A Crise de Portugal - O Papel da Social-Democracia [George Bragues]

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A Crise de Portugal O Papel da Social-Democracia -

George Bragues Tradução do inglês para português por Luís Pedro Mateus

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ortugal nunca conseguiu recuperar a influência que outrora teve no panorama económico internacional quando transformou a descoberta, por Vasco da Gama, do caminho marítimo para a Índia, num império de comércio mundial. Entretanto, nos finais de 2010, a pequena nação ibérica acaba por ser vista por todo o mundo como um corredor crucial através do qual, se os chamados vigilantes de dívida passassem, a crise de dívida soberana do euro ameaçaria a Espanha, uma economia muito maior cujos problemas muito bem podem vaticinar o fim da moeda europeia. Se o problema que paira na zona euro alguma vez iria ser parado, muitos tinham chegado à conclusão de que o mesmo teria de ser parado em Portugal. Pela primavera de 2011, essa previsão estava a ser posta à prova quando Portugal se viu obrigado a seguir Grécia e Irlanda a recorrer ao fundo de 750 biliões de euros de fundo de resgate da UE e FMI. A causa imediata da chegada do país a esta posição inevitável foi a escalada de taxas de juro. Os yield spreads em dívida a 10 anos, a subir de forma estável desde o início da crise financeira de 2007-2009, chegou ao aumento de 500 pontos base no primeiro quarto de 2011. Este aumento significou que as taxas de longo prazo portuguesas, que tinham começado 2010 a 4%, tinham catapultado para mais de 8%, bem além do limite que o mercado geralmente observa como incomportável para o governo financiar (Wise 2011). Com taxas a subir, investidores foram influenciados também por uma dívida que em relação ao PIB tinha crescido para exceder 90%, um défice orçamental em relação ao PIB de 8,6% e um governo que, apesar de promessas em contrário, não tinha demonstrado a disciplina de evitar que a despesa aumentasse em 2010. Pior ainda, à luz de experiência recente, os mercados ainda duvidam da capacidade de Portugal criar nova riqueza suficiente para pagar a sua dívida: o país passou recentemente pela sua década perdida de crescimento anémico real de PIB. De 2000 a 2010, a economia portuguesa cresceu a uns meros 0,5% por ano em média ("The Winter of Living Dangerously" 2011).

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Uma visão comum das dificuldades portuguesas é a de que se está agora apagar o preço de ter entrado no panorama do euro sem que se tivesse os fundamentos económicos presentes para sobreviver aos rigores de um regime de moeda ao lado de nações como a Alemanha que têm histórias mais fortes de probidade fiscal (Blanchard 2007; Krugman 2011). Apesar desta visão ter um fundo de verdade, pelo menos no facto de a economia portuguesa ser estruturalmente vulnerável, a questão sobre como chegou a esta situação e o porquê de os seus problemas nunca terem sido resolvidos durante as duas décadas em que esteve ou a preparar-se para, ou já a usar o euro, continua de pé. Figura 1, que mostra o historial de movimentos do rácio de dívida/PIB, apresenta uma pista acerca da origem escondida dos problemas do país.

O que é imediatamente espantoso aqui é que a dívida do país bateu no mínimo em 1973 a 13,6% do PIB. Desde aí, tem estavelmente subido. Esse ano, 1973, aconteceu ser o ano antes do derrube, pela "Revolução dos Cravos", de uma longa ditadura, liderada primeiro por António de Oliveira Salazar e depois, por um período mais curto, por Marcelo Caetano. Desta mudança de regime em 1974, foi construída uma socialdemocracia. Aproximando esta transformação como uma experiência natural para testar o impacto de um Estado Social robusto e democratização da vida económica é a chave para compreender as contrariedades do país. Assim, analisando a história do país antes e depois da revolução de 1974, colocando em relevo tanto as variáveis políticas e económicas que se mantiveram e mudaram, eu descubro que a social-democracia é a primeira culpada da difícil situação portuguesa.

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Antes da Revolução

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o amanhecer do século XX, Portugal era um país pobre, maioritariamente analfabeto e, para todos os efeitos e propósitos, um vassalo do seu multisecular aliado, a Grã-Bretanha. Logo depois da vigente monarquia se ter ajoelhado a um ultimato britânico em 1890 com respeito à delimitação de fronteiras nas colónias africanas, a decadência de procura de exportações portuguesas precipitou uma crise financeira em 1892. Ambos estes eventos, combinados com uma crise política atiçada por ataques republicanos ao regime e um intelectualismo zeitgeist marcado por pessimismo e desastre acerca do futuro do país, pavimentou as condições prévias para o derrube da monarquia em 1910, personificada pela última vez pelo Rei D. Manuel II (Sardica 2008, 19-22). Em seu lugar, uma ordem republicana foi instituída e que apenas durou 16 anos, atolada que estava em instabilidade política, desordem pública e caos económico. Para resolver as finanças desesperadas do país, a junta militar que havia tomado as rédeas do poder dos republicanos, apelou ao Dr. António de Oliveira Salazar, então um professor de política económica e finanças na Universidade de Coimbra, a Universidade mais antiga e conceituada de Portugal. Depois de inicialmente recusar os militares e depois tendo-lhe sido concedido a autoridade sobre todos os gastos do verno, Salazar tornou-se ministro das finanças em 1928. Mais rapidamente do que qualquer pessoa tinha esperado, Salazar colocou as finanças nacionais sob controlo. A sua reputação assim cresceu nacional e internacionalmente, e pacientemente foi cimentando alianças com elementos civis do regime e neutralizou a oposição de facções militares ganhando finalmente o apoio do Presidente Óscar Carmona, o então Chefe de Estado. Carmona nomeou Salazar como Primeiro-Ministro em 1932 (Meneses 2009, 62-82). Um ano depois, Salazar introduziu uma nova constituição que estabelecia o Estado Novo, a arquitectura política que governou Portugal até à revolução de 1974. Pelo Artigo 5 da Constituição de 1933, o Estado Novo de Portugal era definido como uma "república

