Revista Jurídica "Reforma Trabalhista e Retrocesso Social: breves comentários sobre o PLC 38/2017"

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REVISTA JURÍDICA JUNHO/2017

Reforma Trabalhista e Retrocesso Social: breves comentários sobre o PLC 38/2017 REVISTA JURÍDICA | 02



INSTITUTO DECLATRA

REFORMA TRABALHISTA E RETROCESSO SOCIAL: BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O PLC 38/2017

AUTORES/AS Nasser Ahmad Allan André Ricardo Lopes da Silva Fabiana Baptista de Oliveira Laura Maeda Nunes Carina Pescarolo Francine Ioppi Leite Maria Valéria Zaina Rodrigo Thomazinho Comar Maria Vitória C. F. de Almeida Paulo Roberto Koehler Santos Vinícius Gozdecki Quirino Barbosa Carolina de Quadros Jane Salvador de Bueno Gizzi Ricardo Nunes de Mendonça

COORDENAÇÃO Nasser Ahmad Allan

Curitiba, PR Declatra 1ª edição, 2017

MINAS GERAIS Rua Rio Grande do Sul, 1010 - Sto. Agostinho | CEP: 30.170-115 PARANÁ Rua Comendador Araújo, 692 - Batel | CEP: 80.420-000



Sumário Apresentação.........................................................................................................................................................07 O falso discurso da modernização da CLT..............................................................................................09 A reforma trabalhista: contratos de emprego precários e organização sindical.................10 1 Contratos de empregos precários............................................................................................................10 1.1 Terceirização e contrato temporário.....................................................................................................11 1.2 Contratos intermitentes..............................................................................................................................11 1.3 Teletrabalho......................................................................................................................................................12 1.4 Regime de trabalho a tempo parcial...................................................................................................13 2 Organização sindical......................................................................................................................................13 2.1 Questões relacionadas à assistência prestada pelos sindicatos.............................................14 2.2 Sustentação financeira dos sindicatos...............................................................................................15 2.3 Negociação coletiva....................................................................................................................................15 A tarifação do dano moral no projeto da reforma trabalhista......................................................16 Artigo 8º da CLT – ataque às fontes do direito do trabalho e à justiça do trabalho..........18 Correção monetária dos créditos e débitos trabalhistas.................................................................20 Artigo 4º do PCL nº 38/2007 – tempo à disposição do empregador.......................................22 Reforma trabalhista: dispensa coletiva, plano de demissão voluntária e quitação de verbas trabalhistas....................................................................24 Blindagem empresarial: uma análise dos artigos 2º, § 3º, 10 e 448 do projeto de lei 6.787/16............................................................................26 As conquistas sociais em marcha à ré: o fim do pagamento do tempo de deslocamento do local de moradia até o trabalho................................................28 Reforma trabalhista e o fim da incorporação de função..................................................................30 Termo de quitação anual de obrigações trabalhistas........................................................................31 Equiparação salarial e a reforma trabalhista..........................................................................................33 Uma análise preliminar da proposta de alteração do artigo 394-a da CLT e os riscos significativos à maternidade.......................................................36 O direito processual do trabalho em um paradigma neoliberal e neoconservador: o PLC nº 38/2017 como proposta de marco normativo de um processo precário e individualista.........................................................................38



APRESENTAÇÃO Em meados de 1982, jovens idealistas iniciaram um projeto ousado: constituir um escritório de advocacia especializado na defesa dos interesses da classe trabalhadora, a fim de servir como instrumento para contribuir com a diminuição das brutais desigualdades econômicas e sociais constatadas entre capitalistas e trabalhadores (as). No momento em que se completam trinta e cinco anos de fundação do Escritório verifica-se, com consternação, que nada há a ser comemorado. As circunstâncias da vida política do País impuseram à população um golpe de Estado, acompanhado de um processo intenso e célere de supressão de conquistas históricas da classe trabalhadora. É desse modo que se vislumbra a proposta de reforma trabalhista, atualmente, em tramitação no Senado e que aparentemente será aprovada e sancionada por um governo ilegítimo. O PLC 38, de 2017, apresenta mais de cem propostas para modificar atual legislação trabalhista. Sem pretender exaurir o debate, abordando toda a temática que o envolve, o Instituto DECLATRA – Defesa da Classe Trabalhadora (vinculado ao Escritório e criado como braço de estudos e pesquisas no Direito do Trabalho) – optou por elaborar uma breve abordagem sobre algumas das modificações pretendidas. Os textos – elaborados por advogados e advogadas que compõem o Instituto, a quem se aproveita para registrar os agradecimentos pelo empenho, presteza e qualidade técnica do trabalho desenvolvido – pretendem trazer, em linguagem direta e acessível, os possíveis efeitos jurídicos e econômicos da proposta de Reforma Trabalhista.

Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora – DECLATRA



O FALSO DISCURSO DA MODERNIZAÇÃO DA CLT Rubens Bordinhão Neto 1 As propostas de alteração dos dispositivos legais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apenas retratam uma pequena amostra das quase duzentas mudanças previstas no PLC 38/2017. Todas elas importam – invariavelmente – em cerceamento, mitigação ou supressão de direitos do(a) trabalhador(a) empregado(a). E não há, no Projeto, qualquer proposta desvantajosa para os empresários. É sabido que o Direito do Trabalho representa a regulação, pelo Estado, de capital e trabalho, empregador e empregado. Nessa forma jurídica está presente a ponderação e o equilíbrio entre as necessidades e as demandas dos empresários e dos trabalhadores, sempre na direção da conciliação dos conflitos. Contudo, a proposta de mudança da legislação trabalhista consiste em severa redução de direitos apenas dos trabalhadores(as), sem qualquer contrapartida. Um verdadeiro escárnio ao Direito Trabalhista. Não é por outro motivo que a concretização desta reforma somente tem se mostrado viável no atual contexto de ruptura com a democracia. Ainda, se levarmos em consideração, em conjunto com a Reforma Trabalhista, as mais recentes medidas de iniciativa do Governo Federal – como a Emenda à Constituição que estabelece teto aos gastos públicos com as despesas sociais e a proposta de Reforma da Previdência Social – ficará ainda mais nítido que o impedimento da presidenta Dilma se tratou, em verdade, de um golpe contra a classe trabalhadora. Para além do prognóstico de perecimento de direitos, vislumbra-se um significativo recuo do papel do Estado na relação entre empregados(as) e empregadores, o que coloca em xeque o sistema de relações de trabalho estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, assim como o próprio Estado social brasileiro, que vem assegurando a concretização de direitos fundamentais e sociais desde os anos de 1930. Por isso, ao contrário de o modernizar, está-se

diante de uma proposta que fará o País retroagir aos anos em que não havia proteção ao trabalho ou regulação do capital, em um momento da história que não se assegurava sequer um patamar civilizatório mínimo à população. Não se sabia o que era cidadania e não havia ainda o conceito de dignidade da pessoa humana. Sabe-se que os direitos trabalhistas representam “encargos” ou “passivos” para as empresas. Não se ignora tampouco que o momento econômico não mais é de ascensão. Muito pelo contrário. Ainda assim, não é possível ficarmos passivos aos efeitos perversos que a Reforma Trabalhista importará para a classe trabalhadora brasileira. As mesmas medidas reformadoras que hoje estão em pauta no Congresso Nacional já foram implementadas por diversas outras nações, inclusive pelos países europeus, no centro do capitalismo mundial. E os estudos são abundantes em confirmar que elas não só pioraram as condições de vida e de trabalho dos(as) trabalhadores(as), como também não elevaram a taxa de emprego dos países, não servindo como política útil para superar eventual crise econômica. O Brasil, país em desenvolvimento, na periferia do capitalismo, deve – com autonomia e criatividade – buscar o aprimoramento das instituições do País, tendo como norte a concretização dos direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal, ao revés da fácil adoção de soluções importadas que não prestam um serviço ao desenvolvimento do País. Propostas corajosas como a PEC 12/2017, que prevê a redução da jornada de trabalho para seis horas diárias e trinta semanais, mostram-se alinhadas aos interesses dos brasileiros, além de comprovadamente impactarem positivamente na superação das estatísticas de desemprego. A reforma da legislação trabalhista é medida necessária ao avanço do desenvolvimento do País. Contudo, na maneira proposta, o futuro nos reserva apenas retrocesso ao passado.

1 Graduado (2012) e mestre (2015) em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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A REFORMA TRABALHISTA: CONTRATOS DE EMPREGO PRECÁRIOS E ORGANIZAÇÃO SINDICAL Nasser Ahmad Allan 2 Com enorme preocupação vem-se acompanhando a tentativa de desmonte do sistema de garantias e proteção social construído em mais de cem anos de lutas de trabalhadoras e trabalhadores no País. O substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, aprovado na Câmara dos Deputados de maneira antidemocrática, açodada e desprovida de debates com o conjunto da sociedade, foi encaminhado ao Senado Federal, onde foi autuado como PLC 38/2017. O projeto de iniciativa do Poder Executivo, que apontava para modificações pontuais, embora impactantes, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Lei 6.019/74, restou desfigurado na Câmara dos Deputados, sendo enxertado para promover mais de duas centenas de alterações no texto consolidado. Verdadeiramente, não se trata de uma reforma trabalhista, mas, de uma desconstrução do Direito do Trabalho no Brasil. Pretende-se, nesta análise preliminar, indicar possíveis impactos das modificações legislativas propostas nos direitos de trabalhadores e trabalhadoras, e, por que não dizer, no próprio modelo de regulação do trabalho no País. Por ser mais didático, convencionou-se separar esta análise – que abordará alguns pontos do PLC 38/207 – em alguns segmentos temáticos, sem perder de vista que a proposta de reforma trabalhista deve ser compreendida em seu conjunto, como instrumento de maximização da mais-valia a fim de permitir transferência de renda da classe trabalhadora para o patronato. Igualmente, não se deve descurar que se trata de uma dentre as diversas reformas propostas por um governo ilegítimo que impõe à sociedade uma agenda conservadora. Feitas essas ressalvas, inicia-se com as implicações das modificações pretendidas nos contratos de emprego e na organização sindical brasileira.

1 CONTRATOS DE EMPREGOS PRECÁRIOS Os efeitos das políticas econômicas neoliberais sobre o mercado de trabalho na Europa podem ser percebidos a partir da elaboração de leis trabalhistas que permitiram aos empregadores a substituição dos antigos empregos estáveis e duradouros, modelo construído especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, por relações contratuais de curta duração, mal remuneradas e instáveis. São subempregos, ou bad jobs, cuja prestação de trabalho se realiza mediante condições inadequadas, sendo caracterizados por, além da baixa remuneração, ausência de segurança do(a) trabalhador(a) no emprego3. Para ilustrar, a Espanha, a partir de 1984, promoveu uma série de modificações em sua legislação trabalhista para ampliar a possibilidade jurídica de contratos temporários. Sob o pretexto de combater os altos índices de desemprego, a mudança retirou entraves legais para a contratação de trabalhadores(as) por períodos determinados, de curta duração, reduzindo às empresas os custos financeiros existentes nos contratos de emprego por prazo indeterminado. Essa medida resultou em taxas altíssimas de contratos temporários, alcançando significativos 35% em 1995 e permanecendo, até 2006, acima de 30% do mercado de trabalho espanhol4. O economista britânico Guy Standing, ao analisar as alterações no mercado de trabalho europeu, afirmou que as políticas neoliberais resultaram na flexibilização das garantias estendidas à classe trabalhadora, causando aumento acentuado de contratos precários, principalmente de contratação temporária e terceirização de mão de obra5. A proposta de reforma trabalhista no Brasil não pode ser compreendida de outro modo, especialmente no que se refere à tentativa

2 Graduado (1998), mestre (2010) e doutor (2015) em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor das disciplinas de Direito do Trabalho e de Direito Sindical em cursos de pós-graduação. Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. Pós-doutorando em Direito do Trabalho na UFRJ (2017). 3 STANDING, G. The Precariat: The New Dangerous Class. London: Bloomsbury, 2011, p. 5. 4 LÓPEZ, E. S.; PASCUAL, A. S. Precarización e individualización del trabajo: claves para entender y transformar la realidad laboral. Barcelona: Editorial UOC, 2016, p. 24-25. 4 LÓPEZ, E. S.; PASCUAL, A. S. Precarización e individualización del trabajo: claves para entender y transformar la realidad laboral. Barcelona: Editorial UOC, 2016, p. 24-25. 5 STANDING, G. The Precariat: The New Dangerous Class. London: Bloomsbury, 2011, p. 6.

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de ampliação de modalidades de contratação que podem ser consideradas como precarizantes. 1.1 TERCEIRIZAÇÃO E CONTRATO TEMPORÁRIO No Brasil, a possibilidade legal de contratação de mão de obra mediante empresa intermediadora, de forma irrestrita, é antiga. No início da década de 1990, sob pretexto de se adaptar à realidade do mercado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reformulou seu entendimento anterior, sedimentado na Súmula 256, e passou a compreender como regular e lícita a terceirização de serviços especializados e em atividade-meio. No entanto, tal medida não satisfez o empresariado brasileiro, que continuou perseguindo uma modificação legislativa ou de entendimento jurisprudencial a fim de que lhe possibilitasse contratar mão de obra terceirizada sem qualquer restrição. A recente Lei 13.429, de 2017, ao contrário dos anseios do patronato, não atendeu completamente aos seus objetivos, pois gerou muita discussão sobre o alcance da terceirização então regulamentada. Por essa razão, a matéria foi incluída no substitutivo do PL 6.787/2016, a fim de não restar dúvida sobre a licitude de qualquer espécie de terceirização. É o que se vislumbra da proposta de nova redação do art. 4-A da Lei 6.019/74: Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (grifo nosso) Permitir a contratação de trabalho terceirizado em qualquer atividade, incluindo aquela considerada como central ao tomador dos serviços, representaria esvaziar de conteúdo e significado a própria noção legal de empregador, compreendida como aquele que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, na definição legal do art. 2º da CLT. Deve-se notar ainda que o texto proposto não impõe limite à contratação de terceiros, podendo-se chegar ao disparate de a lei permitir que uma determinada empresa não possua empregados(as) diretos, mas, tão so-

mente terceirizados(as). Tampouco há preocupação em fixar-se isonomia de direitos entre empregados(as) terceirizados(as) e aqueles contratados diretamente pelas empresas tomadoras de serviços, observando-se quanto a isso somente algumas questões acessórias da relação contratual, como uso de refeitório e/ou fornecimento de alimentação, concessão de transporte e uso de serviços médicos ambulatoriais. No mais, remete-se à faculdade de o contrato entre a empresa terceirizada e a tomadora assim estabelecer, o que, sabe-se, dificilmente ocorrerá. De outra parte, a majoração do prazo previsto na Lei 6.019/74 para contratação de trabalho temporário também se mostra problemática, ao passo que estende o tempo máximo, para essa espécie de contratação, de seis para nove meses. Certamente, tal situação se coaduna com o espírito norteador dessa proposta de reforma trabalhista, ampliando a duração desses contratos e, por conseguinte, reduzindo as garantias legais a quem vende sua força de trabalho, com a finalidade de minimizar os custos com a dispensa sem justa causa. Igualmente mostra-se preocupante a modificação, introduzida pela Lei 13.429/2017, que retira o vocábulo “urbano” do conceito anterior de empresa de trabalho temporário, assinalando a possibilidade de essa modalidade de contratação efetivar-se também em relação ao trabalho rural, no qual, invariavelmente, tem-se constatado a submissão de trabalhadores(as) a condições análogas à escravidão. 1.2 CONTRATOS INTERMITENTES Na esteira de flexibilizar as relações de trabalho, a proposta de reforma prevê a criação da modalidade de intermitência como forma de contratação de trabalhadores(as). De acordo com o texto aprovado na Câmara, o art. 443 da CLT passaria a prever “a prestação de trabalho intermitente”, assim definido no § 3º do PLC: § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empre-

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gador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (grifo nosso)

aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Por essa espécie de contrato precário, os empregadores poderiam contratar número irrestrito de empregados(as), submetendo-os(as) à insegurança da espera pela convocação para prestação de serviços, a qual poderia ser feita com antecedência de até três dias, cabendo ao(à) trabalhador(a) aceitar ou não. Se aceitar, mas não comparecer ao trabalho, arcará com multa pecuniária equivalente a 50% do valor que lhe seria pago pela prestação de serviços. Realizado o trabalho pelo número de horas, dias ou meses para os quais houve a convocação do(a) trabalhador(a), a ele(a) será devido pagamento de remuneração (garantindo-se somente o valor do salário mínimo por hora de trabalho), férias e 13º salário, proporcionais ao tempo trabalhado, mais repouso semanal remunerado e os adicionais legais. Os períodos de inatividade, em que os(as) trabalhadores(as) aguardam ser convocados(as) para prestação de serviços, não serão remunerados de modo algum pelos empregadores. Essa modalidade de contratação, além de gerar insegurança e instabilidade aos(às) trabalhadores(as) poderá afetar intensamente o mercado de trabalho no Brasil, pois permitirá a redução do padrão remuneratório da classe trabalhadora, deprimindo o valor médio da renda salarial, que seria resultado da substituição de parte da mão de obra, atualmente contratada por prazo indeterminado, por trabalhadores(as) sujeitados aos novos contratos de intermitência.

