Fluxo Revista de Criação Literária - 2ª edição

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fluxo Revista de Criação Literária


EDITORES

EXPEDIENTE # 2 ANO 1 JUNHO ‘14

Angelita Santos da Silva Eduardo Tavares Julio Dominguez

REDATORES

Angelita Santos da Silva Julio Dominguez

DESIGNER

Eduardo Tavares

Publicado originalmente em 2014 Fluxo - Revista de Criação Literária / Liana Padilha / Paulo Filipe / Luciane Lopes / Roberson Balbuena / Leo Prudêncio / Alvedes Aguiar / Andréa da Silva Katzwinkel / Sid Summers / Todos os direitos desta edição reservados a

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Estamos na segunda edição. Ou seja, estamos em processo. Construindo um caminho. Habitando o espaço fértil da ficção. Algumas diferenças com aquela primeira edição: menos páginas e temas mais condensados, mas com a mesma qualidade no design gráfico e também com a colaboração dos nossos escritores talentosos e criativos. Falando neles, eles vêm de diversos lugares, de além-mar, das bandas charruas e do Brasil afora direto para as páginas da Fluxo. Poemas, contos e um ensaio que relata a influência das estruturas das cidades - espaço muito comúm nas narrativas - na subjetividade do homem. Preparem-se, por que quando começar a folhear estas páginas virtuais, o vento da ficção irá transportá-lo para terras desconhecidas, para lugares insólitos, para dentro dos corações das pessoas que as criam e para dentro dos corações de quem as visita. Bons ventos!

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Liana Padilha

Imagem de Liana Padilha

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o coração bateu forte as mãos tremiam pensei que fosse amor mas era medo. E você ali me chamando pra dançar Pensei que fosse amor Era só medo De cair outra vez no mesmo truque. Desliguei o telefone.

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eu disse que não era fácil e aprendi com você a não socar as paredes toda vez que sentisse medo ou toda vez que quisesse parar. eu sei que te disse. era tarde e chovia. você tocou meus cabelos e fez um barulho elétrico feito choque virei e você me beijou. depois te disse que não era fácil. tento medir o tempo desde então ainda sinto choques toda vez que tocam meu cabelo.

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Liana Padilha - Fotografia de Dadรก Cardoso

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Paulo Filipe

Imagem de Caleb 16 George Morris


Ao mar me atiro, Às suas vagas me afoito. Ilha longínqua procuro Com brava alma e tudo que temo. Lá, onde após lamentos Em esperança tida, Rezam as lendas Jamais fazer-se partida. Glorioso pomar; Justo amar; Flores a apanhar; E no sereno mar, o reflexo do luar. Nada mais até lá, A não ser esta coisa Oposta à de lá, Aquilo que ao lá precisa; Nada mais até lá, A não ser tudo, já: A forma que será, E o sentido que há.

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O que será a harmonia Em eterno jeito dócil, Sem esta vaga que me salpica, Sem este mar ignóbil? O que será o Bem Sem o que o Abismo tem, Sem o mal que me advém, Sem o que em tudo isso me detém? Nada, ou tudo diferente! Será palavra Arrasada a fino pente: A Babel, a sua língua! Nada. Eis o universo Do que no além é tudo: No agora o silêncio Da impossível voz que possuo.


Ao tempo, o tempo de agora, A vaga de susto e morte, O ali de outr’hora Ansiada por ser de agora e sempre. Respiro, Tanto quanto suspiro: Da harmonia, a guerra do equilíbrio; Da dor, a alegria do ânimo. Longínqua e inalcansável ilha Que a afogar me verá: Exausto, quedarei na fria água, E corpo e alma se abismará. Ao mar me atiro, Às suas vagas me afoito. Ilha longínqua procuro Com brava alma e tudo que temo.

Imagem de Caleb George Morris


Luciane Lopes

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Sutra Hoje preciso da cama do furto, dos dentes Preciso da urgência da língua Do meio, dos teus precedentes Hoje preciso do peso, da presa, do amante Preciso de você contente vertente, volante... Hoje preciso do lado, do faz de conta. De quatro, somar dois mais dois ao quadrado,. Subir um fado na garganta, cantar raiz de mantra. Hoje preciso do surto, do sutra. Da força do moço, da ostra da moça Quadris com cheiro de anis e a carne quente dos dedos.

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Roberson Balbuena

Imagem de Danka Peter

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Vivian Linda y borracha Subiendo las escaleras, mareada, confusa (con un tacón en la mano) Tratando de no hacer mucho ruido (con otro tacón roto) Y esquivando a los gatos. Pasos perdidos, dubitativos Pensamientos desconectados, ideas palpitantes Con su cuello aún dolorido (De tanto jugar en la calesita). Sonrisas tontas, carcajadas descontroladas Vagos recuerdos, muchos gustos en la boca Declaraciones, frases impactantes ... Sólo los destellos de la noche anterior ... Abre la puerta, cerra las ventanas Intenta quitarse las botas, desiste ... Se tira en la cama, por un momento piensa que todavía está en la plaza Todo es luz, todo gira, nada tiene sentido.

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El día en que me visitó tu ausencia (Dani Umpi) La invitación no fue nada formal. Nada de papel membretado Nos whatasppeamos Te invitaste, te invité, nos invitamos. Preparé la casa, Ordené mis ideas Miré la heladera, los armarios, la alacena... No habia nada del sambayon que tanto te gusta. Prendí un incienso de sándalo. Apronté un té frutal Con un exótico gusto a demora Y un aroma de ansiedad. Googleé recetas prácticas. Hice mi famosa torta de coco, Rellena de tu ausencia Y un poco dura para masticar.

