma pessoa havia gasto sobras de dinheiro de uma cervejada dos times em drogas. O desvio de verba, que foi de apenas R$ 30, não tornou o problema menos grave. Um dos

Após iniciar o ano com gestão já reduzida devido a histórico de problemas financeiros, Atlética teve de mudar quase todos os cargos por conta de uma acusação de desvio de verbas

colaboradores contou o ocorrido para um diretor de modalidade (DM) e, então, marcou-se uma reunião extraordinária. “Poderíamos até superar esse impasse, mas com que moral continuaríamos administrando a Atlética?”, reflete Farina. O ex-tesoureiro diz que o posicionamento da gestão foi o de abrir mão de todos o cargos administrativos, o que de fato aconteceu no mês de maio. Apenas os DMs foram mantidos. A partir de então, a associação precisou se reestruturar para não ter prejuízos nos resultados esportivos. Em seis meses, a nova gestão teve de organizar as finanças para investir no esporte. E teve êxito: o título no principal campeonato do ano. “Compreender o que se passava na tesouraria foi essencial para entendermos o que precisaria ser feito ao longo do ano, para pagarmos os diversos campeonatos de que participam nossas modalidades e para dar apoio a elas”, conta Flora Cardoso. Para os próximos anos, a expectativa da Atlética é, além de manter os bons resultados esportivos, atrair mais gente para a AAA Oswald de Andrade, seja para administrá-la ou para entrar nos times. “A renovação é sempre importante para garantir a continuidade das modalidades e da Atlética em si. Sabemos que tem muito chão pela frente, mas também que, quanto mais esse título nos unir, maiores serão as chances de consegui-lo novamente”, completa a tesoureira.


ESPORTES

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Quais são os impactos de um inter?

ARTE: ARTHUR ALEIXO

MARIA BEATRIZ MELERO

XV BIFE - 2014 CAMPEÕES POR MODALIDADE

1º 2º 3º

Handebol Masculino Física FFLCH Biologia

Handebol Feminino FAU ECA FFLCH

Futsal Masculino IME ECA FFLCH

Futsal Feminino FAU FFLCH ECA

Futebol de Campo ECA FFLCH Física

Basquete Feminino FAU IME Física

Vôlei Masculino FFLCH IME Biologia

Vôlei Feminino Biologia ECA IME

Jiu Jitsu

1º 2º 3º

Basquete Masculino FFLCH Geologia ECA

1º 2º 3º

Tênis Campo Masculino FFLCH IME Biologia

Tênis Campo Feminino Odontologia ECA IME

Tênis de Mesa Masculino ECA IME Psicologia

Tênis de Mesa Feminino ECA IME FFLCH

Rugby Masculino FFLCH Física FAU

Atletismo Feminino FAU IME Física

Natação Masculina FFLCH IME Biologia

Natação Feminina Biologia ECA IME

Xadrez

1º 2º 3º

Atletismo Masculino FFLCH Geologia ECA

INFOGRÁFICO: THIAGO QUADROS E VICTORIA SALEMI

HISTÓRICO DOS CAMPEÕES

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Cidade Jacareí Não houve Serra Negra Socorro São Sebastião Cruzeiro Jacareí Lorena Piedade Itapeva Cruzeiro Barra Bonita Casa Branca Barra Bonita Sumaré Araraquara

Campeão IME Não houve IME ECA IME FFLCH FFLCH IME IME IME IME IME IME IME ECA FFLCH

ECA FFLCH Física

ECA FFLCH Física

Anualmente, os estudantes de 11 faculdades da Universidade de São Paulo aguardam por uma das maiores competições da USP: o BIFE. Nesse ano, a vencedora do XV BIFE foi a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Mas que impacto a competição trouxe à cidade que a sediou? Em 2014, o campeonato interuniversitário foi realizado na cidade de Araraquara, a 278 quilômetros da capital paulista. A cidade já possui tradição em recepcionar competições universitárias, como o JUCA (Jogos Universitários de Comunicações e Artes) em 2012 e o Interbatuc (encontro de baterias) em 2014. Segundo a prefeitura da cidade, a realização desses torneios é incentivada a fim de aquecer a economia local, já que os visitantes passam a consumir os serviços da cidade. “Nestes eventos, o movimento em restaurantes, bares, postos de combustíveis e hotéis fica acima da média”, disse a assessoria da instituição. A Associação Atlética Acadêmica (AAA) Lupe Cotrim, da ECA, por exemplo, realizou uma parceria com uma padaria local para fornecimento de lanches para o café da manhã dos ecanos. “O acordo com padarias é feito pelo núcleo de café da manhã. Normalmente, é combinado antes do inter um valor fixo por lanche pronto, quantidades e horários em que eles serão recebidos”, explica Thalita Cardoso, Diretora Geral de Esportes da Ecatlética. Já a AAA IX de Setembro. da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), diz que parcerias para o fornecimento de café da manhã variam muito de cidade para cidade, De acordo com a presidente da Atlética, Brenda Alcântara, nesse ano não foi firmado nenhum tipo de acordo do gênero pela associação. Dessa forma, os alunos consumiam em lanchonetes fast food e restaurantes próximos aos ginásios e alojamentos.

