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ORAÇÃO DE SANTO AFONSO DE LIGÓRIO AOS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO Ó Jesus, Filho Unigênito de Deus e da Virgem Imaculada, que pela salvação do mundo quisestes ser reprovado pelos judeus, traído por Judas, atado com cordas, conduzido como um cordeiro, apresentado injustamente aos juízes Anás, Caifás, Pilatos e Herodes, acusado por falsas testemunhas, ferido com pancadas, saciado de opróbrios e injúrias, cuspido no rosto, açoitado barbaramente, coroado de espinhos, despojado dos vestidos, condenado à morte, pregado com toda a crueldade na Cruz, suspenso entre dois ladrões, vexado, com fel e vinagre, abandonado em tormentosa agonia e, finalmente, transpassado por uma lança. Por esses tormentos, Senhor, dos quais nós, indignos filhos vossos, agora com devoção, gratidão e amor nos lembramos, e por vossa santíssima morte na Cruz, livrai-nos das penas eternas do inferno, e dignai-vos conduzir-nos ao paraíso, onde levastes convosco o bom ladrão. Tende piedade de nós, ó Jesus, que com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém.

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Sumário. 2 EDITORIAL 5 AFONSO MARIA DE

LIGÓRIO E O SÉCULO XVIII

10 PROFETISMO CONTÍNUO: OS TRÊS ISAÍAS, SANTO AFONSO E O 25º CAPÍTULO GERAL

15 SANTO AFONSO MARIA

DE LIGÓRIO SUA ESPIRITUALIDADE E INFLUÊNCIA EXERCIDA

21 A FORMAÇÃO MORAL

DA JUVENTUDE NA ERA DIGITAL

25 EU CREIO – NÓS CREMOS!

“Ninguém vive sem crer em algo”, relata São João da Cruz (Obras Completas)

28 A PRESENÇA DA IGREJA NA CULTURA DIGITAL

Expediente. REVISTA DIÁLOGO Revista de Formação e Informação da Província Redentorista de São Paulo Edição n. 10 - Maio a Agosto de 2018 Superior Provincial Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R. Coordenador Editorial Pe. Mauro Vilela da Silva, C.Ss.R. Redator Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R. Revisão Ana Lúcia de Castro Leite Sofia Machado Design e Diagramação Henrique Baltazar

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Editorial. O LEGADO MORAL DE SANTO AFONSO E A CULTURA DIGITAL

Santo Afonso Maria de Ligório e os Redentoristas

Pe. Inácio Medeiros, C.Ss.R. Editor pe.inacio@gmail.com

A Revista Diálogo, que até agora era semestral passa, a partir desta edição, a ser quadrimestral, e isso graças à colaboração dos confrades e amigos que a promovem e entregam textos para serem publicados.

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Estamos em tempos de Reestruturação! Esse é um fenômeno que acontece não apenas na Congregação Redentorista, mas em toda a vida consagrada religiosa. Diversas congregações estão com um processo mais


adiantado. Outras, em sua fase preliminar. Mas tudo com uma única preocupação: fazer com que a Vida Consagrada não perca seu dinamismo, seu vigor e fidelidade, mesmo em meio às muitas dificuldades e desafios que a modernidade nos apresenta. A reestruturação fatalmente levará à reconfiguração das unidades territoriais e de congregações inteiras. Esse processo deve levar a uma fidelidade maior ao carisma de seu fundador e ao espírito que permeia suas regras e constituições. Se isso não acontecer, o processo fatalmente há de cair em um vazio. Para nós, redentoristas, nada melhor do que buscar uma compreensão mais intensa da pessoa de Afonso de Ligório e do ideal que ele nutria ao fundar sua Congregação. Por isso, nós fazemos isso ao mergulhar, com a colaboração do Padre Afonso Tremba no contexto histórico do Século XVIII, que viu nascer esse que foi uma das personalidades mais marcantes da história. O Século XVIII também conhecido como “o século das luzes” levará ao predomínio do racionalismo, ao rompimento com os ditames do Antigo Regime e marcará a Igreja com o crescimento acelerado dos princípios da secularização e do Espírito Anticlerical. Mas será marcado também pelos fulgores dos grandes santos desse período. Esse tempo trará para nós uma marca que hoje é uma das características mais fortes da civilização Pós-Moderna, que é a explosão da população urbana e dos ideais daquilo que a cidade representava. E entre todas as grandes cidades da Europa setecentista uma das mais destacadas era a Nápoles dos Bourbons. Na fervilhante cidade Afonso de Ligório encontrará o campo fértil para desenvolver sua paixão maior: a opção pelos pobres e sofredores, os muitos feridos desse tempo. Com a redescoberta continuada do ideal fundante de Afonso somos chamados a

entender a necessidade que a Igreja hodierna, sobretudo no Brasil e demais países do 3º mundo, tem de redescobrir o profetismo e o compromisso de ser uma “Igreja de fronteira”, ou então, uma “Igreja em saída”, como tem insistido o Papa Francisco, ao mostrar que a Igreja precisa ir àqueles lugares onde nenhum organismo da sociedade, nem mesmo os poderes constituídos costumam ir. Esse é o intuito do Fr. Isaías ao mostrar o profetismo do 3º Isaías e suas referências no pensamento e na obra missionária de Afonso. Esse profetismo, tão marcante na vida e na ação de Afonso, resgata um ideal que foi apresentado a toda a Congregação ao falar da necessidade de cada redentorista ser uma “testemunha” do Redentor. Somente com esse ideal é possível se perceber o real sentido do processo de Reestruturação, ou seja, precisamos converter em primeiro lugar nossa mente e nosso coração para podermos ser solidários na missão. Assim, a exemplo de Afonso precisamos deixar a zona de conforto na qual estamos bem instalados e confortáveis para, a partir daí, percebermos a urgência da solidariedade que sustentará nossa ação missionária como um só corpo missionário. Continuamos ainda mergulhados na pessoa e na missão de Afonso para percebermos a partir de um texto que o grande teólogo moralista Bernard Häring nos deixou, pois ele nos permite compreender a espiritualidade afonsiana e sua influência ontem e hoje. A mesma sociedade excludente que havia em tempos de Afonso continua existindo hoje. Apenas nesse contexto é que podemos entender um dos elementos mais forte de sua espiritualidade, que é a centralidade da pessoa de Jesus Cristo, que de rico se fez pobre para redimir os caídos e feridos de nossa sociedade. Essa é a razão maior da prática de amor a Jesus Cristo que levará cada um de seus seguidores a encarnar em sua vida o “Distacco”, como libertação de

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tudo o que pode afastar o ser humano de Deus e de seus semelhantes. Contra o jansenismo e as correntes rigoristas de seu tempo, Afonso se fez como “a voz que clama no deserto”, pois como se pode privar os seres humanos da salvação que junto dele é copiosa? Essa é a razão intrínseca do sacrifício redentor de Jesus Cristo. Por isso, um redentorista não pode concordar nem apoiar certos movimentos rigoristas que florescem na moderna sociedade e mesmo no interior da Igreja. Dos tempos antigos chegamos aos dias de agora, e com a colaboração do Pe. Anísio Tavares, a partir de sua tese de conclusão de mestrado, podemos perceber um dos maiores desafios da atualidade: a formação moral da juventude na Era Digital. Essa expressão “Era Digital” muito bem representa uma das maiores características de agora que é a onipresença dos Meios de Comunicação Digitais na vida de nossa sociedade. E, sem dúvida alguma, o campo mais fértil da proliferação desses meios é o setor da juventude. Só a título de entendimento: no Brasil em maio de 2018, para 208 milhões de pessoas, existiam 280 milhões de aparelhos celulares. Ou seja, a Era Digital chegou de vez, e para valer. Assim o expert em moral, como deve ser cada missionário redentorista, deve por todos os meios não apenas vislumbrar as magníficas possibilidades que a Sociedade Digital nos apresenta, mas apontar seus erros e seu impacto no existencial de cada ser humano, especialmente de nossa juventude. Se cada ser humano, como nos conta o aspirante Ângelo em seu artigo, deve dar uma resposta ao Deus que a ele se revela, é em meio a luzes e sombras da modernidade que Deus vai se revelando e a compreensão humana vai entendendo-o, não apenas pelo afeto, como privilegia certas religiões, movimentos eclesiais e, até mesmo, certas

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igrejas, mas pela busca de suprir um vazio imenso que atinge sua existência. Nesse contexto entendemos o dualismo e a dificuldade de se entender o binômio razão e fé, ou então, ciência e religião. Por fim, o Pe. Luis Almir, usando também de um texto que sintetiza sua tese de mestrado, retoma a temática da Cultura Digital, falando agora da presença da Igreja nesse meio. E neste ponto vem um imenso questionamento: como se dá a presença da Igreja nesse meio, se ela tem por obrigação evangelizar a todos? Será que a Igreja se preocupa realmente em usar dessas ferramentas para sair em busca dos que não são evangelizados, ou repete uma linguagem que a leva a se comunicar apenas com aqueles que já são do “redil de Jesus Cristo”? Esse questionamento é muito sério e deveria levar a Igreja e, por tabela, os redentoristas a questionarem a forma como estão se comunicando. A verdade ou conteúdo da fé são excelentes, mas a forma como isso é comunicado e evangelizado é que são elas. A Cultura Digital, apresentada pelo Pe. Luiz Almir como “o Poço de Jacó” do Século XXI, tem um valor imenso e quando bem aproveitada como ferramenta de evangelização pode produzir maravilhas. Diante dele a sociedade é formada por milhões de samaritanos em busca de alguém que mate sua sede. Eu comecei este editorial falando de Reestruturação e termino voltando a esse tema tão candente: não podemos ser redentoristas testemunhas do Redentor testemunhando a nós mesmos, pois na hora da cruz escaparíamos e não iríamos até o fim, como ele mesmo nos convida. Estejamos, pois, disponíveis para a missão, onde quer que sejamos enviados!


AFONSO MARIA DE LIGÓRIO E O SÉCULO XVIII Santo Afonso Maria de Ligório

Pe. Afonso Tremba, C.Ss.R.

Na quinta-feira, 2 de agosto de 1787, o pároco de São Félix em Pagani, retornando à casa após o sepultamento de um de seus paroquianos, fez o seguinte registro: “O ilustríssimo Senhor Dom Afonso de Ligório, nascido em Nápoles, bispo de Santa Ágata dos Godos, fundador e reitor-mor da Congregação do Santíssimo Redentor, homem de exímias virtudes, douto, zeloso pela glória de Deus e pela salvação das almas, missionário apostólico, depois de receber inúmeras vezes os sacramentos e de ter deixado, para a perpétua edificação dos

cristãos, os livros por ele escritos, plenos de piedade cristã, morreu em primeiro de agosto de 1787, quarta-feira, às 16 horas – 12 horas atuais –, com noventa anos, dez meses e cinco dias com fama de santidade. Foi sepultado na Igreja de São Miguel em Pagani, na presença do bispo, párocos, religiosos, seus confrades e uma incontável multidão de pessoas” (Don Bernardo Tortora, pároco). Don Bernardo já havia feito muitos registros no obituário da paróquia limitando-se estritamente aos dados exigidos. Agora,

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neste caso, as circunstâncias exigiam, anotou que, junto com a morte de um homem, estava registrando o nascimento de um novo astro no firmamento dos santos. Tudo o que foi dito a respeito de Santo Afonso, nos dois séculos seguintes, já encontramos naquele registro de morte. Don Bernardo, simplesmente, atestou o que havia visto e preanunciou o futuro. Testemunha do século XVIII

Estamos diante de uma figura designada como a mais representativa do Século XVIII em Nápoles. Nasceu às vésperas do século e tendo vivido praticamente 91 anos, Afonso pode ser considerado testemunha de todo o século XVIII, ele não viu os últimos acontecimentos, isto é, a Revolução Francesa e os sucessivos distúrbios napoleônicos. Durante sua longa vida não saiu do Reino de Nápoles, senão uma vez, quando passou dois meses em Roma, por ocasião de sua ordenação episcopal. Universitário, doutor em direito, advogado, sacerdote, fundador, bispo, viveu todas as alegrias e sofrimentos da Nápoles do século XVIII. Aqui está o sentido de tudo quanto disse e fez, aqui está o sentido daquilo que procurou ser e realizar em sua vida. Durante a vida de Afonso, na Europa, aconteceram quatro guerras de sucessão: Espanha (1702-1713); Polônia (1733-1735); Áustria (1740-1748); Escócia (1745-1746). Não se tratou de episódios locais, mas de verdadeiras guerras de caráter internacional que ocuparam toda a primeira metade do século XVIII. A Guerra dos Sete Anos (1757-1764) entre os cinco grandes da época: França, Áustria e Rússia contra a Inglaterra e a Prússia. No início do último quarto do século XVIII estourou a Guerra de Independência dos Estados Unidos contra a Inglaterra acompanhada de outras guerras menores. Existiam também guerra menores contra o Império Turco. Na África continuava o tráfico de escravos.

