CLB - Euclides da Cunha

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Quero me referir a alguns aspectos dos maiores grupos oligárquicos da Bahia no período – os vianenses, de Luiz Viana, e os gonçalvistas, jeremoabistas, ligados ao barão de Jeremoabo, o proprietário de 61 fazendas na região, o que, em termos políticos e no bojo da guerra, equivalia a dizer controlar um vasto e fiel rebanho de eleitores. As eleições são, portanto, um elemento primordial para a compreensão de Canudos. Eleições que, aliás, eram muito repetitivas – a cada dois anos se votava para o Legislativo estadual; a cada três, para o federal; a cada dois, para o municipal. Ou seja, vivia-se num processo constante de pleitos. Daí a necessidade de controle desses currais, dos chamados currais eleitorais. É importante lembrar aqui que os dois grupos eram remanescentes do Partido Conservador do Império; todos eram amigos e pertenciam agora ao Partido Republicano Federalista. Essa amizade que ligava os dois grupos vai ser rompida em 1893, ano que eu considero o marco inicial para que se contemple e compreenda Canudos do ponto de vista político. Na verdade, esse marco poderia ser jogado até um pouco mais para trás – poderíamos tomar o 3 de novembro de 1891, que é quando, nas eleições para a presidência, o então governador José Gonçalves apóia Deodoro da Fonseca, e Luiz Viana fica com Floriano Peixoto. Em conseqüência do desenrolar dos acontecimentos, Viana pressiona José Gonçalves a renunciar, e ele renuncia. Porém Luiz Viana, que deveria assumir o poder, na condição de presidente do Senado estadual, não assume, alegando não ter a força a seu lado. Aliás, é muito conhecida a frase dele a respeito: “Desde que a força não garante o governo, que o governo seja a força”. E foi assim que o governo acabou assumido pelo general Tude, que era o comandante do 3º Distrito Militar. No ano de 1893, ocorrem muitos fatos importantes, que eu não repetirei porque estão mencionados no meu livro. Mas, entre eles, vale destacar a questão da discussão de um projeto de lei, posteriormente aprovado, que põe restrições à autonomia municipal, cerne de toda a via política na Primeira República principalmente, e ainda hoje presente. Essa restrição visava atingir municípios controlados pelo barão de Jeremoabo e seu grupo. E, logo depois da aprovação desse projeto, Luiz Viana promo-

ve a substituição das autoridades municipais. Friso esse ponto só para caracterizar o confronto entre grupos rivais dentro de uma mesma classe social. Um segundo ponto que considerei importante para a compreensão de Canudos em seu aspecto político foi o ano de 1895. Ele é o segundo marco. Naquele ano, o governo de Rodrigues Lima, controlado por Luiz Viana, envia forças ao município de Bonfim – o maior reduto eleitoral de José Gonçalves – a fim de amendrontar eleitores. Era a prática, usada ainda hoje, de impedir eleitores de votar, sobre a qual, aliás, as cartas para o barão falam muito. Em 1895 há ainda algo mais grave: o governo retira dos municípios o direito de organizar suas guardas policiais. Em resumo, o governo despiu os municípios controlados pelos adversários de qualquer poder. Tudo isso, eu considero, armou o cenário para a guerra. Evidentemente, essa disputa pelo poder só pode ser entendida, como de início frisou a professora Walnice, no contexto de uma das crises de longa duração do sistema capitalista. Só pode ser entendida no contexto da sociedade oligárquica como era a brasileira, mais especificamente a baiana. E também, como frisou o professor Villa, no contexto da disputa entre civilismo e militarismo. Um militarismo que apareceu vitorioso e um civilismo que queria se impor. Então a manipulação de todos esses interesses, eu entendo, conferiu a Canudos a sua dimensão nacional. Quando escrevi o ensaio “A construção do medo”, que abre o meu livro, me chamou a atenção o ritmo crescente desse temor. Não é o medo costumeiro, com o qual o sertanejo lida o tempo todo – o medo da seca, das doenças etc. É um medo construído por finalidades políticas, para satisfazer interesses de grupos em disputa. Dos principais ingredientes desse medo construído, eu destaquei o fantasma da restauração monárquica, principalmente em nível federal, o fantasma das fazendas destruídas, a defesa da grande propriedade fundiária, bem visível em nível estadual (mas sabemos que percorreu todo o Brasil). Por tudo isso, tentava-se conter Canudos, para que não servisse de inspiração a nenhuma outra parte da sociedade brasileira. Assim, no final da guerra, esse medo provocou um estupor. Pois bem: eu quero conversar com vocês sobre como esse medo influenciou Euclides da Cunha e o 377


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