CLB - Euclides da Cunha

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grafias típicas, mas antes em dramas históricos análogos. Num exemplo matricial e anterior às viagens e aos escritos que o consagraram, na estadia na cidade de Campanha, no sul de Minas, Euclides fez, em 1895, um longo poema épico-dramático, “As catas”, cujo manuscrito mais tarde dedicaria ao grande amigo Coelho Neto, espécie de elegia ao há tanto tempo extinto ciclo da mineração. As ruínas das antigas cidades mineiras “que se ocultam majestosas / Na tristeza solene do sertão” seriam, neste belíssimo poema, objetos de adoração fúnebre, porque guardam os sinais de uma civilização morta, a sensação de proximidade de “Um deslizar sinistro de duende: / O fantasma de um povo que morreu”. Todo o poema contrapõe a grandeza suntuosa das capitais da civilização industrial – Paris, Gand, Essen, Londres – ou mesmo da antigüidade pagã – Babilônia, Bagdá –, ou ainda muçulmana ou judaico-cristã – Meca, Jerusalém –, à beleza sublime dessas “catas desoladas do deserto”, “necrópoles sagradas”, ruínas que os viajantes devem evitar, “Cheias de sombra de tristeza e paz…”38 A poética da extinção mais extremada em Euclides surgia, porém, ainda em sua primeira juventude, neste notável soneto denominado “Mundos extintos”, escrito provavelmente entre 1886 e 1887 e publicado duas vezes na imprensa paulista, entre 1889 e 1890 (numa delas com pequenas variações, inclusive no título, que foi alterado para “Soneto antigo”). O poema reaparece mais tarde numa coletânea que o diretor da Biblioteca Nacional e amigo do escritor, Félix Pacheco, fez editar pelo Jornal do Commercio, como homenagem póstuma logo após seu falecimento, em agosto de 1909. Versão esta a que já se acrescentava, em epígrafe, citação de texto de divulgação científica, bem ao gosto do imaginário do final do século XIX, na vertente de L’astronomie populaire, de Camille Flammarion. A frase ficou mais conhecida depois da inclusão deste soneto por Manuel Bandeira, em 1946, em sua Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos: “São tão remotas as estrelas que, apesar da vertiginosa velocidade da luz, elas se apagam, e continuam a brilhar durante séculos”39. Neste exercício poético-cosmológico, a ilusão luminosa dos astros extintos é transposta para os ideais “mortos, fantásticos e insanos” da alma revolta

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