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unitária e corporativa" (Nova Publicação 1971). Para a economia, esta república concebeu um sistema corporativista em que a concorrência individual era rejeitada, e a produção era, ao invés, organizada por e entre grupos pela virtude das suas características partilhadas, interesses e propósitos. Cada um destes grupos - as corporações - representaria comércios e indústrias específicas. Numa tentativa de eliminar conflito de classes, empregadores e trabalhadores deveriam resolver, supostamente, as suas diferenças num espírito cooperativo. Para facilitar esta resolução, ou pelo menos para prevenir que degenerasse em antagonismo, greves e bloqueios foram proibidos pelo Estatuto Laboral Nacional (Kay 1979, 57). Apesar de Salazar gostar de enfatizar a autonomia das corporações, o Estado reservou-se ao direito de coordenar as suas actividades e definia-se possuidor do direito e obrigação de regular e dirigir a vida económica e social (Nova Publicação 1971, Art. 10). O sistema económico que acabou por evoluir nas seguintes décadas apenas comportava uma semelhança residual com o ideal corporativista. Esta diferença não era surpresa nenhuma. Sob o sistema económico que prevalecia, cada corporação, precisamente porque era livre de determinar as condições do seu respectivo comércio ou indústria, não necessitava de se conformar com preferências de consumidores. Mesmo que uma corporação o quisesse fazer, a falta de preços num sistema onde as decisões de produção dependiam de negociações entre o conjunto de grupos significava que seria impossível de discernir o que os consumidores queriam. Uma corporação iria então inevitavelmente optar por políticas que beneficiassem os seus próprios membros em detrimento de outsiders. Uma vez que todas as corporações actuavam desta maneira, o dano económico infligido na sociedade seria enorme. O governo é então forçado a intervir e dirigir os vários agrupamentos socioeconómicos de forma a trazer algum tipo de ordem (para mais sobre este tipo de situação, ver Mises 1996, 816-20). O que acabou por ser instalado no Estado Novo de Salazar foi então uma forma de intervencionismo, até ao ponto em que a propriedade privada era retida, mas o governo procurou impedir e modificar o que as forças de mercado, deixadas a si mesmas, iriam em caso contrário, criar. O Estado Novo mantinha, pelo menos publicamente, que a superior espiritualidade do Catolicismo e o objectivo nacionalista de aumentar a independência económica de Portugal guiava as limitações da intervenção no materialismo económico. Apesar destes motivos não poderem ser descontados inteiramente, a interferência do governo era motivada significativamente pela necessidade de se manter no poder porque as políticas do Estado Novo procuravam promover o crescimento controlado de uma forma que não causasse distúrbio no equilíbrio dos interesses socioeconómicos, ao mesmo tempo que se favorecia uma estreita elite comercial que consistia numas quarenta e poucas famílias que apoiavam o regime (Corkill 1993, 20-21). As características do regime intervencionista que produziram este resultado envolviam um sistema de condicionamento industrial, onde a entrada para uma dada área da economia requeria aprovação governamental. Comércio extra fronteiras era canalizado para as colónias, principalmente Angola e Moçambique, que eram tratadas como fontes cativas de matéria prima e mercados para os bens produzidos no país-mãe. Medidas

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proteccionistas serviram, igualmente, para promover industrialização por firmas domésticas via substituição de importação (Meneses 2009, 336-41). Tal intervenção não conduziu a prosperidade económica. Apesar de Portugal ter sobrevivido à Grande Depressão relativamente ileso e ter conseguido de forma bem sucedida manter a neutralidade durante a 2ª Guerra Mundial, em 1950 estava na mesma posição em relação aos seus pares mais ricos da Europa Ocidental, que estava na altura da fundação do Estado Novo em 1933. O seu PIB per capita continuava a 42% do PIB per capita das 12 nações europeias ocidentais (Austria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido) (Maddison 2010). No entanto, nos anos 50, o regime de condicionamento industrial começou a ser reformado, e investimento estrangeiro e turismo foram sendo encorajados (Corkill 1993, 13-17; Neves 1996, 339). Esta tendência liberalizante acelerou nos anos 60, com a entrada de Portugal na EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio) em 1960, no Banco Mundial e no FMI no mesmo ano, e com o Acordo Geral de Tarifas e Comércio em 1962 (Meneses 2009, 35657). Para lidar com insurgências que começavam a surgir, o governo português concedeu às suas colónias alguma soberania política e liberdade de comércio. Este conjunto de políticas de libertação de mercado deu aso às maiores taxas de crescimento na história de Portugal (figura 2): o PIB real cresceu 6,2% por ano entre 1959 até 1965, e 7,5% por ano de 1966 a 1973 (Neves 1996, 337). Por altura de 1973, nas vésperas da Revolução dos Cravos, o PIB per capita tinha atingido 58% do PIB per capita das nações ocidentais europeias mais desenvolvidas, tendo subido 16 pontos percentuais desde 1950 (Maddison 2010).

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O Aspecto "Social" na Mudança para a Social-democracia

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Guerra frequentemente cria revolução. Em Portugal, que havia desafiado a opinião internacional desde os inícios dos anos 60 ao insistir numa luta quixotesca contra movimentos independentistas nas suas colónias, tal certamente aconteceu. Marcelo Caetano, que havia tomado conta como Primeiro Ministro em 1968 depois de Salazar sofrer um enfarte, inicialmente despertou esperanças entre oficiais do exército mais novos de um acordo negociado na Guerra Colonial. Quando estas esperanças foram eventualmente se desvanecendo, um grupo de capitães do exército, conhecido como o Movimento das Forças Armadas (MFA), lançou um golpe de estado em 25 de Abril de 1974. Nos dois anos seguintes o país sofreu os custos económicos da incerteza de regime, com elementos esquerdistas radicais do MFA em aliança com o Partido Comunista tentavam manter o poder contra uma coligação pródemocrática constituída principalmente pelo Partido Socialista, Partido Popular Democrata, e moderados dentro do MFA (Manuel 1995). O PIB de Portugal caiu 0,3% em 1974 e desmoronou-se uns espantosos 9% em 1975 antes de ganhar pé, de certa maneira, em 1976, ao cair apenas 0,2% (Amaral 2010, 28). Uma explicação esclarecedora para o colapso de 1975 é o ganho inicial de ascendência por parte dos radicais - a certo ponto, Henry Kissinger, então o Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, resignou-se em perder Portugal para o comunismo (Garthoff 1994, 539) - ao mesmo tempo que uma grande parte da indústria portuguesa era nacionalizada, incluindo os sectores da petroquímica, da química, do aço, segurador e bancário. Depois duma tentativa violenta de tomar o poder por parte da extrema-esquerda radical ter falhado em Novembro - 10 -


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de 1975, as forças pró-democráticas ganharam posição ascendente, avançando subsequentemente a sua causa com a promulgação em 1976 de uma nova constituição que estabelecia um sistema parlamentar fiscalizado e equilibrado por um presidente eleito, servindo como chefe de estado. Mais do que a Constituição de 1933, cuja visão corporativista não tinha sido realmente implementada no terreno, o documento de 1976 é crítico no entendimento do sistema económico que foi construído depois da revolução. Características chave da social-democracia de Portugal foram codificadas na Constituição de 1976 e subsequentemente decretou que a política do governo estivesse em linha com as suas provisões. Até este dia, a perspectiva de reformas de mercado frequentemente levanta o coro de que as mudanças desrespeitariam a Constituição. Em algum número de ocasiões, esta inconsistência tem sido manifestamente suficiente para requerir emendas. Estas modificações contudo, na tese de Louis Hartz (1955) - em que dizia que a paisagem ideológica americana era determinada pelas ideias políticas dominantes na sua fundação pode ser adaptada a Portugal, onde as visões do mundo socialistas prevalentes no rescaldo imediato da revolução têm sido mantidas vivas desde então. Esse conjunto de visões figuram de forma proeminente no preâmbulo da Constituição, que ordena o governo a abrir o caminho para uma sociedade socialista. Para este fim, a lei fundamental portuguesa reconhece uma panóplia de direitos positivos em vez de se limitar à provisão de direitos negativos. Em vez de promover meramente a protecção de liberdades individuais contra acção governamental, promete aos cidadãos portugueses vários bens e serviços que requerem acção do governo. O ênfase nos direitos positivos inicialmente ia par a par com a abordagem socialista mais tradicional de depender de um poder estatal da economia; as nacionalizações de 1975 foram constitucionalmente entrincheiradas em 1976. Durante os anos 80, no entanto, as classes políticas de Portugal começaram geralmente por vir a reconhecer a ineficiência de empresas dirigidas pelo Estado, e em 1989 a Constituição foi emendada para permitir a privatização destas empresas. Desde então, na tentativa de avançar o projecto social-democrata ou, como é chamado em Portugal, o Estado Social, o foco tem sido o de construir um aparato estatal que assegure os direitos positivos em vez da posse estatal dos meios de produção. Assim, a Constituição garante o direito à vida; liberdade de consciência e religião; segurança da pessoa; liberdade de expressão; liberdade de movimento dentro e para fora do país; o direito à associação; à protecção de propriedade; o direito de procurar sobrevivência; e liberdade de detenção, prisão ou deportação arbitrária. Mas também vai para além destes direitos negativos para garantir segurança de trabalho, formação de trabalho, um salário que reflicta a quantidade e qualidade