Depreende-se, portanto, que o texto da lei foi atualizado para se adequar às alterações no mundo do trabalho, passando a prever as hipóteses de trabalho remoto e/ou telemático, o que demonstra a desnecessidade de qualquer modificação nesse sentido. A pretensão de introduzir na CLT um novo regramento a esse respeito, previsto nos art. 75-A a 75-E do PLC 38/2017, deve ser compreendida como mais uma medida com vistas à supressão de direitos de quem se submete a essas condições. Em matéria de segurança no trabalho, chamam atenção as disposições dos art. 75-D e 75-E. No primeiro caso, a responsabilidade por adquirir equipamentos e assumir a infraestrutura necessária à realização do trabalho passaria a ser objeto de livre negociação entre o empregador e o(a) trabalhador(a), regulada por ajuste individual. A se considerar os momentos de crise econômica e acentuada oferta de mão de obra, evidentemente que essa regra permitirá aos empregadores transferirem aos(às) trabalhadores(as) custos com o desenvolvimento da atividade econômica, sob pena de, não o aceitando, não obterem sua contratação. O segundo dispositivo retira do empregador a responsabilidade por fornecer equipamentos de segurança no trabalho e fiscalizar sua utilização, transferindo-a aos (às) trabalhadores(as). Além de tal regra esvaziar o conceito de empregador, repassando a quem vive da venda de sua força de trabalho os custos da atividade econômica da empresa, também poderá resultar em entendimento de que os empregadores não serão responsáveis por eventuais danos causados por acidentes de trabalho e/ou doenças ocupacionais. Verifica-se, ainda, uma supressão de direitos adicional, na proposta de incluir o inciso III ao art. 62 da CLT, excluindo-se dos(as) trabalhadores(as) em regime de teletrabalho o direito à percepção de horas extras quando de sua prestação. Comumente se verifica, no trabalho realizado nessas condições, a possibilidade de controle efetivo da jornada por parte do empregador. Independentemente disso, a proposta de reforma pretende excluir, de plano, a aplicação, a essa modalidade de relações contratuais, de qualquer dispositivo previsto no capítulo destinado à regulamentação da jornada de trabalho.

1.3 TELETRABALHO A figura do trabalho prestado no domicílio do(a) trabalhador(a) já possui previsão legal no art. 6º da CLT: Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011) Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica,

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Se a modificação pretendida se concretizar, permitirá aos empregadores apropriar-se da prestação de serviços em jornada suplementar, dispensando-os do pagamento pelo trabalho extraordinário, além de desobrigá-los ao cumprimento dos intervalos previstos em lei, tais como os de alimentação (art. 71 da CLT) e entre duas jornadas de trabalho (art. 66 da CLT). 1.4 REGIME DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL O regime de trabalho a tempo parcial foi introduzido no Brasil no ano de 2001, tratando-se de modificação legislativa inspirada na racionalidade neoliberal, pelo Governo FHC. O art. 58-A da CLT, acrescido por medida provisória, já prevê a possibilidade de contratação de trabalhadores(as), mediante essa modalidade excepcional e precária, por até 25 horas semanais, garantindo-se ao empregador o direito a remunerá-los(as) de forma proporcional ao tempo de trabalho. A proposta aprovada na Câmara dos Deputados apresenta a majoração da carga horária para até 30 horas semanais, na hipótese de o contrato de trabalho não permitir realização de horas extras. A outra alteração pretendida é a de possibilitar a prestação de trabalho extraordinário por quem se submeter a esse regime, observando-se a contratação a tempo parcial em até 26 horas semanais, acrescidas de até seis horas suplementares por semana. Não bastasse isso, no § 5º do art. 58-A do texto do PLC 38/2017 se estabelece a possibilidade de compensação do trabalho extraordinário, prestado numa semana, até a semana seguinte, prescindindo de acordo coletivo ou mesmo de ajuste individual escrito para tanto; isto é, admitindo a compensação tácita de jornada de trabalho. Não resta dúvida de que todas essas modificações propostas, se aprovadas, impactarão decididamente nas condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora, importando em grande retrocesso social ao País. Além disso, tais alterações promoverão efeitos deletérios sobre os sindicatos e a organização sindical de trabalhadores e trabalhadoras.

2 ORGANIZAÇÃO SINDICAL Os modelos de contratos de emprego precários, indicados anteriormente, também

produzirão efeitos agudos na organização sindical brasileira. As medidas pretendidas, se levadas a efeito, têm a potencialidade de fragmentar ainda mais a força de trabalho, dificultando a representatividade dos sindicatos e conduzindo-os à fragilização. Modalidades como o teletrabalho e o contrato de intermitência tendem a dificultar a socialização do(a) trabalhador(a) no local de trabalho, afetando o reconhecimento de sua identidade de classe e enfraquecendo a solidariedade de interesses de sua categoria, critério adotado no País para o enquadramento sindical. Tais alterações parecem ter como objetivo dificultar o acesso das entidades à sua base de representação, pois impõem obstáculos para dirigentes sindicais poderem dialogar com os(as) trabalhadores(as). A modalidade do contrato de intermitência, por exemplo, regula prestações de serviços episódicas, acidentais, transitórias, caracterizadas pela curta duração e pela descontinuidade. A inexistência de regra que venha a restringir o percentual máximo desses contratos permitiria que uma parte considerável do mercado de trabalho formal estivesse sujeitada às prestações de serviços ocasionais, o que alteraria significativamente as características da classe trabalhadora no País, nela gerando mais insegurança e instabilidade, e constrangendo sua capacidade de luta. Os efeitos da legalização da terceirização irrestrita, compreendida como a possibilidade de contratação de mão de obra por empresa interposta, em todas as áreas da tomadora dos serviços e sem imposição de limite máximo para trabalhadores(as) terceirizados(as), tendem a afetar ainda mais a estrutura sindical brasileira. Ao contrário do que ocorre em outros países, o critério de agrupamento de trabalhadores(as) para formar seus sindicatos não pertence aos principais interessados(as), isto é, à classe trabalhadora, mas sim, é definido por lei, tratando-se de uma imposição legal. O enquadramento sindical obrigatório está previsto, portanto, no art. 511 da CLT, que prevê primeiramente a formação dos sindicatos patronais (categoria econômica) e tem por critério secundário a criação dos sindicatos de trabalhadores(as) (categoria profissional), agrupando-os(as) a partir da compreensão de que quem trabalha para a mesma categoria econômica possuiria solidariedade de interesses e, logo, pertenceria a idêntica categoria profissional.

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Nos contratos envolvendo terceirização, salvo uma ou outra exceção, as empresas responsáveis por fornecer a mão de obra não pertencem à mesma categoria econômica da tomadora dos serviços. Sendo assim, os(as) trabalhadores(as) contratados(as) de forma terceirizada não serão representados pelos sindicatos profissionais aos quais se vinculam quem é contratado diretamente pelas empresas tomadoras. Resulta disso que a terceirização irrestrita pode gerar o disparate de a empresa não possuir (ou possuir pequeno contingente) de empregados(as) contratados diretamente, valendo-se como regra da contratação de trabalho terceirizado, o que acarretaria o esvaziamento da representatividade do sindicato profissional da empresa tomadora. Para ilustrar, uma agência bancária pode ser formada integralmente por empregados(as) de uma prestadora de serviços bancários em geral, sem sequer possuir um(a) trabalhador(a) contratado diretamente. Tomando esse caso como parâmetro, seguindo as regras do modelo sindical vigente, o sindicato dos bancários não representaria os interesses de nenhum(a) dos(as) trabalhadores(as) da referida agência, e o resultado seria o enfraquecimento do movimento sindical como um todo. Há outras propostas de alteração na legislação que implicariam modificações em relações aos sindicatos e que também parecem demonstrar os reais intentos da reforma. 2.1 QUESTÕES RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA PRESTADA PELOS SINDICATOS Nos termos da legislação atual o empregador está obrigado a homologar no sindicato da categoria ou no Ministério do Trabalho a rescisão de contrato de trabalho de empregado(a) com relação de emprego superior a um ano. A proposta do PLC 38, de 2017, pretende retirar da CLT esta obrigatoriedade, passando a ser suficiente a assinatura do(a) trabalhador(a) no termo de quitação das verbas rescisórias. Tal medida indica uma tentativa de constrangimento à atuação sindical, a fim de inibir o contato das entidades sindicais com os(as) trabalhadores(as) num momento extremamente delicado, marcado, na maior parte das vezes, pela frustração e incertezas geradas pela situação de desemprego. Homologar as rescisões de contrato de trabalho de empregados(as) de sua base de

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representação pode permitir às entidades sindicais controlar historicamente a rotatividade da mão de obra no respectivo setor econômico, além de interagir com os(as) demitidos(as), facilitando vislumbrar violações de direitos e outras situações de interesse individual e coletivo da categoria. Também se percebe o intuito de esvaziar a atuação sindical na proposta de reforma que pretende equiparar dispensas individuais e coletivas, as chamadas dispensas em massa. Para tanto, propôs-se, no substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, a inclusão na CLT do art. 477-A, com a seguinte redação: Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. Sobre o tema importa mencionar que o Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento sedimentado em sentido contrário, compreendendo como necessária a negociação coletiva prévia para tornar válidas dispensas coletivas, reconhecendo, portanto, a importância e gravidade dos efeitos jurídicos, econômicos e sociais causados pela despedida em massa e conferindo valor ao papel dos sindicatos. A partir da proposta de reforma trabalhista, as entidades sindicais estariam habilitadas a homologar certidões anuais de quitação de obrigações trabalhistas firmadas entre empregados(as) e empregadores, na vigência ou não dos contratos de trabalho. Tal quitação, pela proposta do art. 507-B, teria eficácia liberatória geral, ou seja, poderia atingir todos os direitos adquiridos no contrato de trabalho, que não poderiam mais ser reclamados judicialmente. Outro ponto claramente prejudicial aos sindicatos profissionais é a proposta de regulamentação de representação no local de trabalho. A matéria em si trata-se de uma antiga reivindicação das entidades sindicais no País; no entanto, na forma apresentada no que poderá ser o art. 510-B da CLT, a comissão de representantes no local de trabalho atuaria em concorrência com os sindicatos de trabalhadores(as), sem destes sofrer qualquer interferência e ainda sem nem mesmo poderem fiscalizar o processo eleitoral (§ 1º do art. 510-C). Diferentemente das diretorias eleitas dos sin-


dicatos, os membros da comissão de representantes no local de trabalho não poderão se candidatar nas duas eleições seguintes ao fim de seus mandatos de um ano (art. 510-D, § 1º) e não terão estabilidade provisória no emprego, mas tão somente proteção contra dispensa arbitrária – isto é, nos termos da lei, aquela que “não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro” (art. 510, § 3º). Essa medida mostra-se temerária, pois cria organismos concorrenciais aos sindicatos, com capacidade similar de representação e negociação, mas, sem possuir a mesma autonomia e independência em relação ao empregador, ante a ausência de estabilidade de seus dirigentes no emprego.

2.2 SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA DOS SINDICATOS O fim da contribuição sindical obrigatória é uma bandeira há muito tempo defendida por quem pretende uma legislação que confira maior legitimidade às entidades sindicais, que passariam a se sustentar financeiramente com os recursos espontaneamente conquistados junto à base representada. No entanto, não se vislumbra qualquer altruísmo na proposta de reforma que passa a exigir autorização prévia e expressa dos(as) trabalhadores(as) para promover o desconto salarial dos valores a serem repassados aos sindicatos. Não se pode perder de vista aspectos conjunturais que envolvem o momento político do País, quando se está em marcha um processo avassalador de medidas conservadoras, em várias áreas, que implicam forte retrocesso social e que encontram no movimento sindical um contingente de resistência. Parece claro, portanto, que a iniciativa de se retirar a obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical representa uma tentativa de enfraquecer economicamente os principais setores de resistência às políticas de retrocesso social. Essa intenção também se evidencia na ausência de proposta de substituição da contribuição sindical por outra parcela qualquer que detenha caráter mais democrático, como a taxa negocial, tendo em vista a manutenção legal da obrigatoriedade aos sindicatos de prestarem assistência, inclusive na negociação coletiva, a trabalhadores(as) não associados(as).

2.3 NEGOCIAÇÃO COLETIVA As modificações propostas em relação ao conteúdo da negociação coletiva podem ser classificadas como paradigmáticas. Atualmente, as convenções e acordos coletivos de trabalho têm por finalidade a concretização de melhorias nas condições de trabalho de empregados e empregadas, servindo a negociação coletiva como instrumento para criar novos direitos e/ou ampliar os direitos existentes. A negociação coletiva, portanto, não pode ter como objeto a redução ou supressão de quaisquer direitos previstos na legislação infraconstitucional ou na Constituição Federal, servindo a lei como patamar mínimo inegociável. Isso não ocorre, no entanto, quanto a três situações expressamente previstas de forma pontual e taxativa, a saber: redução temporária de salários (art. 7º, VI, CF), compensação de jornada (art. 7º, XIII, CF) e adoção de jornada superior a seis horas para trabalhadores(as) sujeitos(as) a turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV, CF). Com as alterações pretendidas no PLC 38, de 2017, os acordos e convenções coletivos de trabalho poderiam conter cláusulas estabelecendo condições inferiores aos limites estabelecidos em lei, à exceção daqueles que estariam listados de forma taxativa no art. 611-B. Haveria, assim, uma inversão de valores: se antes os direitos eram indisponíveis à negociação coletiva, salvo quando expressamente autorizado em lei, com a modificação proposta todos os direitos passam a ser disponíveis, salvo quando proibido expressamente em lei. Não resta dúvida de que se trata de proposta de modificação legislativa que visa à redução do custo de mão de obra, mediante a negociação coletiva de trabalho. No entanto, para que isso se concretize pretende-se reformar outros dispositivos legais relativos ao mercado de trabalho e à estrutura sindical, com a clara finalidade de fragmentar ainda mais a classe trabalhadora e enfraquecer seus sindicatos. Vislumbra-se ainda a preocupação quanto ao impedimento, à Justiça do Trabalho, de interferir diretamente nos conteúdos dos acordos e convenções coletivas de trabalho, a partir da alteração do art. 8º da CLT, que pretende impedir que o Poder Judiciário se manifeste sobre a validade material das cláusulas firmadas naqueles instrumentos coletivos, restringindo suas decisões à análise exclusiva sobre “a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico”.

