CLB - Euclides da Cunha

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trabalho dele. Observo, por exemplo, a cronologia da publicação de seus textos em O Estado de S. Paulo. A primeira reportagem, datada de 7 de agosto, saiu publicada no dia 23; a de 10 de setembro, que é muito importante, porque foi quando Euclides avistou Canudos, só viria a público um mês depois, em 11 de outubro. Quando já era velha a notícia da queda do arraial, em 26 de outubro, é que saiu a última reportagem dele escrita na frente de batalha, a 1º de outubro; 26 de outubro, a propósito, é a data em que o Correio anunciou a grande convenção do partido que elegeu Campos Salles presidente da República. Isso tudo me sugere que Júlio Mesquita ou alguém promovia uma censura dentro do jornal. Quem sabe houvesse lá agentes oficiais encarregados desse trabalho. O fato é que só depois que as notícias saíam estampadas em outros veículos é que O Estado estampava os textos de Euclides – e eles continham exatamente aquilo que se queria apagar. O escritor desmentia, por exemplo, a propalada conspiração monarquista, na qual ele mesmo chegou a acreditar. Euclides também não transmitia uma boa imagem do Exército, tampouco das facções políticas presentes no conflito. Campos Salles, que já se sabia futuro presidente, dava a fórmula para intimidar monarquistas. Basta fazê-los se intimidar pela polícia, suspendendo sua imprensa e dispersando reuniões, dizia. Tudo faz crer que a intensificação da censura nos jornais haja levado Júlio Mesquita a, preventivamente, fazer restrições aos artigos de Euclides. Um fato que me chamou a atenção é que o escritor, quando estava em Canudos ou na região, enviou telegramas a Campos Salles. Ele sabia, acredito, o que estava sendo articulado nas hostes mais altas do poder. Enviou dois telegramas bastante elogiosos em relação ao desempenho do Exército, ambos terminando com “Viva a República!”. E o último artigo que escreveu, elogiando o Batalhão de São Paulo, penso que o fez – isto é especulação – a contragosto, por pressão de Júlio Mesquita, para melhorar sua posição perante o Exército. Em Os sertões, como sabemos, a não ser quando cita Floriano e o sogro, Solon Ribeiro, ou faz alguma referência a eleições, ele não fala de política. E é claro que Euclides da Cunha conhecia a situação

política do Brasil e da Bahia, em especial. Ele se demorou pelo menos 23 dias na capital baiana. Visitou o marechal Bittencourt no palácio do governo e certamente entrou em contato lá com Luiz Viana. Além do mais, visitou a redação de vários jornais antes de seguir para frente de batalha. Anna Mariani: Pretender ilustrar Euclides é fora

de propósito. Ele não precisa disso. Euclides da Cunha é mais do que fotográfico – é cinematográfico. Os sertões é visualmente tão extraordinário que nenhum fotógrafo conseguiria chegar nem perto. Por razões familiares, como explico no depoimento que sairá nos CADERNOS DE FOTOGRAFIA BRASILEIRA, desde muito cedo a palavra sertão exerce um fascínio sobre mim. Para dizer a verdade, nem sei como isso começou. Eu vivi muito da minha infância no Recôncavo. Meu pai foi criado por uma avó que era daquela região, lia bastante, escrevia em jornal – e isso lhe dava muito orgulho. Eu custei a saber que a outra avó dele era sertaneja. E um dos irmãos do meu pai, a quem eu conheci quando mudamos para o Rio, foi criado no sertão. Assim, os relatos da vida sertaneja passaram a ser o máximo das minhas fantasias. Eu ouvia ainda, nas fazendas do Recôncavo, muita gente que vinha por causa da seca. Eram os chamados catingueiros. A relação dessas pessoas com a paisagem sertaneja, com a caatinga, era, para mim, algo alucinante, difícil de explicar. Só depois, quando eu soube da minha origem sertaneja, é que se explicou esse fascínio. Que, aliás, era con si de ra do um pou co “desqualificado”, já que o sertanejo era visto como rude, não era civilizado. Quando me mudei para o Rio, aos 10 anos de idade, entrei contato com aquele tio, que tinha sido criado numa fazenda no Médio São Francisco e ainda administrava terras da família por lá. Ele era um grande contador de casos e as histórias dele fascinavam minha imaginação. Eram belíssimas e muito ligadas a essa coisa da vegetação e das mutações. Com Euclides, eu reencontrei isso, essa explosão da cor, que não aparecia em outros escritores – que se voltavam para a tragédia da seca – e nem mesmo em filmes. Comecei a viajar pelo sertão em 1972. Não fui diretamente para Canudos; fui primeiro para a cida378


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