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de esforço, níveis de salário mínimo, assistência ao desemprego, sindicalização com direito à greve, limites às horas de trabalho e férias pagas (Art. 53-59). É dado aos cidadãos o direito a segurança social, na qual o governo é compelido a providenciar seguro contra doença, velhice, deficiência, desemprego, e perda de apoio marital ou parental (Art. 63). Para reduzir os riscos individuais colocados por doença, a Constituição especifica provisão de um sistema de saúde universal no qual os serviços médicos serão prestados a baixo ou nenhum custo para os indivíduos (Art. 64). O direito a abrigo é, também, reconhecido: a Constituição requer que o Estado promova habitação social e de baixo custo e que se certifique que as rendas são consistentes com o rendimento das famílias (Art. 65). Não se restringindo a si mesma às dimensões financeiras e corporais da existência humana, a Constituição prossegue para dotar as faculdade mentais dos cidadãos ao proclamar o direito à educação e à cultura (Art. 73-78). Ao especificar este direito, o documento mandata um sistema público de educação básica que é obrigatório, gratuito e universal. As Universidades têm de ser abertas numa base democrática, com o objectivo final de oferecer educação superior a preço zero. Os políticos portugueses, independentemente de que partido estivesse no poder, obedientemente cumpriram estas obrigações constitucionais ao erigir o Estado Social. Em 1979, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi estabelecido. Apesar de uma estrutura mínima de segurança social já ter sido criada durante o período republicano e no Estado Novo, e ter sido expandida durante os anos de Marcelo Caetano, os desenvolvimentos mais significativos começaram em 1977 com a criação de várias agências nacionais e regionais, os corpos de chefia agora consistindo do Instituto da Segurança Social) e da Direcção Geral da Segurança Social. Juntos, estes corpos garantem um regime que providencia subsídios de desemprego, benefícios familiares e de sobrevivência, assistência a aqueles que estejam em necessidades socioeconómicas, e pensões para idosos e inválidos (Segurança Social 2011). Nenhuma área recebeu maior ímpeto no empurrão de recursos do Estado na fase imediata do pós-revolução do que a da educação - um dos principais criticismos do Estado Novo tinha sempre sido que haveria mantido deliberadamente a população iletrada e ignorante. Uma panóplia de escolas foi construída e um batalhão de professores foram contratados; a duração obrigatória da educação foi aumentada de 6 anos, no final do Estado Novo, para 9 e subsequentemente 12 (Amaral 2010, 52-53, 76). O emprego aumentou significativamente não apenas no sector educacional, mas por todo o aparato estatal, que acabou por ser aumentado para dar substância a todos os direitos positivos mandatados constitucionalmente. Desde 1974, o número de trabalhadores do sector público aumento de 200,000 para cerca de 800,000 hoje (Amaral 2010, 55).

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Também reflectindo a Constituição de 1976, estes trabalhadores, a par com os seus equivalentes no sector privado, foram dotados de um dos modelos mais rígidos de lei laboral do mundo desenvolvido. Ao estipular a segurança de trabalho como um direito, a Lei fundamental de Portugal restringe explicitamente despedimentos apenas para situações de justa causa, efectivamente proibindo livre emprego (Art. 53). De facto, o governo já tinha definido "justa causa" mais especificamente em 1975 com o Decreto Lei 372A/75, em que de acordo com o mesmo, justa causa abrange casos onde é absolutamente e definitivamente impossível, no presente e no futuro, ao trabalhador fazer o seu trabalho ou a empresa aceitar o trabalho dele (Art. 8, qtd. in Martins 2009, 260). Além de ter de cumprir com estas condições exactas, uma empresa que pense despedir um trabalhador é obrigada a embarcar num processo administrativo consumidor de tempo que envolve, entre outras coisas, a submissão de um documento escrito que estabeleça as razões para a demissão e a colecção de provas recolhidas por entrevistas com alguém que o empregado identifique como sendo relevante para o caso. Se a empresa for levada a tribunal para defender o despedimento do empregado, e perder, é obrigada a reinstituir o empregado e pagar de volta salários do período desde o aviso de despedimento. Mesmo que a empresa ganhe o caso ou o empregado não processe a empresa pelo despedimento, a empresa é ainda obrigada a pagar uma considerável indemnização. Em 1989, depois de muita acrimónia que incluiu uma greve geral e uma referência ao Tribunal Constitucional, o código laboral foi revisto para permitir que empresas pudessem demitir trabalhadores em resposta a imperativos estruturais, mudanças tecnológicas e movimentos no ciclo de negócios. Pequenas empresas, também, foram isentadas de todas menos quatro dos requerimentos administrativos (Martins 2009, 260). Ao mesmo tempo, as regras que rodeavam contratos de curto-prazo - focando apenas em trabalhadores permanentes - foram apertadas nas revisões de 1989, apesar do seu uso ter persistido e de ter, apesar de tudo, se tornado mais frequente. Tão difundidos estão os recibos verdes que Portugal tem a terceira maior proporção de trabalho temporário entre nações da OCDE, atrás apenas da Espanha e da Polónia (Pereira 2011). Desta forma, tal como o Estado Novo, o Estado Social representa um sistema de intervencionismo. Desde 1974, o Estado Português tem continuado a depender principalmente nos seus poderes coercivos para suplantar o livre movimento da oferta e da procura num contexto de propriedade privada e ordem de mercado. Desta forma, o que fundamentalmente distingue os dois regimes não são tanto os meios escolhidos pelos legisladores na persecução de fins económicos e políticos, mas mais o conteúdo desses fins. Se o Estado Novo de Salazar, no princípio pelo menos, apontava para desenvolver lealdades nacionalistas paralelamente a uma