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Fato, aliás, reforçado na redação do art. 611A, § 2º – cláusula convencional prevendo prejuízo aos(às) trabalhadores será válida mesmo que inexista cláusula compensatória do direito suprimido. No entanto, se existente, a declaração de nulidade do ajuste que venha a retirar direitos acarretará também a nulidade da cláusula compensatória. Nessa esteira de raciocínio, também faz sentido a proposta de incluir os sindicatos profissionais acordantes ou convenentes no polo passivo de qualquer ação trabalhista individual ou coletiva em que se postula a nulidade de cláusula convencional, como apresentado no art. 611-A, § 5. Tais disposições podem ser compreendidas como instrumentos para inibir a ação do Ministério Público do Trabalho e as decisões da Justiça do Trabalho no sentido de não reconhecer a validade jurídica de negociações co-

letivas em prejuízo dos(as) trabalhadores(as). Por fim, mas não menos importante, a proposta de reforma exclui expressamente a ultratividade da norma coletiva. Assim, os efeitos jurídicos dos direitos previstos nos acordos e convenções coletivos de trabalho cessariam com o termo final de sua vigência. Essa alteração contrapõe-se ao entendimento do TST que, na Súmula 277, a partir da interpretação do § 2º do art. 114 da Constituição Federal, compreende que as normas coletivas se prorrogam automaticamente após o final da vigência dos instrumentos, desde que inexista disposição expressa em sentido contrário. Parece claro tratar-se de mais uma medida que impõe restrições à plena capacidade dos sindicatos profissionais para negociarem em benefício de seus(uas) representados(as), pressionando-os com o tempo.

A TARIFAÇÃO DO DANO MORAL NO PROJETO DA REFORMA TRABALHISTA André Ricardo Lopes da Silva 6 Fabiana Baptista de Oliveira 7 O princípio básico do Direito do Trabalho é o reequilíbrio das desigualdades entre empregado e empregador, reconhecendo-se o trabalhador como a parte hipossuficiente, em face de sua condição econômica. Para tanto se compensa, com proteção jurídica, a desigualdade econômica. Entretanto, o Projeto de Lei 6.787, da forma como exposto, visa acabar com essa proteção contra a desigualdade, suprimindo diversos direitos e deixando o empregado à sua própria sorte. Entre as diversas modificações propostas na reforma, uma das mais discriminatórias e que beira a crueldade está no artigo 223, que regulamenta as indenizações por danos morais (ou, como propositadamente nominado no Projeto, danos “extrapatrimoniais”) – algo sem precedente na redação atual da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Vejamos: Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da

relação de trabalho exclusivamente os dispositivos deste Título. Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica. Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão. Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente

6 Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Regulação no Estado Constitucional (GP-TREC – UniBrasil). Professor no curso de pós-graduação em Direito do Trabalho na Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. 7 Graduada em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes). Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo. § 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial. 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais. Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I – a natureza do bem jurídico tutelado; II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III – a possibilidade de superação física ou psicológica; IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII – o grau de dolo ou culpa; VIII – a ocorrência de retratação espontânea; IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X – o perdão, tácito ou expresso; XI – a situação social e econômica das partes envolvidas; XII – o grau de publicidade da ofensa. § 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do § 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor. § 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização. Como se pode observar, o referido texto prevê a tarifação para cada tipo de dano, sendo de até 5 (cinco) salários do empregado para danos de natureza leve, até 10 (dez) salários do empregado para danos de natureza média e, como teto, o valor de 50 (cinquenta) vezes a última remuneração do empregado, para os casos mais graves.

Nesse contexto, os princípios basilares das indenizações desta natureza, moral – que são o caráter pedagógico, de forma a coibir esse tipo de conduta por parte do empregador, bem como a reparação do ofendido pelo dano causado –, deixarão de existir, gerando impunidade ao ofensor, pois para empresas que têm poder aquisitivo de grande monta o valor torna-se irrisório, não servindo de desestímulo à repetição da conduta. Assim, ao se regulamentar os valores do dano moral, não haverá mais punição efetiva a ponto de coibir o ofensor de perpetuar suas atitudes, ou seja, não serão atendidas as características punitivas e pedagógicas. De outro lado, também não se prestará à finalidade efetiva, que é a reparação do dano. Pelo contrário, as empresas poderão nivelar ainda mais os salários em patamares baixos, colocando a questão do dano “na conta” de sua provisão financeira para este tipo de situação; ou seja, a regulamentação poderá inclusive gerar o efeito reverso, que é o de incentivar esse tipo de conduta patronal. Dessa forma, a título de exemplo, o empregado que receber um salário mínimo e que sofrer um acidente de trabalho e, por consequência, tiver algum membro amputado, ou perda de audição/visão, ou outros danos que ofendam sua imagem ou sua honra, terá como indenização máxima o valor atual (2017) de R$ 46.850,00, independentemente da capacidade econômica do empregador. É importante observar que referidas limitações são norteadas com base no salário do empregado, ou seja, o valor da indenização está diretamente atrelado à sua remuneração. Assim, a integridade física e moral de um empregado que recebe salários maiores valeria mais, conforme propõe o texto do Projeto, do que a de um empregado que recebe valores menores, aumentando absurdamente a desigualdade social. Dessa forma, os requisitos básicos para a fixação da indenização – quais sejam, a possibilidade pecuniária do ofensor e a necessidade de reparação do ofendido – restarão mais uma vez mitigados. O que causa mais espécie é a justificativa da redação de tal artigo, contida no parecer do Relator, Sr. Rogério Marinho (BRASIL, 2017, p. 30), que esclarece que […] são comuns indenizações que desconsideram a capacidade econômica do ofensor, seja ele o empregado ou o empregador, situação

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que se mostra agravada no caso dos empregadores, porquanto ações de prepostos podem gerar valores que dificultem, ou mesmo inviabilizem, a continuidade do empreendimento. Ora, bem se vê que referida justificativa, se é que assim pode ser considerada, segue o mesmo tom dos demais artigos contidos no Projeto: o de que a insegurança jurídica, em verdade, atingiria somente o empregador, e, como tal, deve ser corrigida para proporcionar uma relação mais “equânime” e “justa”, como se isso fosse possível nos contratos de trabalho, os quais, muito embora ainda pressuponham a existência de um polo mais

fraco na relação, são regidos pelo Direito do Trabalho, o qual, no fim das contas, apenas procura regular a compra e venda da força de trabalho, a serviço dos interesses do capital. Não é diferente da forma como se pretende alterar referidas normas, inclusive acrescentando-se comandos que, repita-se, beiram a crueldade, como é o caso desse artigo 223. Por fim, não se pode deixar de lembrar que esse mesmo artigo abrirá um perigoso precedente – e que passará a ser codificado –, que é a precificação da pessoa humana, de sua imagem, dignidade e honra, os quais não deveriam ser, sob qualquer aspecto, passíveis de mercantilização.

ARTIGO 8º DA CLT – ATAQUE ÀS FONTES DO DIREITO DO TRABALHO E À JUSTIÇA DO TRABALHO Laura Maeda Nunes 9 Uma impactante alteração proposta no PL 6.787/2016, agora em trâmite no Senado como PLC 38/2017, pretende pôr fim à autonomia do Direito do Trabalho e impor absoluta limitação ao Poder Judiciário Trabalhista, o que se daria por meio da modificação do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Este dispositivo está em vigor com a seguinte redação: Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. A proposta que tramita no Senado altera o parágrafo único acima transcrito e acrescenta

outros dois parágrafos ao texto, da seguinte maneira: Art. 8º [...] § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. § 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. § 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. Prontamente se percebe a supressão da parte final do parágrafo único do texto original. Apesar de poder parecer, à primeira vista, uma alteração sem grande relevância, a exclusão da frase “naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais

8 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Especial - PL 6787/16 - Reforma Trabalhista. Número: 0272/17. 12 abr. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/2VMC4Q>. Acesso em: 1 maio 2017. 9 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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deste” é bastante grave e preocupante, na medida em que abre portas à aplicação do direito comum no âmbito específico trabalhista, sem o importante filtro da compatibilidade com os princípios que o norteiam. Em outras palavras, a autonomia do Direito do Trabalho é colocada em xeque: os princípios fundamentais, que orientam e propiciam sua existência, perdem força e centralidade, cedendo lugar à irrefletida aplicação do direito comum nas relações de trabalho. O impacto é certeiro no trabalhador, que não terá mais a seu favor o pressuposto óbvio da desigualdade de condições materiais entre as partes (empregado e empregador), a qual compromete a autonomia da vontade do empregado no momento de celebração do contrato e durante seu desenvolvimento. A aprovação desse texto representa, portanto, o escancarado sepultamento do sistema protetivo do Direito do Trabalho. A mesma ideia se manifesta nos acréscimos ao artigo 8º da CLT, na forma dos §§ 2º e 3º acima transcritos. No que toca ao § 2º, a proposta é bastante clara no sentido de atar as mãos do Poder Judiciário no âmbito trabalhista, pretendendo limitar o exercício da judicatura a apenas raciocínios lógico-dedutivos do texto seco da lei, ignorando por completo os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. A alteração proposta, portanto, remete à ideia do positivismo restrito que, em linhas bastante simplistas, se atém às regras positivadas. Nessa linha de pensamento, os “princípios” jurídicos são rebaixados a nível secundário, limitando a atividade do juiz à aplicação cega, rígida e “pura” das regras. O formalismo exacerbado, característico dessa corrente de pensamento, faz perder de vista o todo, ignorando o conjunto de princípios e demais normas que compõem o sistema jurídico. Mais do que isso, a observância acrítica do texto legal, como quer a reforma trabalhista, implica inevitável abuso por parte do Estado – única autoridade com poder político para fazer emanar as leis, segundo essa corrente. Essa linha de pensamento, que recebeu duras críticas desde a segunda metade do século XX, teve inevitável declínio na história do Direito. A estabilidade e segurança jurídicas pretendidas pelo mercantilismo burguês não se alinharam ao dinâmico processo de transformação cultural e social, tornando anacrônicas as regras rigidamente fixadas nos códigos.

É falaciosa a ideia de que a estrita observância ao texto legal promove a segurança jurídica. Em verdade, um direito que a promove não é nada senão um mero ideal a ser perseguido. A lei não é nada em si mesma, sem a interpretação dada pelo Judiciário. Não é por acaso que a mesma norma jurídica gera diferentes entendimentos, a depender de seu intérprete. Um exemplo que permite a fácil visualização desse contexto são as cotas raciais e sociais, que ensejam sólidos argumentos para ambos os lados, contrário e favorável, a partir do mesmo conceito de igualdade estampado na Constituição Federal. Nesse cenário, é importante destacar que a jurisprudência é, sabidamente, fonte de direito. No campo do Direito do Trabalho, a própria legislação cuidou de incluí-la como fonte, no caput do artigo 8º acima transcrito, ainda que de forma supletiva. E é assim no campo do Direito como um todo. A própria Constituição Federal, em seu artigo 103-A, passou a atribuir ao Supremo Tribunal Federal (STF) o poder de editar súmulas com efeito vinculante, desde que após repetidas decisões sobre a matéria. Essa prática se dá, insiste-se, porque a lei não é absolutamente completa em si mesma. O Poder Judiciário edita súmulas na exata medida em que o Poder Legislativo deixa lacunas nas leis. Em um Estado Democrático de Direito, como é (ou, ao menos, propõe-se a ser) o que vivemos, vigora o império da Constituição, que é recheada de princípios e comandos. É simples consequência disso, portanto, que o papel interpretativo da ordem jurídica ganhe relevo destacado. Cabe à jurisprudência, dessa maneira, por meio da interpretação, adequar a norma infraconstitucional não apenas aos fatos novos da vida, como também aos princípios e regras da Constituição, de modo a tornar concreta sua própria força normativa. Não existe possibilidade de cumprir essa tarefa dentro dos estritos limites sugeridos pelo positivismo clássico que a reforma trabalhista pretende resgatar. A inserção dos §§ 2º e 3º ao artigo 8º da CLT torna demasiadamente limitada, para não dizer nula, a possibilidade de aplicação do próprio caput do artigo 8º, que dá à jurisprudência a abertura interpretativa em casos de omissões legais, sempre a se guiar por princípios e normas gerais do sistema jurídico. Deve-se sempre ter em mente que os princípios que emanam da Constituição Federal,

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assim como os princípios específicos do Direito do Trabalho, foram resultado de intensas lutas populares por todo o País, e essas conquistas não podem escorrer pelos dedos com a facilidade que se pretende atualmente. A jurisprudência dominante no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o qual tem a função constitucional e legal de uniformizar a jurisprudência trabalhista na Federação, expressa-se preponderantemente por meio de Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e Precedentes Normativos, que carregam consigo o reconhecimento de diversos direitos dos trabalhadores. Essa possibilidade deixaria de existir com a reforma da CLT. O que se propõe, e sem pestanejar, é o ataque simbólico e direto ao Poder Judiciário Trabalhista, mesmo tendo-se ciência de que é impossível limitar, na prática, o exercício interpretativo do juiz diante do caso concreto. A proposta em trâmite no Senado mexe estruturalmente, portanto, nas fontes do Direito do Trabalho, ceifando o relevante papel de seus princípios fundamentais e da própria jurisprudência. É o que facilmente se verifica também da lei-

tura do § 3º que se quer incluir ao artigo 8º da CLT. Ao dispor que o Poder Judiciário Trabalhista apenas examinará vícios formais (legitimidade das partes, objeto lícito e vontade), sem poder adentrar no mérito do negociado, mais uma vez se está a propor a proibição, pura e simples, da aplicação do sistema protetivo do Direito do Trabalho, ainda que diante de cláusulas nitidamente abusivas. Em resumo, ao criar o “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”, ignora-se a ideia de que as partes não estão em patamar de igualdade no momento das negociações. A consequência imediata disso é o aumento da pressão do empregador sobre as negociações coletivas, especialmente no caso das categoriais menos organizadas. A reforma tem nítido caráter desconstrutivista do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, inclusive vedando o avanço em questões nas quais o Legislativo é falho. Não há mais espaço para o formalismo frio, já superado pelo manejo da aplicação de princípios que, dotados de maior generalidade, podem e devem ser adaptados para o caso concreto que se apresentar ao Judiciário.

CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS E DÉBITOS TRABALHISTAS Carina Pescarolo 10 A forma de atualização dos créditos trabalhistas é regulada pela Lei 8.177/91, artigo 39, que estabelece a Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento, além de juros de 1% ao mês, contados da data do ajuizamento da ação. O Tribunal Superior do Trabalho, com base no artigo 459 da CLT (que estabelece que o pagamento do salário mensal deve ocorrer até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido), editou a Súmula 38111, que definiu que a correção monetária incidirá a partir do mês subsequente ao vencimento da obrigação. A TR é manifestamente incapaz de preser-

var o valor real do crédito de que é titular o trabalhador. Há, ainda, a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, cujo efeito de desvalorização não é compensado pela aplicação da TR – a qual é prefixada, com divulgação para o mês seguinte, como índice de correção monetária, o que dificulta a definição de índices diários do mês corrente, não refletindo o índice oficial a recuperar o patrimônio, ou seja, não refletindo a perda do poder aquisitivo da moeda. Em decisão proferida em quatro de agosto de 2015 (processo de Arguição de Inconstitucionalidade nº 479-60.2011.5.04.0231), com efeito modulatório, o Pleno do Tribunal

10 Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Positivo. Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. 11 “CORREÇÃO MONETÁRIA. SALÁRIO. ART. 459 DA CLT (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 124 da SBDI-1) Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 O pagamento dos salários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subsequente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º. (ex - OJ nº 124 da SBDI-1 - inserida em 20.04.1998)”.

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Superior do Trabalho (TST) declarou inconstitucional a atualização dos valores pela TR. Em substituição à taxa, o TST determinou a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial (IPCA-E). A medida visa corrigir a injustiça ocasionada até então, pois a TR prefixada privava o autor da reclamação trabalhista do real valor que o adimplemento do seu direito judicialmente reconhecido poderia propiciar-lhe se não tivesse havido o descumprimento da lei ou da obrigação trabalhista. O IPCA-E é calculado com base na inflação do mês anterior e, assim, vigora fixo no mês todo, calculando-se apenas os juros até a data do pagamento – ou seja, recompõe o valor da moeda e do patrimônio. A finalidade da correção monetária não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam no momento em que se formou a relação obrigacional. Daí que a correção monetária de valores no tempo é circunstância que decorre diretamente do direito constitucional de propriedade (CF, art. 5º, XXII)12. Corrigem-se valores nominais para que permaneçam com o mesmo valor econômico ao longo do tempo, diante da inflação. A ideia é simplesmente preservar o direito original em sua genuína extensão. Nesse sentido, o direito à correção monetária é reflexo imediato da proteção da propriedade. Deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representaria a corrosão do valor real da moeda. Essas são as razões pelas quais o C. TST houve por bem julgar procedente a Arguição de Inconstitucionalidade 479-60.2011.5.04.231, adotando, portanto, para os débitos trabalhistas, o IPCA-E, que passará a integrar as tabelas utilizadas por este segmento do Po-

der Judiciário, e não mais a TR (índice declarado inconstitucional pelo E. STF, na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.357), conforme redação do art. 39 da Lei nº 8.177. Nessa mesma ação de Arguição de Inconstitucionalidade aplicou-se a modulação dos efeitos quanto à inconstitucionalidade da aplicação da TR e acolhimento do IPCA-E como índice de atualização monetária dos débitos trabalhistas, para que a decisão produzisse efeitos somente a partir de 25 de março de 2015 – data coincidente com aquela adotada pelo STF no acórdão prolatado na mencionada Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Assim, nas novas ações, deverá ser requerida a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária aos créditos e débitos trabalhistas, para que se preserve o valor real da moeda, utilizando-se como fundamento o novo posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho. Entretanto, essa nova conquista está ameaçada pelo Projeto de Lei da Câmara nº 38/2017, que propõe a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que acrescenta, ao artigo 879 da CLT, o parágrafo sétimo, que dispõe que “[…] § 7º A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991.” Com a aplicação do citado texto do projeto de reforma da legislação trabalhista, os trabalhadores que acionarem o Judiciário para terem seus direitos reconhecidos continuarão sofrendo com a demora desse Poder para o julgamento de suas ações e serão duplamente penalizados – com a não recomposição do valor de seu crédito de acordo com a inflação e também com a inadimplência de seus direitos pelo empregador na época da prestação dos serviços.

12 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; […]”

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ARTIGO 4º DO PCL Nº 38/2007 – TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR Francine Ioppi Leite 13 O Artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata sobre o tempo à disposição do empregador, após a jornada de trabalho diária, conforme destaca-se abaixo: Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Parágrafo único - Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar ... (VETADO) ... e por motivo de acidente do trabalho. (Incluído pela Lei nº 4.072, de 16.6.1962) Nesses termos, o período em que o empregado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, estará dentro de sua jornada de trabalho, devendo haver o pagamento, a título de contraprestação. Com as alterações previstas no PLC nº 38/2017 esse artigo passaria à seguinte redação: Artigo 4º § 1º Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho. § 2° Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras: I – práticas religiosas; II – descanso;

III – lazer; IV – estudo; V – alimentação; VI – atividades de relacionamento social; VII – higiene pessoal; VIII – troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa. Nesses termos, o período que o empregado permanecer no estabelecimento do patrão “por sua escolha”, sem trabalhar, em situações excepcionais previstas nos incisos do parágrafo 2º do mencionado dispositivo, não será computado na jornada de trabalho. Entretanto, a redação do texto proposto deixa dúvidas acerca de sua interpretação, pois mesmo nas hipóteses contidas em seus incisos, pode haver trabalho de fato, e, nesses casos, o tempo deve ser computado. Outrossim, em tais situações há clara dificuldade em se aferir se a escolha é realmente do trabalhador ou se é uma imposição velada do empregador, de modo a facilitar a dissimulação do “tempo à disposição do empregador”, com a finalidade de não pagar horas extras. A título exemplificativo, pode-se imaginar a permanência do empregado nas dependências da empresa, por escolha própria e após o término do expediente, para se abrigar de forte temporal, com a realização de atividade laboral durante esse período. Nesse caso, tal período deve ser remunerado. Outra situação comum é aquela em que o empregado permanece no local de trabalho, por motivos pessoais, e é contatado por colegas de trabalho ou por clientes, ou até mesmo utiliza esse tempo para resolver pendências ou situações de emergência, sem que isso houvesse sido planejado. A modificação legal, como posta, traz para o empregado o ônus de comprovar que o tempo à disposição do empregador não só ocorreu, como foi feito a pedido da empresa, algo que até então não é discutido, pois considera-se que a permanência do empregado

13 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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no local de trabalho, independentemente do motivo, implica a disposição à empresa. No mesmo sentido, o texto proposto exclui o tempo de troca de uniforme ou de roupa como tempo à disposição, salvo quando houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa, assim como o tempo de lanche e de higiene pessoal, ainda que ultrapasse o limite de cinco a 10 minutos previsto no parágrafo 1º do artigo 58 da CLT. Essa regra é absolutamente contrária à Súmula 366 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual dispõe que: Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc). (grifo nosso) A troca de uniforme, por exemplo, pode não ter a obrigatoriedade de ser realizada no local de trabalho por disposição do empregador, mas é óbvio que um empregado que tenha que se utilizar de transporte público, ou mesmo particular, vai optar por trocá-lo no local de trabalho, pois há a obrigatoriedade de manter o uniforme limpo. Ou, ainda, no caso de empregados que precisem adentrar locais sujos, realizando manutenção de máquinas e assemelhados, haverá a possibilidade de terem seus uniformes maculados, situação em que optarão por não utilizar tais vestimentas em outros locais, pois isso contaminaria seus outros pertences, bem como os de terceiros. A Súmula 366 do C. TST foi promulgada com o fim de evitar tais discussões, pois estando o empregado no local de trabalho, independentemente do motivo, por mais de 10 minutos após a jornada, tal excedente é considerado tempo à disposição do empregador. Os benefícios dessa alteração, claramente econômicos, são somente ao empregador, enquanto ao empregado representam apenas supressão de direitos, pois, ao término da jornada diária, a permanência na empresa terá que ser formalmente justificada, comprovando-se que o período adicional foi requerido pelo empregador e em seu proveito.

De outra forma, a permanência do empregado no local de trabalho será gratuita. Para os juristas é patente o prejuízo, tendo em vista que a prova da justificativa é muito complicada, pois a solicitação motivada pela necessidade de serviços não é feita formalmente pelo empregador, sendo muitas vezes velada e feita na presença exclusiva do próprio empregado. Não bastasse isso, as alterações previstas ao artigo 58 da CLT, como se verá adiante, simplesmente suprimem o pagamento das horas in itinere, assim considerado o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, quando em local de difícil acesso e/ou não servido por transporte público, nas situações em que o empregador fornece a condução. As horas in itinere são consideradas pela CLT como tempo à disposição do empregador, e computadas na jornada de trabalho. Conforme tal previsão, caso o empregado sofra um acidente no trajeto, tal fato é igualado ao acidente de trabalho (pois trata-se, no caso, de parte da jornada de trabalho), com o consequente reconhecimento de sua estabilidade no emprego. Com a reforma trabalhista, isso deixa de existir – tal período seria simplesmente suprimido, deixando de ser considerado como tempo à disposição do empregador. Assim, além de o empregado muitas vezes utilizar várias horas de seu dia no trajeto de ida e volta, no caso de empresa situada em local de difícil acesso, sem que o tempo despendido seja computado como jornada de trabalho, ainda ficará particularmente vulnerável a diversas ocorrências, tais como acidentes de percurso, sobre os quais não terá qualquer direito a pleitear. Em resumo, a reforma prevista para o artigo 4º da CLT, além de prejudicar o trabalhador, ainda traria vantagens econômicas ao empregador, que poderia dissimular o tempo à disposição, despendido pelos seus empregados, sem lhes pagar qualquer contraprestação. O projeto é claramente um desmonte dos avanços trabalhistas conseguidos ao longo de anos, garantidos pela Constituição Federal, e sem qualquer base democrática. Ele não combate o descumprimento da legislação trabalhista, mas apenas dificulta o acesso do empregado à justiça. Ademais, a nova proposta não busca a prevenção de acidentes (pois não traz nenhuma norma relativa à saúde e à segurança), além de limitar as indenizações por acidente de trabalho.

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REFORMA TRABALHISTA: DISPENSA COLETIVA, PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA E QUITAÇÃO DE VERBAS TRABALHISTAS Maria Valéria Zaina 14 A perda do emprego não se caracteriza apenas pela mera interrupção do contrato de trabalho, pois gera consequências muito mais graves. O trabalhador, ao ser dispensado, perde, de um dia para o outro, sua fonte de renda, ficando, ainda, impedido de contribuir com o seu grupo social, e com sua capacidade diminuída perante seus familiares. Os efeitos da perda do emprego são intensificados quando a dispensa ocorre de forma coletiva – a dita dispensa em massa de trabalhadores. Contudo, embora a dispensa coletiva afete drasticamente o trabalhador e a sociedade, no Brasil não há, sobre ela, regulamentação específica. A jurisprudência e a doutrina firmaram entendimento de que há dispensa coletiva quando o número de empregados desligados ultrapassa a rotatividade normal da empresa. A jurisprudência, especialmente a do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entende que, para que seja admitida a despedida em massa, a empresa deverá obrigatoriamente, antes de proceder ao desligamento dos empregados, negociar com o sindicato da categoria. É importante citar a decisão-marco sobre a dispensa coletiva de trabalhadores no caso Embraer. O TST apreciou o caso e concluiu ser a negociação coletiva requisito de validade para a dispensa coletiva de trabalhadores. A proeminência reside no fato de que, pelo conteúdo dos artigos 7º e 114 da Constituição de 1988, e do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as negociações coletivas podem instituir direitos e deveres, obrigando as partes envolvidas. Nesse sentido, a reflexão do Tribunal, por maioria de votos, foi de que a negociação coletiva, a partir de então, passaria a ser requisito obrigatório para a validade das dispensas coletivas de trabalhadores, em face da sua repercussão socioeconômica e das proteções constitucionais do direito fundamental ao trabalho e dos sindicatos.

Destacou-se no julgado que esse tipo de dispensa difere da individual, pela necessidade de aplicação de normas específicas do Direito Coletivo do Trabalho. Portanto, essa modalidade de dispensa não configura um direito potestativo do empregador, nela sendo exigida a participação do sindicato dos trabalhadores, por representar a classe obreira e defender seus direitos e interesses. Se a negociação for inviável, entendeu-se, nesse caso, pela necessidade de instauração de dissídio coletivo, para regular os efeitos da dispensa: RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea – sem prejuízo da preservação da matriz individu-

14 Graduada em Direito pela UNICURITIBA. Pós-graduada em Direito pela PUC-PR. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil. Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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alista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada – é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de [sic] tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do (s) respectivo (s) sindicato (s) profissional (is) obreiro (s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1 o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1 o, IV, 6 o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts.

5 o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8 o, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial. (PROCESSO Nº TST-RODC-309/2009-000-15-00.4TST, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 10/08/2009, Seção Especializada em Dissídios Coletivos).15 A temática foi suscitada perante o Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário com Agravo 647651, o qual, em julgamento pelo Pleno, confirmou o posicionamento da Corte Trabalhista.16 Dessa forma, pela sistemática atual, para o empregador dispensar empregados coletivamente é indispensável a negociação coletiva com a entidade sindical representativa, sob pena de se configurar abuso. Entretanto, com a aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 38/2017, que trata da reforma trabalhista, não haverá mais distinção entre a dispensa de trabalhadores individual e coletiva e nem a atual exigência de negociação com o sindicato representativo dos empregados. O projeto acresce o artigo 477-A à CLT, com a seguinte redação: Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. Outra inovação trazida pelo citado projeto é a regulamentação do Plano de Demissão Voluntária, comumente denominado de PDV. Da mesma maneira que a despedida coletiva, o PDV

15 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Dissídio Coletivo n° TST-RODC- 309/2009-000-15- 00.4. Embraer e outra, Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e outros. Ministro relator: Mauricio Godinho Delgado. Brasília, 10 de agosto de 2009. Disponível em: <https://goo.gl/e6P1C2>. Acesso em: 22 maio 2017. 16 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). ARE 647651 - Recurso extraordinário com agravo. Última publicação no DJE em 1 set. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/uwnmzw>. Acesso em: 22 maio 2017.

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também não dispõe, atualmente, de disciplina legislativa, sendo a sua chancela atribuída de acordo com entendimentos jurisprudenciais. O PDV é comumente aplicado pelas empresas estatais ou privadas com o objetivo de reduzir os gastos dos recursos financeiros, diminuindo o quadro de empregados. Para tornar o PDV “atraente” aos seus empregados, os empregadores oferecem, além das verbas rescisórias, o pagamento de mais algum benefício, como, por exemplo, o valor equivalente a um salário, a título de indenização. O atual entendimento do TST é de que o empregado que adere ao PDV não dá plena e geral quitação de todos os direitos trabalhistas. Isto é, o PDV somente quita as verbas pagas naquele termo, tais como férias, décimo terceiro, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), saldo salarial e benefícios decorrentes do plano. Nesse sentido dispõe o conteúdo da Orientação Jurisprudencial 270, da Subseção I, Especializada em Dissídios Individuais, do TST: OJ 270 DA SDI-1. PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PARCELAS ORIUNDAS DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS (inserida em 27.09.2002) A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do

empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo. Ocorre que, com a aprovação do Projeto, o PDV passará a quitar TODAS as verbas trabalhistas do contrato de trabalho do empregado que aderir ao plano. Ou seja, o empregado que anuir ao PDV não poderá reclamar, perante a Justiça do Trabalho, qualquer verba que o empregador não tenha pago nos últimos cinco anos de contrato. Observe-se a redação do proposto artigo 477-B: Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes. Diante da análise acima, resta evidente que a reforma trabalhista, proposta sob o PLC 38/2017 em trâmite, trará prejuízos tanto aos empregados quanto à sociedade, ao permitir a dispensa coletiva de trabalhadores sem a participação do sindicato da categoria e ao possibilitar, nos casos de adesão a planos de demissão voluntária, a quitação total do contrato de trabalho.