Competições como o BIFE aquecem economia e ajudam no desenvolvimento do esporte e da educação nas cidades-sede Apesar do barulho e do lixo que se acumula na cidade-sede de um inter, o movimento em bares, restaurantes e hotéis aumenta. Além disso, a cidade é obrigada a investir em estrutura para receber estudantes

Flávia Motta, funcionária da padaria Crystal, acredita que eventos como o BIFE têm muito a acrescentar para a cidade. Por ser ex-estudante da Unesp, ela entende toda a dinâmica de um inter e diz que “o lucro em cima das coisas consumidas [na padaria] aumenta bastante [no período]”. Segundo Flávio Flório, dono da padaria, o aumento do lucro durante o feriado da Consciência Negra subiu cerca de 20% em relação aos demais finais de semana. Ele diz que os principais itens consumidos pelos clientes nos quatro dias de jogos foram lanches, refrigerantes e cerveja. Outros impactos A prefeitura de Araraquara diz que há outros benefícios em receber competições como o BIFE. Em parte, elas são também exigências para a realização do evento, como “(...) melhorias nos alojamentos que hospedam os estudantes ou ações com entidades sociais”, esclarece a assessoria. Brenda explica que o valor referente ao aluguel de quadras, escolas e galpões para servir de alojamento é passado pela administração da cidade para que as Atléticas possam analisar a melhor opção. “O pagamento é feito junto com o a assinatura do contrato e a cidade se responsabiliza em investir o dinheiro em melhorias e incentivos ao esporte”. Ela ainda complementa que parte do dinheiro pode ser investido em educação, já que o contrato é firmado com a Secretaria do Esporte e Educação. Embora essas competições tragam muitos benefícios à cidade-sede, pontos negativos os acompanham. Maria Casares, 91, por exemplo, diz que o movimento nas ruas incomoda muito por conta do barulho feito pelos estudantes. Esse é um dos problemas apontados pela prefeitura, quando questionada sobre os prós e contras de receber competições como o BIFE. Além do barulho, soma-se à lista de problemas o lixo acumulado em torno de ginásios e alojamentos utilizados.


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CIÊNCIA

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Atividade Física x Poluição

qual efeito prevalecerá? O Projeto Pedal, desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP, visa investigar os possíveis riscos para os ciclistas da alta poluição atmosférica nos grandes centros urbanos THAÍS FREITAS DO VALE

Muito se sabe sobre os benefícios da atividade física, mas será que quando praticada em São Paulo – quarta cidade mais poluída do Brasil e parte das 25% mais poluídas no mundo (268° lugar) – esses benefícios se mantêm? O Projeto Pedal, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), procura responder a essa pergunta. Por um lado, sabe-se que a prática regular de exercícios físicos reduz o risco de doenças cardiovasculares, obesidade e diabetes, aumentando a expectativa de vida em cerca de dez anos. Porém, são bastante sedimentadas as evidências dos efeitos maléficos da exposição à poluição atmosférica, “responsável por mais de 3 milhões de mortes ao ano no mundo, sobretudo por doenças cardiovasculares, respiratórias e neoplásicas”, ressalta o doutor Gustavo Faibischew Prado, coordenador executivo e investigador principal do projeto. “É exatamente nesta interação entre o exercício e a exposição à poluição atmosférica que residem as maiores dúvidas: qual efeito prevalecerá?”, aponta o médico.

fia” da população. Já a segunda etapa terá outros estudos, como um registro prospectivo de acidentes, a medição da concentração de poluentes nas vias mais utilizadas (comparando-se a alternativas potencialmente menos poluídas) e a avaliação física (cardiovascular, respiratória e metabólica) de ciclistas sob diferentes condições ambientais.