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economia que reflectisse valores espirituais, o Estado Social procura criar uma sociedade secular e materialmente afluente na qual a cada pessoa é dada igual preocupação e respeito económico. Numa avaliação dos seus méritos relativos, seria natural focar-se nos seus respectivos fins, especialmente porque os meios económicos que adoptaram foram essencialmente similares. Mas então aí teríamos de ir além da economia e entrar nas regiões da filosofia moral, pelo menos no que diz respeito a se os fins últimos da acção humana envolvem reivindicações de como o mundo deveria ser. Porque tais reivindicações estão para além de adjudicação científica, é mais prudente aqui limitar a discussão a uma avaliação da aptidão dos meios escolhidos para atingir os fins procurados. Em argumentos puramente económicos, o Estado Novo não ficaria mal colocado neste teste. Se uma comunidade em que a maximização dos acessórios dos cidadãos é o objectivo, uma política intervencionista que corta os laços das pessoas da divisão internacional do trabalho é um meio plausível. Se o objectivo é limitar a provisão de bens materiais em nome de bens imateriais mais valiosos, então seguramente não existirá método mais eficaz de reduzir abundância económica do que interferência sistemática no mercado. Mesmo quando o Estado Novo, do fim dos anos 50 em diante, mudou para uma ordem mais prócrescimento de forma a poder manter apoio popular e financiar a Guerra Colonial, reduzindo o grau de intervencionismo como fez foi a abordagem correcta. No entanto, o mesmo não pode ser dito para o Estado Social, uma vez que comete o erro de enfatizar a intervenção como forma de trazer a prosperidade. É difícil de encontrar um fluxo de pensamento económico mais inflexível e inequívoco sobre as armadilhas do intervencionismo preconizado pela socialdemocracia do que a Escola Austríaca. Então se essa concepção politicoeconómica for, afinal, a raiz dos problemas de Portugal, não existe melhor concepção teórica do que a Escola Austríaca para revelar esse facto. Para Ludwig von Mises, um líder teórico da Escola Austríaca, o principal defeito do intervencionismo e, de forma mais abrangente, do socialismo sublinhado nele, é que o mesmo constitui uma espécie de ácido que vai corroendo o stock de capital de uma sociedade (1981, 413-52). Ele preocupa-se acerca dos perigos morais envolvidos na provisão governamental de segurança social porque a mesma reduz incentivos às pessoas para manterem comportamentos saudáveis e trabalharem de forma árdua. Os impostos necessários para financiar o esquema baixam os incentivos para investir (Mises 1996, 804-5). Além do mais, legislação de protecção do trabalho, além de tornar mais difícil para empresas ajustarem a sua mão de obra a mudanças de procura do consumidor, aumenta efectivamente o custo de contratar trabalhadores. "Ao pesar os prós e contras de contratar trabalhadores", Mises nota, "o empregador não pergunta a si mesmo o que é que

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os trabalhadores recebem como salário que levam para casa. A única pergunta relevante para si é: Qual é o preço total que tenho de gastar para segurar os serviços deste trabalhador?" (1996, 601). Portanto, a intervenção governamental no mercado, seja por desencorajar maior acumulação de capital ou por encorajar o consumo de capital que gerações anteriores acumularam, segundo Mises argumenta, deixa a comunidade com menos instrumentos com os quais produzir maiores quantidades de bens e serviços. Afinal de contas, recursos capitais como fábricas, escritórios, maquinaria, tecnologias, e ferramentas - são o que fazem o trabalho humano mais produtivo ao transformar os escassos recursos disponíveis em formas que melhor satisfazem os desejos subjectivos das pessoas. Uma sociedade rica é nada mais do que um grupo de indivíduos cuja combinada capacidade produtiva lhes permite satisfazer um imenso conjunto dos seus desejos subjectivos. Minar a base de capital de uma sociedade é atacar o seu potencial de criação de riqueza. A este argumento, os sociais democratas irão imediatamente opor que o intervencionismo tem sido a política pública do mundo evoluído e industrializado desde o início a meados do século XX, e ainda assim as economias destes países têm continuado a crescer até ao início do século XXI. O que explica este aparentemente incongruente facto, no entanto, é que os estados sociais de hoje em dia não sufocaram completamente as instituições e prácticas de mercado. Um sistema socialista não pode existir, argumenta Mises, "a não ser que seja um fragmento de socialismo dentro de um sistema de ordem económica a assentar em propriedade privada" (1981, 414). Uma crítica a esta visão Misesiana pode ainda tentar insistir na questão ao fazer notar o falhanço da previsão de Mises de que o sistema intervencionista irá desaparecer e ser substituído ou pelo capitalismo, ou pelo socialismo. Em Acção Humana, ele elabora esta previsão, argumentando que o fundo de reserva dos capitalistas ricos pelo qual os intervencionistas inicialmente tentam financiar despesas públicas irá inevitavelmente esgotar-se e o recurso será feito pelas fontes de capital detidas pela grande parte da população (1996, 858-61). Assim que a situação atinja este ponto, o esquema torna-se vulnerável a protestos massivos uma vez que toda a gente acarreta os custos. Que esta previsão ainda não se tenha cumprido pode ser explicado pelo facto de Mises não ter tido em conta a dívida pública. A emissão deste tipo de dívida, através da venda de obrigações do Estado, oferece a estados intervencionistas meios de esvaziar capital dos mais ricos e manter o dilema de financiamento à costa por mais algum tempo. Portugal exemplifica este cenário tão bem quanto a reivindicação maioritária de que políticas intervencionistas danificam o stock de capital. Se tais danos de facto ocorrerem, como Mises insiste, tal será ainda mais óbvio num país como Portugal que, comparado com outros regimes sociais democratas, construiu o

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seu próprio Estado Social num prazo relativamente mais curto num base mais fraca de capital. A forma como Portugal fez tal, tão rapidamente, pode ser visto na figura 3.

Em 1973, mesmo antes da revolução, a despesa do governo em percentagem do PIB estava ligeiramente acima dos 20%. Apesar das despesas sociais terem subido ligeiramente durante o regime de Caetano, o papel do governo estava limitado às tradicionais, pré-estado social, funções de defesa militar, administração interna e construção de infraestruturas. A segurança social e funções de estado social tinham sido deixadas na sua maior parte a apoio familiar, caridades privadas, a Igreja Católica e a uns poucos dos corpos corporativos do Estado Novo. Depois da revolução, movidas por um aumento brutal de despesa social, as despesas públicas praticamente duplicaram em percentagem do PIB em 11 anos, chegando aos 37,5% em 1985. Estas despesas excederam os 40% nos inícios dos anos 90 e mantinha-se nos 49,3% em 2010. Esta percentagem coloca Portugal muito perto da média da União Europeia, que em 2010 era 50,6% (Comissão Europeia 2011). Para colocar esta percentagem em contexto comparativo, considere-se que a França precisou de setenta e sete anos para ir de uma despesa de 17% do PIB para 49,8% do PIB (Tanzi e Schuknecht 2000, 6). Em 1937, as despesas do governo dos Estados Unidos eram

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equivalentes às do estado português em 1973. Ainda assim, até agora os Estados Unidos, com despesas governamentais aproximadamente nos 40% do PIB, ainda não chegaram aos níveis de Portugal. Um sinal à primeira vista de que esta ascensão em intervencionismo em Portugal enfraqueceu a sua base de capital é o abrandamento de progresso económico depois de 1974. A figura 4 ilustra as taxas de crescimento, alisadas em médias de 10 anos), do PIB entre 1900 e 2010.