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Imagem de Logan Adermatt


Léo Prudêncio

26 Benad Imagem de Robin


Estudo sobre o soneto decassílabo – com base no quadro

“O Violoncelista” de Amedeo Modigliani na solidão da noite me refugio com meu violoncelo que comigo conversa e ouve meu pranto aqui estão minhas impressões sobre o dia que se passou aqui solitário me encontro comigo mesmo sem hora marcada sem bater ponto ou aguardar em fila eu eu mesmo e meu violoncelo cercados pela sinfonia de grilos violinistas aplaudido pelo silêncio do nada e condecorado pelo frio da noite finda-se o espetáculo quando o sol ascende no horizonte voltando a triste realidade

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Alvedes Aguiar

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Imagem de Anna Dziubinska


Necessária Poesia Eu escrevo para os mendigos com os olhos vidrados numa vitrine qualquer sentindo saudade do que não foi. Eu escrevo para os sonhadores que transformam sua dor se equilibrando em varais metafóricos. Eu escrevo para os casais apaixonados segurando as mãos suadas, caminhando como se fossem levitar. Eu escrevo para os operários que se arrastam lentamente com uma cruz no pescoço e um livro vermelho na mão. Eu escrevo para as mulheres de cabeça sarada escrevendo sua história sem precisar de autor.

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Eu escrevo para a criança que habitava o teu corpo e hoje se esconde atrás de uma mesa, “despetalando flores” de um calendário. Eu escrevo para os bêbados e vagabundos, para os loucos e insanos, para essa fauna variada que se encanta com as estrelas desarrumando o céu. Eu escrevo para os pais que assistem seus filhos saírem na escuridão da noite, deixando um rastro de amargura, sem nada poderem fazer. Eu escrevo assim, pedindo socorro; escrevo sim, senão eu morro.

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Imagem de Linh Nguyen



Todas imagens do ensaio s達o de Michael Wolf


El siguiente ensayo es una adaptación de la disertación Una cartografía poética de la ciudad en Las noches de Flores, de Cesar Aira. En el texto académico, el espacio ficcional en la obra Las noches de Flores es tomado como un discurso, un lenguaje pasible de análisis textual, como lo expresa Barthes en el ensayo Semiología & Urbanismo: La aventura semiológica “La ciudad es un discurso, y este discurso es verdaderamente un lenguaje: la ciudad habla a sus habitantes, nosotros hablamos a nuestra ciudad, la ciudad en la que nos encontramos, solo con habitarla, recorrerla, mirarla”. El ensayo busca compreender mejor las subjetividades instauradas a cada paso dado por los personajes. Las esquinas, los entrecruzamientos, las aceras; todas sus intervenciones, como bancos, canteros, árboles, son elementos que nos muestran verdaderos conflictos de alteridades. Aprehender, en el discurso crítico de la ciudad, aquella compreension necesaria para entender ese cruce de subjetividades. Entender, que todas las percepciones siempre serán medidas a través de la experiencia de cada uno de los sujetos y de sus relaciones con los elementos de la ciudad. De esa manera, a la ciudad la podemos leer como una entidad metafórica y para ello, vamos a explorar las ideas dos teóricos que nos ayuda-

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ran a analizar mejor a las ciudades como un espacio textual y metafórico, y a los habitantes como personajes o sujetos enunciadores.

observador) y el significado (sentido dado a la experiencia del evento).

El inconsciente de la ciudad.

Comenzando por Cidade e Alma (São Paulo: Studio Nobel, 1993), del autor James Hillman. En esta obra, el autor revela cómo las ciudades son proyecciones tranferenciales de la psique humana. La ciudad como una imagen metafórica y el alma como receptora de una experiencia interna y que vivencia de manera plena los significados a través de un evento. Alma capaz de revelar los deseos escondidos entre las imágenes de la ciudad. En el libro La imagen de la ciudad (Barcelona: GG Reprints, 2000), de Kevin Lynch, podemos ver al hombre como el sujeto enunciador en el espacio que se encuentra. El hombre como personaje principal que, al experimentar uma relación entre los contornos de la ciudad, las secuencias de los acontecimientos vivenciados y el recuerdo de experiencias anteriores, crea un mundo repleto de eventos particularizados gracias a la imágen y sus elementos como la identidad (entidad individual y unitaria), estructura (relación espacial de los objetos con el

Empecemos por el caminar según James Hillman. El caminar, el acto de caminar, para el teórico, parte de una noción de necesidad que se ha olvidado. Ese olvido sería el causante de un extrañamiento cuyo análisis muestra ser de origen ontológico por sus cambios y desgastes de sentido. El recurso, primeramente biológico del andar, sería una forma de sobrevivencia ha mucho tiempo olvidada y el próximo paso, seria olvidar el propio andar analítico en el transitar por las ciudades. El caminar se ha establecido como una necesidad ya no más fisiológica, sino como una constante a la que el hombre debe acostumbrarse a vivir. Una de los tantos sentidos que el hombre atribuye acerca del caminar, pasan a ser aquellos métodos de objetivos ya predefinidos. Estos sentidos “nuevos” van desde el encuentro, la localización específica de un lugar, y hasta el mantenimiento saludable del orga-

