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Caderno de Resumos


Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFH Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Florianópolis, SC 08 a 10 de abril de 2015 encontroshume.blogspot.com.br Comissão Organizadora Jaimir Conte (UFSC) Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann (UFFS) Marília Côrtes de Ferraz (USP) Franco Nero Antunes Soares (UFRGS) Andreh Sabino Ribeiro (UFMG) Italo Lins Lemos (UFSC) Comissão Científica José Oscar de Almeida Marques (Unicamp) Maria Isabel Limongi (UFPR) Alexandre Meyer Luz (UFSC) Eros Moreira Carvalho (UFRGS) Andrea Cachel (UFJF) André Luiz Olivier da Silva (Unisinos) Pal es tr an t es c on vi da d os André Nilo Klaudat (UFRGS) Lívia Mara Guimarães (UFMG) Juan Adolfo Bonaccini (UFPE) Marconi José Pimentel Pequeno (UFPB) Maria Isabel de Magalhães Papaterra Limongi (UFPR) Sara Albieri (USP) Silvio Seno Chibeni (Unicamp)


Lista de autores de comunicações Allysson Vasconcelos Lima Rocha André Luiz Olivier da Silva Andrea Cachel Andreh Sabino Ribeiro Bruna Frascolla Bloise Bruno Borge Carlos Eduardo Moreno Pires Claudiney José de Sousa Delamar José Volpato Dutra Denize Carolina da Cunha Erisson José da Silva Evandro Oliveira de Brito Fernão de Oliveira Salles dos Santos Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann Franco Nero Antunes Soares Giovani M. Lunardi Hugo Estevam Moraes de Sousa Hugo Macedo Arruda Ítalo Lins Lemos Leandro Hollanda Lilian Piraine Laranja Luiz Helvécio Marques Segundo Marcos César Seneda Marcos Ribeiro Balieiro Marília Côrtes de Ferraz Pedro Vianna da Costa e Faria Rafael Adolfo Rafael Bittencourt Santos Renato Mendes Rocha Roberto Miguel Azar Rodrigo Fampa Negreiros Lima Rodrigo Violante Spagnol Stephanie HamdanZahreddine Susie Kovalczyk dos Santos Wendel de Holanda Pereira Campelo

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 Allysson Vasconcelos Lima Rocha* Hume e as perspectivas da Investigação Pretendo, nesta ocasião, primeiro mostrar como, na Investigação sobre o entendimento humano, Hume preocupa-se em delimitar um ponto onde a própria investigação, de um modo geral, chega a uma conclusão legítima ou verdadeira. Em segundo lugar, exploro a possibilidade de, nesta mesma obra, o autor defender a perspectiva de que a razão, por si, não seria capaz de determinar uma conclusão legítima ou verdadeira à investigação, algo possivelmente representado pela sua afirmação de que “a natureza manterá sempre seus direitos e acabará por prevalecer sobre todo e qualquer raciocínio abstrato” (1985, p. 46). Em seguida, coloco isto em paralelo com os comentários de Hume na Seção XII, especialmente Partes II e III, acerca do ceticismo mitigado e os desdobramentos do pirronismo, em seu entendimento. Desejo realçar que, para Hume, a continuidade da investigação aparece como algo inevitável. Mas, como defenderá durante toda a obra, a experiência e o princípio do hábito ou costume permitem discernir o momento em que a investigação aufere um resultado legítimo e verdadeiro. Dito de outra forma, a experiência constitui um fundamento para as conclusões. A partir deste movimento inicial procuro, por fim, discutir a saída apontada por Hume. O problema central nesta discussão seria: o uso da razão, por si, conduz de maneira inevitável à continuidade ininterrupta da investigação? Coloco a questão no âmbito do próprio pirronismo discutido pelo autor, mas alertando para como concepções contemporâneas acerca dessa corrente cética contrastam com o que Hume enxergou. Proponho, ainda, comparar a saída apontada nas Investigações com tentativas também contemporâneas de lidar com as dificuldades apontadas por Sexto Empírico. Defendo como resultado deste debate o esclarecimento de duas perspectivas. Primeiro, que o uso da razão ao investigar impõe uma responsabilidade da qual não é possível se desvencilhar, ou seja, em última instância, é preciso apontar fundamentos ou meios de se legitimar uma conclusão. Segundo, que esta perspectiva não implica nos problemas apontados por Hume na Seção I, ou seja, não necessariamente se recai na filosofia abstrusa ao se arcar com esta responsabilidade. Palavras-chave: razão; investigação; pirronismo; fundamentos. * Doutorando em filosofia, UFSC. allyssonvlr@hotmail.com

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 André Luiz Olivier da Silva* Hume e a vivacidade das crenças morais O presente trabalho aborda a origem das crenças morais a partir da metodologia empirista de Hume, apontando o domínio das impressões sensíveis como o dispositivo do processo de formação das crenças. Como Hume, então, explica esse processo de formação das crenças a partir de uma base empírica? Como explicar, segundo a metodologia empirista, a origem de nossas crenças morais? Para responder a estas indagações, pretende-se, num primeiro momento, destacar (1) a tese empirista de Hume, segundo a qual toda ideia, no processo associativo de ideias que se estabelece na imaginação da mente humana, provêm, em última instância, sempre de uma impressão sensível; e (2) a função do hábito no processo de formação das crenças morais, pois a natureza humana, com base nos princípios de associação de ideias a partir da faculdade da imaginação, passa a inferir conclusões acerca daquilo que julga observar no mundo empírico. A mente humana, por meio do influxo que o hábito exerce na imaginação, gera um movimento repetitivo entre as ideias, um movimento que desencadeia um longo processo mental até atingir as crenças que os homens produzirão sobre o mundo e as outras pessoas, em relação, principalmente, ao fenômeno moral e à distinção entre o certo e o errado, o bem e o mal. A partir dos pontos mencionados, pretende-se, por fim, apontar que as crenças morais constituem uma maneira de sentir aquilo que julgamos ser a realidade, uma maneira de perceber que varia conforme graus de vivacidade. A crença é, então, algo sentido pela natureza humana, algo muito mais vívido e intenso do que uma ideia ou do que as ficções da imaginação. A crença é um sentimento, muitas vezes um sentimento moral; é uma sensação agradável ou desagradável que, no final das contas, produz valores morais de bem e mal, certo e errado, justo e injusto. As crenças morais são não mais do que sentimentos morais que retomam sempre a vivacidade de uma impressão sensível. Palavras-chave: Hume; crenças; moral; vivacidade; imaginação. * Doutor em filosofia, Unisinos. Professor do curso de Direito, Unisinos. aolivierdasilva@yahoo.com.br