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A esse século pertence um dos episódios mais tristes da história: a tríplice invasão da Polônia (1772, 1793, 1795). O manifesto publicado pelas três potências ficará com uma das páginas mais cínicas da história política de todos os tempos. Recordemos alguns políticos do século XVIII. Reis: Pedro, o grande da Rússia; Carlos III da Suécia; Estanislau II da Polônia; Ana I da Inglaterra; Catarina II da Rússia; Maria Teresa da Áustria; Mustafã III da Turquia; Fernando VI e Carlos III da Espanha. Ministros: Walpole na Inglaterra; Choiscul na França; Kaunitz na Áustria; Pombal em Portugal; Floridablanca na Espanha; Tanucci no Reino de Nápoles. Militares: o austríaco Príncipe Eugenio; o francês La Fayette; o norte-americano Washington. Também a Revolução Francesa deixou para a história muitos personagens, uns como executores e outros como executados. Três abdicações reais contemplaram o Século XVIII: na Espanha, Felipe V; na Córsega, Vitorio Amadeus de Savoia; em Constantinopla, Mustafã III. Esse século viu surgir um novo estado: os Estados Unidos da América com uma constituição fundada sob três princípios: vida, bem-estar e honra. O seu primeiro presidente foi eleito poucos meses depois da morte de Afonso de Ligório. Passando do político à realidade mais comum da história humana, o século XVIII foi aquele da difusão generalizada na Europa da batata e do chocolate, aos quais foram atribuídos poderes terapêuticos quase mágicos. A batata e o chocolate foram receitados a Santo Afonso como reconstituintes. Da América Latina vieram também outros produtos, como o açúcar e o café, que iniciaram nesse tempo a sua função social. Nessa época, com a descoberta da vacina travou-se a luta contra a varíola (bexigas-negras) que, quando não matava, deixava as pessoas com a face terrivelmente deformada. Em Bolonha, teve início a eletroterapia. Foram


inventados, também, a máquina a vapor, o tear mecânico, o para-raios. Nesse tempo foi estabelecido um grande princípio no campo hospitalar: em cada leito um paciente, evitando assim os amontoamentos no mesmo leito, como acontecia no tempo em que o jovem Afonso de Ligório, como voluntário, visitava os doentes no Hospital do Incurável (lembremos que os profissionais da saúde eram inexistentes nos hospitais da época. Os ricos se tratavam em casa. Nos hospitais, praticava-se somente o voluntariado. Os hospitais eram um amontoado de pessoas condenadas à morte). O Século das Luzes e suas descobertas

Muitas descobertas científicas e sociais se devem ao século XVIII. Esse século é chamado de o “Século das Luzes” não tanto pelas descobertas científicas e sociais, mas pela fábrica de ideias novas daqueles que se autodefiniram como “filósofos”, os pais da Enciclopédia, dentre os quais destacam-se Voltaire, Diderot e D’Alembert. Frente a esses azes da incredulidade e seus comparsas da metade do “Século das Luzes”, dois grandes intelectuais do tempo, Leibniz e Newton, fazem expressa profissão de fé e Kant coloca como base de sua moral a existência de Deus. Não faltaram, sobretudo, na Inglaterra e na Holanda alguns agnósticos, mas o povo seguia em plena cristandade. A venda comercial destes livros franceses, com suas ideias filosóficas, em Nápoles, deixará Santo Afonso bastante preocupado, no entanto, consolar-se-á, sabendo que a classe culta de Nápoles era reduzida e que o povo permaneceria à distância de símiles leituras. As tremendas sombras dessas luzes – luzes no plural, nos confrontos e contra a única luz divina – não ocupavam todo o terreno: o Século das Luzes foi também o Século dos Santos. Em 1839, juntamente com Afonso

de Ligório, foram canonizados outros quatro santos, todos eles viveram no século XVIII. Outros foram canonizados em outras ocasiões: São Luís Grignion de Monfort, São Bernardo de Porto Mauricio, São Paulo da Cruz e outros. Tantos tiveram naquele como em outros séculos que não chegaram e jamais chegarão à canonização, mas foram verdadeiramente santos. Afonso de Ligório declara-se tributário de grandes santos: desde São Paulo a São Francisco Xavier; desde São Jerônimo a São Pedro Alcântara, confessa especial simpatia por Santa Teresa de Jesus, São Felipe Neri e São Francisco de Sales. Ele conheceu e dialogou com grandes santos em sua vida: Francisco de Jerônimo, João José da Cruz, Geraldo Maiella, Francisco Xavier Bianchi. Se não dialogou pessoalmente, seguiu muito de perto a vida e a ação de São Leonardo de Porto Mauricio e São Paulo da Cruz. Por sua vez, Afonso de Ligório, converteu-se em ponto de referência para Vicente Romano, João Bosco, Antonio Maria Claret, Bruno Lantieri... Dentre os Papas de tempo os mais lembrados são: Clemente XI, por sua profunda piedade e pelas Encíclicas contra o jansenismo; Bento XIV, por sua grande erudição; Pio VI, por sua dedicação. Bispos célebres foram Bossuet e Fénelon na França, Belluga e Lorenzana na Espanha. Inesquecíveis missionários desse período são: Frei Junípero Serra entre os índios da Califórnia; Luiz Grignion de Monfort e Bridaine na França; Leonardo de Porto Mauricio e Paulo da Cruz na Itália, para não falar do próprio Afonso de Ligório, Calatayud e Diego de Cádiz na Espanha. O regalismo e o jansenismo colocavam a Igreja em xeque-mate. O regalismo pretendia submeter ao seu poder civil coisas próprias da Igreja ou pertencentes a ela. Os jansenistas defendiam, dentro da Igreja, que somente uma pequena elite salvar-se-ia. Afonso combatê-los-á com vigor e frontalmente, proclamando que Jesus Cristo morreu por

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todos e, sobretudo pelos pecadores. Ele foi visceralmente antijansenista, mas em relação ao regalismo seu comportamento será muito diverso. Defenderá reiteradamente a doutrina dos poderes evangélicos da Igreja, porém o seu sentido prático levá-lo-á a fazer concessões sobre pontos concretos e não lesivos à constituição divina da Igreja. O Sínodo de Pistoia (1786) foi tão regalista quanto jansenista, Afonso já nonagenário, certamente não se inteirou de sua existência. Teria sido muito amargo para ele, porque na sua Itália, regalistas e jansenistas sentavam juntos na cátedra da moral jansenista, que ele tanto combateu, dedicando toda a sua vida na elaboração de um terceiro caminho. Antes que os enciclopedistas volterianos lançassem seu veneno contra a fé e a religião, iniciou-se, no interno da Igreja, um movimento de crítica sadia com Mabillon na França, Bolland na Bélgica, Feijó na Espanha e Muratori na Itália. Afonso leu muito Muratori, e se em algum particular não estava de acordo com ele, sempre se referiu à pessoa de Muratori com estima e louvor. Nos seus escritos espirituais, Afonso, aceitará sem escrúpulos histórias com ar de lendas, mas quando escreve obras de teologia positiva, selecionará com rigor fatos e opiniões. Respeitoso do âmbito da liberdade pessoal pedirá a cada um que se informe cuidadosamente antes de agir e depois que atue conforme a sua consciência. Com os próprios noviços, tentados na vocação, tratará de iluminar, fortificar, animar, mas deixará que cada noviço tome a sua decisão pessoal. Um dos problemas mais difíceis para a Igreja Católica do Século XVIII foi a Holanda. Desde o tempo da invasão protestante, as dioceses eram regidas por vigários episcopais nomeados por Roma. Por sua conivência com os jansenistas, Roma destituiu o Vigário Apostólico de Utrech, nomeando outro que não foi aceito. Essa história se repetiu em muitas dioceses holandesas. Parecia o fim de tudo, um desastre total, mas um século

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mais tarde a Igreja Católica holandesa tornar-se-á uma força missionária de primeira grandeza. Entre as grandes cidades destaca-se Nápoles

Depois de Londres e Paris, Nápoles era a maior cidade da Europa. O Reino de Nápoles, entre os tantos estados italianos (Gênova, Milão, Veneza, Mântova, Parma, Florença e os Estados Pontifícios), era o mais extenso territorialmente e o maior em número de habitantes. No final do século XVIII a população do Reino de Nápoles rondava aos cinco milhões. Sobre o território napolitano viviam outros duzentos e cinquenta entre príncipes, duques, marqueses e condes; os barões superavam a cifra de mil. Muitos deles gozavam de poder judicial. Essa fragmentação do poder contrária ao estado moderno fará com que ao longo da vida de Afonso encontremo-nos com alguns autênticos senhores feudais. Quando nasceu em 1696, o Vice-Reino espanhol de Nápoles tinha dois séculos de existência e, seguramente, esta longa presença espanhola influenciou muito na vida napolitana. Um dos sinais dessa influência é o próprio nome de Afonso. Não falamos de uma suplementação do italiano pelo espanhol, mas de uma transplantação a Nápoles de diversas formas estatais e sociais espanholas. Outra prova dessa influência espanhola está na presença dos sobrenomes como Peréz, Fernández, López, Martinez, que pertencem não a espanhóis, mas a italianos. Um antecessor de Afonso no bispado de Santa Ágata dos Godos se chamava Guevara; o governador de Foggia, em 1768, chamava-se Pons de León; uma das monjas de Scala, origem da vocação fundadora de Afonso era Helena Montes. Em 1707, Nápoles deixou de ser Vice-Reino espanhol para sê-lo austríaco e, em 1734, a Espanha ocupa-o novamente


declarando-o imediatamente independente, passando a coroa a Carlos de Bourbon, filho de Felipe V da Espanha. Afonso encontrou-se várias vezes com o Rei, seja para resolver assuntos concernentes à Congregação, seja para realizar tarefas confiadas a ele pelo próprio rei que tentou, sem sucesso, fazê-lo arcebispo. Vindo a Nápoles, o Rei Carlos de Bourbon trouxe consigo o toscano Bernardo Tanucci, embriagado pela ideologia regalista e (Tanucci) aplicou-a profundamente durante o seu governo como primeiro ministro. Tanucci pessoalmente era crente e até piedoso, tanto que Afonso dedicar-lhe-á o livro sobre a História das Heresias na Igreja. No Reino de Nápoles existiam, mais ou menos, cento e cinquenta bispos e arcebispos. Vários deles viviam mais na capital do que na sede de sua diocese. Os canônicos eram aos milhares e milhares eram os sacerdotes. Muitos sem ocupação alguma, verdadeiros vagabundos, uma verdadeira praga daqueles tempos. Os religiosos também eram numerosos e pouco ocupados. O povo praticava um catolicismo tradicional e, especialmente nos campos e montanhas demonstravam, segundo Afonso, uma esgarça instrução religiosa, acompanhada por uma explosividade passional, sobretudo, em matéria de vingança e luxúria. Entre os nobres, Afonso denunciou o galanteador da mulher casada. Era uma espécie de amante profissional. Um espetáculo social frequente em Nápoles era a execução de sentenças capitais em praça pública. Desde jovem, Afonso se inscreveu em uma associação cristã que auxiliava os condenados à morte e os familiares deles. Quando avançado em idade, escreveu um opúsculo para instruir os sacerdotes destinados a darem assistência

