CLB - Euclides da Cunha

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Começamos a aprender a lutar caratê, capoeira, ensaiar estratégias e táticas de corpos atuando em todos os espaços, além do palco, em guerrilha teatral, social-futebolística que hoje é o básico do teatro de estádio que estamos reaprendendo, para montar o livro. Agora não como luta de defesa militar, porque ‘este livro não é de defesa; é, infelizmente, de ataque’ ao espetáculo da sociedade neocolonial brasileira com a entrada em cena do público ansioso por jogar. Das assembléias-conselhos da classe teatral de 68, pólo de força catalisadora da cultura do phoder popular revolucionário que surgia, nasceu a necessidade de uma guarda armada para defender os teatros ameaçados. A guarda rondava alerta os teatros ameaçados do Bexiga. A segunda expedição, então, da 3ª. Divisão do Exército do Rio Grande do Sul massacrou Roda-viva num ataque militar aos atores e músicos que faziam a peça, em Porto Alegre. No fim de 68, quando veio o AI-5, foi institucionalizado o massacre cultural. ‘A luta’ agora tinha a ver com a necessidade da minha vida e o não-massacre, o avanço, o ataque de nosso trabalho.

Nos sertões das cidades Glauber me ligou a Lina Bardi, que veio fazer Na selva das cidades e queria muito fazer Os sertões. Tinha trabalhado na Bahia antes do golpe militar de 64. Me contava que o povo baiano começou a acender velas na estátua do Conselheiro Bom Jesus, que Mario Cravo esculpira como um homem-mandacaru plantado no chão e erguendo os braços-espadas para os céus. Os militares golpistas mandaram recolher a imagem para dentro da Escola de Medicina, temendo uma ressurreição do culto ao Conselheiro. Lina tinha trabalhado nas filmagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol em Monte Santo, estava apaixonada como Euclides pelo que lá descobrira e expusera na deslumbrante exposição: A mão do povo brasileiro. Pra fazer a arquitetura cênica da peça do jovem Brecht, comentava que a selva das cidades não era a selva, mas os sertões, que estavam nas ruas loucas improvisadas das favelas de barro e em baixo do cimento civilizado: ‘O sertão é aqui, é só arrancar o cimento da Jaceguay 520’. Começamos a arrancar as tábuas do chão do palco ringue de boxe para encontrar a praia dos sertões do Oficina de hoje. No jornal-programa trash distribuído ao público, em forma dos então na moda ‘fascículos culturais’, dentro de um plástico-censura cheio dos escombros dos entulhos do Minhocão em construção, e um perfume verde diamante da Rastro lá perdido, anunciava-se ‘Oficina anos 70 – Os sertões’. O editor do jornal, Luiz Fernando Guimarães, hoje em São Carlos, onde Euclides finalizou o livro, trabalha com os euclidianos da cidade a encenação de uma suma de toda a obra euclidiana: ‘Verás que um filho teu não foge a luta’.

Fim do foquismo Uma equação se armava para as escolhas da nossa geração: luta armada ou loucura. Os sertões me inspiravam as duas e o mais importante que eu ainda na pressão da repressão ignorava: a paz antropofágica. 131


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