“Precisamos assimilar novas noções de convivência e um novo entendimento do trânsito. Não se trata mais de uma disputa pelo tempo e espaço das ruas. Devemos amadurecer como motoristas, como pedestres e também como ciclistas”

RECOMENDAÇÃO MÉDICA O doutor Prado afirma que escolher um transporte ativo e tranquilo, como a caminhada ou a bicicleta, fora de um contexto de treinamento físico ou competição, não demanda uma avaliação médica além da de rotina – que todos devem fazer a partir dos 35 anos. Ressalta, porém, “que as pessoas portadoras de doenças cardiovasculares e respiratórias, independente da idade, precisam ser acompanhadas regularmente por um médico”.

MOBILIDADE Apesar de o mercado de bicicletas ter crescido 300% em 5 anos no Brasil, a frota de São Paulo é de 6,8 milhões de veículos, sendo mais de 890 mil motocicletas e scooters. O número tende a crescer, já que cerca de 16 mil veículos foram licenciados a cada mês na cidade em 2012, segundo dados do Detran (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) de 2013. Isso se reflete diretamente na qualidade do ar: a região metropolitana é a quarta mais poluída do país e 268º do mundo. A média de poluição aqui encontrada é de 38 microgramas por metro cúbico de ar, duas vezes maior do que a recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

THAÍS FREITAS DO VALE

Concepção do projeto Uma vez que o esforço físico aumenta a demanda metabólica em cerca de cinco vezes – exigindo um incremento das taxas ventilatórias, ou seja, da quantidade

de ar “respirado” por minuto – há um inevitável aumento na carga de poluentes inalados. Sabe-se que algumas categorias da população são mais afetadas pela inalação de poluentes do que outras, como os portadores de doenças cardiovasculares e respiratórias. Além disso, alguns estudos demonstraram aumento do risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares agudos após atividade física sob exposição a altas concentrações de poluentes, embora nenhum deles tenha sido realizado no Brasil e sob condições reais. O foco da pesquisa, portanto, é descobrir se a prática de atividade física em ambientes com alta concentração de poluentes atmosféricos (material particulado, óxidos do nitrogênio, óxidos do enxofre, ozônio, entre outros) é benéfica para todas as pessoas. A ideia do projeto se deu graças à popularização das bicicletas em São Paulo. Assim, o doutor Ubiratan de Paula Santos propôs que se delineasse um estudo para conhecer o perfil dos usuários (para transporte e lazer) na cidade. Dentre as etapas, deveria se mapear essa população – identificando trajetos, dificuldades, o perfil de saúde dos ciclistas – e registrar eventuais ocorrências que pudessem acontecer no cotidiano sobre duas rodas. O primeiro passo da pesquisa foi elaborar um breve questionário online, para se ter uma “fotogra-

Relevância e obstáculos Nas primeiras três semanas, mais de 800 voluntários responderam ao questionário. A popularidade, porém, não surpreende o doutor Prado: “Estamos num momento de mudança de pensamento coletivo. Se, por um lado, temos uma enxurrada diária de novos carros nas ruas, por outro temos a busca crescente por alternativas menos poluentes, mais saudáveis e mais rápidas”. Como resposta a essa demanda, algumas medidas estão sendo tomadas, como a criação de faixas de trânsito para bicicletas (ciclofaixas), a oferta de bicicletas para empréstimo e locação e também o aumento dos bicicletários. Porém, o médico aponta que ainda há muitos obstáculos. “Nossa cidade tem uma topografia bastante acidentada, ruas e avenidas disputadas por carros, ônibus, motocicletas e caminhões, poucas ciclovias e uma cultura ainda jovem de que a bicicleta pode ser um meio de transporte”. E complementa: “precisamos assimilar novas noções de convivência e um novo entendimento do trânsito. Não se trata mais de uma disputa pelo tempo e espaço das ruas. Devemos amadurecer como motoristas, como pedestres e como ciclistas”. Quanto à importância do estudo, Prado ressalta que os pesquisadores precisam ser sensíveis ao ambiente e à comunidade em que vivem, pois as pesquisas não servem apenas para esclarecer lacunas do conhecimento científico. No caso do Projeto Pedal, “serve também para instrumentalizar gestores públicos no planejamento da ampliação da malha cicloviária da cidade”, melhorando a saúde da população e a logística dos transportes.

