Relatório Azul 2012

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PARTE II - DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA

e garantias universais, senão como um artefato personalizado por grupos ou privados (políticos, policiais, magistrados, organizações de todo tipo, cor, tamanho, religião e pedigree),77 caudilhos, delinquentes e mafiosos (não apenas do narcotráfico), prefeitos e governadores (hoje autênticos senhores feudais, para colocar a razão do poder – político, legislativo e judicial – acima do poder da razão e da lei).78 Amparados na ‘disponibilidade da lei’ de um Estado de direito (ou seja, de um Estado que tem leis) se reproduz a ideologia que opera nos fundos do relato e se consolida um esquema cultural que orienta as relações, onde torna-se mais fácil incluir os ilícitos como forma operativa cotidiana do que reger-se pelas normas e disposições legais (características do direito moderno).79 Então até mesmo quando, teoricamente, o moderno Estado mexicano estiver instalado na ‘normalidade democrático-jurídica’, enfrenta uma crise e carência histórica de legitimidade, situação que vem se agravando com o tempo, pela ‘disposição e imposição da lei’ que exerce uma minoria e pela incapacidade da maioria política de fazer valer democraticamente sua vontade. Exemplar, a respeito, foi o comportamento daqueles que passaram pela Presidência durante o México pós-revolucionário (Partido Revolucionário Institucional, Partido Ação Nacional), eles fizeram com que se cumprisse apenas uma norma: a fraude delegativa, onde a cidadania torna-se literalmente uma ficção, à qual se concede uma nebulosa e cíclica existência política durante um só dia, o das votações. E quando esta cidadania ‘irresponsavelmente’ elege o candidato ‘equivocado’, o sistema se

77   Mesmo quando segue operando e se adapta, ao menos até que seja capaz de existir (Luhmann, 2007 e Corsi, 1996:77). 78   Por cima da Constituição, instrumentalizando a normativa (nem sempre coerente) e, consequentemente, hipertrofiando a claridade de seus conteúdos (ineficácia da norma). Isto contribui de forma decisiva à ativação do fator familiar, como propensão que busca maximizar unicamente as vantagens materiais de breve término da própria família (nuclear ou estendida), influindo sobre todos os setores e relações que se orientam em direção ao clientelismo, a cultura da ilegalidade, a reconstituição corporativa de privilégios, a corrupção da administração pública; tudo o que é praticado – como criminalidade -, tolerado – como desesperança aprendida -, ou simplesmente aproveitado para fins pessoais – clientelismo -. Sobre isto ver Zamorano Farías, 2003a. 79   Condição para que os senhores (presidente, legislador, governador ou juiz) aprovem um ato ilegal, e também para que os empregados destes poderes não prestem contas à lei. Investidos de autoridade ‘democrática’ podem se amparar, roubar, mentir, violar, deter, torturar ou desaparecer e assassinar (“eram delinquentes e além disso uma ameaça”: qualquer cidadão que é catalogado como ameaça/delinquente carece de direitos e pode ser executado), com a anuência que fundamente a arcana imperii ou a raison d’état (há milhares de exemplos de vários níveis, desde a secretaria geral vitalícia do SNTE, passando pelo dirigente petroleiro – hoje representante politico de algo, o ex-secretário geral do PRI, os governadores, juízes, policiais, membros do Conacyt que vendem as bases de dados com informação dos investigadores do Sistema Científico Nacional, ou os altos hierarcas da Igreja católica acusados de pederastia e condenados a “uma vida de oração”).

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