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 Andrea Cachel* Imaginação em Hobbes e Hume: cadeias mentais reguladas e virtudes intelectuais Um aspecto central da filosofia humeana é a extensão dada à atuação da imaginação, à qual são atribuídas as crenças e ficções epistêmicas mais relevantes. A filosofia de Hume, de certo modo, é o ponto para o qual converge todo um contexto de discussões que destaca (a partir de pressupostos empiristas) a essencialidade da imaginação enquanto faculdade cognitiva responsável pela formação das ideias da mente, e, ao mesmo tempo, tematiza as múltiplas implicações da sua capacidade associativa. Em autores como Hobbes, Locke e Addison, por exemplo, podemos encontrar uma série de elementos que conferem sentido ao desenvolvimento dado pela filosofia humeana às atividades da imaginação, auxiliando-nos, por um lado, na elucidação de dificuldades conceituais que essa análise apresente, e, por outro, permitindo-nos perceber a originalidade da sua abordagem. Particularmente, a filosofia de Hobbes oferece indícios importantes nesse sentido, tendo em vista ter relacionado mais efetivamente à atividade de regulação de cadeias mentais a ação das faculdades cognitivas essenciais. Sem minimizar, com isso, outras possibilidades de aproximação a partir de autores que compõem esse horizonte mais amplo de rediscussão acerca da imaginação, a comunicação pretende, nessa perspectiva, indicar as convergências temáticas existentes entre Hobbes e Hume quanto à imaginação e à associação, bem como em relação à causa e efeito como princípio associativo. A exposição objetiva, mais precisamente, explorar a abordagem hobbesiana da imaginação e das virtudes intelectuais, como meio de compreender melhor a distinção, em Hume, entre relações naturais e filosóficas, bem como a especificidade da causa e efeito nesse contexto e seu escopo no estabelecimento da fronteiras entre imaginação, entendimento e razão. Na distinção de Hobbes entre cadeias mentais reguladas e não reguladas poderemos indicar a emergência do apontamento de uma série de princípios orientadores da regulação, os quais são assimilados pela filosofia humeana, marcando a separação entre imaginação e razão, a partir da naturalidade ou artificialidade das relações estabelecidas com base neles. O modo como Hobbes qualifica esse pensamento regulado nos permitirá ter um olhar mais claro sobre o estatuto dos princípios associativos em Hume e das virtudes ou habilidades envolvidas em cada forma de operação dos mesmos. Além disso, a centralidade dada na filosofia hobbesiana à atuação da causa e efeito, sua qualificação como princípio de regulação de cadeias mentais e, ao mesmo tempo, como experiência e razão, nos permitirá ponderar acerca das diversas perspectivas que podemos ter da causalidade em Hume, no espaço que vai da associação à composição da racionalidade em sua filosofia. Palavras-chave: imaginação; virtudes intelectuais; causa e efeito. * Doutora em Filosofia, USP. Professora da UFJF. andreacachel@gmail.com

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 Andreh Sabino Ribeiro* Virtudes sociais e refinamento na filosofia moral de David Hume O objetivo deste texto é fazer uma análise geral sobre a relação existente entre virtudes sociais e refinamento na filosofia moral de Hume, como expressa nos parágrafos quatorze e quinze da seção sete da segunda Investigação. Tal passagem afirma que sociedades incultas preferem virtudes bélicas, como a coragem, apenas por falta de “experiência plena das vantagens” de “sentimentos humanitários”, que geram qualidades úteis ao público e não somente ao possuidor. Quer dizer que, apesar do refinamento não criar as virtudes sociais, ele teria oferecido condições para que os indivíduos de uma organização complexa percebessem que por estas virtudes específicas seus interesses são melhor atendidos. Ainda que neste trecho mencionado Hume estabeleça mais claramente uma relação direta entre virtudes sociais e refinamento, nele não se encontra: i) uma explicação do que ocorre na mente dos indivíduos para haver esta mudança de preferência e ii) uma identificação dos artifícios por meio dos quais o refinamento desencadeia esta experiência ampla. Para esclarecer estas questões, cruzamos os dois temas – virtudes sociais e refinamento – no Tratado, nos Ensaios e na própria segunda Investigação, o que nos leva perceber que além de uma explicação, Hume também estaria empenhado em contribuir com o refinamento moral ou motivação de virtudes sociais de seus leitores, ao menos em parte de sua obra. Palavras-chave: filosofia moral; virtudes sociais; refinamento. * Doutorando em Filosofia, UFMG. sabinoandreh@gmail.com

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 Bruna Frascolla Bloise* A conexão necessária entre Hume e Malebranche Nada mais usual do que ladear Hume por Locke e Berkeley para dizê-lo oposto aos cartesianos. Para os empiristas, diz-se, não existe ideia inata, ao passo que para os outros, os racionalistas, sim. Ora, pelo Resumo do Tratado (no sexto parágrafo do texto), vemos explicitamente que esta interpretação não está em consonância com aquela que o próprio Hume dava a sua obra; ao contrário, lá ele fala como sua afirmação de que ideias correspondem a impressões serviria para conciliar todas as correntes: por um lado Locke haveria de reconhecer que há algo inato na mente humana, e Malebranche, por outro, que não é possível pensar algo que não se tenha sentido. Ou seja, ao invés de darmos por ponto pacífico que Hume é antagonista do cartesianismo, devemos antes perguntar por que, através do princípio de cópia, ele julga ser o conciliador daquelas correntes para as quais escolhera Locke e Malebranche como representantes. Dar uma resposta a tal pergunta é o que tencionamos fazer. Consideraremos que Hume pôde tornar-se cético graças ao traço típico do cartesianismo que é distinguir as verdades independentes da experiência daquelas que, contingentes e menos cognoscíveis, são dependentes, e também graças à insistência lockeana em procurar pela experiência atrelada à origem dos pensamentos, que impedirá Hume de aceitar as garantias epistemológicas cartesianas. Em nossa argumentação, será importante tanto para aproximar quanto para distanciar Hume de Locke o fato de ele não confundir a narrativa de como as ideias vêm à mente com a fundamentação do conhecimento que temos das ideias. Por um lado, ao não fazer esta confusão Hume não dará por conhecimento propriamente fundamentado o das questões de fato; por outro, aceitará a narrativa de Locke como uma descrição provável do que se passa no mundo exterior. Ademais, ser-nos-á importante notar como fora significativo para Hume deixar de falar dos objetos – cuja existência ele, como qualquer cartesiano, não dará por demonstrada – para falar tão-somente de impressões: estas, que são privadas e passageiras, circunscrevem o interesse de sua epistemologia ao pensamento, separando em definitivo da filosofia natural aquilo que ele chama de filosofia moral. Palavras-chave: David Hume; história da filosofia moderna; epistemologia * Doutoranda em filosofia, UFBA. brunafrascolla@gmail.com