BLINDAGEM EMPRESARIAL: UMA ANÁLISE DOS ARTIGOS 2º, § 3º, 10 E 448 DO PROJETO DE LEI 6.787/16 Rodrigo Thomazinho Comar 17 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 2º, § 2º, 10 e 448, disciplina a caracterização de grupo econômico e regula a responsabilização do empregador ante os débitos e obrigações trabalhistas para com o empregado, estabelecendo, quanto ao tema, a regra da desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, para o empregado, a mudança da figura do empregador nos contratos de trabalho não produz qualquer efeito, sendo o sucessor o responsável pelos encargos e débitos trabalhistas já existentes e/ou futuros.

Acerca do tema, os citados artigos da CLT assim regulam a matéria: Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. […] § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, cons-

17 Pós-graduado em Direito pela PUC-PR. Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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tituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. Assim, no atual modelo, para que se configure grupo econômico, basta que uma empresa esteja “sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica” de outra, sendo que tal situação gera a responsabilização solidária pelos débitos que porventura existam, sendo irrelevante para o empregado qualquer mudança na estrutura da empresa ou nos contratos de trabalho. Tal interpretação decorre da conjugação de princípios do direito do trabalho (tais como o princípio da proteção e o da continuidade da relação de emprego) com fundamentos constitucionais que norteiam e embasam o direito do trabalho (por exemplo, dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III, da CF/88 – e valor social do trabalho e da livre iniciativa – art. 1º, inc. IV, da CF/88), resultando em um ordenamento voltado à proteção do ente hipossuficiente na relação de emprego – o empregado. Entretanto, sob os argumentos de “modernização das leis trabalhistas” e “criação de um maior número de postos de trabalho”, tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 6.787/16, o qual modifica, de forma profunda e radical, a atual sistemática, alterando os conceitos de grupo econômico e da desconsideração da personalidade jurídica do empregador, substituindo-os pelo que atualmente se denomina de “blindagem empresarial”. Conforme o Projeto, os artigos citados passariam a ter a seguinte redação: Art. 2º […] § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes. Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato. Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência. Ou seja, pela nova redação, caso ocorram mudanças na estrutura da empresa e/ou nos contratos de trabalho, não haverá responsabilização do novo empregador/sucessor, salvo se demonstrada fraude na transferência, cabendo ao empregado, ainda, “a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”. Assim, com a nova legislação, o empregado estará sujeito a laborar para uma empresa e não ter a certeza de que, caso haja mudanças em sua estrutura ou nos contratos de trabalho, terá o recebimento das verbas quando do rompimento, por qualquer motivo, da relação de emprego. No mesmo sentido, bastará ao antigo empregador a criação de uma nova pessoa jurídica, ainda que com os mesmos sócios, para afastar esse novo empreendimento de qualquer responsabilização quanto aos débitos trabalhistas devidos aos antigos empregados, o que suscitaria situação de extrema insegurança jurídica aos trabalhadores. Pelo exposto, a modificação pretendida no

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citado projeto de lei importará em efeitos extremamente prejudiciais aos empregados, pois, além de gerar insegurança jurídica devido ao não cumprimento das obrigações ajustadas, ainda fomentará fraudes, com a

disseminação de empresas apenas com a finalidade de desoneração quanto aos direitos trabalhistas, contribuindo significativamente à precarização das condições de trabalho ofertadas.

AS CONQUISTAS SOCIAIS EM MARCHA À RÉ: O FIM DO PAGAMENTO DO TEMPO DE DESLOCAMENTO DO LOCAL DE MORADIA ATÉ O TRABALHO Maria Vitória C. F. de Almeida 18 A legislação brasileira reconhece, em situações específicas, o direito de o empregado computar, na sua jornada normal de trabalho, as horas que gasta para chegar até o local de trabalho. Assim, se o trabalhador gasta duas horas no ir e vir do trabalho, deverá trabalhar mais seis horas para completar sua jornada regular de oito horas. Se por acaso o empregado trabalhar oito horas além daquelas despendidas no trajeto, terá direito a receber duas horas como extras. Isso ocorre porque a jornada de trabalho compreende o tempo que o trabalhador fica à disposição do patrão19 e porque o tempo de deslocamento pode se revestir do caráter de tempo à disposição. São as chamadas horas in itinere, literalmente “horas no caminho”, devidas quando o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público e o empregador fornecer a condução. Essa regra está contida, hoje, no parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, o qual dispõe que: Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. §2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será com-

putado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. (grifo nosso) Da análise da Lei percebe-se que há dois requisitos para configuração das horas in itinere: i) que o local de trabalho seja de difícil acesso ou não servido por transporte público; e ii) que o transporte seja fornecido pelo empregador. É irrelevante se o empregador cobra algum valor pelo fornecimento do transporte. As horas, de qualquer modo, serão computadas na jornada.20 Os tribunais passaram a reconhecer, inclusive, que são devidas as horas in itinere correspondentes ao tempo que o empregado gasta da portaria da empresa até o local de trabalho.21 Tem havido alguma discussão acerca dos conceitos “local de difícil acesso” e “não servido por transporte público”. Parte da controvérsia foi resolvida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que, por meio da Súmula nº 9022, estabeleceu que a insuficiência do transporte público não caracteriza as horas de deslocamento, mas a incompatibilidade entre os horários do transporte público e a jornada de trabalho, sim. A dúvida permanece quanto à caracterização de “local de difícil acesso”. Isso deve ser verificado caso a caso, mas há uma presunção de que locais urbanos não são de difícil

18 Graduada (2012) e Mestre (2015) em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professora na Universidade Tuiuti do Paraná. Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. 19 O Art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.” 20 “SUM-320. HORAS ‘IN ITINERE’. OBRIGATORIEDADE DE CÔMPUTO NA JORNADA DE TRABALHO. O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas ‘in itinere’.” (Tribunal Superior do Trabalho) 21 “OJ-SDI1T- 36. HORA ‘IN ITINERE’. TEMPO GASTO ENTRE APORTARIA DA EMPRESA E O LOCAL DO SERVIÇO. DEVIDA. AÇOMINAS. Configura-se como hora ‘in itinere’ o tempo gasto pelo obreiro para alcançar seu local de trabalho a partir da portaria da Açominas.” (Tribunal Superior do Trabalho)

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acesso, pois, para os pesquisadores e juízes, “a urbanização se caracteriza pela socialização e democratização do acesso geográfico às pessoas integrantes do respectivo grupo populacional”23. Essa visão é um pouco romântica, já que é sabido que a urbanização não é exatamente esse processo democrático de acesso à cidade. De toda forma, essa previsão está ameaçada. A reforma trabalhista do governo Temer pretende acabar com a já tímida previsão da incorporação das horas in itinere na jornada de trabalho. Na proposta do governo, o mesmo parágrafo 2º do artigo 58 da CLT passará a dispor o seguinte: §2º O tempo despendido pelo empregado até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. (grifo nosso) A alteração é drástica e absolutamente prejudicial ao trabalhador. Enquanto a lei atual prevê que o tempo que o empregado leva para chegar ao trabalho em condições específicas deverá ser remunerado, a proposta de alteração da CLT, realizada sem qualquer debate popular, estipula que não importam as condições do deslocamento, o local da prestação de serviços e o tipo de transporte utilizado, seja ele público ou fornecido pelo patrão: o tempo de deslocamento passaria a ser problema exclusivo do empregado. Se o sujeito tiver que caminhar, nadar, pegar barco, mula, carona, gastar horas do seu dia no caminho, nada disso dirá respeito ao empregador, que lucrará com a força de trabalho, mantendo os olhos fechados para a realidade do empregado. Essa mudança gera consequências perversas para o trabalhador e para a sociedade. A jornada de trabalho será, a rigor, dilatada sem a devida contraprestação, já que o tempo que

o trabalhador permanecerá à disposição do patrão no caminho para o trabalho será solenemente ignorado e, ao chegar no local de prestação dos serviços, terá o trabalhador que cumprir a jornada ordinária. O trabalhador passará, assim, a arcar com parte dos ônus da atividade empresária, já que terá que solucionar como se deslocar ao trabalho, onde quer que seja, e não terá as horas de deslocamento remuneradas. Como dito mais acima, a dificuldade de deslocamento nada dirá respeito ao patrão. O empregado terá cada vez menos tempo para si mesmo, para cuidar de sua saúde, conviver com a família e na comunidade, participar da vida pública, educar-se, exercer sua cidadania. É evidente que a remuneração das horas de deslocamento não supre a ausência de tempo. Mas quando o empregador não tiver mais que se preocupar com a escolha do local onde explorará suas atividades e com o deslocamento de seus empregados, o trabalhador não terá nem tempo – que hoje já não tem – nem direito a receber pelas horas que gastou no caminho. Além disso, o trabalhador sofrerá duplamente com a desigualdade da distribuição das pessoas e das atividades econômicas no espaço. Nas cidades, as pessoas ocupam certos locais de acordo com critérios discriminatórios. O custo da terra ou do aluguel leva os mais pobres para os locais mais afastados, com pior infraestrutura, sem transporte suficiente e adequado, sem luz, saneamento, segurança e outros direitos básicos. Se esses trabalhadores tiverem que arcar inteiramente com o tempo e o custo necessários ao deslocamento, de seus locais de moradia para locais de trabalho ainda mais afastados e de mais difícil acesso, certamente haverá uma expressiva piora em suas condições de vida. Juridicamente, a possibilidade de supressão de direitos, como a extinção do pagamento das horas in itinere, sinaliza uma abertura para retrocessos que, no capitalismo desregulado, podem significar o retorno a patamares pré-modernos de trabalho.

22 “SUM-90. HORAS ‘IN ITINERE’. TEMPO DE SERVIÇO. I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas ‘in itinere’. III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas ‘in itinere’. IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas ‘in itinere’ remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. V - Considerando que as horas ‘in itinere’ são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.” (Tribunal Superior do Trabalho) 23 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 91.

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REFORMA TRABALHISTA E O FIM DA INCORPORAÇÃO DE FUNÇÃO Paulo Roberto Koehler Santos 24 A reforma trabalhista proposta por intermédio do Projeto de Lei (PL) nº 6.787/2016 altera o artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) mediante a inclusão de um segundo parágrafo que permitirá ao empregador a alteração unilateral do cargo ocupado pelo trabalhador, revertendo-o à função anterior, sem a necessidade da incorporação da gratificação percebida no salário. A redação atual do artigo 468 da CLT prevê: Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança. Os trabalhadores que exercem funções gratificadas recebem o pagamento de parcela correspondente, denominada gratificação de função ou equivalente. A percepção da gratificação compõe a estabilidade financeira do trabalhador, que tem, no seu trabalho, a fonte de custeio do seu sustento e de sua família. Para aqueles que recebem a gratificação de função de forma contínua pelo período de dez anos ou mais e que, posteriormente, são descomissionados sem justo motivo, retornando ao cargo efetivo, a jurisprudência trabalhista consolidou-se no sentido de que, para prevalecer a estabilidade financeira do trabalhador, deve-se incorporar o referido montante à sua remuneração. Para tanto, foi editada a Súmula nº 372, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual assim dispõe: GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 45 e 303 da SBDI-1)

- Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996) O texto jurisprudencial proíbe expressamente, caso o empregado seja revertido a seu cargo efetivo, a supressão da gratificação de função recebida por dez ou mais anos. A restrição prestigia o princípio da irredutibilidade salarial e da estabilidade financeira. O PL nº 6.787/2016 apresenta a seguinte proposta de redação do primeiro e segundo parágrafos do artigo 468 da CLT: Art. 468. § 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança. § 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função. Isso significa dizer que o empregado poderá perder a gratificação de função até então percebida, sem direito à incorporação do valor à sua remuneração, mesmo que a tenha recebido por 10 anos ou mais e mesmo que seja revertido, sem justo motivo, para seu cargo efetivo. A justificativa apresentada no Projeto de Lei é no sentido de que a gratificação é espécie de salário-condição e, como tal, só deve ser paga enquanto o empregado exercer a respectiva função. A aprovação da inclusão desse segundo parágrafo ao artigo 468 da CLT provocará o cancelamento do entendimento consolidado,

24 Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil. Pós-Graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Paraná – Emap. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos – Ibej. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná.

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mediante a Súmula nº 372, pelo TST. Além disso, permitirá, por ato reflexo, a mudança no contrato de trabalho com prejuízo ao empregado, lesando seus direitos e/ou sua remuneração, dando cabo do princípio da intangibilidade do salário, o qual assegura a irredutibilidade salarial. Tal proposta atingirá fortemente os empregados de empresas públicas – especialmente da categoria bancária – vinculados a planos

de cargos e salários e sistemas de gratificação por desempenho de função. O PL nº 6.787/2016 provoca inversão dos princípios e das finalidades do Direito do Trabalho, deixando de tutelar o trabalhador que, pela sua condição econômica e social, merece ter a proteção legislativa, ao mesmo tempo que blinda aquele que é economicamente o mais forte na relação de compra e venda da força de trabalho – o empregador.

TERMO DE QUITAÇÃO ANUAL DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS Vinícius Gozdecki Quirino Barbosa 25 O cenário que se descortina atualmente no Brasil nos remete a uma época recente em que assistimos a um discurso conservador no âmbito político e econômico, tendo como consequência prática devastadores efeitos no campo social. A despeito de esse atual discurso não se autonomear propriamente como “neoliberal”, suas práticas são exatamente as mesmas, apresentadas de uma forma requentada, podendo-se destacar um verdadeiro enfraquecimento de direitos, pela menor intervenção da ação estatal na economia, além da flexibilização e desregulamentação de normas, as quais se mostram, para seus defensores, como a melhor – senão a única – alternativa possível a ser adotada para impulsar o crescimento econômico. Com o impeachment, o que muda na seara trabalhista? Digamos que se iniciou a era em que os direitos adquiridos ao longo do tempo estão sendo exauridos. O poder do empregador aumenta e os direitos dos trabalhadores são esquecidos, pois parece que se objetiva rasgar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As conquistas históricas dos trabalhadores foram esquecidas e as afrontas aos direitos dos obreiros aumentaram e tornaram-se mais graves. Os direitos trabalhistas estão sendo ignorados com a justificativa de que há a necessidade de reduzir os custos. Os

direitos não devem existir tão somente no campo formal, mas devem tornar-se efetivos. As letras congeladas do papel devem se materializar no campo fático, mas o único fato que parece importar é o lucro. O capitalismo aparece em primeiro lugar. Favorecido pelo golpe, o presidente apresentou, em 22 de dezembro de 2016, uma proposta de reforma da legislação trabalhista, sob a justificativa de que a CLT precisa ser alterada – o que foi visto como um belo presente de natal para os patrões, pois visa permitir que o negociado prevaleça sobre o legislado. Um estudo apresentado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) concluiu que “o ‘único propósito’ da reforma é ‘permitir a exclusão de direitos trabalhistas’”26. Fleury, Procurador-Geral do Trabalho, trata que: Nos momentos de crise é que os trabalhadores precisam de mais proteção. Em todos os países em que houve a flexibilização do Direito do Trabalho, fundada numa crise econômica, não houve a criação de emprego. Ao contrário, houve um decréscimo. Houve a precarização permanente do trabalho e, até, em alguns casos, o agravamento da crise econômica, como na Espanha e Grécia, por exemplo.27

25 Graduado em Direito (2014) e Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Escola da Associação dos Magistrados do Paraná – Ematra (2015). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Regulação no Estado Constitucional (GP-TREC). Advogado no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. 26 REFORMA trabalhista tira direitos e permite jornada de 24 horas, diz MPT. UOL Economia. 24 jan. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/0DGi4H>. Acesso em: 15 maio 2017. 27 BRASIL. Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT PE). Estudo aponta que reforma trabalhista é inconstitucional. 25 jan. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/BDDiaS>. Acesso em: 15 maio 2017.