religiosa aos condenados à morte. A alma do bom ladrão foi a primeira, depois de Jesus Cristo, a entrar no céu. O Século XVIII foi o século de ouro da música: Bach, Hândel, Hayden, Mozart, Beethoven e outros na Alemanha; Corelli, Vivaldi e outros na Itália; Scarlatti, pai e filho, Pergolesi, Paisiello, Cimarosa em Nápoles. Afonso desde jovem frequentou assiduamente a ópera como ouvinte, não como mero espectador, como ele precisará mais tarde. Certamente permaneceram nos seus ouvidos musicais as árias mais célebres do tempo. Solimena foi o grande pintor do século em Nápoles. Marcou uma época e um estilo. É provável que Afonso tenha-o tido como seu mestre. Afonso nasceu em Nápoles aos pés do Vesúvio, morreu em Pagani a poucos quilômetros de lá. O Vesúvio ordinariamente dormente, naquele tempo se acordou algumas vezes, a última quando Afonso já estava velho em Pagani; diante do rio de larva incandescente vindo em direção a Pagani, Afonso desde a janela do convento fez uma oração e deu uma bênção, e o rio mudou o seu curso, salvando Pagani. Os jornais registraram o ocorrido, porém poucas pessoas o conheceram e isso foi testemunhado no seu processo de canonização. Afonso não foi um daqueles taumaturgos que parecem organizar todas as coisas a partir da fúria dos milagres, ele suportou a fadiga como operário da vinha do Senhor dedicando toda a sua vida à evangelização dos cabreiros e camponeses do Reino de Nápoles no Século das Luzes. Referência

Ruiz Goñi, Dionizio, Addio Tribunali! S. Alfonso Maria de Liguori (1696-1787). Valsale Tipografica. Materdomini (AV), 1995. Traduzido por Pe. José Afonso Tremba, C.Ss.R.

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PROFETISMO CONTÍNUO: OS TRÊS ISAÍAS, SANTO AFONSO E O 25º CAPÍTULO GERAL Profeta Isaías

Fr. Isaías Mendes Barbosa, C.Ss.R.

É comum falarmos sobre Santo Afonso em três dimensões, a saber: a clerical, a episcopal e a moral. Porém, pouco ou quase nada se fala sobre Santo Afonso em uma perspectiva profética. Diante dessa lacuna, o presente texto pretende expor um olhar profético sobre tal santo para desvelar esse aspecto pouco explorado. Porém, para justificar corretamente essa perspectiva partimos, no primeiro tópico, de alguns pontos que classificam e delineiam de modo geral o profetismo bíblico, tendo como destaque os escritos proféticos que se remetem ao(s) profeta(s) Isaías. A partir de então destacamos alguns postos-chaves da vida, ação e mensagem afonsiana que sinalizam, concordam e apresentam certa continuidade

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com o profetismo bíblico. Para além de uma simples justificação e exposição do profetismo afonsiano, sustentamos a continuidade de tal dimensão na contemporaneidade a partir dos documentos finais do 25º Capítulo Geral. Os textos proféticos dos três Isaías

O fenômeno profético nos escritos bíblicos e os textos proféticos dos três Isaías. Etimologicamente, a palavra “profeta” provém do hebraico Nabí e do grego Profétes. Ela se refere às personalidades de destaque no movimento profético clássico bíblico e extrabíblico. No profetismo bíblico o profeta é caracterizado por quatro pontos: a) ser interpelado por Deus para orientar o povo, como ocorreu com Abraão (Êx 3,10). Nesse aspecto o profeta é um vocacionado de Deus para


uma missão; b) o profeta é aquele que está nas ruas, inserido na realidade pública e social, nas periferias existenciais. Os oráculos de Jeremias contra Joaquim, a casa real e as nações (Jr 21-25) denotam sua inserção na realidade de Israel, no séc. VI, quando o império babilônico dominou Israel e deportou seus líderes; c) o profeta passa por perseguição, prisão e até morte, devido à mensagem que anuncia. Em 1Rs 18,4 vemos que Jezabel, a esposa do rei Acab, mandou massacrar os profetas de Iahweh; d) o profeta possui um carisma que transcende o tempo histórico. Deus chama homens (Abraão, Samuel, Ezequiel...) e mulheres (Débora, Hulda...) para serem a “boca de Deus”. O profeta extrapola as classes sociais, as barreiras religiosas e políticas; e) a ação profética visa realizar a vontade de Deus, retomar a fidelidade da “Aliança” e direcionar o povo para Deus; f) o profeta é uma pessoa da Palavra. Ele transmite-a por diversos meios. Dito isto, podemos delinear alguns pontos proféticos importantes que marcam os textos isaianos. Segundo os historiadores e biblistas o livro de Isaías (1-66) é atribuído a três Isaías (ou grupos proféticos): o Proto-Isaías, o Dêutero-Isaías e o Trito-Isaías. O primeiro se situa no tempo que vai de Amós até o exílio, enquanto que os dois últimos se situam no pós-exílio. No Proto-Isaías (Is 1-39) o profeta se situa no séc. VIII a.C. e participa de dois momentos fortes: 1) o momento em que os assírios entram em ação na Síria-Palestina e querem atacar a Israel, a Judá e a circunvizinhança, 2) e o momento em que o rei de Jerusalém (Faceia, um rei golpista) quer confrontar o rei da Assíria (Teglat- -FalasarIII) (ASURMENDI, 1988, p. 42). Mas para que seu grupo se torne mais forte, ele terá que fazer coligação com o Rei de Judá, Acaz, ou destituí-lo do trono. Desse modo Acaz se vê diante do perigo de ser atacado pelos assírios, ou ser destituído do poder pelo rei de Israel. Acaz é

pressionado a fazer coligação política com um dos grupos poderosos (Is 7). Nesse percurso vemos – como primeiro ponto do profeta Isaías – a sua postura diante da realidade. O profeta vai orientar Acaz a confiar somente na promessa de Deus e não fazer a coligação com nenhum dos dois. O discernimento do confiar em Deus é acompanhado pela profecia da vinda de um menino que iria salvaguardar o trono e continuar o reinado de Davi. “Isaías crer na fidelidade de Deus e, em um momento especialmente crítico, lembra ao rei a promessa que é a origem de sua realeza” (ibid., p. 46). O segundo ponto da profecia de Isaías está relacionado com a ética e o culto (Is 1,10-20) de Israel e Judá, ou melhor dizendo: contra Sodoma e Gomorra. A religião bíblica tem uma marca ética. Porém, no contexto referido a fé do povo de Deus passa pela supervalorização do culto desvinculada do seu aspecto ético-social. A postura do profeta se situa na crítica ao culto, vazio de sentido, isto é, fora da luta pela justiça e pelo direito do povo. Por esse desvínculo Isaías denuncia que os líderes religiosos e políticos, e suas mulheres, não observam a justiça que deveria provir do culto: desprezam os órfãos, as viúvas e os pobres. Assim profetiza Isaías: “Ouvi a palavra de Iahweh [...] Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura de bezerro. [...] Basta de trazer-me ofertas vãs [...]. Tirai de mim as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem!” (Is 1,10-17). No Dêutero-Isaías (Is 40-55) nos situamos no séc. VI a.C., período em que o Império Babilônico está em decadência e o Império Persa se torna uma potência. Se com as invasões inimigas parte significativa de Israel foi deportada para Babilônia, isso gerou, no povo, uma sensação de que Deus lhes abandonara. Se Israel estava fora da terra natal e sob o domínio babilônico era porque Deus estava castigando-os. Porém com a presença de Ciro, o rei persa, o povo inicia uma expectativa de libertação da Babilônia

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e retorno para casa natal. Nesse contexto de transição – de prisão e abandono para a libertação e esperança – o profeta desenvolve uma teologia marcada por uma mensagem profética consoladora: “Consolai, consolai meu povo, diz vosso Deus” (Is 40,1). Na teologia profética o tema da misericórdia aparece e segue a mesma dinâmica do tema da redenção. A Redenção também se relaciona com o Goel tratado no Antigo testamento. Trata-se do personagem do direito veterotestamentário. O Goel tinha a tarefa de “tomar as dores do seu protegido e fazê-lo recuperar a liberdade, reaver a propriedade ou, em caso de morte, vingá-lo. De modo especial, os mais fragilizados da sociedade deveriam ser protegidos, de forma a não sofrerem abusos e serem aviltados de sua dignidade” (VITÓRIO, 2016, p. 14-15). Na profecia isaiana (Is 41,14) Deus assume essa identidade de Goel-redentor para o resgate do povo de Israel que estava no exílio: “Não temas, vermezinho de Jacó, e vós, pobres pessoas de Israel. Eu mesmo te ajudarei, oráculo de Iahweh; o teu redentor é o Santo de Israel”. Outro ponto que se assenta na profecia do Dêutero-Isaías é a dinâmica do servo sofredor (Is 42,1-9; 49,1-7; 50,4-11; 52,13-53,12). No contexto do exílio e libertação de Israel a temática do servo sofredor se relaciona com a fidelidade a Deus para a plena libertação, salvação e realização humana. Nessa dinâmica vemos o valor redentor que há no sofrimento. Essa dinâmica tem relevância na mensagem cristã em que se o grão de trigo não morrer, não poderá produzir fruto. No sentido que as dores existenciais feitas pela opção de Deus e sua mensagem têm um valor santificador e contribuinte para a redenção humana. Outro ponto da teologia profética isaiana é o endurecimento do coração (Is 6,10; 29,9-11). O profeta sabe que a sua missão não será fácil. Porém, o profeta também é um anunciador da esperança e da alegria. Mas não

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se trata de qualquer alegria: mas da alegria, que mesmo passando pela dor, progride incessantemente para um futuro melhor. O próprio nome Messias já é uma abertura para a esperança. Os textos do Dêutero-Isaías (Is 7,3; 8,23b -9,6; e 11,1-9) são da esperança. O Trito-Isaías (Is 56-66) se encaixa na temática profética da justiça. A proposta divina é: “Observai o direito e praticai a justiça, porque minha salvação está para vir; minha justiça, pronta a revelar-se” (Is 56,1). Mas não se trata da justiça pela justiça, mas de uma justiça que liberta e gera felicidade aos que estão oprimidos e excluídos: “O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres; a cura aos quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, e proclamar um ano aceitável a Iahweh” (Is 61,1-2). Os pontos-chaves da vida, ação e mensagem afonsiana na perspectiva profética: Ação Afonsiana e Profetismo