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 Bruno Borge* & Roberto Azar** Consecuencias de las interpretaciones actuales de la metafísica humeana en el debate sobre las leyes de naturaleza La cuestión de las leyes de naturaleza ha sido un tópico ineludible en el ámbito de la Filosofía de la Ciencia desde sus propios orígenes. Pese a ello, no ha recibido un tratamiento más que lateral o fragmentario hasta fines del siglo pasado. Desde entonces, el análisis sistemático de esta problemática ha dado lugar a dos polos que definen el marco del debate contemporáneo. Por una parte, los realistas nomológicos afirman que las regularidades y orden del mundo que permiten la formulación de las teorías científicas son adecuadamente explicados por la existencia objetiva de leyes naturales que dotan de algún tipo de necesidad al comportamiento regular de los fenómenos. En esta línea podemos ubicar a autores como David Armstrong y Michael Tooley. Los antirrealistas nomológicos, por el contrario, sostienen que la regularidad de la naturaleza no nos compele a postular entidades tales como las leyes. Esta última línea, que se suele asociar a las posiciones regularistas en Filosofía de la Ciencia, presupone una interpretación tradicional de la filosofía de David Hume, interpretación que, a partir de la década de 1980, comenzó a ser cuestionada por la visión del ‘Nuevo Hume’. La interpretación tradicional abarca una variedad de posiciones, pero todas ellas comparte nun ‘corazón común’,consistente en una tesis positiva y una negativa. La primera sostiene que Hume afirma que la causación en los objetos es una cuestión de prioridad temporal, contigüidad y conjunción constante: nuestro modo de hablar y nuestro pensamiento causal no pueden tener éxito en describir o referir a algo más en el mundo que esas características. La tesis negativa afirma que resulta ilegítimo o incoherente aplicar la idea de conexión necesaria a los eventos externos. Estas dos tesis, por sí mismas, son suficientes para distinguir la interpretación tradicional de la novedosa interpretación que, por el contrario, presupone que Hume fue un aun realista de algún tipo acerca de los poderes causales y los objetos externos. El debate actual, en consecuencia, se configura entre aquellos que leyeron a Hume como un escéptico epistémico estricto sobre estas cuestiones y aquellos que apoyan la interpretación del ‘Nuevo Hume’. Los nuevos humeanos incluyen, entre otros, a Janet Broughton, Galen Strawson y John Wright.Estos autores, en general,atribuyen a Hume lo que ellos llaman una visión ‘realista escéptica’ respecto de las causas (y de ciertas otras entidades). Creemos que esta polémica visión sería mejor caracterizada como la combinación de un realismo metafísico y un antirrealismo epistémico. En el presente trabajo nos proponemos indagar dos cuestiones: 1) ¿cuáles serían las posiciones estrictamente humeanas si decidiéramos tomar como punto de partida no la interpretación tradicional de la filosofía de Hume, sino la novedosa interpretación del ‘Nuevo Hume’?; 2) habida cuenta de que en los términos del debate actual es usual asociar a Hume con una especie de paradigma de antirrealismo, el cual pareciera proyectarse a planos tan divergentes como el nomológico, el metafísico y el epistémico, ¿qué sucedería respecto de estas categorías si consideráramos firmemente la interpretación del ‘Nuevo Hume’, en especial en lo concerniente a la cuestión que nos ocupa en este trabajo, i.e. el debate Realismo Vs. Antirrealismo Nomológicos? Palabras clave: Nuevo Hume; realismo nomológico; antirrealismo nomológico. * Universidad de Buenos Aires, ANPCyT. brunojborge@gmail.com ** robertoazar86@gmail.com

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 Carlos Eduardo Moreno Pires* Uma possível inversão kantiana da tese humeana da inércia da razão Neste presente trabalho abordaremos o problema da determinação da vontade à luz das teorias motivacionais de Kant e Hume. Mais exatamente, buscaremos mostrar que a concepção kantiana de como nossa vontade poderia ser determinada inverteria, por assim dizer, a famosa tese humeana da inércia da razão. Dito de outro modo, pretendemos mostrar e explicar que, se a concepção kantiana em questão estiver correta, ela inverteria a tese de Hume de que a razão, sendo fria e desinteressada, não constituiria um motivo para agirmos, mas limitar-se-ia apenas a direcionar os impulsos oriundos de nossa natureza sensível. Isto porque, segundo Kant, impulsos sensíveis como, por exemplo, desejos e inclinações, jamais conseguiriam determinar diretamente nossa vontade através de suas forças afetivas. Essa determinação só seria possível, segundo Kant, se e somente se atribuirmos valor ao objeto pelo qual nós teríamos uma inclinação, ou melhor, na medida em que acolhêssemos inclinações em máximas impostas por nós mesmos. Assim, se Kant estiver correto, então não seria a razão, como pensa Hume, que seria inerte. Mas, ao contrário, nossa natureza sensível que seria incapaz de exercer força motivacional sobre nossa vontade, pois, inclinações precisariam ser justificadas a priori para se constituírem em um motivo para agirmos. Para justificarmos a proposta deste presente trabalho, utilizaremos passagens das obras Tratado da natureza humana e Uma investigação sobre os princípios da moral, no que diz respeito à concepção humeana; e, como Kant, ao contrário de Hume, não tem uma teoria motivacional explícita, os argumentos que serão apresentados neste trabalho serão retirados de sua teoria moral, mais exatamente da Primeira e Segunda seções da Fundamentação da metafísica dos costumes. Palavras-chave: Kant; Hume; razão; vontade e inércia. * Mestrando na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). edu.filosofia@hotmail.com

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 Claudiney José de Sousa* “Equilíbrio” e “estabilidade” epistêmica na filosofia de David Hume: uma crítica à interpretação de Norman Kemp Smith Segundo Kemp Smith, na doutrina da crença natural de Hume algumas crenças fundamentais são irresistíveis e inevitáveis, uma espécie de regra imposta pela natureza sobre a mente humana. Hume teria defendido que essas crenças “devem ser aceitas” e que “não temos escolha quanto a isso; devemos simplesmente aceitá-las porque se impõem sobre nossa mente. Para Hume, “certas crenças ou julgamentos [...] se mostram naturais, inevitáveis, indispensáveis, e, por esta razão, estão fora do alcance de nossas dúvidas céticas” (SMITH, 1966, p. 87 e 1905, p. 152). Com esta postura, Kemp Smith parece “não apenas atribuir a Hume uma teoria naturalista da mente e do comportamento, mas também dar uma resposta naturalista ao ceticismo, uma vez que enfatiza noções psicológicas tais como “irresistibilidade” e “inevitabilidade”“ (LOEB, 2002, p. 21; aspas do autor). A irresistibilidade, a inevitabilidade ou mesmo a indispensabilidade das crenças naturais surgem, na interpretação de Kemp Smith, como noções não-epistêmicas para a atribuição de valores normativos à epistemologia de Hume. Kemp Smith teria compreendido que o status justificacional de crenças fundamentais, na filosofia de Hume (crenças causais, crença na existência de corpos e na identidade pessoal), pode ser estabelecido sem referência a noções tradicionalmente conhecidas como ‘justificação’, ‘conhecimento’, ‘evidência’ etc. Hume passa a apelar para conceitos psicológicos para estabelecer avaliação e escolha entre crenças. Contudo, contesta Loeb: “A interpretação de Kemp Smith não é capaz de explicar como algumas crenças irresistíveis podem deixar de ser justificadas” (LOEB, 1995, p. 111). Avaliaremos a proposta de Kemp Smith e veremos como Loeb apresenta uma proposta de interpretação que preencheria esta lacuna deixada por Kemp Smith; uma concepção que esclarece porque a “irresistibilidade” ou a “inevitabilidade” não são condições suficientes para a justificação. Hume teria considerado, segundo Loeb, que “crenças irresistíveis não são justificadas quando resultam de desequilíbrio (ou talvez, quando resultam de mecanismos que tendem a produzir desequilíbrio)” (LOEB, 1995, p. 112, itálico nosso). Neste sentido, a sugestão de Loeb é de que uma análise mais adequada da teoria da justificação epistêmica em Hume deveria estar fundamentada em novos conceitos: basicamente ‘equilíbrio’ e ‘estabilidade’. Palavras-chave: naturalismo epistemológico; crenças naturais; irresistibilidade; inevitabilidade; equilíbrio; estabilidade. * Doutor em filosofia pela Unicamp. Professor da UEL. claudineyuel@hotmail.com