Ciclistas são submetidos à poluição atmosférica nas cidades grandes


CULTURA

JÚLIA PELLIZON

JORNAL DO CAMPUS PRIMEIRA QUINZENA | DEZEMBRO 2014

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III Semana de Arte no Meio 03/12 (4ªf) 16h - Oficina de circo, com slack line, malabares, tecido, e mais - [morrinho da hist/geo] 18h - Oficina de dança [Espaço Verde] 20h - Luau - [morrinho da hist/geo] 04/12 (5ªf) 14h - Festival do faça você mesma + Feira de troca [morrinho da hist/ geo] 18h - Festival de curtas + Mostra de cinema marginal [Espaço Verde]

Experimentação artística fora da sala

Intervenção com cabides chama atenção na entrada da expoFAU

05/12 (6ªf) 16h - Mutirão da composteira + “O veneno está na mesa” e debate [morrinho depois Espaço Verde] 20h - Sarau da III Semana de Arte no Meio, com os coletivos Conpoema, Poetas Ambulantes e Poesia Primata 22h - Festival de bandas

Oficinas e exposições criadas e estruturadas pelos estudantes tem mostrado suas capacidades artísticas PEDRO PASSOS

Intervenções relâmpago Outra modalidade de intervenção que tem se tornado comum para instigar a produção artística dos estudantes são as exibições e intervenções relâmpago em espaços

cotidianos. O prédio da Letras têm sido alvo de algumas dessas propostas de intervenção que evocam também a aura marginal da criação artística estudantil. No dia 25 de novembro foi proposta a exibição de dois filmes, que retomam o cinema marginal da década de 70, nas paredes do prédio sem que houvesse muita preparação e divulgação prévia. O happening exibiu as obras “Bang bang”, de Andrea Tonacci, e “Documentário”, de Rogério Sganzerla. Para essa quinta-feira, 4 de dezembro, está prevista mais uma exibição de filmes na Letras, durante o dia inteiro e sem locais e horários pré-definidos, no chamado Mini Festival de Demolição. A curadoria dos filmes traz obras de Werner Herzog, Ishirô Honda, entre outros, sempre com a temática de destruição, ruínas e caos.

Obras interagem com aspectos ja existentes do prédio, como a iluminação

JÚLIA PELLIZON

Durante a última semana de novembro e a primeira semana de dezembro, foram realizados duas mostras de arte, organizadas, independentemente das unidades de ensino, por estudantes da USP. Com formas criativas de ocupar e alterar os espaços expositivos, a ExpoFAU e a Semana de Arte no Meio, acabaram questionando o papel do estudante dentro da universidade e suas potencialidades de criação dentro desse universo. Com ínicio nos anos 70, o ExpoFAU “propõe-se a discutir e provocar produções artísticas independentes, concentrando-se na crítica da arte contemporânea e no questionamento de suas formas”, explica o chamado aos interessados em participar. Neste ano, com a reforma do Edifício Vilanova Artigas, a exposição teve seu espaço reduzido apenas ao Piso do Museu, diferentemente de anos anteriores, nos quais as obras, oficinas e apresentações se espalhavam por pontos distintos da faculdade. Aproveitando o mote da reforma, que era prevista para terminar em novembro, o tema escolhido para nortear a criação dos expositores foi “Destruição e Construção”. A partir daí foram realizadas algumas expedições preliminares, dando a possibilidade de intervir e criar em locais como o anexo abandonado do Paço das Artes, a Vila Operária Maria Zélia e também uma Oficina de Maquetes. Por fim foi

feito um chamado a qualquer estudante que se interessasse em explorar artisticamente a temática, unindo-a às potencialidades da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP em seus processos de transformação, entre os dias 24 e 28 de novembro. A III Semana de Arte no Meio também tem uma proposta semelhante, de trazer produções instigadoras de reflexão, sem a participação das instâncias universitárias no processo. Organizada pelos estudantes de Ciências Sociais, por meio do Núcleo de Cultura do Prédio do Meio, a semana buscou dar visibilidade a propostas artísticas marginais, visível na divulgação do nome dessa edição do evento “Todo mundo é marginal, exceto quem não é”. O Projeto da exposição visa também a defesa do Espaço Verde, espaço estudantil da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP que tem sua existência constantemente ameaçada, por estar localizado dentro do prédio das Ciências Sociais. Os organizadores chamaram eventos como a limpeza do local, oficinas, exibição de filmes, tudo visando a ocupação experimental do Espaço Verde e do Morrinho da história e geografia.