Após apresentarmos um esboço sintético sobre o profetismo e a figura emblemática do profeta e da mensagem isaiana(s), podemos observar alguns pontos-chaves que identificam a vida, a ação e a mensagem afonsiana como profética. Primeiramente consideramos que a infância religiosa afonsiana é marcada profeticamente pela experiência de Deus. A educação de Santo Afonso tem essa marca espiritual profunda mediada pela presença de sua mãe Ana Catarina Cavaliere: “Foi sua própria mãe quem assumiu inteiramente essa responsabilidade, e exclusivamente” (REY-MERMET, 1984, p. 47). Além desta, o Pe. Tomás Pagano, dentre outros, foram pessoas que contribuíram para a maturidade espiritual de Santo Afonso. Tais mediações ajudaram Santo Afonso na sua espiritualidade e experiência de Deus. Com doze anos, Afonso é chamado,


por um amigo, para jogar. Tal menino perde várias partidas e chega a ofender Afonso. Após o conflito esse vai parar em um parque a contemplar a imagem de Nossa Senhora: “Ele a traz sempre consigo. [...] Está tão absorto em sua oração, tão surdo ao mundo sensível, que é preciso um momento para que o barulho à sua volta o retire de seu êxtase” (ibid., p. 53). Os sinais proféticos dessa experiência se encontram na própria vocação ao chamado de Deus: “Viu-se, de repente, envolto por uma grande luz, o edifício lhe pareceu completamente abalado, e seu coração ouviu uma voz, distintamente: – Deixe o mundo e entregue-se a mim. Afonso se detém, interiormente aterrado: ‘Meu Deus, diz chorando, resisti demais a vossa graça. Eis-me aqui: fazei de mim o que quiserdes...’” (ibid., p. 133). Outro elemento profético afonsiano se apresenta no seu itinerário de vida, que aos poucos vai incutindo em Afonso uma especial atenção profética aos últimos de Nápoles: os desassistidos sociocultural e espiritualmente. Sua vida, inicialmente delineada pela nobreza generosa, é marcada processualmente por um ritmo de vida em adesão aos prediletos de Jesus. “Esse aristocrata [Afonso,] em quem habitará a angústia dos pobres seguiu por instinto o ritmo de trabalho dos pobres” (ibid., p. 97) (acréscimo nosso). O sinal profético da aproximação com os excluídos é perceptível quando ele vai trabalhar no hospital dos incuráveis. Na Congregação da Visitação Afonso vai “tocar com suas mãos, todas as semanas, durante anos, o homem no chão, despojado, esfoliado, que geme na fossa, à beira do caminho do rico. Durante oito anos vai ‘se inclinar’ sobre ele, com amor [...]. Este pobre, este crucificado, é o Cristo” (ibid., p. 116). “Aos pobres, dedica-se ainda nosso advogado em uma outra confraria com a qual os Ligórios se acham

muito comprometidos: a de Santa Maria da Misericórdia” (ibid., p. 117). A experiência com os pobres cabreiros em Scala é um dos mais altos pontos que demarcam fortemente a proximidade profética de Santo Afonso com os últimos. “Afonso só tem olhos, ouvidos e língua para os habitantes daqueles lugares afastados; sua decisão será de consagrar sua própria vida à sua ajuda” (ibid., p. 229). Outro elemento profético em Santo Afonso é a inspiração bíblica (Palavra de Deus) pela qual ele fundou a Congregação e desenvolveu o carisma redentorista. O texto-chave é de Lc (4,16-9), em que Jesus inicia o seu itinerário querigmático público e começa fazendo referência ao profeta Isaías (61,1-2): “O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres; a cura aos quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, e proclamar um ano aceitável a Iahweh” (Is 61,1-2). Essa passagem explicita a razão profética redentora, esperançosa e libertadora da Congregação Redentorista. Nela está a retomada profética à luz da Revelação, encarnação, morte, ressurreição e eucaristização de Jesus Cristo: os inúmeros meios pelo qual Jesus demonstrou o amor inesgotável do Pai para conosco e, de modo especial, para com os pobres. Por último, encontramos em Santo Afonso elementos que fazem referência aos textos proféticos isaianos. O mais significativo deles está na aproximação e equivalência entre o termo “Goel” e “Redentor”, como explicitado anteriormente no primeiro tópico. Outro termo de ação equivalente é a “justiça”. Podemos conjeturar que tais palavras se relacionam diretamente com a vida de Santo Afonso. O termo “Goel” é propriamente do âmbito jurídico, e Santo Afonso aos 16

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anos se torna advogado. A luta pela justiça (sobretudo de Deus) perpassa o ideal afonsiano: “Afinal de contas, as virtudes que constituem o advogado são a ciência, a aplicação (diligenza), a verdade, a fidelidade e a justiça” (ibid., p. 104). Santo Afonso atua nos tribunais ao mesmo tempo que também se aproxima dos pobres e excluídos. Há uma relação nisso, que não cabe aqui aprofundar. Porém, se Afonso abandona os tribunais, isso não implica deixar de lado tais princípios jurídicos, como a justiça e a goelança (redentora), mas observá-los sobre uma experiência mais profunda e essencial, isto é, no âmbito da experiência com Deus e da prática humana, no âmbito da moral. Pois a história confirma uma busca mais profunda da justiça e da dinâmica do “Goel” fora do âmbito jurídico: trata-se do anúncio da Redenção, da justiça e da misericórdia para com a causa dos pobres e excluídos da sociedade da presença de Deus. Tais pontos são continuados e se delineiam com mais clareza, e sob outro contexto, na contemporaneidade com os Missionários Redentoristas. Documentos finais do 25º Capítulo Geral. Continuação profética: Profetismo afonsiano no 25º Capítulo Geral

Após destacarmos alguns elementos que marcam o profetismo afonsiano, podemos dizer que, na contemporaneidade, tal inspiração permeia os trabalhos dos Missionários Redentoristas. Principalmente nos documentos finais do 25º capítulo Geral (DF 25º CG), cujo tema do sexênio foi: “Testemunhas do Redentor: Solidários para a Missão em um mundo ferido”. Uma das motivações desses documentos é fazer com que sejamos “‘testemunhas do Evangelho da graça de Deus’ (Const. 7). E profetas da redenção abundante que Deus oferece ao mundo” (DF 25º CG, 2016, p. 8).

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O primeiro elemento importante é a compreensão geral da realidade contemporânea, à qual somos interpelados profeticamente: “Vivemos em um mundo ferido pelo pecado, pela violência, pelas injustiças e, hoje mais fortemente, pelo medo. A degradação ambiental feriu nosso planeta, e são os pobres os que mais dramaticamente sentem o impacto dessa degradação” (ibid., p. 7). O segundo se reporta aos espaços de atuação profética ao qual somos desafiados: “a ir para as periferias do mundo. [...] abandonemos nossa comodidade e eliminemos tudo que nos impede de ser livres e proféticos” (ibid., p. 14). Para descentralização do nosso egoísmo é preciso converter e “revitalizar nossa vida consagrada” para o serviço a Deus e aos irmãos. A motivação é que “sejamos profecia para nosso mundo com nosso estilo de vida, com nossa denúncia das estruturas de pecado, e com o anúncio da copiosa redenção em Jesus Cristo, que liberta e dignifica o ser humano” (ibid., p. 18). A Reestruturação interna e para a Missão (ibid., p. 22-24) faz parte do novo suspiro profético que estamos tendo para sermos de modo original, porém renovado, profetas dos novos tempos. Sem mais delongas: a práxis profética se situa no âmbito da urgência da solidariedade, na dinâmica de um só corpo missionário (ibid., p. 16), em missão compartilhada com toda a família redentorista (ibid., p. 17). “Aceitemos o desafio de viver e construir solidariedade: solidariedade com nosso mundo, com a criação e com os homens e mulheres de nosso tempo; solidariedade com os menos favorecidos da nossa sociedade” (ibid., p. 17).


SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO SUA ESPIRITUALIDADE E INFLUÊNCIA EXERCIDA

Afonso Maria de Ligório em Santa Ágata dos Godos

Pe. Bernard Häring, C.Ss.R., S. Alfonso de Liguori, Apparecchio Allá morte – Introduzione Ed. Paoline, Roma, 1983 Tradução de Pe José Afonso Tremba, C.Ss.R.

Para compreender a espiritualidade e a influência exercida por Santo Afonso na Igreja

será necessário ter presente a situação histórica na qual ele viveu e trabalhou.

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Uma sociedade que beneficia os privilegiados

Ele cresceu em uma sociedade profundamente classista, caracterizada pelo orgulho da nobreza, pela presunção dos ricos, pelo abuso do poder político, pela parcial secularização do clero que amava andar em busca de privilégios, de títulos honoríficos e de posições de comando, pouco se importando com a situação dos pobres e marginalizados. Tudo isso se refletia em parte nas tendências jansenistas em fase de rápida expansão, tendência segundo a qual Deus destinaria à salvação somente um pequeno número de pessoas. Também no interno da teologia escolástica de seu tempo, uma escola, que se dizia falsamente tomista, chegou à conclusão de que Deus decidira desde a eternidade – sem levar em conta os méritos ou deméritos – conceder a graça eficaz somente a um pequeno grupo e para a grande massa oferecia simplesmente uma graça suficiente, que era para justificar a imposição de castigos. A essa situação difícil se acrescentava um correspondente rigorismo, na práxis pastoral, que com facilidade repelia muitas, pessoas como casos desesperados, recusando-lhes sem muito pensar a absolvição dos pecados, para dessa forma endurecer os controles jurídicos. Na base de tudo isso estava uma imagem de Deus forjada pelos homens que queriam um Deus que aprovasse a sociedade classista do tempo com a sua persistente escravidão e marginalização. Decisiva na teologia e na espiritualidade de Santo Afonso foi a sua opção radical a favor dos pobres, dos desprezados e dos abandonados sob o perfil humano-pastoral. A sua opção imunizou-o das tendências jansenistas e rigoristas e inspirou-o na escolha do lema para a sua própria ação humano-pastoral e, posteriormente, tornou-se o lema da própria Congregação: “Copiosa apud Eum redemptio” (“Nele a redenção é abundante”).

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Marcas da Espiritualidade Afonsiana

A espiritualidade afonsiana escolhe o grito de alegria de Jesus Cristo que “naquele instante alegrou-se no Espírito Santo e disse ‘Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra porque escondestes estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado’” (Lc 10,22). Característicos desta sua opção fundamental a favor dos pobres e abandonados são os dois votos, que ele impôs a si mesmo e aos confrades além dos três votos tradicionais de pobreza, castidade e obediência: primeiro, o voto de dar precedência absoluta na atividade pastoral aos deserdados e marginalizados; e, segundo, o voto de não buscar e não aceitar encargos e títulos honoríficos na Igreja, ao menos que o papa exigisse explicitamente em virtude do voto de obediência. Era extremamente sensível ao perigo de ver a religião utilizada para fins terrenos e egoístas. Sua espiritualidade distingue-se por uma pronunciada concentração sobre o amor de Jesus Cristo, sobre o amor que o Pai nos demonstra em Jesus Cristo e ao qual ele nos chama. Esse distintivo alcança a sua expressão máxima na clássica obra afonsiana: “A Prática de Amar a Jesus Cristo”, e, também no complexo de sua atividade humano-espiritual. As suas meditações circulam continuamente em torno aos mistérios da encarnação, paixão, eucaristia, nos quais o amor fala com uma eloquência particular em nossos corações. Nas orações o santo retorna sempre à verdade fundamental: “Deus é amor”, porém esse amor é concreto e pessoal: Deus nos ama tanto que realmente nos prende no amor, embora, não tenha necessidade, ele quer ser amado por nós, nos quer santos no oceano de seu amor. Ele não nos quer como


escravos mas como amigos, filhos e filhas plenos de amor. Esse amor íntimo, apaixonado e confiante em Deus caracterizado por uma imersão sem reservas é precisamente para Santo Afonso a experiência que o lança de maneira decidida a interessar-se pelos pobres e abandonados: ele quer ver Deus amado e honrado por todos e em todos, quer ver todos plenos de amor e santificados pelo amor. Afirma com clareza que o amor ao qual se refere não é um amor sentimentalista ou adocicado. Insiste, sim, sobre o fato de que o amor deve ser íntimo e cordial, mas em igual medida afirma, também, que deve ser um amor iluminado, decidido e fecundo. Afonso pleno de amor por Jesus Cristo quer inscrever nos seus ouvintes e nos seus leitores o amor encarnado, quer gravar nos seus corações o amor salvador do crucificado. Para o nosso santo aprender a amar significa aprender a conhecer Jesus Cristo e, com Jesus Cristo, aprender a amar é conhecer o Pai. Portanto, em Santo Afonso, o amor tem um rosto preciso: Jesus Cristo. Santo Afonso usa a bela expressão: “Dilege, ama!”, que significa prestar atenção ao amor demonstrado por Deus, abrir-se a Ele, implorá-lo constantemente como dom e recebê-lo das mãos divinas com gratidão. Prestar atenção no amor de Deus