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 Delamar José Volpato Dutra* Sobre autoridade e obediência [allegiance] em Hume O texto trata do conceito de autoridade em Hume. Sabidamente, Hume recusa, explicitamente, a teoria contratualista da autoridade. Sem embargo de tal recusa, o presente texto pretende defender que as teses mais básicas de Hume sobre a autoridade têm estirpe hobbesiana, de tal forma que Hobbes pode ser considerado um protohumeano e Hume um epígono de Hobbes. De qualquer forma, ambos estão sujeitos à critica de terem uma noção frágil de autoridade, devido em parte a teses básicas de suas teorias éticas, acusação esta de estirpe kantiana. O texto tenta apontar tais teses, bem como a crítica kantiana às mesmas, sob o ponto de vista do status da autoridade no que concerne às obrigações políticas. Palavras-chave: Hume; Hobbes; Kant; autoridade; obediência. * Professor do Departamento de Filosofia da UFSC/CNPq. djvdutra@yahoo.com.br

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 Denize Carolina da Cunha* A simpatia como fonte da aprovação moral da justiça Como podemos sentir dor ou prazer em uma situação vivenciada por um agente que observamos, e posteriormente julgá-la? A preocupação de Hume é saber se as distinções morais se originam de princípios naturais ou se nascem do interesse e da educação, ou seja, do artifício. Neste trabalho examinarei algumas teses humeanas e darei ênfase ao princípio da simpatia como fonte da aprovação moral da justiça. Convém mencionar que, para Hume, a simpatia não significa compaixão, isto é, apenas um mero afeto com uma pessoa desconhecida. Para Hume, a simpatia é a capacidade de o indivíduo “sentir” o que os outros sentem e de receber através de princípios, como o da associação de ideias, suas inclinações e sentimentos, por mais diferentes ou contraditórios. Logo, a simpatia tornase um princípio universal, uma característica inerente à natureza humana que pode ser compreendida como uma espécie de “remédio” para o problema da generosidade limitada. Dada a semelhança que existe não só em sentimentos como também em operações, o princípio da simpatia permite que o indivíduo observe as vantagens das regras da justiça – o prazer e desprazer alheio comunicado – não apenas para si ou para os seus familiares, mas para qualquer indivíduo. Por outro lado, é importante salientar que Hume afirma que a simpatia não é suficiente para dar origem a uma obrigação, por conseguinte, insuficiente para gerar a justiça e, consequentemente, para respeitar as suas regras. Mas, sem ela o artifício seria inútil, porque é através dela que há a comunicação dos prazeres e desprazeres das regras da justiça, bem como a motivação moral. Assim, meu objetivo é esclarecer como ocorre, segundo Hume, o procedimento da avaliação moral. Para uma melhor compreensão dessa questão será necessário apresentar o procedimento mental responsável por essa transmissão/conversão de sentimentos. Assim sendo, abordarei inicialmente o princípio da contiguidade e da associação de ideias e impressões. Por fim, meu objetivo neste trabalho é analisar as considerações de Hume sobre a simpatia e sua influência na aprovação moral, e, além disso, ainda que de maneira introdutória, mostrar como essa temática central na filosofia humeana é indispensável para o entendimento da sua teoria da justiça e de suas regras. Palavras- Chave: Hume; aprovação moral; simpatia; justiça. * Graduanda do curso de Direito, UNIDAVI. denize_direito@hotmail.com

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 Erisson José da Silva* A natureza das paixões no segundo livro do Tratado da natureza humana No segundo livro do Tratado da natureza humana, David Hume estabelece distinções entre as paixões segundo: (1) a sua origem; (2) o seu grau de turbulência e (3) sua força (o grau de influência causal de uma paixão). Tais paixões são essenciais na compreensão dos processos mentais de deliberação e ponderação descritos na teoria moral deste autor, pois à medida que a origem, a turbulência e a força de uma paixão se alteram, alteram-se também as operações mentais da deliberação e ponderação. Descrever a classificação das paixões produzida por Hume no segundo livro do Tratado e delinear o modo como elas alteram as operações mentais acima referidas é o objetivo do presente artigo. Palavras-chaves: Hume; paixões; Tratado. * Mestrando em Filosofia, UFSC. erisson28@yahoo.com.br

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 Evandro Oliveira de Brito* Franz Brentano leitor de David Hume: causalidade e intencionalidade como aspectos do mesmo problema Ao filósofo alemão Franz Brentano é atribuído o mérito de ter reintroduzido o conceito de intencionalidade na filosofia moderna e contribuído, de certa forma, com as origens da filosofia contemporânea. No entanto, as definições daquilo que Brentano teria concebido propriamente como intencionalidade, bem como os problemas em torno das definições de objeto intencional e relação intencional, nunca assumiram o primeiro plano no debate filosófico fora de “sua escola”. Sua principal obra, Psychologie vom empirischen Standpunkt (1874), serviu muitas vezes aos propósitos de seus discípulos e interlocutores que a tomaram para ressaltar problemas específicos, os quais eles estavam interessados em resolver a partir de outras perspectivas teóricas. O presente trabalho tem como objetivo apresentar o modo brentaniano de conceber o conceito de intencionalidade, em sua obra de maturidade Versuchüber die Erkenntnis (1903), a partir daquilo que ele chamou de fracasso kantiano na solução do problema colocado por Hume. De modo mais específico, trataremos de apresentar a proposta brentaniana de retorno ao problema da causalidade, sua interpretação e os pressupostos de sua solução por meio do conceito de relação intencional (intencionalidade). Assim, sustentaremos a partir de bases textuais que Brentano ampliou a descrição da noção humeana de “relação de ideias” (a qual ele também denominou juízos analíticos) para que essa pudesse descrever também as “relações causais” (causa eficiente). Finalmente, elucidaremos o modo como, sob esse pressuposto, Brentano supôs ter refutado a noção kantiana de conhecimentos ou juízos sintéticos a priori. Palavras chaves: causalidade; relação intencional; intencionalidade; Franz Brentano; David Hume * Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Capes PNPD/Pós-doutorado. evandrobritobr@yahoo.com.br