Depois de um avanço bem marcado que começou no final dos anos 30, o passo atingiu o máximo no início dos anos 70 e, excepto um ligeiro movimento ascendente no final dos anos 80 e início dos anos 90, a taxa tem de forma estável tendido a descer para uma valor pouco acima de zero. A taxa de crescimento português está espantosamente de volta onde estava no final do seu período monárquico e início de período republicano do início do século XX. Esta regressão tem sido reflectida no PIB per capita relativo de Portugal. A figura 4 ajuda-nos a lembrar que durante o período aproximado de 40 anos de vigência do Estado Novo, o PIB per capita de Portugal, em relação aos seus pares europeus mais desenvolvidos, floresceu em 16 pontos percentuais para 58%. De 1974 até 2008, o Estado Social convergiu uns meros 7 pontos percentuais adicionais para 65% (Madison 2010), o que era menor do que o máximo de 69,3% atingidos em 2001. Fazer medições de capital é um assunto problemático, dado que não é, como economistas ortodoxos pressupõem, um monte homogéneo de recursos, mas - 17 -


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antes uma estrutura de bens heterogéneos ligados a diferentes planos empreendedores para produzir futuro output (Kirzner 1976). Com este dilema em mente, é ainda importante notar que os cálculos de economistas ortodoxos de acumulação de capital e produtividade de capital indicam que estas variáveis eram maiores nas últimas décadas do Estado Novo do que têm sido desde o início do Estado Social (Neves 1996; Pereira e Lains 2010). A figura 6 ilustra a média a 10 anos de taxas de crescimento anuais da formação de capital bruto. Estas taxas estavam em níveis de dois dígitos no início dos anos 70 e têm tendido principalmente a baixar desde então. Nos últimos dois anos, esta básica demonstração de investimento de novo capital tem-se tornado negativa. Com trabalhadores a terem relativamente menos capital adicional ao seu dispor, o aumento da produtividade laboral, medida como PIB por hora, tem similarmente desacelerado (figura 7). Considere-se, igualmente, o que é descoberto quando a era pós-1974 é dividida em segmentos periódicos. O período no qual a economia Portuguesa teve melhor performance coincide com uma fase na qual o governo tomou uma direcção prómercado mais decisiva. Durante os meados dos finais dos anos 80 até aos inícios dos anos 90, quando o PIB real aumentava regularmente a taxas anuais maiores que 3% e a formação de capital estava a acelerar de forma estável, Portugal aderiu a zona de comércio livre da CEE (1986), privatizou muito do que tinha sido anteriormente nacionalizado no rescaldo da revolução, e estabilizou o nível de despesa do governo.

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Em contraste, o pior subperíodo desde 1974, de 2000 em diante, está associado com um aumento na intervenção do governo. Em 2000, Portugal estava situado em 45 no ranking de liberdade económica do Heritage Foundation. Pouco mais de uma década depois, em 2011, a posição do país tinha piorado para um ranking de 69 (Heritage Foundation 2011; Vasconcellos 2011). Por contraste, a versão generalizada da ida a zeros na entrada de Portugal para o euro não explica igualmente as dificuldades do país. A evidência mais forte a favor desta explicação é que a performance económica mais fraca de Portugal na fase pós-revolucionária coincide com o seu uso do euro desde 2002. Mesmo previamente, na década anterior, Portugal teve de se qualificar para a entrada na moeda única ao ter de seguir uma política monetária apertada para conter inflacção e colocar as taxas de juro abaixo dos níveis especificados no Tratado de Maastricht. Apesar deste período, desde 1990 até 2001, não ter sido um especialmente pobre para a economia portuguesa, um notável abrandamento ocorreu no crescimento económico, tornando-se mais pronunciado assim que o novo milénio começou. Tanto durante esta fase preparatória como depois, diz este argumento, faltou a Portugal a habilidade de ajustar a sua taxa de câmbio estrangeiro de forma a tornar as suas exportações mais competitivas nos mercados mundiais.

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A falha nesta lógica, no entanto, é que Portugal nunca perdeu a sua capacidade de se adaptar à mudança de condições internacionais através de custos de trabalho. Como tal, o apelo geral de que o regime de taxa de câmbio assume implicitamente que ajustes de salários não podem ser feitos. É como se as condições do mercado de trabalho fossem um facto da vida a par da morte, que ninguém pode mudar, devendo simplesmente aceitá-lo. Claro que a racionalização convencional desta teoria é a história Keynesiana de que os trabalhadores não aceitam salários mais baixos durante retrocessos da actividade económica. Na situação portuguesa, no entanto, não se está a lidar simplesmente com uma matéria de psicologia do trabalhador comum a todas as nações. Estamos confrontados mais especificamente com uma ordem constitucional e legal que dá grande poder ao trabalho ou, para ser mais preciso, aos segmentos de força de trabalho mais organizados cujos membros não foram relegados para a situação mais precária de terem de contratar os seus serviços temporariamente via recibos verdes. Esta inclinação pró-trabalho fez-se sentir imediatamente depois da revolução de 1974, quando os salários dispararam - em 30% só em 1975 - apesar das adições à oferta de mão de obra por parte dos chamados retornados (Amaral 2010, 28), pessoas que tinham estado a viver nas colónias portuguesas e voltaram à metrópole depois da independência das mesmas. Uma longa década de desvalorização da moeda, que viu o escudo sofrer uma desvalorização de 87% face ao dólar, trouxe as taxas do salário de volta ao nível da produtividade do trabalhador (Amaral 2010, 87). A suportar o peso deste ajustamento estavam os consumidores e firmas que tinham de pagar mais por bens importados assim como os detentores de bens capitais e financeiros com posições a longo prazo em escudos. De acordo com o FMI, Portugal tem as leis laborais mais rígidas da zona euro (2009, 20, 32). Está situado no lugar 168 em termos de liberdade laboral, praticamente último entre as nações desenvolvidas (Vasconcelos 2010; Heritage Foundation 2011). Pedro S. Martins (2009) confirmou que esta rigidez impediu uma firme performance. Descobriu que as pequenos empresas isentadas parcialmente das cargas onerosas do código laboral português depois de ter sido revisto em 1989, subsequentemente superaram em performance as empresas maiores que continuaram firmemente sujeitas à lei. Também não constitui nenhuma surpresa, à vista desta lei, que o aumento em salários relativo à produtividade laboral recomeçou nos anos 90 e continuou até aos anos 2000. Compensação laboral por empregado subiu 68% de 1995 a 2008, enquanto que o PIB por hora aumentou apenas 15% (Conference Board 2011; OCDE 2011). Aqui jazem as raízes do problema de competitividade português. Os investimentos do Estado Social na educação têm feito pouco para corrigir esta discrepância ao aumentar o componente da produtividade implícito na equação