Na espiritualidade afonsiana é característica a insistência sobre a conformidade com a vontade de Deus. Esta pressupõe uma confiança íntima e total no fato de que a vontade de Deus é amor e conduz ao amor santificante. Viver em conformidade com a vontade de Deus significa para Santo Afonso aceitar tudo aquilo que Deus nos revela e nos propõe a crer mediante a Igreja, mas significa

também, de modo particularíssimo, abandonar-se confiantemente nas mãos de Deus: entregar-se totalmente a ele, colocar-se sem reservas em suas mãos, assim ele desmascara a tentação humana de induzir Deus a fazer a nossa vontade. Somente ao abandonar-se totalmente em Deus, entregando a sua vontade e o seu coração, é que o homem pode chegar à verdade e atingir a liberdade como pessoa. A conformidade à vontade de Deus brota para Santo Afonso exatamente do núcleo central da oração de Jesus e de seus discípulos: “Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu” (Mt 6,9-10), oração na qual presta-se atenção ao termo: “Pai”, abandonando-se e colocando-se sem reservas em suas mãos até o fim. Abandonar-se significa nutrir uma confiança de criança enraizando-se no céu, mas tendo os pés na terra. Um segundo termo-chave na espiritualidade afonsiana é o distacco. Esse segundo termo está diretamente relacionado com o primeiro, isto é, a conformidade com a vontade de Deus. Distacco significa distanciar-se do eu egoísta e do mundo egoísta. A forte acentuação ao distacco está indicando teologicamente em Santo Afonso, antes de mais nada, a necessidade de redenção do gênero humano, da humanidade inteira, incluindo a criação que está imersa na corrente do pecado do universo inteiro. O distacco na linguagem afonsiana é uma boa explicação para uma expressão bíblica: mortificação da carne, de difícil compreensão naquele e neste tempo. Também, distacco não significa fobia do mundo ou medo do corpo. O mundo do qual Santo Afonso pede distância é o mundo que cria situações hostis a Deus. O distacco somente tem sentido em relação

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à libertação dos egoísmos para viver o verdadeiro amor na liberdade de filhos de Deus. Eloquentes a esse respeito são as orações de Santo Afonso: “... desligai-me de todo afeto que não me conduza a vós...” (Preparação para a morte, consideração XX,3), ou “...desligai-me de tudo, arrancai de minha alma tudo o que não conduz a vós...” (idem, consideração XXI,3). O Santo acrescenta neste texto aquilo que para ele é a instância autêntica do distacco: “... e fazei que eu seja inteiramente vosso...” (ibidem, consideração XXI,3). O distacco é, também, sinônimo de liberdade para Deus e, especialmente, de liberdade para o Deus do amor a fim de poder amar livremente com Deus. É o distacco que torna possível a predileção pelos pobres, pelos abandonados, pelas pessoas repugnantes. Segundo Santo Afonso o critério para verificar se o nosso amor é realmente livre de toda a forma de escravidão do egoísmo pessoal e/ou coletivo é o nosso amor pelos pobres no sentido amplo do termo, isto é, concretamente o nosso amor pelos não amados, pelos desterrados, pelos desleixados, pelos desprezados e por todos aqueles que não estão em condições de retribuir o nosso amor. Santo Afonso compreende o distacco a partir do mistério da encarnação, no menino divino-humano colocado na manjedoura, no despojamento do Verbo de Deus e a pobreza extrema, na qual nasce Jesus, que são para Santo Afonso o triunfo do amor livre de Deus pela humanidade pecadora e de per si digna de ser amada, e, ao mesmo tempo, são o desmascaramento do egoísmo e da voracidade dos ricos e poderosos da terra. No entanto, a imagem suprema do distacco é Jesus na Cruz. Na cruz Jesus se abandona com toda a confiança nas mãos do Pai.

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“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Na cruz mostra o seu amor ilimitado rezando pelos seus algozes e seis blasfemadores, reza pelos ladrões crucificados ao seu lado e, também, reza por todos aqueles que são desprezados e desterrados pelos homens. Também, o distacco faz com que aprendamos a amar a criação como dom de Deus, alegrando-nos com a beleza de suas obras. A gratuidade da criação desafia-nos a colocar todos os bens da terra a serviço do amor, principalmente, no amar os não amados e no amor aos nossos inimigos. Quem não leva em consideração essas máximas acima citadas não compreendeu absolutamente nada da espiritualidade afonsiana. A exigência do distacco é tão radical quanto as exigências que nos põe o amor a Deus. Deus nos quer livres para amá-lo, nos quer livres para poder amar como ele ama, da mesma forma, como ele se revela absolutamente livre para amar na encarnação, na paixão e na morte de Jesus Cristo. O terceiro pilar da espiritualidade afonsiana são a gratuidade e a abundância da redenção. Nesse ponto ele é drástico e coerente como São Paulo e Santo Agostinho. Tudo é graça. Com o pecado a humanidade perdeu completamente o direito ao amor de Deus. Direito esse concedido gratuitamente por Ele. O motivo do amor redentor de Deus está unicamente Nele pelo fato de que Ele é Amor. O comportamento amoroso de Deus é total e abraça todos os homens e mulheres. Todavia, recebem efetivamente o seu amor somente aqueles que se reconhecem não merecedores de tal amor. O soberbo não reconhece Deus como Deus, não o reconhece como fonte e a razão de todas as coisas. Quem se justifica, por si mesmo, quem faz alavancas sobre as próprias obras, peca diretamente contra a verdade do amor divino fechando-


-se aos frutos da Copiosa Redenção. É sob esse prisma que é vista a doutrina afonsiana sobre a graça e sobre a oração. Contra o Jansenismo

Contra o jansenismo e as correntes teológicas afins o santo doutor sublinha com veemência e em todas as ocasiões o dogma de que Deus, quer verdadeira e realmente a salvação e a santificação de todas as pessoas. O zelo pelas almas é para ele o modo de participar totalmente do amor redentor de Deus o qual é dirigido a todos os homens. A moral da misericórdia e da paciência é um louvor ao amor misericordioso de Deus, enquanto que a dureza e a impaciência pastoral são uma blasfêmia à misericórdia divina. A primeira tarefa e o trabalho fundamental do pastor de almas, em particular do confessor, consiste em tornar visível e perceptível o amor misericordioso de Deus-Pai revelado por Jesus Cristo. Se na sua velhice, Santo Afonso, pode dizer que durante a sua vida jamais negou a absolvição a alguém, isso não foi fruto do laxismo, mas sim, fruto de sua experiência pessoal da misericórdia de Deus. Por causa da sua experiência da misericórdia é que conseguia orientar eficazmente os penitentes para que também eles pudessem experimentá-la. Uma recusa precipitada da absolvição, em Santo Afonso, significa uma falta grave contra o amor misericordioso de Deus. Com grande vigor ele ensina que Deus concede a todos a graça suficiente para rezar. Graça que ele chama de “falivelmente eficaz”. O eventual rompimento tem a sua causa primeira na pessoa, sobretudo, no reconhecimento gratuito de que a salvação é uma graça não merecida. Santo Afonso ensina insistentemente com a tradição agostiniana que a predestinação não é fruto de obras

humanas. Em Cristo todos são chamados à santidade. Todavia a predestinação definitiva é pura graça, no entanto, conta com o humilde e constante reconhecimento por parte da pessoa de que a salvação é um dom concedido gratuitamente. Por isso o acento colocado sobre a oração em geral, e, especialmente sobre a oração de agradecimento e de súplica, e em particular sobre a oração para obter a graça da perseverança até a morte. Santo Afonso faz todo o possível para estimular e educar o cristão à oração confiante. Ninguém deve duvidar da misericórdia de Deus. Deus quer verdadeiramente a salvação de todos. Isso implica porque todos os seus escritos ascéticos são meditações orantes e um guia à oração espontânea e a toda a gama de oração cristã; da oração animada pelo amor gratuito àquela animada pelo amor estupefato, humilde e arrependido; da oração de súplica confiante para obter o amor perfeito àquela para obter a perseverança definitiva no amor. A clara doutrina da redenção e da graça informa (dá forma) também à moral e à pastoral afonsiana da paciência e do respeito pela consciência da pessoa. Pelo motivo de unir-se ao amor de Jesus, Santo Afonso viu claramente quanto é ineficaz e injusto sobrecarregar as pessoas com normas jurídicas. A primeira coisa que deve ser feita é conduzir a pessoa ao amor de Deus, em seguida à progressiva educação e ao reconhecimento daquilo que o verdadeiro amor exige dela. Santo Afonso ensina, com muita insistência, que não se pode colocar alguma obrigação jurídica, se o penitente ou aquele que busca aconselhamento não está em condições de compreender em consciência tal obrigação como uma verdadeira exigência do amor de Deus. Contradiz ao amor de Deus pretender, aqui e agora, algo que seja sentido como contrário à reta consciência.

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Na espiritualidade afonsiana isso não tem nada a ver com a mediocridade ou com a tolerância à mediocridade. É uma questão de pedagogia divina. Essa pedagogia requer que apresentemos sempre a abundância da redenção como vocação à salvação, contemporaneamente, como vocação à santidade. A opção fundamental oferecida em Jesus Cristo inclui o princípio da opção pela santidade, sabendo que a pedagogia salvífica orienta progressivamente a pessoa até o fim. Santo Afonso soube desafiar de forma verdadeiramente carismática o pecador de modo a não desesperar por sua própria salvação. Em particular afirma que um sinal da graça é constituído pela dor pelos pecados cometidos e pelo desejo de amar a Deus sobre todas as coisas. Ao mesmo tempo, recorda com extrema clareza que aqueles que se contentam com a mediocridade e vivem na tibieza não podem recorrer às promessas divinas e quem aspira seriamente à santidade não tem motivos para temer, mesmo que sua aspiração permaneça como uma meta. As quedas parciais devem constituir um motivo para rezar com mais fervor e fazer uso dos meios salvíficos à disposição. Devoção mariana

Não é possível delinear os traços da espiritualidade desse santo sem mencionar a sua profunda devoção a Maria Santíssima. Quando ele começou a trabalhar nas missões com os Pios Operários, a pregação missionária consistia quase que exclusivamente no evocar as verdades desconcertantes e ameaçadoras do pecado, da morte, do juízo final e do inferno. Afonso jamais duvidou da necessidade de pregar com seriedade e insistência sobre essas verdades. Ele deu um passo além. Percebeu claramente que o simples temor

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pelo castigo não produz verdadeiras conversões. O medo não leva a nada. A conversão no seu sentido cristão é, de fato, uma resposta dada de todo o coração ao amor redentor de Deus. Pregador talentoso e entusiasta que era, experimentou rapidamente que os pecadores tinham necessidade de uma grande confiança na misericórdia de Deus e quer que os seus confrades não abandonem jamais um lugar, sem terem pregado, por uma semana, durante as missões populares, sobre as verdades consoladoras que suscitam e reforçam de modo particular a confiança em Deus e o amor dele. Das pregações desconcertantes sobre as máximas eternas, como se fazia então, ele passava rapidamente a pregar sobre Maria, o grande sinal da esperança no amor misericordioso de Deus. A ideia central ressoa como um louvor “O bella mia speranza”. Ele narrou muitas vezes que convertia mais pecadores com essa pregação sobre Maria do que todas as outras precedentes sobre as máximas eternas. A influência de Santo Afonso na vida da Igreja foi enorme. Ele provocou mudanças atingindo os pontos fundamentais da moral e da espiritualidade. O santo doutor acusou a teologia, a literatura ascética e a pregação de seu tempo de serem frias e áridas. Os seus escritos ascéticos são um diálogo de coração a coração entre ele e Jesus Cristo, entre ele e seus leitores. As suas obras foram lidas e meditadas por milhões de pessoas, que foram incentivadas a rezarem com confiança e assumirem com galhardia a sua vocação à santidade. Esse foi Santo Afonso. Nós, seus filhos, devemos traduzi-lo hoje respondendo com entusiasmo aos desafios que nos são propostos pelo mundo e pela Igreja. Aceitemos o desafio.