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O presidente falou que “o Natal é um momento de fraternidade, da solidariedade, da irmanação, em que pessoas deixam de lado suas disputas e se unem e se reúnem familiarmente ou socialmente pela fraternidade.” 28 O discurso é bonito, mas deixou de elencar que o beneficiado será o empregador. Tanto é verdade que os sindicatos patronais comemoraram. Um dos artigos mais catastróficos – senão o mais – da reforma é o 507-B, o qual estabelece que É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.29 Ou seja, poderá ocorrer uma quitação anual de verbas, por meio de um termo assinado em sindicato, dispensando-se, assim, as verbas em questão. Veja-se que o princípio da irrenunciabilidade está sendo rasgado, uma vez que o empregado renunciará a inúmeros direitos ao assinar o termo. Além disso, caso a empresa não efetue o pagamento de todas as verbas discriminadas, o trabalhador terá enorme dificuldade em comprovar a obrigação inadimplida. O artigo em questão é extremamente inconstitucional, tendo em vista que possui o notório intuito de proibir o acesso à justiça, o qual é permitido conforme estabelecem os artigos 5º, XXXV, e 7º, XXIX, da Constituição Federal. Atualmente, a CLT não prevê a quitação anual em nenhum dispositivo. Desse modo, os trabalhadores podem ajuizar ação no período de até dois anos após o término do contrato e reivindicar as verbas dos últimos cinco anos. Assinar o referido termo fará com que o trabalhador aceite que as obrigações da empresa estão em dia, abrindo mão, assim, de discutir determinadas verbas futuramente. Imagine-se quantos empregadores irão propor que o empregado assine o termo com

a finalidade de tão somente permanecer no emprego, ainda que os valores em questão não estejam de fato quitados. Logo, assinar estando submetido ao patrão faz com que o empregado não demonstre totalmente sua real vontade. É claro e notório que este artigo faz parte de um pacote de maldades, pois não há benefícios ao empregado, além de ser inconstitucional, pois reduz o direito previsto na Constituição Federal. O correto é fazer com que seja observado o caráter progressista da Constituição, ou seja, o de aumentar as condições e direitos fundamentais da classe operária. Os princípios (protetivo e de irrenunciabilidade de direitos), bem como as finalidades do Direito do Trabalho, serão invertidos, caso seja aprovado o Projeto de Lei. O artigo é visto como o paraíso para as empresas, pois os empregados não poderão ajuizar ação trabalhista futuramente – quem não quiser obedecer ao patrão (isto é, assinar o termo) terá o contrato rescindido. Ou seja, não há benefícios para o trabalhador. Não há como afirmar que haverá segurança jurídica, pois não será permitido o acesso à justiça que teria como intuito discutir verbas que não foram devidamente quitadas ao longo do contrato. A jurisprudência atual rejeita a liberação de valores em relação às quitações, conforme a pretendida, pois o fato de o empregado necessitar do emprego, bem como um cenário de escassez de postos de trabalho, faz com que, infelizmente, ele se sujeite a determinadas condições. O fato de não se poder discutir futuramente questões relacionadas ao contrato de emprego fará com que a delinquência patronal aumente, uma vez que o empregador poderá fazer o que bem entender dentro da empresa, ciente de que o empregado não poderá tomar nenhuma medida. Não se pode esquecer que, mesmo sem a assinatura do termo de quitação, o empregador muitas vezes não efetua o pagamento de todas as verbas de forma correta. Imagine-se, então, com o termo. Ainda: qual seria a razão para a necessidade de a quitação das obrigações ser feita em sindicato, se os recibos já comprovariam o pagamento das referidas verbas? A intenção

28 PROPOSTA do governo permite jornada negociada entre patrões e empregados. Jornal do Estado – Mato Grosso do Sul. 22 dez. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/P8DaT3>. Acesso em: 15 maio 2017. 29 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Nº 6.787-B de 2016. Redação Final. 27 abr. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/fP9lOe>. Acesso em: 15 maio

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é clara: realizar a eficácia liberatória de modo geral, bem como o enriquecimento sem causa. Vale lembrar que nos países onde se promoveu a precarização, retirada ou flexibilização de diversos direitos dos trabalhadores, seguindo-se a cartilha neoliberal – e, consequentemente, a diminuição da proteção social, um dos pilares da agenda do trabalho decente –, não se verificou o crescimento da economia. Não se sustenta, portanto, a alegação de que a solução para a crise é a redução dos direitos dos trabalhadores. A reforma não prevê benefícios destinados à classe trabalhadora. Os únicos beneficiários serão os empregadores, que visam ao lucro e deslembram de propiciar melhores condições àqueles que lutam, que não medem esforços no dia a dia e que, mesmo assim, não obtêm o devido reconhecimento e favorecimento. A flexibilização de direitos é um mecanismo que visa ao lucro de empresas e à exploração do obreiro – ou seja, mantém a lógica da mais-valia. Quanto menos encargos trabalhistas existirem e quanto menos se gastar com o empregado, mais se facilita o acúmulo

de capital. A flexibilização faz com que sejam transferidos ao trabalhador os riscos da atividade empresarial, e seu principal problema é colocar em conflito o princípio da proteção ao empregado e a liberdade de gestão empresarial. Os princípios constitucionais devem ser respeitados, mas, geralmente, não são observados quando métodos como esse são adotados. O excesso de mão de obra faz com que o trabalhador seja desvalorizado. O princípio da dignidade da pessoa humana não é analisado. A desregulamentação de direitos trabalhistas beneficia os empregadores, tendo em vista que aumenta de forma abrupta o lucro empresarial e reduz os direitos – alcançados ao longo dos anos – dos trabalhadores. O desequilíbrio entre capital e trabalho é notório, sendo que o lado mais fraco é o dos que vendem a sua força de trabalho, os quais necessitam de uma proteção especial. O discurso modernizador não é visto com bons olhos pela classe operária, mas tão somente pelos acumuladores de capital, ou seja, os empregadores, responsáveis pela exploração.

EQUIPARAÇÃO SALARIAL E A REFORMA TRABALHISTA Carolina de Quadros 30 As normas de proteção à isonomia e à não discriminação entre empregados estão previstas, no aspecto salarial, tanto no art. 7º, XXX e XXXI31, da Constituição Federal, como no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e emanam do princípio da isonomia de tratamento apontado no art. 5º, caput, da Constituição. A construção da igualdade no ambiente de trabalho tem diretriz nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil, quais sejam, a Convenção nº 100, sobre Igualdade de Remuneração, de 1951 e ratificada em abril de 1957, e a Convenção nº 111, sobre Discriminação em matéria de emprego e ocupação, de 1958 e ratificada em setembro de 1965, as quais compõem o

conjunto de normas de direito internacional que devem ser observadas. O modelo normativo que regula a equiparação salarial está contido, atualmente, a partir do artigo 461 da CLT, que estabelece que: Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. § 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos. § 2º - Os dispositivos deste artigo não preva-

30 Graduada em Letras/Inglês (2007) e Direito (2010) pela Universidade Estadual do Norte do Paraná. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-PR (2012). Mestranda em Direito pela UNINTER. Advogada trabalhista no Escritório A. Augusto Grellert Advogados Associados. 31 “XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; […]”

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lecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento. § 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antingüidade, dentro de cada categoria profissional. § 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial. Portanto, os atuais requisitos para a equiparação salarial podem ser assim sistematizados: a) contemporaneidade entre empregados no período de equiparação; b) mesmo empregador, aqui cabendo ressalva para entendimento majoritário de que pode haver equiparação para empregados no mesmo grupo econômico, quando o paradigma trabalha em empresa do mesmo grupo, se houver o preenchimento dos demais requisitos; c) identidade de atribuições (mesma função, independentemente da denominação que é dada para cada função); d) mesma localidade, ou seja, mesmo município, havendo a ressalva do entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho mediante a Súmula nº 6, inciso X, que estabelece a possibilidade de equiparação salarial para empregado e paradigma que trabalhem na mesma região metropolitana, considerando-se, portanto, a abrangência da localidade para a mesma conformação socioeconômica; e) diferença de tempo na função (e não no cargo ou emprego, conforme Súmula nº 6, II, do TST, e Súmula nº 202, do Supremo Tribunal Federal)32 não superior a dois anos a favor do paradigma; f) mesma produtividade (quantidade de trabalho produzido em razão de tempo – dia/ mês) e perfeição técnica (forma da realização do trabalho), destacando-se que a alegação de diferente produtividade e perfeição técnica é ônus de prova do empregador nos processos judiciais, ou seja, é do empregador a obrigação de demonstrar a diferença; g) inexistência de plano de cargos e salários com critérios de promoção por antiguidade e merecimento alternados e que seja homologado pelo órgão competente, no caso o

Ministério do Trabalho; h) obrigatoriedade de os empregados equiparados estarem no mesmo regime jurídico estabelecido pela CLT, pois não é possível a equiparação salarial entre um trabalhador celetista e outro estatutário, diante do que dispõe o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal; i) impossibilidade de o paradigma ser empregado readaptado (empregado em função compatível com a condição física ou mental atestada pelo órgão da Previdência Social), nos termos do § 4º do artigo 461 da CLT. A previsão de garantia de igualdade de tratamento como é conhecida está em conformidade com a disciplina constitucional e internacional de garantias de igualdade e não discriminação. No entanto, a garantia de igualdade em questão está ameaçada com a reforma trabalhista apresentada nos termos da Proposta de Lei Complementar 38/2017. Se aprovada a proposta, o texto do artigo 461 da CLT passará a dispor que: Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. § 1º Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. § 2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. § 3º No caso do § 2º deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional. […] § 5º A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.

32 “Na equiparação de salário, em caso de trabalho igual, toma-se em conta o tempo de serviço na função, e não no emprego.”

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§ 6º No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (grifo nosso) Observa-se que a nova redação do artigo 461 da CLT altera profundamente os requisitos da equiparação salarial e diminui as garantias decorrentes do princípio da isonomia, sendo prejudicial ao combate da desigualdade no ambiente do trabalho e também da democracia social. Os requisitos para a equiparação salarial, anteriormente indicados, passam a ser alterados, como segue: a) contemporaneidade no período de equiparação, alteração do requisito para não abranger a possibilidade de equiparação ao empregado que tenha reconhecido acréscimo de diferenças salariais judicialmente, nos termos do § 5º; b) mesmo empregador, aqui excluída a possibilidade de equiparação para empregados de mesmo grupo econômico, quando o paradigma trabalha em empresa do mesmo grupo, ainda que tenha o preenchimento dos demais requisitos, nos termos do caput do artigo 461; c) identidade de atribuições, desde que não exista quadro de carreira organizado na forma do novo § 2º, uma vez que obstará a equiparação a existência de plano de cargos e salários, sem a necessidade de que seja homologado pelo órgão competente, no caso o Ministério do Trabalho, ou mesmo de que haja o registro do referido plano, e sem a necessidade de critérios alternados de antiguidade e merecimento, nos termos dos novos §§ 2º e 3º; d) quanto ao aspecto espacial, o que atualmente é tratado como mesma localidade (município e região metropolitana) passa

a ser regido pelo local do estabelecimento empresarial, abrindo-se a possibilidade de diferenciação salarial para empregados que desenvolvam a mesma atividade, com a mesma produtividade e perfeição técnica para o mesmo empregador, caso estejam, por exemplo, lotados em endereços diferentes, nos termos do caput do texto proposto; e) diferença de tempo na função não superior a dois anos a favor do paradigma, com o acréscimo de diferença de quatro anos no tempo de serviço, independentemente da função, nos termos do § 1º; f) normatização da multa a ser aplicada judicialmente no caso de reconhecimento de discriminação salarial, com a fixação de valor irrisório para a aplicação. Os critérios de equiparação salarial, alterados, diminuem as garantias de igualdade e não discriminação, pois, no caso do quadro de carreira, por exemplo, abre-se espaço para formas de alteração salarial sem qualquer fiscalização e transparência. Além disso, a não obrigatoriedade de estabelecimento de critérios de antiguidade e merecimento sinaliza a discriminação autorizada no ambiente de trabalho, em confronto com a igualdade prevista na ordem constitucional. É claro que as alterações representarão entrave para a efetivação de direitos de igualdade mediante a jurisdição trabalhista, pois vedarão a equiparação com paradigma que tenha reconhecido judicialmente o correto enquadramento salarial, e também porque limitarão a aplicação de multa para os casos de discriminação, retirando-se o caráter pedagógico da atuação judicial nos casos de discriminação e ausência de condições salariais isonômicas. Ou seja, as profundas alterações legislativas ora propostas não observam o arcabouço principiológico que orienta as relações laborais, demonstrando-se uma ruptura prejudicial ao trabalhador e à própria distribuição de renda no País.

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UMA ANÁLISE PRELIMINAR DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DO ARTIGO 394-A DA CLT E OS RISCOS SIGNIFICATIVOS À MATERNIDADE Jane Salvador de Bueno Gizzi 33 Com a justificativa de modernizar a legislação e, com isso, diminuir a judicialização dos conflitos, trazer segurança jurídica e gerar mais empregos, a reforma trabalhista que se avizinha é, em verdade, um ataque brutal aos direitos dos trabalhadores. Uma análise superficial do PLC 38/2017 é suficiente para perceber que ele não atende a esses pressupostos, o que desmente a narrativa dos seus idealizadores. Uma legislação trabalhista moderna é aquela que coloca o homem trabalhador como centro e como verdadeiro destinatário da tutela do Estado; que é irredutível em seus princípios fundantes; e que ruma na direção da ampliação de garantias e dos direitos, agregando institutos emancipatórios. Não é o caso desse projeto que, se aprovado, levará a um retrocesso nunca experimentado no campo dos direitos sociais no Brasil. Patamares mínimos civilizatórios estarão em xeque; direitos fundamentais serão relativizados. Como recorte para este texto, analisa-se o artigo 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inserido recentemente pela Lei 13.287 de 2016, que assegura à mulher trabalhadora o afastamento de atividades insalubres durante o período de gestação e lactação: Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre. Parágrafo único. (VETADO) A alteração do texto predito, que agora se propõe por meio da reforma da CLT, coloca em risco a própria ideia – que se pensava inafastável – de que a proteção à maternidade é norma de ordem pública, da qual ninguém, nem mesmo a mãe, pode dispor. Eis o que se pretende:

Art. 394-A Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. § 1º ..................................... § 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. § 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. (NR)34 Em breve síntese, a alteração, como posta, permitirá que: a) a empregada gestante trabalhe em atividades consideradas insalubres em grau mínimo e médio (as sujeitas a grau máximo de nocividade continuam proibidas); b) a empregada lactante trabalhe em atividades insalubres em qualquer grau de risco; c) o afastamento da gestante ou da lactante só se dará caso apresente atestado médico de saúde para tanto. Os problemas nessa proposição são muitos.