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CULTURA

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Alunos da FAU realizam projeto com o CCSP

“Uma modernidade paralela” teve a participação dos alunos da disciplina História do Urbanismo Contemporâneo

A exposição trata de arquitetura, urbanismo, artes aplicadas e paisagismo na União Soviética pósstalinista vo, e ficou distante da dualidade que se criou separando alunos e professores, procurando colocar as duas categorias do mesmo lado, trabalhando e aprendendo juntas. “Me colocar na situação de aprendizado ou de aprendiz junto com os alunos me pareceu uma questão bem atraente”, comenta Cymbalista. Durante o desenvolvimento, o professor também aprendeu, reforçando a ideia de que ele não estava ali somente para ensinar, mas também para instigar a capacidade dos estudantes. “A ideia de que o professor sabe e ensina, e o aluno não sabe e aprende é um pensamento que não se sustenta mais”, completa o docente. Juntos, professor a alunos assumiram um papel de risco em conjunto. “Nós oferecemos um trabalho e, se o resultado fosse ruim, o CCSP iria simplesmente ignorá-lo”, afirma Renato. Tendo um objetivo em comum, a turma criou uma identificação com o projeto, e a confiança tanto da parte dos estudantes quanto do professor foi essencial para que o trabalho fluísse com sucesso. “No início achei que a proposta talvez fosse um pouco ambiciosa demais”, conta Karoline Andrade. “Mas quando iniciadas as pesquisas percebi que era possível entender do que se tratava, desvendar do que se tratava tudo aquilo. Foi aí que a proposta ficou ainda mais interessante”, completa. Além de testar uma estratégia pedagógica diferente, o trabalho também teve como diferencial sair dos muros da Universidade e ter contato mais direto com a

sociedade. Para o professor Renato Cymbalista, o projeto mostrou como a condução de trabalhos assim é necessária para se atingir uma produção de relevância social. “Foi muito mais empolgante elaborar algo que dissemina um pouco do que aprendemos para a sociedade em geral do que elaborar algo cujo alcance fosse limitado à comunidade uspiana”, diz Karoline, ressaltando ainda que o triunfo do projeto foi sua aplicação como material da própria exposição. As horas de trabalho empregadas pelos alunos se transformaram em uma retribuição para as pessoas fora da USP, servindo a outras instituições públicas, como o CCSP. “O público visivelmente aprecia e consome as informações com satisfação. Espero que possamos continuar com esta parceria produtiva”, afirma o diretor do Centro Cultural, Pena Schmidt.

Duplas de alunos ficaram responsáveis por identificar cada uma dessas estações

Uma modernidade paralela - Arquitetura soviética 1956-1991 De 4/9 a 21/12 Terça a sexta, das 10h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h Entrada franca Piso Flávio de Carvalho - Centro Cultural São Paulo

CAROLINA SHIMODA

O projeto final da disciplina História do Urbanismo Contemporâneo foi proposto de forma diferente aos alunos de arquitetura, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Os estudantes trabalharam diante da exposição “Uma modernidade paralela”, no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), que trata da arquitetura soviética entre 1956 e 1991, e criaram legendas que explicassem a disposição das fotografias, vídeos e objetos que compõem a exibição. O resultado do trabalho rendeu uma brochura que foi impressa pelo CCSP e deixada à disposição dos visitantes. A ideia do trabalho surgiu quando Renato Cymbalista, que ministra a disciplina História do Urbanismo Contemporâneo, visitou “Uma modernidade paralela” no Centro Cultural, que traz uma grande produção da época, da qual se tem pouco conhecimento no Brasil. “Eu pensei que o meu desconhecimento dessa realidade poderia ser uma oportunidade de trabalho, porque eu sozinho jamais conseguiria decifrar essa mostra, mas, eventualmente, com a ajuda de uma turma de 40 estudantes, eu conseguiria multiplicar a capacidade de compreensão da exposição”, explica Renato. Os estudantes, então, separados em pequenos grupos ficaram responsáveis por “desvendar” cada parte da exibição com um tema específico, construindo um conjunto de legendas explicativas. Todo o material produzido foi compilado em uma brochura que está disponível junto com o material da mostra, tornando-se um guia para os espectadores. “O resultado superou a expectativa que era apenas proporcionar um bom ambiente para o desenvolvimento da aula”, comenta Pena Schmidt, diretor do CCSP. Ele ainda destaca um ponto valioso da parceria, em que o aprendizado dos alunos se tornou também dos frequentadores. “O trabalho entregue pelos alunos transformou-se em uma verdadeira ação educativa, agora dirigida aos frequentadores da Modernidade Paralela, auxiliando na leitura e compreensão de cada uma das estações da mostra”, completa. A conclusão do trabalho também surpreendeu os próprios alunos. “O resultado final ficou mais completo do que eu imaginava. É realmente uma aula em cima da exposição”, afirma Karoline Andrade. “Fiquei orgulhosa”, enfatiza. Relação aluno e professor O trabalho foi um processo de pesquisa coletivo e participati-

CAROLINA SHIMODA

CAROLINA SHIMODA


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