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 Fernão de Oliveira Salles dos Santos Cruz* Hume e o problema da dupla existência É notória a dificuldade que a existência dos objetos externos representa para as filosofias da tradição empirista. Ao menos desde a publicação do Ensaio sobre o entendimento humano, a relação entre nossas idéias de sensação, conforme o vocabulário do Ensaio, e os objetos externos, é problemática. Neste texto, a própria sensação é, por um lado, efeito da ação destes objetos e, por outro, signo claro de sua existência, mas a determinação das qualidades destas “coisas em si” (novamente a terminologia é de Locke) restaria difícil ou até mesmo incognoscível. Assim, ainda que nossas percepções sensíveis denotem a existência de objetos externos, tais objetos permaneceriam sendo indetermináveis, restariam sendo um certo je ne sais quoi. Como representações das coisas que as causam, as idéias de sensação seriam problemáticas. A fortuna dessa “dupla existência” dos objetos (como coisas em si e como idéias) é bem conhecida. Como se sabe, tal posição teórica foi alvo de outros dois empiristas célebres: Berkeley e Hume. Ambos, por razões que cumpriria explicitar, empreenderam rigorosa crítica à tese segundo a qual a mera idéia de sensação já seria indício da existência de uma coisa em si da qual essa idéia seria representação, mesmo que de modo problemático. Os dois, como se sabe, terminaram por recusar legitimidade filosófica a esta coisa em si, admitida - com ressalvas, é verdade – pela filosofia de Locke. As semelhanças entre o bispo de Cloyne e o cético escocês terminam, entretanto, por aqui. Neste trabalho, pretendemos explorar a posição de Hume quanto à existência dos objetos externos e sua relação com nossas percepções. Trata-se de reconstituir a argumentação humeana com interesse em mostrar a especificidade do tratamento dado pelo filósofo escocês ao problema. Trata-se de mostrar a singularidade do pensamento humeano, no quadro geral do empirismo clássico, tendo em vista o estatuto que ele concede a tese da existência dos objetos externos. Para tanto, além de recorrermos à análise dos textos de Hume, pretendemos indicar, apenas para efeitos de contraste, os pontos nos quais diverge fundamentalmente de Berkeley, sem pretendermos um exame mais aprofundado do imaterialismo. Palavras-Chave: representação; ideia; percepção; sensação; objeto externo. * Professor do Departamento de Filosofia, UFSCar. fernao.salles@gmail.com

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 Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann* Hume: um cético moderno O propósito desta comunicação é o de mostrar de que forma o ceticismo de Hume e as suas críticas ao ceticismo pirrônico se aproximam das concepções de muitos filósofos preocupados com o tema nos séculos XVI e XVII e sugerir que a sua proposta de ceticismo acadêmico ou mitigado, embora tenha sido originalmente desenvolvida por ele, é inspirada em noções semelhantes de outros filósofos modernos. Para podermos estabelecer tal relação, apresentaremos uma breve pesquisa sobre as leituras que Hume realizou dos que debatiam o ceticismo em seu tempo e as concepções desses autores sobre o ceticismo pirrônico e acadêmico. Essa leitura mostrará que o ceticismo de Hume, antes de ser classificado especificamente como acadêmico ou pirrônico, parecerá, após compará-lo com as concepções dos autores modernos, mais com um tipo de ceticismo peculiar, que não desprezaria certos elementos e contribuições de cada escola cética, visto que, no geral, o ceticismo moderno consiste no uso indistinto das ideias das escolas pirrônica e acadêmica da antiguidade. Esse tipo de ceticismo, porém, não entraria em contradição com o seu chamado ‘ceticismo moderado’. Os autores a serem comparados a Hume aqui são alguns dos que mais se destacaram no tema do ceticismo na modernidade e que foram consultados pelo autor, tomando por base suas citações diretas ou indiretas. São os seguintes: René Descartes, Michel de Montaigne, Jean-Pierre Huet, Pierre Bayle, Joseph Glanvill, Nicolas Malebranche, Francis Bacon, Robert Boyle, Nicole e Arnauld e Lord de Shaftesbury. Apresentaremos curtas passagens de cada um desses autores sobre suas concepções de ceticismo a fim de comparar com a de Hume e tentar compreender o sentido das suas críticas e propostas sobre o tema. Alguns filósofos modernos parecem retratar o cético pirrônico como radical, ousado ou extravagante, e compreendem o ceticismo acadêmico ou filosofia moderada como um antídoto contra tais excessos, de modo semelhante a Hume. Uma característica desse ceticismo moderado, entre autores tais como Huet e talvez Bayle e Montaigne, é que ele abarca determinados elementos do ceticismo pirrônico, sem deixar de ser acadêmico ou moderado, uma vez que a filosofia acadêmica moderna toma para si algumas concepções dos pirrônicos. Hume, enquanto filósofo preocupado com os problemas de seu tempo, estava atento às críticas e concepções dos filósofos desta época. Como leitor dos filósofos acima mencionados entre outros, ao conceber o seu próprio ceticismo, parece ter tomado determinados elementos e concepções dos modernos. Mas, ainda que ele não tenha sido tão original na concepção de ideias como pode parecer àqueles que estudam a sua filosofia sem procurar se aprofundar nas suas origens históricas, Hume teve o mérito de recolher estes pensamentos e sistematizá-los, tornando-os condizentes com a sua teoria do conhecimento. Por fim, será observado que, embora o ceticismo humeano possa ser aproximado do de certos filósofos do século XVI e XVII, existem algumas diferenças significativas entre eles (e que o distanciaria também dos céticos antigos), tais como determinadas dúvidas com relação a padrões de comportamento e questões de cunho científico. Palavras-chaves: Hume; ceticismo; filosofia moderna. * Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul. flaviozim@yahoo.com.br

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 Franco Nero Antunes Soares* O movimento razão-crença na interpretação da teoria da motivação de Hume Meu objetivo é apresentar e defender a estratégia interpretativa da leitura tradicional sobre a função das crenças na produção de ações na teoria motivacional humeana que chamarei de movimento razão-crença. Segundo a leitura tradicional, infere-se a insuficiência motivacional das crenças a partir das teses explícitas de Hume sobre a insuficiência motivacional da razão. Em primeiro lugar, mostrarei que é comum entre os comentadores que realizam o movimento razão-crença em suas leituras da teoria da motivação de Hume assumir tal estratégia sem justificar a suposição do princípio de transitividade causal. Em segundo lugar, apresentarei a crítica de Cohon a modelos de explicação do movimento razão-crença como o apresentado por Radcliffe. Por fim, tentarei responder a tal objeção reconhecendo que o movimento razão-crença depende, de fato, como Cohon aponta, do argumento da transitividade causal, porém mostrando, em objeção a Radcliffe, que uma alternativa de justificação para esse argumento pode ser o que chamarei de argumento da insuficiência causal da razão. Meu argumento final é uma tentativa de reestabelecer a força do movimento razão-crença e da interpretação tradicional. Palavras-chaves: Hume; função das crenças; teoria motivacional. * Mestre em Filosofia, UFRGS. franco.soares@bento.ifrs.edu.br