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do custo unitário do trabalho. A proporção do PIB alocado à educação em Portugal triplicou de 1,3% em 1974 para 5,2% em 2009, e o país situa-se no lugar 15 no mundo em gastos por estudante relativamente ao PIB per capita (Pereira e Lains 2010, 22; Pordata 2011). A noção de que a educação é um enorme potenciador de crescimento tornou-se moda entre economistas que apelam a uma teoria de capital humano (Becker 1975). No entanto, a evidência para a relação entre obtenção de educação e crescimento económico é mais intrínseco do que é normalmente considerado (Hanushek and Woessman 2008). Simplesmente aumentando o número de anos frequentados entre a população do país negligencia o papel desempenhado pela qualidade do sistema educacional ao desenvolver capacidades cognitivas. Estas capacidades - reflectidas por competência em matemática, leitura e ciência - correlacionam-se mais fortemente com performance económica. O impacto da educação depende também na estrutura politico-económica existente. Se esta estrutura encoraja actividade produtiva garantido o primado da Lei e direitos de propriedade privada, então a educação irá aumentar a prosperidade. Caso contrário, as classes educadas serão responsáveis por dedicarem as suas capacidades cognitivas em actividades rentáveis. Tal como será discutido na próxima secção, a natureza do regime democrático de Portugal sugere que uma mudança para o segundo cenário ocorreu. Além disto, os rígidos mercados de trabalho em Portugal desencorajam a contratação de juventude com muitos estudos. Os custos gigantes de despedir trabalhadores significa que a produtividade maior prometida pelo regime escolar terá de ser ainda bastante maior para convencer empregadores a arriscarem em recém formados. A educação consiste em grande parte na socialização da juventude em dogmas e valores que prevalecem (Rothbard 2001, 827). As escolas tendem a preparar os indivíduos para ocupações rotineiras; não cultivam, geralmente, génio e criatividade que empreendedores possuem (Mises 1996, 314-15). Apesar da educação aumentar o rendimento das pessoas ao equipá-las com capacidades específicas, um risco mantêm-se sempre de que o investimento não compense porque a disponibilidade de trabalho relevante é contingente à procura do mercado (Mises 1996, 624-25). Não é a educação, por si, que aumenta a produtividade, mas antes a educação que é dirigida principalmente às necessidades particulares dos consumidores. É duvidoso que o estado consiga afinar muito bem a sua alocação de fundos educacionais para cumprir este imperativo. O Estado Português tem feito certamente pouco para dissipar estas dúvidas. O desemprego jovem é superior a 20% (Estatísticas de Portugal 2011). Professores sindicalizados - os mais pobres sendo praticamente impossíveis de despedir, dado o código de trabalho do país - têm conseguido cativar uma parte desproporcionada dos fundos investidos na educação. Os seus salários

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representam 93% dos gastos comparado com a média de 74,4% entre nações da OCDE (Guichard and Larre 2006, 16). As autoridades também alocaram demasiados recursos em educação genérica e muito poucos em treino técnico e vocacional (Guichard and Larre 2006, 20). O máximo que pode ser dito sobre os investimentos consideráveis de Portugal na educação é que a população do país passa agora mais anos na escola. Ainda assim, defeitos institucionais conseguiram deixar os cidadãos portugueses continuamente atrasados em relação aos seus pares europeus neste aspecto, e a obterem resultados a rondar os níveis suficientes de leitura e aritmética (OCDE 2010; Pereira e Lains 2010, 22-24). Não é de admirar que as empresas têm sido relativamente suspeitosas em acumular capital, que iria aumentar produtividade e promover um mais rápido crescimento económico.

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O Factor Democracia

A

pesar dos problemas económicos de Portugal poderem ser detectados no intervencionismo dos governos, as grandes questões do país são fundamentalmente políticas na sua natureza. Para ser concreto, problemas económicos são quase sempre políticos uma vez que são normalmente causados pela interferência no mercado por parte do Estado ou por este efectivamente colocar de parte o sistema de preços a favor de diktats burocráticos. Mas a experiência de Portugal permite-nos analisar mais profundamente as razões políticas de performances económicas abaixo da média. Afinal de contas, como tenho argumentado, o problema da nação é o culminar das políticas implementadas na construção do Estado Social, que por sua vez surgiu e evoluiu de uma mudança de regime de uma autocracia para uma democracia. Até que ponto, então, é que forma democrática de governo acarreta responsabilidade nos problemas de Portugal? Esta é uma pergunta desinquietante para colocar porque a crença de que a democracia é a melhor forma de regime está entre as opiniões fundacionais que passam largamente inquestionadas na vida política ocidental. A força desta crença torna-se especialmente óbvia quando forças de oposição num país estrangeiro abraçam a causa da democracia tentando destituir um ditador ou oligarquia reinante. Políticos ocidentais e comentadores com poucas excepções tipicamente apoiam a democratização do país em causa como um imperativo moral, salvaguardando-se contra ela apenas em algumas instâncias devido a feias necessidades impostas pela real-politik da política externa. Mesmo assim, nada disto tem evitado os cientistas sociais de investigar a relação entre democracia e

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crescimento económico. Estes estudos, no entanto, não têm gerado quaisquer conclusões firmes. John F. Helliwell (1994) conclui que o impacto da democracia é negativamente insignificante; Robert J. Barro (1996) descobre que é algo negativo; e uma meta-análise por Chris Doucouliagos e Mehmet Ali Ulubasoglu (2008) sugere que não é prejudicial. Dani Rodrik (1997) concede falta de correlação entre democracia e crescimento mas argumenta que a economia exibe menos volatilidade em regimes eleitos popularmente. Um pode justamente questionar a presunção nestes estudos de que os mesmos tenham desenlaçado a democracia da miríade de outros factores que se impingem sobre a economia. Devido à ausência e presença de democracia serem tão claramente marcadas na história recente de Portugal, Portugal oferece o potencial para um caso de estudo ideal que possa iluminar um assunto que cientistas sociais, com os seus métodos matemáticos e empíricos, têm até agora sido incapazes de descortinar. Não estando disposta a um grande entusiasmo pela democracia e estando aberta ao tipo de análise qualitativa que economistas convencionais cada vez mais evitam, a tradição austríaca oferece uma estrutura apropriada para analisar a dinâmica política de Portugal, da mesma maneira que o fez ao analisar a construção pós-1974 de um Estado Social. Mises reconhece a superioridade da democracia em relação às alternativas (2005, 19-25), no entanto não o faz porque a democracia ser moralmente requerida para dar substância a direitos individuais de autonomia ou porque a população é moralmente e intelectualmente superior a elites ou porque permite a todos tomar parte na função alegadamente nobre de vigilância dos assuntos públicos. A defesa de Mises da democracia assenta na reflexão de que a última fonte de poder político serem as massas. Apesar do poder parecer residir no governo, a realidade é que aqueles que exercem autoridade governamental são invariavelmente ultrapassados em número por quem governam. A população precisa apenas de se combinar para despachar a elite governamental. Apesar da última ter um exército e forças de segurança interna ao seu comando, estas forças também ultrapassam em número os governantes. Numa situação em que aqueles que garantem a máquina coerciva do Estado tenham de escolher entre o povo e os governantes, a lógica dos números favorece que se alinhem com os primeiros, especialmente quando o descontentamento popular se torna intenso e espalhado por toda a parte. A consequência para Mises, que aqui segue a análise de David Hume (1987), é que a autoridade do governo assenta fundamentalmente na opinião pública. Uma vez que esta opinião está sujeita à mudança, as instituições políticas têm de ser enquadradas numa visão que permita a estas mudanças serem reflectidas no aparato e políticas do governo com o mínimo de distúrbio na sociedade. Onde a paz prevalece, o mercado é deixado imperturbado de ameaças à propriedade