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nismo. Hillman escribe que se é necessária uma prescrição médica para que nos lembremos de caminhar, então estamos vivendo num estranho mundo novo, onde alguma coisa básica foi esquecida (HILLMAN, 1993, p. 51). El extrañamiento causado por este nuevo mundo, mundo en el que se ha olvidado lo básico, aquel caminar analítico de mirada microscópica sobre las imágenes de la ciudad, celebrará siempre lo incognito. Algo anda mal con el organismo, consecuentemente con el alma del hombre.

de el hombre sería absorbido por la máquina. De igual manera, este “caminar” que Hillman alude, establece conexiones con los elementos citadinos, los cuales son sus principales objetivos. Es una especie de confluencia entre los elementos de la ciudad, la ciudad misma como palco referencial, y el hombre, o sujeto enunciador. Las nociones de rastro y de memoria se encuentran sedimentadas bajo el aspecto de eternos e in-

Este criterio de necesidad, que alude a las funciones más básicas del ser humano, refuerza una nueva obligación en el marco referencial de la ciudad contemporánea, transformándose en un contexto extremadamente objetivo y castrador. La nostalgia de las líneas escritas por Hillman, atraviesan las calles de cualquier ciudad en la que las características principales de humanidad se han apagado después del gran avanzo durante la época industrial. El movimiento modernista sería un ejemplo. Su gran aversión hacia lo orgánico, despliega con ímpetu hacia una pujante industrialización en el alma del hombre. Lugar don-

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destructibles monolitos. Las huellas en la ciudad ya no son las mismas y recorrer caminos en los que nunca se reconocen los lugares se ha vuelto contra el propio caminante contemporáneo. Elaborar nociones críticas a partir del análisis del acto de caminar, con la mirada crítica de aquel caminante que vivencia una experiencia urbana, se ha vuelto más difícil. Aquella vieja noción modernista de pérdida de identidad en medio de la ciudad industrializada ha pasado

al acostumbramiento, limitándose, ahora, a un extrañamiento. El sujeto que camina, perdido en medio de la multitud, ya no sabe quién es y eso lo provoca, al mismo tiempo que lo tortura, pues tampoco sabe, a ciencia cierta, cual es la ciudad que habita. Intrincados en el acto del olvido, hombre y ciudad encuentran la salvación en el derecho electivo a la memoria. Memoria que se encuentra impregnada en las significaciones de los elementos de la ciudad, sus símbolos, sus imágenes. Con el transcurso del tiempo, de las modificaciones estructurales y significativas del entorno en el que se vive, el olvidarse de la memoria se ha transformado en una salvación; un bote salvavidas en la que esa misma memoria se ha transformado en elemento selectivo. La manera en como la ciudad es aprehendida, y de cómo las memorias son seleccionadas, revelan ese sentimiento internalizado en el cual se elabora un criterio estético y de interpretación. Se establece, así, una comparación entre el ritmo particularizado de las ciudades, un ritmo impregnado por los sujetos que en ellas viven, y sus consecuencias.

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Hillman elabora una particular forma de observar la subjetividad a partir de los elementos de la ciudad. Esta subjetividad muestra un interesante punto de vista del hombre acerca de esos mismos elementos. Para él, la imagen de la ciudad es su propia subjetividad externalizada. La característica de centro, como el propio concepto de subjetividad puede consignar, se convierte en un punto de referencia movible, fluctuante en el universo de elementos significativos. Esta subjetividad se muestra, por ejemplo, en la arquitectura, donde el arte de transformar las dimensiones, es el fundamento que la materializa. El ejemplo de un edificio y de los

detalles particulares de su fachada— la armonía existente entre vértices y ángulos—, denotan lo que podríamos considerar como comportamiento: una estructura alta, rígida, con frialdad suficiente capaz de denotar una considerable falta de vitalidad materializada en el contexto sin el objeto de su deseo, demostrando la fuerza de una represión constante e inconsciente. Lo que atrae es la anulación de los sujetos y el adiestramiento de cualquier tipo de afecto tratar el todo por separado, individualizado, donde el hecho de no establecer una estética marcada por el objeto del deseo,

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instaura una condescendencia entre los ritmos particulares; allí, la política de sobrevivencia de los signos es el de la igualdad. El edificio cuya fachada denota frigidez, comparte su individualidad y se demuestra igual con otros edificios de fachadas frías.

mental de aquellos que serían los “lectores” de la ciudad. Toda ciudad es una construcción dentro de un espacio geográfico y mental de los sujetos. Cada sujeto presenta un estrecho vínculo con la ciudad—inclusive únicamente con partes de la misma— caracterizado a partir de la legibilidad de su imagen. Esa legibilidad ayuda en la formación del vínculo entre el pasado y el presente. El carácter diacrónico de aquella mirada que se fija al horizonte, al presente y al pasado, se funde en una imagen que se encuentra embebida de recuerdos y de significados. Una combinación de todos los sentidos fragmentados de la percepción que tenemos de la ciudad. Se establece, así, la noción de discurso. La ciudad como un discurso enunciado, cargado de fragmentos memorialísticos y que se combinan para forjar características físicas de las imágenes de la ciudad. Caminando, atravesando las calles, entramos en un lugar específico y determinado, un espacio “fronterizo”, el espacio de la memoria. Caminar a lo largo de este espacio es convertirlo en un lugar, un territorio que acaba por adquirir las formas de aquel que lo atraviesa, de