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 Giovani M. Lunardi* Sentimentos e consciência moral: a visão humeana de Annette Baier Este trabalho investiga a interpretação hodierna de Annette Baier sobre a filosofia moral humeana demonstrando a importância e atualidade do filósofo escocês. Baier, uma das principais filósofas feministas dos Estados Unidos, tem como modelo de pensamento David Hume, denominado por ela, como “o filósofo moral das mulheres” por causa de sua predisposição em aceitar o sentimento, e mesmo o sentimentalismo, como centrais para a consciência moral. Na visão de Baier, os juízos morais que surgem de uma especial reflexão derivada do prazer, não são um desejo [desire] que teria como objeto apropriado a moralidade para motivar uma ação virtuosa. Ou seja, o desejo não toma a forma da autoridade de uma vontade. Ela interpreta que tanto para Shaftesbury, quanto para Hutcheson e Hume, a autoridade do sentimento moral é inteiramente humana, e não um tipo de autoridade na forma de obediência. Para a determinação da moralidade, Baier não considera que a mesma seja como querem outros pensadores, apenas um conjunto de orientações normativas explícitas, nem é a visão reducionista de que a função da moral é apenas, e unicamente, um guia prescritivo, um manual de diretrizes. Fiel a sua militância anti-kantiana, Baier afirma que “a vilã em filosofia moral é a tradição racionalista, de leis fixas”, uma tradição que pressupõe que “por trás de toda intuição moral há uma regra universal”. Ela deplora a ênfase quase exclusiva posta pela filosofia moral moderna nas regras e nos princípios universais, e rejeita duramente os modelos contratualistas kantianos com sua ênfase na justiça, nos direitos, na lei e, particularmente, na escolha autônoma entre agentes livres e iguais. Essa tradição pressupõe que a tentativa de Hume de pensar no progresso moral como um “progresso natural dos sentimentos” não consegue explicar a obrigação moral. Mas, na visão de Baier, não há nada para ser explicado aqui: a obrigação moral não tem uma natureza, ou fonte, diferente da tradição, do hábito e do costume. Esses pensadores, segundo ela, preferem utilizar, para falar de moral, os termos “leis” e “obrigações” em vez de “virtudes” e “vícios”. Isto pode levar a ilusões. Imaginam, tais moralistas, que os termos “leis” e “obrigações” descrevem melhor a “verdade” e a “realidade” dos “membros de uma comunidade moral humana”. Baier, da mesma forma que Hume, compartilha da mesma desconfiança da noção de “obrigação moral”. Ambos veem as circunstâncias temporais da vida humana como difíceis o suficiente, sem precisarmos, de maneira sadomasoquista, de adicionar-lhes obrigações imutáveis e incondicionais. Baier, seguindo Hume, propôs substituirmos a noção de “obrigação” pela noção de “confiança apropriada” como nosso conceito moral nuclear, iluminando novas possibilidades para a ética normativa contemporânea. Palavras-Chaves: Hume; Baier; sentimentos; consciência moral. * Professor de filosofia, UFSC. Campus de Araranguá. giovani.lunardi@ufsc.br

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 Hugo Estevam Moraes de Sousa* O problema da indução e a crítica de Hume ao argumento do desígnio A presente comunicação tem em vista estabelecer uma relação entre o problema da indução e a crítica de Hume ao argumento do desígnio presente em sua obra Diálogos sobre a religião natural. Tendo presente que este texto desenvolve uma reflexão também de âmbito cosmológico, a problemática tratada refere-se diretamente com as questões modernas em torno de uma causa primeira. Neste sentido, tendo especial atenção ao argumento que considera o mundo semelhante a uma máquina, o que justificaria a existência de um desígnio inteligente enquanto causa primeira, defenderemos que a crítica de Hume a esta posição decorre da noção de hábito e costume apresentada pelo autor em seu Tratado da natureza humana, o que coloca em dúvida a possibilidade de um argumento a priori para a existência de Deus e a consequente inferência de um universal que conteria todos os particulares por meio de um plano, resultado de Deus, que subjaz as leis da natureza. Hume defende que da mesma forma que é possível tratar de um único desígnio inteligente, também seria plausível considerar que o universo, dada a sua complexidade, tenha sido projetado por vários desígnios inteligentes, semelhante a um grupo de arquitetos que planeja uma grande construção. Ademais, contra a leitura de um desígnio inteligente consciente que seria a causa de todos os particulares, Hume considera o mundo não semelhante a uma máquina, mas sim a organismos, como plantas, que são causa e efeitos de si. Nestes dois casos que questionam o argumento a favor de um único desígnio inteligente, não estaria o filósofo escocês também inferindo um universal que explica a ordem do mundo e, consequentemente, emitindo um juízo acerca de um futuro marcado por evidências acompanhadas de incerteza? Defenderemos que estas considerações não têm como objetivo conceder uma resposta à origem do mundo, mas, ao contrário, tem em vista justificar a impossibilidade de provar racionalmente a existência de Deus, já que as inferências decorrem de costumes e hábitos gerados pela sucessão regular de percepções. Esta posição tem como consequência também a impossibilidade de provar a inexistência de Deus. Sendo assim, em um primeiro momento apresentaremos o argumento do desígnio e a crítica que Hume faz ao mesmo, apontando de que maneira as noções de hábito e costume se fazem presentes na crítica humeana. Concluiremos que a argumentação de Hume provoca a dúvida em torno de uma prova tanto da existência como da inexistência de Deus, o que gera uma mudança na própria concepção de mundo. Palavras-chaves: Indução; desígnio; hábito; costume * Doutorando em Filosofia, UFRJ. hestevam@gmail.com