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privada. Ao fazer as classes governantes regularmente responsabilizáveis perante o eleitorado e apresentando um procedimento imediatamente preparado para mudar os ocupantes de cargos públicos periodicamente, a democracia oferece a solução menos disruptiva para o dilema de transição. Portugal pagou o preço de não ter este mecanismo democrático instituído quando a opinião pública eventualmente se virou contra o Estado Novo. Um derrube revolucionário tornou-se inevitável, precipitando a queda abrupta no PIB português de 1974 a 1976. Qualquer análise do papel da democracia na performance económica do Portugal pós-revolucionário tem de atribuir uma significante dose de culpa por aquela queda inicial ao anterior regime. Além do mais, os confinamentos que a ditadura colocou na expressão da opinião pública em oposição às políticas do governo serviram para radicalizar o zeitgeist que acabou por prevalecer durante a revolução e que subsequentemente influenciou o acordo constitucional de 1976. Quando as pessoas se viram diante da perspectiva de prisão, tortura e exílio forçado, só os mais comprometidos ideologicamente, que também tendiam a ser mais ideologicamente extremistas, arriscavam trabalhar activamente na oposição ao Estado Novo. Apesar daquele regime estar longe de ser pró-mercado na sua abordagem económica, a sua associação com elites de interesses de negócios significou que o tom ideológico da oposição a isso iria tomar uma forma decididamente anticapitalista. A possibilidade não pode ser descurada, no entanto, de que o clima de opinião a favor de um socialismo democrático simplesmente tenha reflectido as tradições intelectuais de Portugal assim como os modos de pensamento na moda durante o tempo em que o caminho pós-revolucionário do país estava a ser desenhado. Tivesse a revolução ocorrido não em 1974, mas em 1984, no acordar do movimento Reagan-Thatcher, as coisas poderiam ter-se desenvolvido diferentemente. Mesmo assim, procura-se em vão por um fio condutor de pensamento liberal clássico no passado de Portugal. O que passou por liberalismo durante a 1ª República, que derrubou a monarquia no início do séc. XX, era Jacobino na sua hostilidade em relação à religião e Rousseauiano na sua vontade de empregar o Estado para obrigar as pessoas a tornarem-se iguais e livres (Espada 2010). Apenas um dos significantes partidos políticos contemporâneos, o Partido do Centro Democrático e Social - Partido Popular (CDS-PP), advoga políticas de mercado-livre. É o único partido originalmente a ter votado contra a Constituição de 1976 (Robinson 2002, 180). Apenas em algumas ocasiões é que tem ganho mais de 10% dos votos em eleições legislativas. Mises qualificou o apoio pela democracia, contudo não é alheio aos vícios de tal regime. Primeiro entre eles, para ele, é o papel que os partidos políticos

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desempenham (2005, 121-32). Antes do liberalismo e da democracia terem ganho ascendência no século XVII e XIX, os partidos não existiam. Por sua vez, a ordem hierárquica prevalecente significava que as pessoas quase sempre se viam a si mesmas, de forma indistinta, como membros da casta ou classe na qual tinham nascido. Neste mundo pré-moderno, a divisão política fundamental separava os patrícios e os plebeus, os nobres e os comuns, os amos e os servos. Depois das democracias modernas estabelecerem institucionalmente o princípio liberal de que toda a gente é livre e igual perante a lei, os indivíduos viram-se libertados da pressão social de se terem de identificar com a sua posição inicial numa ordem social fixa e puderam, por sua vez, escolher as suas alianças políticas. Partidos políticos surgiram para obter estas alianças com a vista de segurar as rédeas do poder democrático. Mas os partidos fazem-no, argumenta Mises, segmentando as pessoas de acordo com os seus interesses especiais e oferecendo privilégios a grupos particulares à custa de outros grupos. Este tipo de pilhagem é uma afronta à filosofia liberal clássica, que exige o sacrifício, a curto-prazo, dos interesses particulares de um indivíduo pelos benefícios maiores e a longo-prazo a serem ganhos por políticas que avançam o bem comum. Quanto mais os partidos ignoram esta exigência, mais a economia como um todo sofre do peso das despesas do estado e dos vários impedimentos e restrições instituídos para criar privilégios a grupos favorecidos. Com o suceder de um partido a outro ao providenciar vantagens distintas aos seus apoiantes, no entanto, a situação está sujeita a chegar a um estado de crise em que cada grupo deixa de ser privilegiado, tendo de passar a financiar os benefícios da sua contraparte de um bolo económico reduzido. Muita desta visão é prefigurada na tese de Mancur Olson (1971) de que nas democracias, pequenos grupos capturam ganhos desproporcionais à custa da maioria da comunidade ao terem os custos dos seus privilégios espalhados e quantias individuais negligenciáveis. Mas em referência à miopia que engenha este estado de coisas, Mises também prefigura a crítica mais radical da democracia por Hans-Hermann Hoppe (2001). Na premissa de que a democracia socializa a propriedade do Estado ao conferir os ocupantes de cargos políticos com um controlo meramente temporário de recursos da sociedade, Hoppe argumenta que as classes governativas têm incentivos de se beneficiarem a si mesmas e aos seus apoiantes à custa de futuras gerações, assim aumentando o tempo efectivo da taxa de desconto da sociedade. Uma maneira de verificar se o argumento de Hoppe ajuda para explicar a experiência democrática de Portugal é comparar taxas de poupança antes e depois da revolução de 1974. Poupanças em declínio seriam sugestivas do tempo de desconto da população a uma taxa maior. A figura 8 ilustra que a taxa de poupança floresceu durante os anos 60 assim que a prosperidade crescente do

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período permitia os indivíduos colocar de parte uma maior porção dos seus rendimentos para o futuro. Mas depois de chegar ao máximo nos anos 70, a taxa de poupança tem notavelmente caído com a consolidação da democracia.