Estructuras de la ciudad: La anulación de los sujetos y el adiestramiento de los afectos. El ritmo particularizado de las ciudades acaban imponiendo, también, un ritmo particular e individual a sus habitantes. Para comprender mejor, el urbanista Kevin Lynch elabora dos particulares ideas que confluyen para delinear, así como calles y barrios, en un lugar de entendimiento para el hombre. La primera de ellas es la noción de habilidad de crear imagen y la otra es la de establecer a la ciudad como un discurso. A través de estas dos posiciones trataremos de pensar la ciudad en los términos mismos de las conciencias de los sujetos que la perciben, buscando de esa manera, la imagen

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aquel que transforma la memoria en un elemento selectivo, para luego caracterizarlo, nuevamente, como una imagen.

significaciones. Cuanto más evidente las memorias y las significaciones dentro del universo poderosamente estructurador de las ciudades, más fácil se convierte la aprehensión de las imágenes. A partir de este punto podemos tratar el concepto de legibilidad de Lynch. Este concepto es importante ya que es el puente entre la elaboración discursiva que es la ciudad, la ciudad como espacio físico, el espacio de los significantes, y la imagen mental creada a partir de la elaboración mental de la imagen de sus habitantes.

Tratando de aquella habilidad para la imagen, Lynch transforma un sistema de pensamientos capaz de establecer una organización espaciotemporal en la mente de los sujetos. Allí, la constante intervención de sus habitantes estaría modificando su significación a través de los cambios desde sus estructuras. El espacio humano siempre será el espacio del significante. Así, un objeto físico proporciona una gran probabilidad de suscitar una imagen vigorosa en cualquier observador que sea habilitado a observar. Se trata de la forma, del color o de la distribución que acaba por facilitar la elaboración de imágenes mentales del medio ambiente que son avivadamente identificadas, poderosamente estructuradas y de suma utilidad (LYNCH, 2000, p. 19) para los sujetos que la habitan.

La legibilidad nada más es que la claridad visual que posee una ciudad. Es una calidad atribuida por las manifestaciones significantes que se distribuyen a lo largo de las construcciones, a lo largo de la distribución de sus monumentos. En otras palabras, los adjetivos que la califican y la distinguen. Su característica es meramente funcional ya que se trata de la capacidad que una imagen posee de ser aprehendida en determinada situación, dentro de elementos conectados y de símbolos fácilmente reconocibles como perteneciente a un estipulado sector. Esta capacidad es de extrema importan-

Siendo la imagen modificable, maleable a las formas cambiantes de la vida humana, las ciudades estarían impregnadas de memorias y de

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cia ya que dicho elemento legible brinda a la ciudad de velocidad y de complejidad dentro del lenguaje en el cual se desarrolla. Con ella se pretende establecer el primer contacto con los sentidos de la ciudad. Si vivir en una ciudad es establecerle un ritmo, la legibilidad permite que el sujeto enunciante imprima esa velocidad necesaria a partir de sus propios sentidos que desembocan en las técnicas de orientación.

tificación es una de las cualidades a la que aspira. Pero esta cualidad se establece a partir de la imagen elaborada que los sujetos poseen de la ciudad: cuanto más legible la ciudad, más imaginable son sus elementos y por lo tanto la imagen mental que los sujetos elaboren de ella será aún más fuerte. Para ello, estructurar estos elementos a partir de una concordancia simbólica entre el significante y el significado, es de suma importancia. Se libera al lector de realizar una elaboración crítica y se lo somete apenas a la identificación de los elementos para su orientación.

Una ciudad, o un barrio, en la que la legibilidad de sus elementos no es la suficiente, puede producirse la simples sensación de estar perdido o dislocado; no es esto lo que se pretende con un caminar al estilo urbanista.

Los elementos que aparecen como marcados dentro de una ciudad, ayudan a que se establezca una especie de incertidumbre dentro de la imagen mental que se tiene de la misma. Más específicamente, dentro del proceso de elaboración de la imagen mental de la ciudad. Las esculturas de las grandes ciudades son los elementos simbólicos por excelencia que sirven de referencia, tanto histórica como situacional, para aquellos caminantes que procuran un sentido final a su recorrido. Según Lynch, cuanto más una se aleja de estos elementos de características

Perderse o no perderse, elaborar una divagación crítica a partir de un superpasante, no son las características principales que Lynch procura en las configuraciones de los elementos de la ciudad. El objetivo en este tipo de caminar es el de responder a las imágenes con la importancia de la práctica emotiva del simbolismo, buscando la correlación entre el significante y el significado. La estructuración y la debida iden-

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paso del caminante. En cuanto Lynch elabora el ritmo de las ciudades a partir de la vivencia del hombre en sus superficies, sin escapar de la significación fija de los elementos de la ciudad, esa ciudad experimenta una especie de simbiosis con el caminante en el cual su ritmo es el que transformará el significante de los caminos, de los senderos y de los barrios en un significado particularizado. De esta manera la ciudad permanece como un discurso singular y al mismo tiempo cambiante, donde se desarrolla el hombre.