33 Mestre em Direito pela PUC-PR. Professora licenciada de Direito do Trabalho no Centro Universitário UniBrasil. Advogada no Escritório de Advocacia e Instituto Declatra (Defesa da Classe Trabalhadora) – Paraná. 34 BRASIL. Senado. Emenda Nº___– CAE (ao PLC nº 38, de 2017). Altere-se o art. 1º do Projeto de Lei da Câmara nº 38, de 2017, para suprimir o Art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 25 maio 2017. Disponível em: <https://goo.gl/nB0W2p>. Acesso em: 30 maio 2017.

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A começar pelo fato de que o trabalho em condições insalubres permite a exploração do homem pelo homem de forma tão indigna e incivilizada quanto se possa conceber; é aquele que endossa a troca do tempo de vida por dinheiro, pago na medida do risco de morbidade a que o indivíduo é exposto. Se assim se mantiver o pretenso texto, nenhuma avaliação dos riscos será efetivamente segura. Ficará a cargo do médico – a quem não é dado conhecer previamente a real dinâmica da relação jurídica entre a empregada e o seu empregador, tampouco em que condições o trabalho será efetivamente prestado – avaliar a potencialidade dos danos. E, se a avaliação é apenas em tese, pois não lhe é possível antever todas as circunstâncias da execução do contrato (como, por exemplo, se haverá a efetiva eliminação ou minimização dos riscos por meio de medidas protetivas, como fornecimento de EPI; se o grau de risco será corretamente aferido; se as normas de segurança serão observadas pelas partes envolvidas, etc.), sua decisão será baseada não em fatos, mas em mera presunção. Nesse contexto, eventuais danos à saúde da mãe e de sua prole só serão conhecidos quando analisados em retrospecto e quando nada mais se poderá fazer a respeito. Em uma relação jurídica assimétrica, em que as partes contratantes não estão em condições de igualdade – pois até mesmo por força de lei não gozam das mesmas prerrogativas, de modo que a empregada, parte reconhecidamente hipossuficiente, não tem o controle sobre a forma e as condições em que se dará a prestação dos seus serviços em favor do seu empregador –, nem sempre (ou quase nunca) lhe será possível exercer o seu legítimo direito de resistência. Se considerados o período pré- e pós-parto, em que a mulher se encontra em um período de extrema fragilidade – justificado não só pelas transformações pelas quais o seu corpo passa, mas também pelo turbilhão de

emoções e medos causados pela ansiedade da espera, pelas incertezas quanto ao futuro e pela responsabilidade pela vida de outrem –, causa espécie a exigência legal para que a mãe se coloque em risco e, assim, também arrisque sua prole (seu bem maior e que lhe dá o verdadeiro sentido de perpetuação). Risco este que será avaliado por um terceiro que, repita-se, não conhece a realidade laboral em que a mulher está inserida. Nesse contexto não se pode deixar de tratar das justificativas trazidas pelos defensores da alteração proposta e que causam espécie. A primeira delas, de que o adicional pago serviria como incremento salarial à empregada justamente no momento em que suas necessidades se ampliariam com a chegada do rebento, é simplista, falaciosa e aviltante. É de conhecimento mediano – prescindindo de qualquer estudo científico novo – que agentes químicos, físicos e ou biológicos podem ter influência direta na saúde e no desenvolvimento da criança, seja durante a sua gestação ou no período de amamentação. Outro argumento é o de que a atual redação do artigo 394-A seria prejudicial às empregadas gestantes e lactantes porque pode incentivar práticas discriminatórias, dificultando a manutenção do emprego e/ou o acesso ao mercado de trabalho. Discurso ultrapassado e que já demonstrou ser ausente de sustentação no mundo dos fatos; para quem não lembra, esse mesmo discurso já foi utilizado quando se pretendeu, por exemplo, a ampliação do período de licença maternidade, e seu catastrofismo não se confirmou. Não obstante a Constituição Federal de 1988 tenha trazido muitos avanços no campo dos direitos sociais, a ponto de ser elevada ao posto de Constituição Cidadã, na sua elaboração perdeu-se a chance de eliminar, de uma vez por todas, a autorização para a prévia tarifação da saúde do trabalhador mediante a mera (e ínfima) remuneração da potencialidade do risco a que é exposto (artigo 7º, XXIII).

35 “Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se- ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”

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Se o constituinte de 1988 não foi capaz de avançar nesse campo e de extirpar o trabalho em tais condições – o que seria mais condizente com seus princípios fundantes e com a ideia de progressão dos direitos fundamentais –, certamente não imaginou que se pudesse retroceder ao nível da indignidade. O que não se pode perder de vista é que as normas de proteção à maternidade vão muito além da seguridade da mãe e, de forma direta e imediata, visam ao bem-estar da criança, de cuja proteção legal nem mesmo a sua genitora pode afastá-la. As garantias fundamentais de proteção à saúde, à vida e à dignidade (artigos 1º, III; 5º, caput; 6º e 196, todos da CF) não podem ser suplantadas, ainda mais por uma legislação infraconstitucional que tem por escopo atender aos interesses, unicamente, do capital. O nascituro, assim como a criança em fase de amamentação, ainda que terceiros alheios

à relação jurídica contratual, são por ela diretamente afetados; nesse passo, não pode o legislador atribuir, nem ao empregador e nem à empregada, a prerrogativa de decidir a respeito, ou de dispor dos direitos de outrem. Embora seja absolutamente incapaz – e, justamente por isso, encontre-se em estado de total vulnerabilidade – a criança é, ainda assim, sujeito de direitos, consoante garantem o artigo 2º do Código Civil Brasileiro e os artigos 2º, 4º, 5º e 6º da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), gozando da plena proteção do Estado. O indivíduo não pode ser alçado à condição de mera mercadoria, de medida de valor econômico, ou servir de engrenagem ao sistema capitalista, tampouco ser exposto à exploração em seu limite máximo e selvagem, que avilta seus direitos e garantias e o atinge em sua própria condição humana.

O DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO EM UM PARADIGMA NEOLIBERAL E NEOCONSERVADOR: O PLC nº 38/2017 COMO PROPOSTA DE MARCO NORMATIVO DE UM PROCESSO PRECÁRIO E INDIVIDUALISTA Ricardo Nunes de Mendonça 36 A despeito do avanço da racionalidade neoliberal no Brasil dos últimos trinta anos, não se pode negar que, em razão das correlações de força existentes, dos processos de luta capitaneados pela sociedade civil organizada em sindicatos, associações, etc., e das próprias fissuras do modelo normativo capitalista, houve avanços importantes em matéria processual. Ainda que sob a perspectiva neoliberal individualista de devido processo legal – que, como lembra Chomsky37, em verdade, é ferramenta muito útil às grandes corpora-

ções, na medida em que lhes garante agir, normalmente, fora da lei –, técnicas de tutela individuais e coletivas emergiram e consagraram institucionalmente ferramentas de promoção e satisfação jurisdicional de direitos sociais, especialmente os atrelados ao trabalho. A possibilidade de defesa jurisdicional de interesses de grupos menos favorecidos, de bens materiais, imateriais e difusos da coletividade, a redução legislativa da desigualdade material característica de relações assimétricas como as de trabalho e consumo, signi-

36 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado em Direito Processual Civil e mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC-PR. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no Centro Universitário do Brasil – UniBrasil. Membro do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora – Declatra. Investigador vinculado ao Grupo de Pesquisa Trabalho e Regulação no Estado Constitucional – GP-TREC, atualmente desenvolvendo projeto de pesquisa no programa de pós-graduação em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo na Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha). Advogado sindical. 37 Ver, a respeito, o documentário Requiem for the American Dream (2015), dos diretores Peter D. Hutchison, Kelly Nyks e Jared P. Scott.

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ficaram, ainda que insuficientemente, limites ao poder do Capital e do próprio Estado.38 Mais do que isso, permitiram maior acesso à Ordem Jurídica Justa39, em particular no tocante à tutela individual e coletiva dos direitos dos trabalhadores. É certo que não resolveram os conflitos entre capital e trabalho, até mesmo porque nunca tiveram tamanha pretensão e ousadia. Mas não se pode negar que ferramentas processuais como o Mandado de Segurança (Art. 5º, LXIX, da CF/88) – criação genuinamente brasileira –, o Mandado de Injunção (Art. 5º, LXXI, da CF/88), a Ação Civil Pública (regulamentada pela Lei 7.347/1985), as técnicas de antecipação dos efeitos da sentença e tutelas cautelares (antigo art. 273 do CPC), as técnicas de tutela específica de obrigações de fazer ou não fazer (antigo art. 461 do CPC), as Ações Civis Coletivas (regulamentadas no CDC) foram medidas legislativas que elevaram as normas processuais a outro patamar e abriram caminho para o acesso a uma ordem jurídica mais justa. O Direito Processual do Trabalho foi, sem dúvida, o espaço do direito processual mais adaptado às referidas mudanças, exatamente porque oriundo de uma racionalidade permeada pela tutela dos direitos sociais. Em nenhuma outra esfera do Poder Judiciário se desenvolveu com tanta força a tutela dos direitos coletivos, por exemplo. Tais conquistas, todavia, estão ameaçadas de desaparecer. O PLC 38/2017 rompe com essa tendência e propõe um Direito Processual do Trabalho que ignora a assimetria entre capital e trabalho. E o faz tanto no âmbito do processo coletivo do trabalho quanto no âmbito do processo individual do trabalho. A primeira mudança está na proposta de nova redação do art. 8º, § 2º que constará na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com a nova regra, os tribunais, ao editarem súmulas, não poderão restringir direitos legalmente previstos, nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. É correto afirmar que, historicamente, direitos que foram incorporados ao patrimônio jurídico dos trabalhadores nasceram da luta estabelecida no âmbito do Poder Judiciário e, em certa

medida, do ativismo judicial ante a inércia legislativa. Com a reforma, há a clara intenção de limitar esse ativismo e restringir a ação do Poder Judiciário diante de eventuais lacunas que existam. No § 3º do mesmo artigo 8º há uma clara limitação à ação do Poder Judiciário em matéria de Direito Coletivo do Trabalho. O mesmo se vê no art. 611-A do PLC 38. Nesses dispositivos, afirma-se que a Justiça do Trabalho fica limitada à verificação das condições formais de validade dos acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho, não podendo avaliar o seu conteúdo. Cria um suposto princípio de intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva – o que ninguém sabe ao certo o que significa, na medida em que não há paralelo conhecido ou ainda maturação cultural do seu conceito e de suas características – e abre a porta à fraude, especialmente em negociações conduzidas por entidades sindicais pouco representativas. Não se pode olvidar, todavia, como sempre ensinou Wilson Ramos Filho, que historicamente o poder normativo da Justiça do Trabalho foi utilizado como instrumento de pressão patronal em negociações coletivas. De toda maneira, considerando a tendência do projeto de fragilizar a representatividade sindical, a mudança tem por propósito limitar um espaço de luta que os trabalhadores e o Ministério Público do Trabalho, no exercício de suas atribuições constitucionais, poderiam utilizar na defesa dos interesses daqueles. Consta também no Projeto a aplicação do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, inspirado e institucionalizado anteriormente pelo novo Código de Processo Civil, de 2015 (arts. 133 a 137 do CPC). Atualmente, a doutrina e a jurisprudência brasileira, pautadas na teoria da despersonalização da figura do empregador, consagrada no art. 2º da CLT, simplificam o procedimento de satisfação dos créditos trabalhistas, bastando, para a desconsideração da personalidade jurídica e a consequente possibilidade de responsabilidade direta e patrimonial do sócio, o inadimplemento das obrigações trabalhistas e a insolvência daquela.40

38 Ver ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Editorial Trotta S.A., 2002, p. 46. Os autores assinalaram, em 2002, a tendência processual à época, de tutela de diretos socais como um avanço no sentido de materializar a exigibilidade de alguns dos direitos econômicos, sociais e culturais plasmados no PIDESC e em boa parte das constituições ocidentais, inclusive a brasileira. 39 Para mais considerações sobre o tema, ver a clássica obra CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. 40 Veja-se a esse respeito a Orientação Jurisprudencial nº 40, IV, da Seção Especializada do E. TRT da 9ª Região.

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Com a reforma, o processo de desconsideração da personalidade jurídica se burocratiza, e a simplicidade, a celeridade e a efetividade que deveriam nortear o processo, cedem lugar à mora e à proteção patrimonial do devedor, como bem adverte Rodrigo Trindade, presidente da Amatra-IV.41 Quando se soma a isso o disposto no art. 10-A do PLC 38, observa-se com transparência uma opção legislativa pelo patrimônio do inadimplente em detrimento dos créditos alimentares dos trabalhadores. A regra prevê que o sócio que se retira da sociedade empresarial responderá subsidiariamente pelos créditos trabalhistas havidos “[…] no período em que figurou como sócio […]”, em ações porventura ajuizadas até dois anos após a averbação contratual de sua retirada da sociedade. Segundo o dispositivo, a responsabilização principiará pelos bens da “empresa”, seguida pelos bens dos sócios atuais e só então pelos bens do sócio que se retirou. Por óbvio, a norma facilita fraudes à execução e contra credores com uso de “laranjas”, sem contar a possibilidade real de prescrição intercorrente da exigibilidade da dívida, como prevê o projeto em seu artigo 11-A. A única hipótese em que a regra prevê a responsabilidade solidária do sócio retirante com os demais é a comprovada fraude na alteração societária. O tema, que sempre foi tormentoso na jurisprudência, resolve-se por via burocrática, ineficaz e provavelmente inefetiva, do ponto de vista do credor – no caso, o trabalhador –, na medida em que lhe exige prova, não raro, demasiadamente difícil ou quase impossível. A considerar que o índice de inexigibilidade de créditos reconhecidos em sentenças trabalhistas é astronômico, mesmo com a simplificação histórica do processo de execução, a tendência, com a burocratização advinda do incidente de desconsideração de personalidade jurídica e da limitação temporal da responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, é de piora da realidade juslaboral. Veja-se, por exemplo, que, segundo o C.