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 Hugo Macedo Arruda* Descrição, participação, experiência: a ‘distinção de razão’ no Tratado de Hume A ‘distinção de razão’ é o conceito de origens tomistas desenvolvido por Francisco Suárez que exerceu grande influência no raciocínio de Descartes. A “‘distinção de razão’ tão falada e tão pouco compreendida nas escolas” (T.1.1.7.17), é o que permite a separação de partes de coisas que no mundo são inseparáveis. Hume, sabemos, possuía motivos suficientes para tratar o tema da abstração com suspeição. As ideias gerais - ou abstratas -, para ele, não passam de ideias particulares elevadas a um certo termo (T.1.1.7.1). Ronald Butler afirmou, em 1978, que a Distinctiones Rationis, além de importante componente da descrição do entendimento humano feita por Hume, era um dispositivo sem o qual não seria possível compreender a separação entre os livros I e II do Tratado. Apresento uma investigação sobre a maneira como Hume descreve a nossa capacidade de operar uma “abstração sem separação” (T.1.2.4.12) e sobre a maneira como, a partir da sequência de seus argumentos, podemos vê-la em operação. Para isso, investigo os aspectos descritivo e participativo da filosofia humeana, aquilo que, para Donald Livingston, faz de Hume um filósofo verdadeiro em seu próprio sistema. A suspeita a ser posta ao juízo do público é a que afirma que, a partir do tema das distinções de razão, talvez possamos compreender melhor um lapso do Tratado apresentado por Barry Stroud: a ausência de definição de impressão. As várias confusões que podem surgir das tentativas de compreensão da impressão teriam a ver com a sua lida # como se ideia geral - à moda escolástica - fosse. Tento sustentar a importância da maneira como Hume lida com o que chamou de ‘distinção de razão’ para que possamos ter a apresentação das impressões como aquilo que Frédéric Brahami afirmou ser a única abertura possível para um Tratado como o de Hume: com uma evidência perfeita. Ou para tentarmos compreender melhor o que Michel Malherbe pode ter quisto # dizer com o emprego da expressão “a experiência-impressão”. Se Hume nos diz que seria inócua a tentativa de explicar a uma criança o que é uma cadeira a partir de relações de ideias, o princípio da anterioridade, se estabelecido pela lógica, perderia força. Hume, para fazer-se coerente com o exemplo citado, deveria mostrar a impressão. Para isso, deveria mostrar, também, que qualquer ideia que possamos vincular ao termo deveria ser providenciada por impressões. A fuga da circularidade do argumento, veremos, com sorte, dá-se pela apresentação do objeto material do qual disporia qualquer leitor: o próprio livro. Para mostrar impressões, “o presente discurso” se ostenta # no objeto material que comporta letras. A pesquisa que apresento é motivada pela vontade de encontrar relações entre a teoria da abstração e a importância da atenção às sensações no magnum opus de Hume. Palavras-chaves: epistemologia; abstração; distinção de razão; mostração. * Doutorando em Filosofia, UFMG. hugoarruda@id.uff.br

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 Ítalo Lins Lemos* David Hume e o status epistêmico positivo das crenças formadas pela imaginação Esta comunicação tem por objetivo explicitar o sentido em que a faculdade da imaginação, tal como estruturada no Livro I do Tratado da natureza humana, é responsável pela formação de crenças que possuem valor epistêmico. Numa acepção geral, a imaginação é uma faculdade mental que associa imagens independentemente da presença atual dos objetos aos quais se referem, produzindo, então, algo distinto do que fora concebido pela experiência. Ainda nesta acepção, a imaginação é capaz de unir ou separar as ideias (sejam elas simples ou complexas), o que pressupõe a validade do atomismo humeano, isto é, o princípio de que tudo o que é distinto é separável. Hume fornece outras definições mais minuciosas para essa faculdade quando a coloca em oposição à memória e à razão. Deter-nos-emos na distinção relativa à razão, pois, é somente neste sentido em que a faculdade da imaginação opera por princípios regulares, possibilitando tanto a previsão quanto a explicação de eventos naturais – isto é, ela se torna o fundamento das ciências. Dessa forma, pretendemos explorar o modo como as ideias da imaginação formam crenças como as de identidade pessoal, conexão necessária e mundo exterior, e em que sentido elas podem ser entendidas como naturais. Embora o valor epistêmico de tais crenças não produza certeza, pois, elas operam no âmbito da probabilidade, Hume apresenta critérios de justificação que tornam algumas delas mais fortes do que outras. Estes critérios dizem respeito à constância das experiências passadas, ao hábito e ao costume, o que evidencia o empirismo do filósofo escocês. Em suma, pretendemos argumentar em favor de um status epistêmico positivo relativo a certas crenças formadas pela imaginação, na medida em que ela opera por princípios associativos regulares. Palavras-chave: Hume; epistemologia; imaginação; crenças; ficções. * Mestrando em Filosofia, UFSC. italolinslemos@hotmail.com

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 Juan Adolfo Bonaccini* Hume’s “a priori argument” against miracles?

Hume’s essay on miracles has drawn a lot of attention. One has disputed on the status and purpose of his argument in the Enquiry, as well as on the sense and relation of the two parts which section X is divided in. Thus, in the last three decades one can trace back at least two conflicting lines of interpretation within the literature. The first thinks that Hume was against miracles and his main purpose would have been to reject them. The second suggests that Hume was not against miracles. Moreover, a few in the first party seem to think that Hume had an “a priori” argument against the possibility of miracles. My concern is to assess whether the idea Hume had presented an a priori argument holds his ground or should be rejected. Accordingly, my paper divides in three parts. In the first I analyse the meaning one can give to the expression “a priori” argument in Hume´s main works. In the second I present and classify different interpretations and take my stance on a different approach for the priority of natural over supernatural explanation. This must have some impact on the general interpretation of Hume stance on miracles. In the third and last part I explain why the outcome is important to understand Kant´s reception of the essay, as well as in Kant´s supposed “rejection” of miracles. * Professor titutar da UFPE. juan.bonaccini@ufpe.br

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 Leandro Hollanda* Realismo-ontológico e antirrealismo-epistemológico na problemática sobre o mundo externo em Hume No Tratado da natureza humana, David Hume dedica uma longa seção à problemática sobre a possibilidade da existência do mundo externo intitulada “Do ceticismo quanto aos sentidos”. A seção traz idas e vindas do autor no que diz respeito à resposta para o problema. Inicialmente, Hume dá como certa a existência externa dos corpos, i.e., independente das percepções, e avisa que sua investigação se limitará, apenas, às causas que levam a crer nisso. Sua pretensão inicial não é cumprida e logo dá espaço a uma rede de complexos argumentos céticos, os quais colocam em dúvida as realidades independentes das percepções. No último parágrafo, porém, Hume parece retroceder em sua posição e parece tomar como certa a existência independente dos corpos, mais uma vez, tal como fez no começo da seção. O objetivo desse trabalho é, pois, evidenciar que há dois pontos bem diferentes que caracterizam sua argumentação sobre esse assunto: I) A existência do mundo externo; II) a possibilidade de conhecê-lo. Ao primeiro, a resposta de Hume será positiva, ao segundo ponto, negativa. O ceticismo, portanto, sempre decorreria de qualquer tentativa em conhecer tais realidades independentes, pois, através da argumentação filosófica, da razão, sempre se esbarraria na impossibilidade de sua existência. Ao mesmo tempo, sua realidade ontológica parece se impor pela própria natureza e, com isso, desativa os argumentos céticos, os quais sempre demonstram a impossibilidade de conhecê-lo, i.e., acessá-lo pela razão. Assim, o que se tem sobre o mundo externo são, apenas, impressões geradas através da experiência para com o mesmo. Em vista dos fins supracitados, foram utilizados, além do Tratado, a Investigação sobre o entendimento humano e outros textos do filósofo escocês. Palavras-chave: ceticismo; mundo externo; percepção. * Mestrando, USP. leo@usp.br