predefinidas, más perdido uno se encontrará. La organización visual de estos elementos será atribuida dentro de la funcionalidad de los mismos y la semiología de la ciudad que Lynch busca será limitada y no evidenciará el poder del significante por sobre los sujetos que se encuentran caminando en él. Lynch considera que las imágenes públicas de la ciudad, aquellas imágenes elaboradas a partir de elementos comunes en todas las ciudades, develan una función dentro de la propia forma en sí. Dicho de otras palabras, se encuentran limitadas por las formas vacías que son capaces de reforzar el significado. La imagen que el caminante observa es siempre cambiante. En el medio ambiente, o el medio significante en donde se encuentre desarrollando el acontecimiento, las imágenes pueden superponerse e interrelacionarse. De esta manera que se realizaría una especie de distribución de los elementos dentro del sujeto, dentro de la imagen que el sujeto produce. Para el caminante, los grandes cruzamientos de un barrio de intenso movimiento, adquieren una identidad que se encuentra íntimamente relacionada con la velocidad imprimida por el

Del hombre para la ciudad, de las ciudades para el hombre. Desde las ciudades a los objetos que la conforman; desde las avenidas a las casas, de las casas hasta los objetos en su interior y, de nuevo, del conjunto que todos conforman, de la imagen que producen, para el interior del hombre revelando todo el potencial del alma del hombre, descifrándolo y confrontándolo consigo mismo.

Julio Dominguez, mestre em Teoria da Literatura pela Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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AndrĂŠa da Silva Katzwinkel 46George Morris Imagem de Caleb


(Des)conhecidos Olá. Certamente, você pensará quem é ela? Chega tão informal. Pensa que somente por uma palavra tão breve pode chegar e revirar a minha vida.

teus desejos... tudo... tudinho. Lá vem ela. Tão metida. Com uma fala tão simples quer tudo, quer minha vida. Quer me tomar por inteiro. Quer meu nome. Quer tudo de mim. Intrometida, não sabe que eu sou tão dono de mim mesmo. Não queira me ter, pois, isso, nunca terá.

É verdade, é isso mesmo que eu estou pensando. Não sou seu amigo. Chega de tanta loucura mulher, não te conheço e nem sei se quero conhecer. Vem de forma tão informal desde o primeiro instante inexistente. Quero deixar claro, eu não existo para ti assim como você não existe para mim.

Oi. Estou aqui, pare de se esconder! Você já deve ser bem crescidinho. Venha. Fale. Diga apenas um pouco sobre ti. Como deve ter percebido, sou curiosa. Quer me matar com o seu silêncio?

Olá. Você está ai? Estou esperando confirmação. Com quem estou falando? Quero te conhecer! Quero saber teu nome, teus sonhos,

Não aguento mais. Ela é uma desvairada. Com certeza fugiu de algum sanatório. E quer me tornar

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um louco como ela. Sai pra lá. Larga do meu pé.

delirar. O que sonhava? Com quem sonhava? Por que estava tão indignado?...

Rapaz, você é bobo que não entende um gesto de amizade. Fale comigo eu não mordo. Disso eu tenho certeza. O que eu não sei ao certo sobre do ser com quem estou falando já por um determinado tempo. Dessa pessoa, eu apenas pude constatar que é fechada como um cofre cadeado com aproximadamente mil fechaduras. Ei. Está ainda ai? Fale logo. Pare de suspense. Não gosto de filme de espionagem, muito menos de conversar com um ser oculto. Saia da toca. Fale.

Ai, não, quero voltar a dormir. A intrusa do meu sonho era melhor que a intrusa da minha realidade. Moça, volte. Quero falar sobre mim. Eu sou... Não adianta. Até ela fugiu com a voz dessa mulher real de minha vida. Zulmira, vou dormir. Por favor, não me acorde, por nada. Muito menos se eu berrar, xingar, murmurar... Quero sonhar.

Não. Por favor não me atormente. Quero sossegar. Me deixe. Não estou aberto para contatos. Estou fechado para tudo e a todos. Já sei. Você está brincando de esconde-esconde. Logo eu te acho e te conheço por inteiro. Ela não entende nunca. Não brinco, não falo e não quero uma amiga, muito menos uma intrometida para atazanar a minha vida. Saia. Seu Marcelo, acorde. O senhor estava sonhando. Não parava de

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Estranho amigo Estou aqui novamente: meu querido estranho. O que tu estás fazendo? Lembra de mim? Sou aquela que queria muito te conhecer? Ouvi dizer que andava me procurando. Você realmente é estranho. Quando não parava de te incomodar você me mandava para bem longe de ti. Agora que realmente sumi. Está me procurando. Estranho amigo imaginário. O que queres agora? Queres que eu volte para me mandar embora novamente? De agora em diante sou eu que faço questão de não te conhecer. Acorde já desse sonho e suma do meu sonho. Quero sonhar sozinha e não em conjunto. Me deixe em paz. Vá para seu cofre de mil chaves e deixe a minha vida liberta

para vivê-la bem como eu quiser. Suma. Espere moça. Demorei muito para te reencontrar. Quero te conhecer. Quero ser seu amigo. Quero tanto te ver. Saber mais sobre ti. Suma. Já mandei partir. Quer que eu seja ainda mais áspera que isso? Não posso chamar a polícia, pois o barulho que ela faria iria me acordar. Não gosto de ser acordada antes de terminar o meu sonho. Se bem que isso já não é mais um sonho: virou um pesadelo. Suma. Evapore. Vire nuvem e que o vento te leve bem para longe de mim.

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Moça onde está a tua simpatia? Não conhecia esse lado teu tão bravo. Me ouça pelo menos um pouco. Juro que não serei chato. Não te incomodarei por muito tempo.

