CLB - Euclides da Cunha

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os republicanos eram, quase todos, escravocratas. Os republicanos sempre estiveram identificados com o escravismo, especialmente em São Paulo – e os que não estavam não tinham papel de proa dentro do movimento. Os principais abolicionistas eram monarquistas (André Rebouças, Joaquim Nabuco). Em Canudos, a República se revelaria de um modo bastante particular. O início do novo regime no Brasil é uma autêntica bandalheira. Havia tal desorganização que você encontra, por exemplo, vários decretos daquele período com o mesmo número. Eles resolviam a questão colocando letras depois da numeração: Decreto 17a, 17b, 17c. Esses primeiros decretos, aliás, só para fazer um parêntese, tinham uma linguagem sui generis. O que instituiu a censura, por exemplo, em dezembro de 1989, assinado pelo ministro da Justiça, Campos Salles, considera a oposição “fezes sociais”! Para a República, o crime de imprensa devia ser punido com o fuzilamento. Vários jornais, naquele momento, foram invadidos, tipógrafos eram assassinados. Digo isso só para ilustrar o clima em que o país estava mergulhado no final de 1889, início de 1890. Ora, esse clima acabaria marcando Canudos. A lembrança de que “nos tempos da Monarquia” era melhor realmente existia. O que a República instituiu, na verdade, foi o poder da oligarquia. E o militarismo, ao contrário do que se poderia supor, não termina em 15 de novembro de 1894, quando Prudente de Morais assume o poder. Na realidade, ele foi empossado numa circunstância de total fragilidade. É bom lembrar que Floriano Peixoto sequer transferiu oficialmente o poder para Prudente – algo que vai ocorrer outras vezes na História do Brasil, haja vista Figueiredo e Sarney. Ou seja, o primeiro presidente civil assumiu o poder ainda sob a marca do florianismo e a possibilidade de um golpe. Aliás, o fantasma do golpe iria marcar o governo de Prudente de Morais. Em 1896, doente, ele é obrigado a deixar a presidência por algum tempo e quem assume é seu vice, Manuel Vitorino – que irá se aliar a setores que, antes, eram contra Prudente. Os últimos meses de 1896 e o início de 1897 são marcados por uma enorme tensão – basta ver que Prudente de Morais reassumiu o governo sem comunicar oficialmente a Vitorino. Pois esse momento em que o presidente volta ao poder é justa-

mente aquele marcado pela derrota da 3ª. Expedição e o início dos preparativos da 4ª.. A tensão chegou ao máximo – basta ver que a Escola Militar se rebelou em junho; depois haveria outra vez ameaça de golpe no dia 5 de novembro, com o atentado contra o presidente. A situação de Prudente de Morais era tal que, em Canudos, o comandante da 4ª. Expedição saúda, em todas as ordens do dia, o marechal Deodoro, Floriano, a bandeira brasileira, o Exército – e nunca, nem uma só vez, o presidente da República. Artur Oscar manda telegrama para todo mundo, manda poemas para a mulher, escreve para o jornalista Alcino Guanabara, símbolo do jornalismo venal, e nunca se dirige a Prudente. Na frente de batalha, os bacharéis de farda cometem erros estratégicos a todo o instante, não dão conta do bê-á-bá, como colocar uma trincheira para proteger os canhões. Não sou eu quem diz isso. Isto foi dito na época pelo jornalista Manuel Benício – que foi tão perseguido pelos militares que se viu obrigado a abandonar a cobertura da guerra. Penso, então, que Canudos aconteceu num momento de grave crise no poder central, e a campanha foi utilizada sob esta perspectiva. A professora Consuelo, que falará em seguida, estudou muito bem o caso da Bahia, onde você tem uma luta intra-oligárquica – e Canudos acabou fazendo parte dessa luta. No plano nacional, isso ocorreu também, pois tínhamos um presidente frágil – que, curiosamente, só se fortaleceria depois do atentado de 5 de novembro. Vale lembrar que, nesse episódio, o ministro da Guerra, marechal [Carlos Machado] Bittencourt, acabou morrendo ao defender Prudente, ao defender, portanto, o poder civil. É algo único na História do Brasil. Cinco de novembro é um marco, porque ali está o fim do florianismo. E, para não me estender, gostaria de concluir dizendo que a República mostra o seu signo em Canudos, a sua real face, que é essa face de violência, de repressão. Duas semanas depois do fim da guerra, Campos Salles foi designado candidato oficial à sucessão de Prudente de Morais. Num banquete no Rio de Janeiro, ele leu um discurso que é muito significativo. Nele, Campos Salles dizia que o Brasil precisava se modernizar – vejam aí a relação com o que expôs a professora Walnice –, e aponta374


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