A FORMAÇÃO MORAL DA JUVENTUDE NA ERA DIGITAL Juventude conectada

Pe. Anísio Tavares, C.Ss.R.

A formação moral da juventude na era digital foi o tema que escolhi para a dissertação de conclusão do Mestrado em Teologia Moral, curso realizado na Pontifícia Universidade Lateranense – Academia Alfonsiana, de outubro de 2015 a junho de 2017, em Roma.1 Antes mesmo de partir para a Cidade Eterna, já ciente da missão que me aguardava no velho continente, esperava que o estudo da moral pudesse oferecer elementos para enfrentar o desafio da formação da juventude em nossos dias. Três fatores foram significativos para que eu me debruçasse sobre essa temática. Primeiro, por estar eu mesmo imergido, em certa forma, no mundo digital. Segundo, por ser formador jovem no Seminário Redentorista Santo Afonso, em Aparecida-SP, por três anos, período em que pude acompanhar a formação dos adolescentes e ajudá-los no processo árduo e necessário do discernimento vocacional. Terceiro, por estar envolvido nas atividades de

grupos de jovens, especialmente da Juventude Missionária Redentorista. Consciente de que a missão junto à juventude teria de ir além da promoção de momentos celebrativos-festivos, fui enfrentando, juntamente com outros confrades, os desafios de oferecer subsídios e condições que os ajudassem a formar-se na liberdade e na responsabilidade diante da vida a partir dos valores do evangelho, tudo isso dentro da era digital. Nessa fecunda experiência com a juventude, ficaram evidentes ao menos dois aspectos: 1. A presença da internet não pode ser considerada isoladamente dentro da gama de desafios que envolvem a formação juvenil; 2. Elencar possibilidades e riscos presentes na internet não é suficiente, visto que somente a dimensão tecnológico-instrumental é evidenciada nesse modo de 1 A dissertação está estruturada em três capítulos: 1 – Ciberespaço e juventude; 2 – A formação moral da juventude na era digital; 3 – O discernimento como caminho de integração da juventude na era digital.

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abordagem. É preciso ir além e reconhecer que o ciberespaço tornou-se um espaço antropologicamente significativo, no qual as pessoas rezam, trabalham, compram e vendem, promovem encontros e desencontros. Procuram mostrar-se, mas também esconder-se; constroem, ampliam e ressignificam suas redes sociais, mas também espalham o ódio e o preconceito. Em uma palavra, a internet não oferece apenas conteúdos em páginas estáticas, como há pouquíssimo tempo, mas permite que a dimensão existencial das pessoas se estenda enormemente nas diversas plataformas digitais, ganhando novos sentidos e significados. Considerando o espaço digital nesse modo mais profundo e enraizado na antropologia cristã, fica evidente que apenas proibir ou liberar o uso da internet e de seus respectivos dispositivos não é formativo. Dada a dinâmica com a qual a internet está inserida na vida das pessoas, faz-se necessário uma formação para a liberdade e responsabilidade criativas, a fim de que esse novo espaço não seja somente usado, mas sobretudo habitado em tal modo que as pessoas não se aprisionem, mas continuem livres e responsáveis para crescerem segundo o plano amoroso de Deus (cf. Gn 1-2) que chega ao ápice naquele que nos libertou para a liberdade (cf. Gl 5,1). O estudo da moral alfonsiana foi importante para abordar essa realidade atualíssima. O legado moral que Afonso deixou sobre a dignidade da consciência e a necessidade de que esta seja formada continuam válidos, em sua base, até nossos dias. A reflexão de Afonso ganhou desenvolvimentos e reflexões atualizadas. Destaco o grande Teólogo Moralista Bernhard Haering, de saudosa memória, Sabatino Majorano e Marciano Vidal, entre tantos outros. Suas reflexões evidenciam que a formação da pessoa é o ponto crucial para qualquer projeto

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que esteja disposto a acompanhar as pessoas em um processo autoformativo, sem serem formatadas com regras impostas e disciplinas incompreendidas. Nessa linha de reflexão encontrei a base essencial para abordar a formação juvenil na era digital. A versatilidade dos dispositivos e a infinidade de aplicativos proporcionam acesso cada vez mais fácil e dinâmico à rede digital, mas também de difícil acompanhamento e controle por parte dos educadores e dos poderes legislativo e judiciário. Nesse sentido, o novo ambiente digital passa a exigir, em um modo totalmente novo, uma formação humana capaz de orientar as pessoas na experiência existencial em rede, a fim de poderem construir-se e dar significado ao projeto de vida dentro de um ritmo social cada vez mais provisório, imediatista e frenético. A partir dessa constatação, dediquei bom espaço para enfatizar a dinamicidade do mundo digital, que já não se restringe aos dispositivos eletrônicos, mas envolve profundamente a vida off-line das pessoas. Considere-se, por exemplo, as constantes interrupções e intromissões que a dinâmica digital produz nas atividades do dia a dia, como o descanso, o trabalho, a conversa face a face, o lazer, os estudos, a leitura... tudo acaba sendo interrompido por sons e vibrações dos dispositivos sempre on-line. Indo além dos fenômenos, descobre-se que as coordenadas antropológicas fundamentais de tempo e espaço estão sendo rapidamente transformadas, fato que deve ser considerado com a máxima atenção na formação moral hoje. A respeito da temporalidade, é consenso que a era digital está totalmente imbricada com a aceleração presente na sociedade pós-moderna, prometendo agilidade como jamais se viu. Há não muito tempo, um evento se tornava conhecido do grande


público após um processo relativamente longo de documentação, produção e publicação pelos meios convencionais, com as devidas autorizações legais. Hoje, com os smartphones cada vez mais evoluídos, torna-se possível a qualquer pessoa conectada publicar em tempo real o que bem entende e do modo como acha conveniente. Ganha-se na rapidez e o conceito de instantaneidade tem cada vez mais importância. Entretanto, surge o grande desafio de como maturar tais experiências em nível pessoal, grupal e social. As timelines das redes sociais expressam bem tal realidade: as plataformas digitais são alimentadas pelos próprios usuários, sem ordem pré-definida. Ao ver tais publicações sequenciadas, vê-se de tudo: o amigo que comprou um carro novo, um outro que foi hospitalizado, a festa do grupo de amigos sendo transmitida por meio de uma live, a notícia de luto pela morte de familiares de um amigo, mensagens de bom dia, reclamações sobre a política... tudo isso em fração de segundos. Sobre a espacialidade, as transformações são consequentemente radicais. As distâncias não deixam de existir nem são encurtadas como, às vezes, tenta-se incutir. O que ocorre é uma ressignificação do espaço, da distância, criando novos horizontes de compreensão, até então, impensáveis. As fronteiras entre público e privado são cada vez mais tênues. A delimitação física dos espaços é relativizada. Nesse contexto fluido, o mostrar-se e o velar-se, tão essencial para a construção da identidade, acaba sendo totalmente alterado e, em grande parte dos casos, distorcido. Não são raros os casos de desrespeito à dignidade humana. Essa rápida visão panorâmica já permite concluir que a internet não é mais somente um acessório de nosso cotidiano, mas se configura como ampliação de nossas

experiências existenciais. É exatamente isso que nos faz cada vez mais dependentes de dispositivos digitais e de seus inúmeros aplicativos. A internet entrou sorrateira e rapidamente em nosso quotidiano, mantendo-nos conectados digitalmente, mas não só. O digital e o existencial estão cada vez mais unidos e inter-relacionados que já se torna impossível “escapar” da dinâmica da rede que nos circunda, nos envolve e, em não raras vezes, aprisiona-nos. Uma das grandes preocupações para as instituições formativas é o fato de que essa dinamicidade do mundo digital está sendo assumida, em grande parte dos casos, acriticamente por todas as faixas etárias. As críticas que surgem sobre o uso excessivo e até desrespeitoso dos smartphones, sobre a autoexposição exagerada nas redes sociais, sobre a violência que cresce nas plataformas digitais têm seus méritos por alertar que algo está errado e que precisa ser repensado. Mas se tais reflexões e críticas não chegarem até a raiz antropológica da questão, pouco ou nada mudará nesse cenário de grandes possibilidades e desafios. Os fatos comprovam que avanço tecnológico e crescimento humano não caminham lado a lado como se pensa. Mesmo com todo o espaço de liberdade e criatividade que a internet proporciona, não se constata que as pessoas estão consequentemente mais realizadas, mais sábias, mais fraternas. Os inúmeros recursos do mundo digital não fazem, por conseguinte, as pessoas mais inteligentes do que outrora. Diante desse panorama, é preocupante como se tem louvado os avanços tecnológicos digitais e, ao mesmo tempo, está se transcurando a formação humana. Não teremos pessoas mais justas, livres, fraternas, responsáveis e criativas, enfim, mais humanas como resultado dos avanços da internet.