Sim, infelizmente sim. Não quero café. Café tira o sono. Eu quero por um bom tempo só dormir. Quero ouvir aquela voz do além que você ouvira antes. Ela tem uma sonoridade tão gostosa. Quero me afogar por inteiro nessa melodia. Me deixe dormir. Não me acorde nem se ouvir aquela voz novamente. Aliás, se ouvi-la, suma, pois é assombração e que veio para te levar junto aos mortos.

Suma. Já disse que suma. Zulmira venha acordá-lo. Mande-o para bem longe. Diga para esse ser que já perdi totalmente a vontade de conhecê-lo. Por favor, Zulmira tome minha dor como sua dor. Sou mulher tu também és e, por isso, sabe o quanto é chato ter um homem ganindo aos nossos pés. Mande-o a realidade. Acorde-o. Eu imploro.

Cruz, credo seu Marcelo está brincando comigo. Sou temente a Deus. Não gosto de ouvir isso nem de brincadeira. Então, caia fora e me deixe dormir. Moça, estou voltando. Quero te conhecer. Não fuja... sou apenas...

Seu Marcelo, sou eu quer tomar um café? Passei agorinha mesmo. Está um cheirinho gostoso. Que pode acordar até os mortos. Não sei, mas parece que eu ouvi alguém me chamar. Cheguei aqui, pensando que era o senhor. Entretanto, não poderia ser, pois era voz de mulher me implorando algo. Acho que estou ouvindo coisas. Tenho que me tratar. Não quero ficar louca. Ouvir coisas do além não é legal. Seu Marcelo, está me ouvindo?

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Imagem de Taylor Leopold


Paulo Filipe

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A curvatura do tempo Pesa a idade à entrada de casa rústica. Nota-se de longe a sua curvatura, adivinhando que no olhar quase centenário o sonho de juventude relampeja em saudosa mas não arrependida trovoada. Depois de tanta neblina e frio, o que desponta ao primeiro raio de sol são as lembranças que se querem recordadas em sinal de que ainda existe o pulsar de uma vida. E quem por perto passa, na realidade passa longe e alheio àquela natureza silenciosa que se reduz ao desejo em ser somente olhada. Solarenga, solarenga entrada de onde espreito a vida em murmurinho de morte. Atrás de mim, a fria sombra que ao leito convida; à minha frente, a semente que germina... somente a um passo da saída. Rasa a andorinha o terreno, leve e ágil como ao seu instinto compete. Segue-a o olhar de uma criança, o seu sorriso e o seu contentamento, sem que se suspeite e entenda que tudo isso passou a fazer parte de uma insustentável leveza do ser.

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Já me não sorri a natureza. Envolto em manto cinza, nada mais tenho a entender senão o que a perder me há a envolver. Risos e sorrisos me circundam em desdém de já não fazer parte; poucos são os que com calor me enviam alívio de dura dor. Dizem que bonito é ainda assim o amor e algum vigor: a mim, Serafim caído e do mundo apagado, nada mais é senão desejo aniquilado. Arrasta-se a felicidade a passo lento e pesaroso: um degrau mais, apenas e somente mais um, pois que o sonho não é senão único e divorciado de si mesmo: o da paz que deixa ir. Desvanece-se a imensidão, e o infinito encontra o seu ponto impossível; momento em que a história exige à arte a revelação de uma poética nua e crua. Levanto a minha mão; à porta, clamo, brado sossegadamente o que ao ouvir soa a perdão: clara é a mente; caloroso o coração. Desponta um sorriso, um só, um único, o bastante para se dizer basta. É matéria, é cor, é entoação, é abraço ao leito virado. E, nisso, range alegremente a porta que, à entrada, fecha a saída que se faria fora de tempo.

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Imagem de55 Philipp Reiner


Sid Summers

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Os Dias Quentes se Arrastam Mornos III Tentei três socos na cara dele. Errei os três. Minha especialidade era cruzado, direto e cruzado; mas apostei no direto, cruzado e direto. Foi o tempo em que ele deixou que a mochila caísse no chão. Eu estava perto e ele era mais alto. A vantagem era minha. Passei por baixo do seu braço quando ele tentou me golpear e grudei nas costas dele. Se o tempo em que treinei boxe, muay thai e jiu-jitsu tiveram alguma utilidade, ela seria comprovada agora. Tiveram. Folguei um pouco os braços e deixei que ele se virasse. Ele obviamente tentou acertar minha cabeça. Me abaixei e o agar-

rei pelas pernas. Eu já havia visto o pequeno precipício atrás de nós. Caímos juntos. Fui convidado para posar numas fotografias artísticas. Sempre desconfio dessas coisas, mas aceitei. Tenho um bom coração. Em pouco tempo estávamos todos nus. O ar condicionado estava ligado, mas o calor se alastrava por tudo, todo o meu corpo. Os fotógrafos também tiraram a roupa. Alguns deles começaram a se beijar e a se masturbar. Jovens artistas(?)... Sempre libidinosos. Uma das fotógrafas tirou a roupa. Mas sequer

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consegui olhar. O homem que estava ao seu lado era ao menos três vezes maior que eu. Em altura e largura. Seu pau era três vezes maior que o meu também. Eu já estava alto de vinho. Talvez tivessem colocado algo mais na garrafa. Estava bom. Eu não tinha do que reclamar. Começamos com as fotos e eu fiquei de pau duro. Ela beijou meu pescoço. Sua boca brilhava como a luz refletida num rio. Um rio vermelho, de sangue, de menstruação. E tinha uma textura sedosa que aliviou a temperatura daquele forno. Peguei ela de jeito por trás. Não ouvi os clics. Os fotógrafos não deixaram de se masturbar. Mesmo assim não perderam nenhum lance. Eles deviam ter prática naquelas coisas.