Tanto quanto as poupanças preenchem os meios para investimentos em bens de capital, a mudança para a democracia corresponde portanto a uma redução nas capacidades de crescimento de Portugal. Para além de contribuir para uma escalada dos défices de conta-corrente, estavelmente a piorarem desde os finais dos anos 90, os gastos extravagantes e inconsequentes de Portugal deixaram os bancos do país com relativamente menos depósitos de clientes com os quais financiar os seus portfolios de empréstimos. A consequência é que os bancos portugueses são especialmente susceptíveis aos caprichos dos mercados de dinheiro para se financiarem, uma susceptibilidade que ultimamente os tem conduzido para depender do Banco Central Europeu ("The Winter of Living Dangerously" 2011). A melhor maneira de determinar se o entendimento de Mises-Hoppe sobre as democracias responde pelo caso português, no entanto, é considerar o historial orçamental do governo. Se considerações de interesses especiais estão de facto a conduzir tomadas de decisões políticas, a batalhar resultante por vantagem irá aparecer em persistentes défices orçamentais. Assim que cada grupo de interesses procura passar os custos dos seus privilégios para outros e simultaneamente defender-se a si mesmo das imposições de grupos opostos, o efeito de rede será deixar os jogadores menos poderosos do processo democrático com o peso do pagamento. Numa democracia, o poder correlacionase com representação, e gerações futuras formam um grupo profundamente

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afectado por orçamentos governamentais, mas necessariamente lhe faltando voto corrente. Logo, são eles mesmos os mais prováveis de se verem presos com a conta do devaneio orçamental da geração prévia. Como a figura 9 torna perfeitamente claro, as contas dos governos de Portugal desde o estabelecimento da democracia testemunham um processo político infestado pelo comportamento tacanho e não isento de partidos políticos. Depois de regularmente equilibrar o orçamento e gerir superavits nos regimes de Salazar e Caetano antes de 1974, Portugal não conseguiu nem uma vez sequer, nos 37 anos subsequentes, evitar um défice. Que esta situação tenha apenas recentemente degenerado numa total crise de dívida reflecte a grande capacidade de empréstimo ganha à custa da frugalidade do Estado Novo.

Reforçando a dinâmica partidos-e-interesses-especiais aqui em jogo está o facto do sistema de representação proporcional do país conduzir a governos minoritários. Dos 19 Governos desde a Constituição de 1976, apenas 3 conseguiram maioria na Assembleia da República. Governos de coligação magnificam o equilíbrio de partidos políticos e seus apoiantes de interessesespeciais dando-lhes poder de veto sobre legislação proposta (Pereira e Singh 2009). Outro sinal revelador de que o facciosismo tormenta um sistema político é o recorrer a uma entidade exterior para resolver problemas domésticos. Sempre que a situação se torna premente e jogadores políticos rivais se recusam a - 29 -


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cooperar no forjar de uma solução, a recorrência a uma agência externa torna-se um meio tentador para quebrar o impasse. Tal agência pode permitir a um dos lados na luta política doméstica impor a sua vontade debaixo da justificação de que um poder maior requer aquela imposição. Ou a agência pode permitir a todos os lados a seguirem o esquema de cooperação que delineou, permitindo que cada lado racionalize as concessões necessárias ao explicar aos seus apoiantes que outra entidade forçou a sua mão. Este processo tem-se manifestado num número de instâncias do período democrático de Portugal. Tanto em 1979 como em 1983, problemas de liquidez eventualmente conduziram o país a procurar assistência do FMI. A decisão de Portugal juntar-se à zona euro também pode ser vista, de forma discutível, como um apelo a uma força exterior numa tentativa de superar os ímpetos políticos que anteriormente tinham aberto caminho a inflação e desvalorização contínuas. A recente requisição de ajuda do país à UE e ao FMI apenas confirma este padrão. Não necessitamos de depender simplesmente nas maquinações dos interesses especiais para justificar os falhanços políticos de Portugal no entanto. Não é coincidência que um estado social extensivo se tenha repentinamente desenvolvido em Portugal depois de ter sido dado uma voz à população em decisões políticas. Afinal de contas, maiorias podem ser rapidamente persuadidas a votar em políticos que oferecem o menú inteiro de serviços socialdemocratas, especialmente entre aqueles que esperam ganhar mais em serviços do governo do que aquilo que pagam por eles, com a expectativa de transferir os custos para os mais ricos. Mas assim que o estado social se expande e o fundo de reserva que pode ser apropriado dos ricos se torna insuficiente, impostos têm de ser aumentados de forma geral de forma a que o orçamento se equilibre. Os políticos têm poucos incentivos para aumentar impostos porque ao fazê-lo estão aptos a perder votos para partidos competidores. Mesmo quando um votante reconhece que benefícios garantidos pelo governo terão de ser pagos algum dia, essa ocorrência mais remota atinge a sua mente de forma menos vívida do que a dor presente de perder esses benefícios ou de ter de incorrer num imposto agora para os financiar (Buchanan 1977, 101-9). O caminho mais fácil de seguir é o de gerir défices e dessa forma depender do mercado de obrigações para financiar o regime social-democrata a curto e médio-prazo, deixando o resultado das consequências a longo-prazo para ser acarretado pelos novos, pelos ainda por nascer, ou pelos distantes e enevoados nós no futuros. Como os défices perpétuos de Portugal amplamente atestam, a sua classe governativa tem estado viciada nesta estratégia pródiga. Antes da sua inclusão na zona euro, Portugal podia fugir a difíceis escolhas políticas simplesmente ao mandar o banco central imprimir mais dinheiro para pagar a contínua dívida que se acumulava. Depois da inclusão, esta opção foi cortada dos líderes democráticos do país. Foi então

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apenas uma questão de tempo até que a improvidência dos gastos e empréstimos do país fosse exposta.

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Conclusão

A

o mesmo tempo que escrevo isto, Portugal está no precipício de um default. Contrariamente a muita da sabedoria convencional, não chegou a este ponto simplesmente pela sua inclusão no eurogrupo. As suas tormentas vão mais atrás no tempo, ao desenlace imediato da revolução de 74. Nesse tempo, a fatídica decisão constitucional foi fazer instalar uma socialdemocracia no meio dos remanescentes da ditadura precedente conhecida como Estado Novo. Nas três décadas e meias seguintes, o Estado Social cresceria para cerca de metade da economia portuguesa. A intervenção no mercado envolvida neste crescimento minou o investimento de capital, deixando a economia numa condição moribunda. Para piorar a situação, a democracia de Portugal sucumbiu a uma vulnerabilidade do regime a partidos políticos de visão curta e movidos por interesses. Os custos do Estado Social, consequentemente, nunca foram pagos na sua totalidade pelos seus beneficiários correntes e foram passados, por sua vez, às futuras gerações através do aumento da dívida pública. Essa conta futura tornou-se agora numa realidade do presente. A crise de Portugal é um aviso a outras nações ocidentais industrializadas, todas as quais possuem estados sociais com uma ou outra forma para financiar. O envelhecimento da população, tendendo para cada vez menos trabalhadores para pagar as escaladoras pensões e benefícios de saúde, combinado com a dívida adicional amealhada por governos a lidar com a recente crise financeira, apresenta um desafio monumental aos governos que lidam com as despesas de manterem os seus respectivos estados sociais. Portugal está entre os primeiros a sucumbir a este desafio, apenas porque expandiu a sua social-democracia de forma relativamente rápida e porque tinha uma menor acumulação de capital da qual retirar recursos para a prestação de serviços públicos. - 32 -


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