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O desafio maior enfrentado pela formação moral hoje é encontrar caminhos que não desconsiderem a dinâmica do mundo digital, mas a integre eficazmente no projeto formativo. Baseando-me em Paulo Freire, procurei mostrar que diante da fácil adaptação ao uso da internet no cotidiano, é preciso promover uma profunda integração à sua dinâmica, o que implica humanizar esse espaço de rápidos avanços e novos atrativos. O primeiro desafio é ter postura crítica sobre o mundo digital, evitando visões muito otimistas ou totalmente pessimistas. Não basta, repito, mostrar pontos positivos e negativos, mas mostrar que uma nova lógica envolve nossa visão de mundo e o modo com o qual nos relacionamos. O segundo é mostrar que a formação moral não se resume em conjunto de regras a serem implementadas, normas a serem seguidas, mas sim na capacitação da pessoa para o discernimento prudente em cada situação, a fim de que seja sua atitude fundamental a guiar seu atos off-line ou online. E se o ciberespaço se tornou um lugar existencial, fica cada vez mais evidente que é preciso não só discernir sobre como utilizá-lo (visão instrumental), mas como discernir-se dentro de sua dinâmica envolvente e, cada vez, mais hegemônica (visão antropológica). O tema do discernimento ocupou o último capítulo da pesquisa exatamente por estar aí o desfecho do agir moral. Nesse ponto da reflexão, os desafios para a formação moral se tornaram mais evidentes, visto que as fontes da moralidade objeto, circunstância e intenção (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1750) merecem novo tratamento a partir da dinâmica digital. Faz-se necessário repensar essas categorias clássicas à luz do atual contexto, a fim de que a proposta teológica moral seja atualizada. Ainda sobre o tema do discernimento, foram abordadas a temática e a dinâmica do

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próximo sínodo dos Bispos, que acontecerá em Roma, em 2018. O tema escolhido para a XV Assembleia Geral Ordinária é “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Partindo do Documento Preparatório foi possível analisar como que a dinâmica do mundo digital ainda aparece de modo isolado ao olhar a realidade da juventude. A proposta apresentada na última parte da dissertação foi dedicada ao acompanhamento da juventude em suas escolhas fundamentais. Procurei enfatizar que o discernimento moral é a base para o discernimento vocacional, visto que essas duas dimensões convergem para a realização plena da pessoa humana em sua realidade existencial. Seguindo a proposta da Igreja em saída, apresentada em Evangelii gaudium n. 51, procurei demostrar que o jovem precisa reconhecer como a dinâmica do mundo digital o afeta; que é preciso ele mesmo interpretar esse novo momento da história à luz dos valores humanos fundamentais enfatizados pelo evangelho e, assim, escolher bem o rumo de sua vida. Para isso, é preciso ampliar os três verbos que o Papa Francisco apresentou no capítulo oitavo de Amoris laetitia também para aqueles que estão envolvidos na formação da juventude: Acompanhar, discernir e integrar a presença juvenil on-line. Tenho consciência de que os temas levantados merecem maiores aprofundamentos teóricos e uma intensa ação formativa que seja gradual e perseverante. Espero que os pontos elencados na dissertação possam motivar o leitor a encarar de modo novo a era digital, indo além dos fenômenos mais evidentes para descer às raízes antropológicas, em vista de uma formação moral que ofereça bases para enfrentar essa mudança de época com dignidade e justiça a partir da fé cristã.


EU CREIO – NÓS CREMOS! “Ninguém vive sem crer em algo”, relata São João da Cruz (Obras Completas) Fé

Ângelo Célio de Azevedo, aspirante redentorista

O Concílio Vaticano I (1870), para dissipar os erros do século XIX, definiu a Fé nos seguintes termos: “A fé é uma virtude sobrenatural, pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos como VERDADEIRO toda a Revelação dada por Deus, através de seu filho Jesus

Cristo!” O Concílio vaticano II (1964), assim se pronunciou: “Ao Deus que se REVELA, deve-se a obediência da fé, pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus!” A Fé não é um sentimento cego nem um ato de confiança afetiva em Deus,

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mas, sim, uma atitude da inteligência, que movida pela vontade livre do ser humano, diz “sim” a Deus que se revela. Não se pode crer em qualquer crença, apenas para se ter uma vida espiritual ou uma religião. Não se pode crer em algo vago, indefinido, sentimental, só se pode crer em algo que a inteligência examinou e aprovou. Não vemos a Deus, mas “Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos, é a mim que estais fazendo” (Mt 25,40). Isso é FÉ! O Sacerdote, após pronunciar a Fórmula da Transubstanciação no Santo Sacrifício “Este é o meu Corpo... Este é o meu Sangue...”, conclui dizendo: “Eis o Mistério da Fé!” “A Deus, ninguém jamais viu, mas o Unigênito, Ele no-lo deu a conhecer!” (Jo 1,18) Isso é Fé! Não se pode, portanto, cultivar qualquer ‘anti-intelectualismo’ diante da fé, pois a fé é o ato mais nobre do homem. Ela une a inteligência (faculdade digna) e a experiência do ser humano (criado a imagem e semelhança de Deus), ao objeto mais perfeito dessa relação, o próprio Deus. É, portanto, a relação entre a criatura e o seu Criador, a quem não vemos, mas sabemos existir. “É em virtude da fé que alguém se torna herdeiro” (Rm 4,16a). Isso é FÉ! São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, afirma que “o homem não acreditaria, se não visse que deve crer!” Isso é FÉ! Pela fé, o ser humano se entrega a Deus. Ter fé, e vivenciar essa fé, é algo difícil para o ser humano, principalmente neste mundo “moderno e digital” que estamos vivendo. O Catecismo da Igreja Católica assim ensina: “Crer é um ato humano, consciente e livre, que corresponde à dignidade da pessoa humana!” (CIC 3, §18). O CIC ensina também que CRER é um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, sustenta e alimenta a nossa fé. A Igreja é a

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Mãe de todos os que creem. Ninguém pode ter a Deus por Pai, que não tenha a Igreja por Mãe! Pelo sacramento do batismo, somos inseridos nessa realidade: Eu creio – nós cremos! O Salmo 61 reza: “Só em Deus a minha alma tem repouso”. O desejo de Deus, revelado por meio de seu Filho Jesus Cristo, é que Ele seja o único meio e fim do ser humano: “Vinde a mim todos vós!” (Mt 11,28). Deus não cessa de atrair o homem, e o homem vive nessa busca e intimidade com o Sagrado. O desejo de Deus é que o ser humano viva a vocação à qual foi chamado no início da concepção de sua vida: “Vivamos por Ele!” (1Jo 4,9b). A Profissão de Fé, assumida no Batismo, propicia ao ser humano, a prática da Fé, tornando-o capaz de Deus. Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus e ao próximo, a criatura que procura o seu Criador, descobre certas “vias” para aceder ao conhecimento de Deus, não no sentido das provas que as ciências naturais buscam para comprovar a existência de algo superior a nós, sagrado, que rege o universo, mas no sentido de argumentos convergentes e convincentes que permitem chegar à verdadeira revelação do amor de Deus, que é a sua presença encarnada entre nós “quando completou-se o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho único, nascido de mulher” (Gl 4,4). O CIC vem ensinar que “estas vias para se chegar a Deus têm como ponto de partida a criação: o mundo material e a pessoa humana. O mundo, a partir de seu movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza. Pode-se conhecer a Deus como a origem e fim do universo” (CIC 1, §32), “Porque Nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações,


sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por Ele e para Ele.”(Cl 1,16). “O homem, com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu senso do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua aspiração ao infinito e à felicidade, interroga-se sobre a existência de Deus. Nessas aberturas, percebe ‘sinais da sua alma espiritual’. Como semente de eternidade, que leva dentro de si, irredutível à só matéria, sua alma não pode ter sua origem senão em Deus” (CIC 1, §33). “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1,27). “Para vós, Senhor, elevo a minha alma.”(Sl 25,1). O Primeiro Mandamento, descrito no Pentateuco (Torá – Livro da Lei), em Êxodo, exorta a “Amar a Deus sobre todas as coisas”. A fé nos leva a usar corretamente as coisas criadas, leva-nos a usar de tudo o que nos aproxima do Senhor e a nos desapegar das coisas que nos desviam dele. A Santa Madre Igreja nos ensina a amar a Deus e a conhecê-lo, “a partir das coisas criadas”, ensina o CIC. Porém, “o ser humano tem necessidade de ser iluminado pela Revelação de Deus, não somente sobre o que ultrapassa o seu entendimento, mas também sobre as verdades religiosas e morais, que, de ‘per si’, não são inacessíveis à razão, a fim de que estas, no estado atual do gênero humano, possam ser conhecidas por todos, sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro”, continua ensinando o CIC, 1, § 36 e 38. Agora pensemos: como falar de Deus? Primeiramente, vencendo dois grandes obstáculos à Fé: o orgulho e o racionalismo. O orgulho nos afasta da fraternidade universal. O racionalismo impossibilita a intervenção extraordinária de Deus na vida do homem e na própria

história. Santo Agostinho (354-430) exorta: “Se não podes entender, crê para que entendas. A fé precede, o intelecto segue”. Santa Teresa d’Ávila, deixou registrado: “O mundo está cheio de belas palavras, mas pobre de testemunho” (Obras Completas). Para que o mundo creia, é preciso que aqueles que creem, deem testemunho do que se acredita. Assim, estaremos falando de Deus para a humanidade. “Deus transcende a toda criatura. Por isso, é preciso incessantemente purificar a nossa linguagem daquilo que possui de limitado, de proveniente, de pura imaginação, de imperfeito, para não confundirmos o Deus inefável, incompreensível, invisível, inatingível com as nossas representações humanas. Nossas palavras humanas permanecem sempre aquém do Mistério de Deus” (CIC 1, § 42). Para concluir, recordemos a inspiração de nosso fundador. Santo Afonso Maria de Ligório compreendeu o que é ter fé. Sua vida foi um testemunho de fé. Viveu na prática a Palavra do Apóstolo dos Gentios: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12,2), mostrando a toda a humanidade, com o seu testemunho, o que é vivenciar a fé. E vivenciando também a experiência de revelação de Deus, chego à conclusão de que eu creio, nós cremos, e como “corpo missionário que formamos”, podemos, pela fé que professamos e pela força do amor que nos envolve, espalhar a fé pela face da terra: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo. Mas quem não crer, será condenado!” (Mc 16,15-16).

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A PRESENÇA DA IGREJA NA CULTURA DIGITAL Cultura digital

Pe. Luis Almir Gonçalves, C.Ss.R.

Cultura digital

A evangelização é, por excelência, uma comunicação – um falar de Deus. O primeiro comunicador é Deus: Ele, com a sua criação, comunicou-nos o seu amor. À luz da Comunicação Divina, na Igreja, a comunicação está intrinsicamente relacionada com a evangelização: se comunica

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evangelizando e se evangeliza comunicando. Sem comunicação não há evangelização. A Igreja Católica, desde o surgimento da imprensa – século XV – sentiu-se desafiada a adotar os meios de comunicação na evangelização. No Concílio Vaticano II, com o Decreto Inter Mirifica, a Igreja reconheceu


oficialmente o valor da comunicação social para transmitir a mensagem do Evangelho. Ao adotar a comunicação na sua evangelização, a Igreja conquistou novos horizontes e alargou o seu diálogo com a sociedade, já que a comunicação social se constitui como o novo areópago1 da atualidade. Diante e dentro da cultura digital, a Igreja tomou consciência da necessidade de estar presente na mídia para estar presente no mundo. A inserção da Igreja na cultura digital não significa ser uma Igreja virtual, mas inserir, na dimensão virtual, conceitos e valores de uma Igreja que deseja e tem a missão de levar o Evangelho a todos os ambientes para ser fiel ao pedido de Jesus: “Ide e ensinai a todas as nações” (cf. Mt 28,19). O valor da cultura digital na evangelização