o dedo médio na minha bunda. Ou coisas maiores, quem sabe? Voces que estão lendo e já participaram de uma orgia sabem do que estou falando. Passei semanas por ai. Mostrando as fotos quando as tinha em papel. Eram fotos de pureza e inocência. E a vida seguiu normal. Um trabalho de merda que enche o saco, mas que garante uma grana, salvadora quando chega. Umas bebedeiras com os amigos. Umas fodas gostosas, outras nem tanto. E a solidão que chegava de surpresa, às vezes. Os cães acasalam e ficam com os corpos grudados chafurdando em montes de excremento, as gatas gemem e berram debaixo de carros nas ruas. Até as plantinhas curtem uma sacanagem com os insetinhos que voam com as patinhas carregadas de pólen. Tudo é natural. A igreja censura, mas essa galera não é natural. Nem humana. A menina com quem fotografei se chama Carla. Ou talvez, se chame Débora. A filosofia deveria ter uma máxima assim: Sacanagem é bom e foder é gostoso.

Tudo pela arte. Os ideais ampliam nossos limites. As fotos ficaram ótimas. Esses caras eram mesmo profissionais. E tudo parecia tão natural, como se não fossemos personagens que interpretávamos papeis bem estabelecidos previamente. Todas ali no computador à minha frente. Vesti a roupa e sai com a modelo. Fodemos de novo. Entre quatro paredes dessa vez. Não queria o risco de alguém enfiar

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Era uma noite quente em que eu estava me masturbando. Café me dá insônia. Em compensação, a madrugada é o melhor período do dia para ler. Afinal, são silenciosas. Gozei e me limpei numa cueca suja que achei no chão. Knut Hamsun é um cara interessante. Aconselho a leitura dele a todos. Anotem esse nome ai. Pesquisem no Google e nas livrarias. Vale à pena. É um bom conselho. Não vem de graça. Não esqueça que voce pagou por essa porra de livro. Estava com ele, página 117 quando o telefone toca. “Vou matar voce” – me disse. “Tudo bem” – respondi e voltei à leitura. Deixei meu telefone sem som e programei para que também não vibrasse. Continuei a leitura e dormi. Ao acordar percebi que estava atrasado para o trabalho. Eu já era cozinheiro nessa época. Enquanto dormia, meu telefone contabilizou 59 ligações não atendidas. Algum idiota havia perdido a noite tentando me ameaçar. Ou chupar minha piroca.

e eu respondia, “Voce só vai comer o cachorro quente depois de abocanhar minha salsicha”. Outras vezes era mais sutil e delicada, normalmente à tarde, horizonte enferrujado, e falava “eu sei onde voce está” e eu respondia “pagando pra comer a sua mãe”. Não me surpreendia como alguém poderia ser idiota a esse ponto. O mundo ta cheio dessa gente. E a rotina continuou: os amigos, as fodas esporádicas, as fodas fixas, a cerveja e um pouco de solidão. Passaram-se meses, eu acostumado ao jogo. Numa quarta, manhã clara, eu tomava uma xícara de café preto sem açúcar. Não era dos piores. Tem gente que se diverte no boliche, outras consertam relógios. Eu tinha minhas ligações anônimas. Atendi mais uma. O cara estava na minha frente. Sua estratégia funcionou. Me ligava o dia inteiro até o dia em que cruzou comigo pela rua. Sujeito de sorte. Foram apenas alguns meses. Ele procurou algo na mochila. Corri em sua direção.

As ligações continuaram e eu passei a me divertir com aquilo. Estava na hora do almoço e a voz me dizia, “Vou partir voce ao meio”

Ouvi um grito distante. Ficamos suspensos no ar por alguns segundos. Até que caímos e nossas

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peles foram esfoladas devido ao choque e deslizamento no solo. A dele, mais que a minha. Tomei o cuidado de me proteger no corpo dele. No fim, o sujeito fica de pé e tenta mais um soco. Eu me jogo nas pernas dele e ele cai. Ficamos ali no chão, numa posição ridícula, grudados. Achei mesmo que ele queria chupar meu pau. Esse não é o jeito certo de pedir um boquete. Ele choraminga e me diz que comi sua mulher. Já comi tanta gente... Não faço idéia de quem é a mulher dele. Ele me fala de fotos. Choraminga de novo. Foi a Carla. Ou Débora. Ouço as sirenes se aproximando. Mais uma vez. O som é quase familiar, quase confortável.

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Posto de Gasolina I Não que nessa época as garotas costumassem dar em cima de mim. Eu estava fora dos padrões, sequer os imaginava. Uma barba grande há meses, cabelos longos e ensebados, uma parca quantidade de roupas para poder trocá-las todos os dias. Isso não era suficiente para que Cibele não tentasse me agarrar por longos breves instantes. Eu estava bebendo com um dos poucos amigos daquele tempo. Deixamos de nos falar há alguns anos. Ele havia dito que era gay e se livrara do empecilho, mas não foi amigo o suficiente para dizer que eu era seu companheiro. Eu estava numa cilada e tinha que me livrar dela sozinho.