TST, “[…] Em 30 de abril de 2017 o resíduo na fase de execução era de 2.568.999 processos, desses [,] 1.765.205 estavam pendentes de execução e 803.794 encontravam-se no arquivo provisório. […]”.42 Ademais disso, segundo o TST, “[…] De janeiro a abril no ano de 2017, o prazo médio entre o início e o encerramento da execução foi de 955 dias para os processos de ente privado e de 1.094 dias para os processos de ente público. […]”.43 Vale dizer: se com todos os esforços e criatividade processual empregados até hoje para satisfação dos créditos trabalhistas o cenário é ruim, com a reforma, não há dúvida, será muito pior. Outro dispositivo que denuncia a clara opção por um Direito Processual do Trabalho marcadamente neoliberal e individualista é o artigo 223-B, que obviamente tenta limitar a legitimação processual de terceiros para ações de reparação de danos extrapatrimoniais. Isto é, só o trabalhador ou a pessoa jurídica vitimados por danos dessa natureza seriam “[…] titulares exclusivas do direito à reparação […]”. A despeito da técnica legislativa sofrível, na medida em que a regra confunde o direito subjetivo de reparação do dano com o direito subjetivo de ação com pretensão de reparação jurisdicional do dano, o artigo pode dar ensejo a interpretações restritivas que tenham por propósito deslegitimar os sindicatos a, em nome próprio, demandar a reparação do direito alheio. Pensemos os casos de Ações Civis Coletivas para reparação de danos morais por práticas de assédio moral organizacional, por exemplo. A tendência jurisprudencial, inclusive a do STF, é de ampliação da legitimidade constitucional das entidades sindicais,44 o que permite amplo espectro de ação doutrinária e jurisprudencial que amenize os efeitos desejados pelo legislador ao editar o referido dispositivo. De toda maneira, fica clara a opção individualista e restritiva da ação sindical. O projeto também cria a possibilidade de acordo extrajudicial entre empregado e empregador, individualmente considerados, sem salvaguar-

41 “[…] Pelo art. 855-A pretende-se atravancar ainda mais a desconsideração da personalidade jurídica, trazendo o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica par o Processo do Trabalho. Há suspensão do processo, atrasando ainda mais a satisfação de créditos alimentares. Em suma, abandonam-se concepções de autonomia científica, simplificação e celeridade. Tudo em nome da preservação de patrimônio de inadimplentes. […]” Cf. TRINDADE, Rodrigo. Reforma Trabalhista: 10 novos princípios de Direito Empresarial do Trabalho. Disponível em: <https://goo.gl/GKjJSv>. Acesso em: 23 maio 2017. 42 Dado copiado de publicação estatística oficial do C. TST. Disponível em: <https://goo.gl/3JNqmA>. Acesso em: 24 maio 2017. 43 Id., ibid. 44 Veja-se, por exemplo, o conteúdo da decisão proferida pelo E. STF nos autos de RE 883642, em que afirma a ampla legitimidade dos sindicatos para postular em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria, ao longo de todo o processo, inclusive nas etapas de liquidação e cumprimento de sentença, independentemente de autorização dos filiados.

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das coletivas e sindicais, e atribui competência material à Justiça do Trabalho para a homologação de eventuais composições. É o que se infere do art. 652, “f”, impresso no projeto de lei. Embora estabeleça, no art. 855-B, que o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início com petição conjunta, apresentada pelas partes, que deverão se fazer representar, obrigatoriamente, por advogados distintos, o que se deseja com tal dispositivo não é criar via alternativa, mais célere e desburocratizada de solução de conflitos trabalhistas, mas sim procedimentalizar vias privadas de quitação de créditos dos trabalhadores, como se infere do conteúdo das propostas de redação do art. 477 da CLT, que deixa de obrigar a submissão do ato de homologação das extinções contratuais aos sindicatos ou aos órgãos de fiscalização das relações de emprego, bem como o art. 507-B, que prevê a expedição de certidões de quitação anual de obrigações trabalhistas – no curso dos contratos, portanto. Trata-se de escancarada utilização da técnica jurídica da desregulamentação a que se refere María José Fariñas Dulce, que tem por finalidade deslocar o poder para a esfera privada, sabidamente antidemocrática e desfavorável ao hipossuficiente. Segundo a professora espanhola (2016, p. 3): “[…] En las últimas décadas estamos asistiendo a un paulatino proceso de desregulación, que está planteando retos importantes al Estado de Derecho moderno y a su monopolio de producción jurídica. Durante mucho tiempo el sistema jurídico estatal ha sido el medio por excelencia de garantizar la regulación de la sociedad, con la consiguiente inflación legislativa en muchos casos. En las últimas décadas se están desarrollando, junto a/o em sustitución de las formas tradicionales de la regulación jurídica, un incremento de formas de regulación que no son las del derecho estatal. Esta es una manera de desregulación, siempre y cuando entendamos por tal el hecho de no regular a través del derecho estatal ciertas relaciones sociales anteriormente reguladas. La actual desregulación es, por lo tanto, anti-pública y, como veremos, antidemocrática.” (grifo da autora)45 A desregulamentação é o que marca um novo paradigma jurídico, distinto dos paradigmas

do Direito Privado Clássico e do Direito Social, atrelados, respectivamente, ao Estado Liberal e ao Estado de bem-estar social.46 Essa técnica não significa falta de regulação, ou mera revogação de normas jurídicas existentes. Vai muito além. Em áreas sensíveis como o mercado financeiro, os meios de comunicação, o mundo do trabalho e a política, a “[…] desregulación ha consistido, básicamente, en la supresión de mecanismos jurídicos de control, seguida de procesos de privatización de servicios públicos y espacios sociales […]”47 que são oriundas da racionalidade neoliberal. É a técnica que norteia todo o PLC 38/2017. Nesse contexto, o projeto também prevê a possibilidade expressa de modulação dos efeitos de súmulas de jurisprudência que sobrevenham ou que sejam alteradas pelos tribunais (art. 702, “f”), isto é, prevê a possibilidade de fixação, por estes, de marco temporal de validade dos enunciados que criam ou transformam (só para o futuro, ou para o passado e para o futuro), segundo as motivações de cada caso. Fixa, também, a nosso ver, rol exemplificativo de atores processuais legitimados a realizar sustentação oral em sessões públicas de criação ou alteração dos referidos enunciados de súmula. O projeto altera a redação do art. 775 da CLT e prevê critério de contagem de prazos processuais em dias úteis e não mais em dias corridos. Afina a regra processual trabalhista à regra consagrada no Código de Processo Civil brasileiro e, por óbvio, causa prejuízo temporal ao trabalhador, que demorará mais para receber as verbas de natureza alimentar. A tentativa de dissuadir o trabalhador de procurar o Poder Judiciário, sob o argumento superficial de que a “Justiça é lenta”, será cada vez mais comum, especialmente para convencê-lo a negociar extrajudicialmente os seus direitos. Uma vez mais, o Direito serve à privatização de espaços genuinamente públicos. A despeito de a Constituição da República consagrar, atualmente, o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), e a despeito de ser de conhecimento público que a causa precípua dos males estruturais da Justiça do Trabalho é a lucrativa delinquência patronal,48 o projeto de lei materializa regras que em nada contribuem com a celeridade e a simplicidade; antes ao contrário, colidem frontalmente com esses princípios.

45 DULCE, María José Fariñas. Desregulación vs Re-regulación: las aporias del Estado de Derecho. Disponível em: <https://goo.gl/9SywhF>. 12 abr. 2016. Acesso em: 23 maio 2017. 46 Cf., a esse respeito, ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Editorial Trotta, S.A., 2002. 47 DULCE, op. cit., p. 4. Grifo da autora.

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Além do que se disse a respeito do art. 775, estampado no PLC 38, outro exemplo de ofensa à celeridade é a proposta de nova redação do caput do art. 789 da CLT, em que o projeto limita o arbitramento das custas processuais a, no máximo, quatro vezes o teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, que hoje é de R$ 5.531,3149. A regra, por óbvio, privilegia exclusivamente aos grandes grupos financeiros e corporações nacionais e transnacionais, que, por apego a regras elementares de análise econômica do Direito, descumprem a legislação trabalhista e assumem os riscos de grandes condenações em ações individuais ou coletivas, na medida em que é bom negócio pagar a destempo50. A maior parte das pretensões deduzidas em reclamatórias trabalhistas “[…] não são de teses pitorescas, aventuras jurídicas ou testes acadêmicos. A imensa maioria de ações versa sobre rescisão de contrato e verbas rescisórias. […]”51, cujos valores – considerada a média da massa salarial brasileira – não passam nem perto do importe de R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais), valor que precisa ser arbitrado em sentença para que se alcance o teto das custas processuais previstas na proposta de redação do art. 789 da CLT. Condenações que superam essa monta são incomuns e, não raro, têm como responsáveis os grandes empregadores. Sendo assim, facilita-se a recorribilidade das decisões judiciais aos que ocupam, historicamente, as primeiras posições no ranking dos mais demandados na Justiça do Trabalho.52 O artigo beneficia exclusivamente uma elite privilegiada que é dona do poder econômico no Brasil. Em sentido diametralmente oposto, os trabalhadores passam a ter o acesso ao Poder Judiciário amplamente dificultado por regras que os oneram econômica e processualmente, como, por exemplo: a limitação da gratuidade da justiça aos que ganham salário igual ou inferior a 40% do teto

de benefícios do Regime Geral de Previdência. Ou seja, os que ganham, hoje, até R$ 2.212,52 (dois mil, duzentos e doze reais e cinquenta e dois centavos)53, ressalvadas as hipóteses em que o trabalhador com salário mais alto consiga comprovar a insuficiência de recursos para pagamentos das custas do processo, o que contrasta com a posição atual, em que a mera declaração de hipossuficiência, não desconstituída por prova em contrário, garante ao trabalhador o acesso à justiça gratuita; a possibilidade de condenação obreira, ainda que beneficiária da justiça gratuita, ao pagamento de honorários periciais, em caso de sucumbência na pretensão deduzida em juízo, salvo se não houver condenação patronal pecuniária nos autos, ou em processo diverso, em valor suficiente a adimplir os honorários periciais, hipótese em que a União arcará com o encargo (art. 790-B); a assunção do princípio da sucumbência recíproca no processo do trabalho, o que admite a condenação obreira ao pagamento de honorários devidos ao advogado da parte contrária, atrelando a suspensão da exigibilidade judicial do crédito à inexistência de recursos suficientes na condenação havida nos autos, ou em processo distinto, asseverando, todavia, que “[…] se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, […]”, poderá exigir o pagamento dos valores devidos pelo trabalhador (art. 791-A); a ausência injustificada do reclamante à audiência inicial ou uma importará condenação em custas processuais, ainda que beneficiário da justiça gratuita, exceto se justificada a ausência no prazo de quinze dias, e, além disso, será condição para o ajuizamento de nova ação, na forma constante dos §§ 3º e 4º do art. 844 impresso no PLC 38/2017; os pedidos deduzidos na inicial, que, segun-

48 Ver, a respeito, RAMOS FILHO, Wilson. Delinquência patronal, repressão e reparação. 16 jan. 2009. Disponível em: <https://goo.gl/2wXPwk>. Acesso em: 24 maio 2015. Ver, ainda, TRINDADE, Rodrigo. Por que tantas ações trabalhistas? 16 maio 2017. Disponível em: <https://goo.gl/WGZdIx>. Acesso em: 22 maio 2017. 49 BRASIL. Previdência Social. BENEFÍCIOS: Índice de reajuste para segurados que recebem acima do mínimo é de 6,58% em 2017. Publicado em 16 jan. 2017, última modificação em 18 jan. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/i28SiY>. Acesso em: 24 maio 2017. 50 Não se olvide que ainda hoje a lei prevê juros simples de 1% ao mês (Art. 39, §1º, Lei 8.177/1991), computados pro rata die, e correção monetária pela TR, o que torna os haveres alimentares do trabalhador um dos recursos financeiros mais baratos que há no chamado “mercado”. 51 Cf. TRINDADE, Rodrigo. Reforma Trabalhista: 10 novos princípios de Direito Empresarial do Trabalho. Disponível em: <https://goo.gl/GKjJSv>. Acesso em: 23 maio 2017. 52 O ranking está disponível no site oficial do C. TST. Cf. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho – TST. Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST. Ranking das Partes. Junho de 2016. Disponível em: <https://goo.gl/GvOstC>. Acesso em: 24 maio 2017. 53 Valor que decorre da seguinte operação matemática: R$ 5.531,31 (teto do benefício previdenciário) x 40% = R$ 2.212,52.

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do o CPC – que será mais progressista que a CLT, acaso seja aprovada a reforma –, precisam ser certos e determinados, precisarão também ser líquidos, em todos os procedimentos típicos do Direito Processual do Trabalho, ainda que a demanda seja oral. Vale dizer, o trabalhador precisará deter, além de conhecimento ou assessoria jurídica, conhecimento ou assessoria contábil para poder reclamar (art. 840, § 1º), pois o preenchimento de tal requisito condiciona o julgamento do mérito da pretensão. Os empregadores, por seu turno, poderão “terceirizar” prepostos, na medida em que estes não precisarão mais ser empregados, na forma da redação do art. 843, § 3º que consta no PLC 38/2017. Além disso, em caso de revelia, acaso presente o advogado do reclamado em audiência, serão recebidas a defesa e os documentos a ela acostados, o que colide com o teor da Súmula 74 do C. TST54, a qual, diante dos efeitos da revelia, consagrou entendimento no sentido de proibir a produção de provas que não tenham sido pré-constituídas nos autos. O projeto, por óbvio, aniquila o caráter protetivo do Direito Processual do Trabalho, retirando-lhe autonomia e cientificidade. Mas as alterações legislativas que denunciam a desconstrução do processo do trabalho protetivo não param por aí. Até então, na Justiça do Trabalho a liquidação e a execução forçada sempre foram etapas do processo, que inicia por iniciativa da parte e segue por impulso oficial. Em particular no tocante à etapa de execução, a CLT é textual em afirmar que incumbe às partes ou ao juiz iniciá-la (art. 878, da CLT). Com a proposta de reforma do referido artigo, a liquidação e a execução não poderão ser iniciadas de ofício pelo juiz, e dependerão de impulso das partes interessadas, exceto nos casos em que a parte não estiver representada por advogado. Tal regra, atrelada à aplicação de prescrição intercorrente (que se dá no curso do processo), dificulta a efetivação do direito violado, especialmente diante de devedores insolventes ou hábeis em fraudes à execução.

Caminha, portanto, na contramão dos esforços desenvolvidos pela própria Justiça do Trabalho no sentido de satisfazer, efetivamente, os créditos dos trabalhadores, fomentando, uma vez mais, a delinquência patronal. O mesmo vale para a regra estampada no art. 883-A do PLC 38/2017, que estabelece que […] a decisão judicial transitada em julgado somente poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, nos termos da Lei, depois de transcorrido o prazo de quarenta e cinco dias a contar da citação do executado, se não houver garantia do juízo. […] (grifo nosso). O Código de Processo Civil, que não necessariamente instrumentaliza o pagamento de verbas de natureza alimentar, é menos condescendente com o devedor, na medida em que fixa a possibilidade de protesto, havendo decisão judicial transitada em julgado, imediatamente após o transcurso do prazo de quinze dias para pagamento voluntário da dívida, contados da citação (arts. 517 e 523 do CPC). Em síntese, não há dúvida de que a reforma respeita uma técnica jurídica distante do paradigma do Direito Social típico do Estado de bem-estar social e se afina à crescente racionalização neoliberal e neoconservadora que toma conta do Estado brasileiro. Transforma o Direito do Trabalho em um Direito Empresarial do Trabalho55, e o processo, enquanto ferramenta de efetivação deste, num Direito Processual Empresarial do Trabalho. Nessa primeira etapa importa, sobretudo: i) denunciar os riscos e os prejuízos processuais que o projeto impõe aos trabalhadores; ii) demonstrar a opção ideológica neoliberal plasmada no Projeto de Lei, a qual aprofunda as desigualdades materiais entre trabalhadores e empregadores e privilegia um anacrônico processo individualista, ineficiente, essencialmente formalista e que não será capaz de promover a “suposta” pacificação social. Mas o esforço não para aqui. A luta pela construção de um Direito Processual do Trabalho justo está apenas (re)começando.

54 O inteiro teor do verbete pode ser consultado em BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho – TST. Súmulas do TST. Súmula nº 74 do TST. Confissão (atualizada em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016. Disponível em: <https://goo.gl/Zs1ywc>. Acesso em: 24 maio 2017. 55 Cf. TRINDADE, Rodrigo. Por que tantas ações trabalhistas? 16 maio 2017. Disponível em: <https://goo.gl/WGZdIx>. Acesso em: 22 maio 2017.

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