Na pós-modernidade, a comunicação se constitui um elemento relevante, um conjunto de valores e uma nova forma de socialização que não pode ser ignorada na vida pastoral da Igreja. A comunicação digital se constitui em um fator articulador que gera, modifica e sustenta os aspectos da vida social na sociedade contemporânea. Para o Papa São João Paulo II, “os mass media revelam-se uma oportunidade providencial para alcançar os homens em todas as latitudes, superando barreiras de tempo, de espaço e de língua”2. A inserção da evangelização na mídia, no contexto atual, é uma exigência já que o Evangelho, na cultura contemporânea, necessita de uma linguagem atualizada para ser proclamado, pois, para muitos, “vivemos com a mídia e pela mídia”3. Segundo McLuhan, os novos meios de comunicação, como parte de uma nova cultura, tornam-se extensão do ser humano”4. A mídia representa o principal instrumento de informação, de formação, de guia e inspiração aos comportamentos individuais, familiares e sociais. É incontestável

que a mídia é uma cultura e também pode ser um novo espaço para a inserção da fé, uma vez que “as mídias digitais não são portas de saída da realidade, mas sim próteses e extensões capazes de enriquecer nossa capacidade de viver as relações”5. Desta forma, a cultura digital pode ser um ambiente propício para interagir evangelização e comunicação. Diante dessa cultura, é indiscutível que os novos meios de comunicação devem ser incorporados à evangelização, já que, para muitos estudiosos, “a mídia somos nós”6. A comunicação está na Igreja não somente como instrumento, mas como elemento inerente à sua missionariedade. Para a Igreja, comunicar não é uma opção; é uma missão. Assim, a adoção da comunicação digital na evangelização torna-se uma exigência à evangelização. Na vida pastoral da Igreja, a união entre comunicação e evangelização é indispensável, já que a comunicação ocupa quase todos os espaços sociais e constitui o cenário em que se forma o ser humano contemporâneo, como a família, a escola e a religião. A comunicação também cria valores, hábitos e códigos na sociedade global. A inclusão digital pode ser um novo modo de ser Igreja e uma nova maneira de ser presença de fé, em uma sociedade que vive os efeitos da revolução tecnológica. Inovar-se 1 Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Redemptoris Missio do Sumo Pontífice sobre a validade permanente do mandato missionário, 7 de dezembro de 1990, n. 37. 2 ________, Carta Apostólica O Rápido Desenvolvimento do Sumo Pontífice aos responsáveis pelas comunicações sociais, 24 de janeiro de 2005, n. 5. 3 M. CASTELLS, A sociedade em redes, Paz e Terra, São Paulo 19995, 358. 4 Cf. M. MCLUHAN. Dall’occhio all’orecchio, in G. GAMALERI (a cura di), Armando Editore, Roma 1982, 16. 5 M. SBARDELOTTO, E o Verbo se fez bit. A comunicação e a experiência religiosas na internet, Santuário, Aparecida 2012, 16. 6 “I media siamo noi”: F. CERETTI - M. PADULA, Umanitá mediale. Teoria sociale e prospettive educative, Edizioni ETS, Pisa 2016, 15.

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para inserir uma comunicação-evangelização é uma necessidade, visto que estamos em uma fase da história na qual estamos imersos na cultura midiática. Adentrar-se na cultura digital, para a Igreja, é submergir no coração da comunicação social para proclamar a mensagem do Evangelho. Diante dessa cultura quase onipresente culturalmente em todos os setores sociais, adquirir conceitos e linguagens da mídia não é uma alternativa; é uma exigência cristã para desenvolver a cultura de uma ciberpastoral. Porém, é necessário ressaltar que a relação Igreja-comunicação virtual deve respeitar limites porque “a realidade virtual não pode substituir a real presença de Cristo na Eucaristia. Na internet não tem sacramentos”7. Essa conscientização é importante para não criar “a ilusão de que o Sagrado está ao alcance do mouse”8. Uma “relação cristã virtual” com Deus criaria uma religião sem conexão com a doutrina cristã e um individualismo prejudicial à vida comunitária, na qual o cristão se tornaria apenas um usuário religioso on-line9. Cultura digital: Poço de Jacó do Século XXI

“A quem compararemos o Reino de Deus?” (cf. Mc 4,26; Lc 13,18). Essa pergunta de Jesus é o preâmbulo de algumas comparações para explicar a novidade do Reino de Deus. Ele utilizou comparações simples a fim de que seus discípulos e o povo pudessem compreender o que era esse Reino. Diante da revolução digital, também se pode indagar: a que se compara a cultura digital? Buscando uma identificação bíblica, a cultura digital pode ser comparada com o Poço de Jacó (cf. Jo 4,6). “O poço, na época bíblica, era um lugar neutro, em que pessoas de várias classes e religiões distintas podiam se encontrar. O

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poço era um dos únicos espaços públicos onde homens e mulheres podiam dialogar com certa liberdade."10 O poço, no contexto bíblico, era um lugar público de encontros; era um lugar onde pessoas de culturas diferentes se encontravam com o mesmo objetivo: tirar água para beber e para os afazeres domésticos. Assim, os encontros no Poço de Jacó eram motivados por uma necessidade básica: água. Por esse motivo uma samaritana vai ao poço e encontra-se com Jesus, que se revela como o Messias (cf. Jo 4,26). A cultura digital, como o Poço de Jacó, também é um ambiente de encontros: milhões de pessoas se encontram nesse espaço virtual movidas por uma necessidade: “encontrar água” que mata a sede de romper fronteiras. Porém, “a água do poço é uma água parada; a água da rede mediática é um fluxo vivo, constante, dinâmico de informações e de relações”11. A samaritana, com o seu testemunho, provocou o encontro de outras pessoas com Jesus Cristo (cf. Jo 4,39): “Do testemunho positivo desenvolvido pela samaritana, há um autêntico modelo de missionária”12. Dentro de uma visão teológica-digital, a samaritana pode ser vista como modelo de testemunho para a evangelização digital: ela encontra-se com o Senhor e leva outras pessoas a fazerem o mesmo encontro. A samaritana testemunhou 7 “La realtà virtuale non può sostituire la reale presenza di Cristo nell’Eucaristia. Nell’internet non ci sono sacramenti”: A. SPADARO, Cyberteologia. Pensare il cristianesimo al tempo della rete, Vita e Pensiero, Milano 2012, 99. 8 M. SBARDELOTTO, E o Verbo, 317. 9 “Internauta que navega no sistema católico on-line sem interação”: ibid, 29. 10 A. A. SILVA, Cibergraça: Fé, evangelização e comunhão nos tempos da rede (tese de mestrado), PUCRS, Porto Alegre 2015, 496. 11 Ibid, 69. 12 A. C. CANIVETE, Jesus e a samaritana: contributo para uma teologia da reconciliação (tese de doutorado), Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 2012, 73.


Jesus Cristo; hoje a Igreja tem a mesma missão, mas é necessário testemunhá-lo também no mundo digital. A Igreja, como um poço no qual se encontram milhões de pessoas em busca da água viva, tem a missão de assumir a postura da samaritana: promover o encontro do fiel com Jesus Cristo. Como um poço de encontro, o desafio da vida pastoral da Igreja é interagir a sua ação missionária com a cultura digital, já que a sua missão é promover o encontro do fiel com Jesus Cristo, também, através das redes digitais. O verdadeiro encontro é aquele que promove outros encontros, assim como fez a samaritana: do encontro com o Senhor, ela promoveu outros encontros. Para o Papa Francisco, “a rede digital pode ser um lugar rico de humanidade: não somente uma rede de fios, mas de pessoas humanas [...] É por isso mesmo que o testemunho cristão pode, graças às redes digitais, alcançar as periferias existenciais”13. Dessa maneira, na atual sociedade, é inegável que a Igreja deve estar presente no mundo digital porque a Igreja é chamada a estar onde estão as pessoas. E hoje as pessoas vivem também no ambiente digital. Para Spadaro, “a rede e a Igreja são duas realidades desde sempre destinadas a se encontrar”14. O Papa Bento XVI afirmou: “O ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade quotidiana de muitas pessoas, especialmente a dos mais jovens”15. Porém, o desafio da Igreja não é somente estar presente na cultura digital, mas como ser presença no ambiente mediático. Projeto pastoral de comunicação

A Igreja, perante o mundo digital, é desafiada a inovar-se pastoralmente para comunicar a mensagem do Evangelho. A Instrução Pastoral Aetatis Novae orienta que “a Igreja deve comunicar a sua mensagem de

um modo adaptado a cada época, às culturas das nações e aos vários povos. Ela deve fazê-lo especialmente hoje, na e pela cultura dos novos mass media”16. Para responder à exigência de anunciar o mesmo Evangelho de um modo sempre novo, adentrar-se na cultura mediática não é uma opção, mas uma necessidade. Essa inculturação entre comunicação digital e evangelização exige um projeto pastoral de comunicação para corresponder aos desafios da atual conjuntura. Diante da revolução digital, é impensável elaborar um projeto pastoral que não inclua, como instrumento de evangelização, elementos mediáticos já que a atual sociedade se caracteriza como uma sociedade mediática. O primeiro aspecto para elaborar um projeto de comunicação é conhecer o mundo da comunicação. O Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais orienta que “é preciso compreender os mass media na elaboração de planos pastorais para as comunicações sociais, juntamente com políticas e programas concretos nessa área”17, ou seja, é necessário conhecimento para agir. O segundo aspecto relevante para uma comunicação eficiente é o profissionalismo, já que não basta apenas utilizar os meios de comunicação para anunciar Jesus Cristo, mas é preciso unir espiritualidade, formação pastoral e profissionalismo. É necessário reinventar o modo de produção da comunicação cristã e, ao mesmo tempo, investir no profissionalismo FRANCISCO, Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro, Mensagem para o XLVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2014. 14 A. SPADORO, Ciberteologia. Pensar o cristianismo nos tempos da rede, Paulinas, São Paulo 2012, 24. 15 BENTO XVI, Redes sociais: portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização, Mensagem para o XLVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2013. 16 PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Instrução Pastoral Aetatis Novae sobre as comunicações sociais no vigésimo aniversário de Communio et Progressio, 22 de Fevereiro de 1992, n. 8. 17 ________, Igreja e Internet, 22 de fevereiro de 2002, n. 11. 13

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dos comunicadores para atuar com competência e ética. Indiscutivelmente, o profissionalismo pastoral comunicativo é uma exigência à evangelização. A Instrução Pastoral Aetatis Novae orienta que “é necessário, aos que estão ativamente empenhados em trabalhos de comunicação para a Igreja, que adquiram competência profissional em matéria de mass media, assim como uma formação doutrinal e espiritual”18. O documento de Aparecida ressalta a necessidade de “promover a formação profissional na cultura da comunicação de todos os agentes cristãos”19. A Igreja insiste sobre os a não improvisação na tarefa de evangelizar. Missionar exige qualidade na transmissão de valores cristãos. O Decreto Inter Mirifica orienta formação adequada aos agentes da comunicação: “Para prover às necessidades [...] hão-de formar-se oportunamente sacerdotes, religiosos e também leigos que possuam a devida perícia nestes meios e possam dirigi-los para os fins do apostolado”20. Conclusão

A sociedade atual se transforma e se renova a cada invenção. Essa transformação atinge todos os níveis sociais. A transformação tecnológica é globalizada: todos os setores da sociedade foram afetados com a ascensão da cultura digital. Essa transformação, na qual está imersa a sociedade atual, exige novas estratégias para comunicar a fé. A Igreja, ao estabelecer a comunicação como aliada à sua evangelização, tem a missão de não somente incentivar, mas também promover uma formação e investir nesse setor. Isso significa a urgência de criar infraestrutura, capacitar pessoas e qualificar seus serviços e suas assessorias de comunicação, bem como potencializar

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os meios de que já dispõe para criar uma relação saudável entre religião e mídia. “Sem um esforço é praticamente impossível responder aos desafios da realidade e às exigências da evangelização hoje”21, assim conclui a CNBB diante das dificuldades em estabelecer uma relação eficiente entre comunicação e evangelização. Por isso, é importante lançar novos olhares teológicos sobre os estudos da comunicação mediatizada para descobrir novos caminhos para anunciar a Copiosa Redenção ao Povo de Deus. Para estabelecer um vínculo perene entre evangelização e comunicação, adaptar-se à revolução tecnológica é uma exigência à vida pastoral da Igreja. A comunicação digital é desafio, mas, ao mesmo tempo, é oportunidade para a Igreja expandir a sua missionariedade. Aetatis Novae, n. 18. CELAM, Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Paulinas, São Paulo 2009¹¹, n. 486b. 20 CONCÍLIO VATICANO II, Decreto Inter Mirifica, 4 de dezembro de 1963, in Compêndio do Vaticano II, Constituições, Decretos e Declarações, Vozes, Petrópolis 2000, 567-578, n. 15. 21 CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015, Paulinas, São Paulo 2011, n. 122. 18 19


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