Talvez as coisas sejam mesmo simples. Algo como santo Tomás de Aquino dizia que era deus. Às criaturas compostas cabe dificultar o obvio diante da incerteza e estreiteza da visão. Beber costuma simplificar as coisas, potencializar Eros e a libido, ajudar a dormir e fazer os intestinos funcionarem melhor. Mas à frieza de raciocínio e estratégia mental que eu deveria desenvolver em átimos de segundo... Não. Não era desse jeito que eu funcionava. O amontoado de garrafas vazias era inútil pra essa tarefa, um excelente combustível para outra atividade. Cibele é um nome bonito. Esse era o maior elogio que eu poderia lhe fazer. Acho que sua

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ascendência era indígena. Mas ela negava. Achava ofensa. Ao menos era quase nula a chance de uma mandinga de pajé. Eu a enxergava num verde vivo através de um filtro sépia. Somente os daltônicos me entenderão. Seus quadris eram estreitos, seus ombros largos, seios fartos que se derramavam em cascata sobre a massa gelatinosa do seu ventre. Seus braços eram mais grossos que os meus. No direito, uma tatuagem meio deslocada, uma garota nua semi-disforme agachada, toscamente introduzida de forma permanente sob a pele, apenas isso lhe servia como adorno. Foi o que percebi nos intermináveis fragmentos de segundo do seu abraço. Meus pensamentos borbulhavam em bolhas vazias, vácuo verbal que me escapava pela garganta como um peido frio.

O mesmo tipo de história louca o acompanhava. O Carmo, o Pelourinho, a Barroquinha, possíveis cartões postais pichados pela sua existência e conduta. Sozinho nos amontoados insalubres de lixo, perdido em oceanos de fezes em ruas impenetráveis e invisíveis. As vezes, com uma puta de cinco reais como companhia. Sem saber, Paulinho era uma espécie de herói revolucionário. Sem ilusões, sem distantes sonhos de erva. Era o ultimo tipo de homem em que eu ainda depositava minha fé. Paulinho conseguiu as chaves do carro que estava estacionado a poucos metros da nossa mesa. Ele entrou primeiro. Cibele o seguiu como um cão fiel obedecendo ao seu aceno de mão. As portas se fecharam e eu não os vi por preciosos vinte minutos. Finalmente pude voltar aos meus pensamentos e minha cerveja. Mas a felicidade não é eterna. Paulinho foi o primeiro a sair. Sua cara estava péssima. Cibele se foi, caminhou para longe até sumir. Nesse ínterim, Paulinho nos relatou sobre o fartum eivado no seu corpo, mais forte em suas partes íntimas, e a impossibilidade da efetividade de qualquer ato

Nessas circunstâncias Paulinho apareceu. O mundo é mesmo uma azeitona encolhida, uma ervilha que escorreu do cu de deus. E graças aos seus insondáveis desígnios Paulinho lá estava, com seu osso malar afundado, seu olhar elétrico, olhar próprio dos doidos. Há alguns dias eu o havia encontrado por acaso.

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sexual concreto. Antes do fim do relato Cibele já estava de volta. Ambos novamente entraram no carro. Aproveitei o ensejo e fugi pra outro bar. Era o tipo de coisa que poderia não ter fim. Isso já faz alguns anos. Quase dez, suponho. Foi a ultima vez que vi Paulinho. Espero que ele não tenha sido derrotado por uma buceta ácida e medonha. Espero que ele não tenha sido derretido e que seu óleo tenha servido para alimentar uma famélica e insaciável engrenagem da maquinaria do mundo. Já basta o que passamos todos os dias. Espero que voce esteja bem, meu amigo.

Imagem de Dominik Martin


Alvedes Aguiar

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Do outro lado do portão do o movimento atrás das grades do portão, como um encarcerado observando o mundo de longe, vendo o tempo escorrendo entre as mãos.

Alexandre era um menino entristecido da minha idade e que morava num casarão perto da minha casa. Esse casarão era cheio de janelas e grades, onde o ritmo da vida batia num compasso de cimento armado.

Mas ele tinha medo de mim... Quando ele ouvia a minha voz entrava em pânico. Sempre dava um jeito de assustá-lo, seja com gritos enlouquecedores ou com ameaças. Fazia isso pra me divertir e ver ele correr com seu jeito desengonçado para os fundos do casarão. E quando chegava a noite, dormia com a consciência tranquila, porque as crianças são que nem os homens poderosos, não costumam sofrer de remorsos.

Sua mãe teve dificuldades na hora do parto, fazendo com que ele tivesse problemas que o acompanhariam para sempre. Caminhava como se estivesse pisando em vidros e quando corria pareciam que seus ossos estalavam. Seu único divertimento era ficar sentado num banco de pedra que ficava no longo pátio retangular, sempre de frente para a rua, olhan-

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Um determinado dia resolvi dar-lhe um susto maior e escalei o muro do vizinho para poder pegá-lo por trás. Quando cheguei em cima do muro e o avistei esbocei um sorriso de gozo antecipado. Foi nessa distração que escorreguei e fui caindo em câmera lenta, me arranhando todo e torcendo o tornozelo. Fiquei deitado no meio do pátio e ele me olhando. Ele foi pra dentro da casa e voltou com uma maleta de primeiros socorros. Levantei empurrando-o dizendo que queria sair. Tive que passar uns dias em casa e quando pude sair passei em frente à sua casa e fiquei defronte o portão. Lá estava Alexandre, sentado no eterno banco, me olhando. Eu lhe disse: posso entrar e jogar bola contigo? Ele sorriu e veio abrir o portão, porque uma criança, ao contrário de homens poderosos, ainda escutam as batidas do seu coração.


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Imagem de Charles L.


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