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 Lilian Piraine Laranja* O sentido da crença Na filosofia de David Hume o ato de crer pode ser compreendido como uma espécie de instinto da natureza humana, involuntário e tácito, uma “operação secreta da mente”, conforme descrito no Tratado da natureza humana. De significado bastante singular e fecundo, a noção de “crença” se situa em posição central e é fundamental para a compreensão de suas teorias do conhecimento e da moral. Partindo de sua conceituação mais simples, como conjunção dos elementos mínimos da percepção – impressão e ideia –, proponho discorrer sobre suas implicações mais complexas. Primeiro, busco tornar o termo mais claro fazendo uma distinção entre o ato de crer, sua concepção como estrutura; e a substância da crença, o objeto do ato. Estabelecida tal diferenciação, proponho identificar as diferentes funções que a crença, como estrutura epistêmica, é capaz de assumir, em associação a outros elementos e princípios do entendimento, tendo como referência metodológica o trabalho de Gerhard Streminger, Hume’s Theory of Imagination. Aplicado ao conceito de crença, o modelo nos permite estabelecer alguns eixos de argumentação sobre suas possíveis funções, tais como: i) função elementar de conexão entre o mundo da experiência e a constituição do sujeito, uma leitura deleuziana da crença humeana como “ideia viva”; ii) associação da crença com o princípio do hábito como vetor de estabilização da experiência; iii) associação entre crença e paixão como mecanismo gerador de intensidades; iv) associação entre crença e imaginação como força criativa, vetor de inventividade. As teorias social e moral de Hume podem ser compreendidas como prolongamentos de seus estudos acerca do modo humano de conhecer e experimentar o mundo, e do mundo afetar e sensibilizar o humano. Tendo examinado o conceito e as funções que a crença pode assumir em um sentido epistêmico, passo, em uma segunda etapa, a perseguir seu corolário para o campo da política. Argumento, com as referências teóricas de Renato Lessa e Cesar Kiraly, que sistemas complexos de crenças são estruturantes de sistemas de ordenação social e moral. Nessa ótica, e desde o estudo das funções da crença, é possível estabelecer uma diferenciação entre as práticas (repetição) e os artifícios (inventividade). Tais posições revelam respostas distintas de estados de crença com relação a temporalidades, como associações baseadas em experiências do passado e em desejos sobre o futuro. Ao final, procuro argumentar que as diferentes conjugações e funções da crença examinadas ao longo do trabalho podem modificar instituições sociais atravessadas por ênfases em tradição, ação ou inventividade. Palavras-chave: crença; funções; entendimento; política; moral. * Mestranda em Ciência Política, UFF. lilianlaranja@gmail.com

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 Luiz Helvécio Marques Segundo* O novo enigma da indução contra a defesa fiabilista da indução Collin Howson, em seu Hume’s Problem, apresenta uma variação do novo enigma da indução (o paradoxo de Goodman) a fim de refutar a defesa fiabilista da indução. Os fiabilistas, grosso modo, sustentam que uma vez que a indução seja de fato fiável, podemos oferecer um argumento indutivo a favor da crença de que a indução seja fiável sem que com isso a circularidade envolvida seja viciosa. Se bem sucedida, tal estratégia parece evitar o problema da indução tal como apresentado originalmente por Hume. Howson, contudo, pensa que a estratégia fiabilista malogra, uma vez que podemos construir argumentos indutivos com predicados do tipo verdul que nos levam à conclusão de que a indução é infiável. Defenderei nesta comunicação que o argumento de Howson não é bem sucedido. Tentarei mostrar que ele é autoderrotante – se nos fornecer alguma razão para aceitar a sua conclusão, também nos fornecerá razão para abandonar o próprio argumento em questão. Palavras-chave: indução; fiabilismo; novo enigma da indução. * Doutorando em filosofia, UFSC. luizhelveciosegundo@gmail.com

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 Marcos César Seneda* Da imaterialidade da alma: a desconstrução mais incisiva de Hume de um pressuposto metafísico A seção “Sobre a imaterialidade da alma” (I, IV, V) do Tratado da natureza humana representa um dos pontos de maior inflexão da crítica de Hume ao conceito de substância. Hume faz uma crítica inicial desse conceito em “Dos modos e substâncias” (I, I, VI), a qual é retomada e aprofundada em “Da filosofia antiga” (I, IV, III). Pode-se dizer, inclusive, que a IV Parte do Tratado é destinada à tarefa de desconstruir o conceito de substância, com o objetivo patente de não gerar uma hipóstase para substituí-lo. Mas o último reduto a ser penetrado – na progressão da IV Parte do Tratado – é aquele reservado para a imaterialidade da alma e a identidade pessoal. Conquanto a identidade pessoal seja o problema mais visitado pelas exegeses, ele pode ainda ser traduzido por muitos referenciais empíricos. O mesmo não se dá com o problema da imaterialidade da alma, que é eminentemente metafísico. Por isso nele nos concentraremos, por entendermos que ele melhor retrata a crítica mais incisiva de Hume ao conceito de substância. No entanto, quando Hume procede à análise do conceito de substância em “Dos modos e substâncias” e “Da filosofia antiga”, ele pode ao menos indicar a conjunção local entre a percepção da extensão e a localização da matéria, atribuindo um referencial claro aos conceitos de contiguidade e causalidade. Já no caso da imaterialidade da alma – leia-se, aqui, de algo destituído de percepções coloridas e tangíveis – torna-se impossível localizar o sujeito de inerência que deve ser circunscrito como o alvo da crítica. O intuito do presente texto é especificar a dificuldade de apreender esse objeto e explicitar alguns elementos da radicalidade da crítica de Hume ao conceito de substância. Palavras-chaves: Hume; alma; extensão; inerência; substância. * Doutor em Filosofia pela Unicamp. Professor da Universidade Federal de Uberlândia. mseneda@ufu.br

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 Marcos Ribeiro Balieiro* Filosofia e vida comum na epistemologia de Hume Boa parte dos comentadores da epistemologia de David Hume ignora sistematicamente as passagens em que o filósofo faz considerações que, a partir do modo como ele considera a experiência, aproximam a atividade filosófica das “reflexões da vida comum”. Para esses intérpretes, tais passagens seriam meramente, ou ao menos principalmente, retóricas, não tendo grande peso filosófico. O que pretendemos é justamente mostrar que uma leitura mais atenta de passagens do Livro I do Tratado da natureza humana e de Uma investigação sobre o entendimento humano em que Hume faz referência ao vulgo e à vida comum podem fornecer o que consideramos ser uma chave de leitura interessante para a teoria do conhecimento desenvolvida pelo filósofo escocês. Palavras-chave: Hume; epistemologia; filosofia; vida comum; experiência. * Doutor pela USP. Professor da UFS. marcos.balieiro@gmail.com

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 Maria Isabel Limongi* A História da Inglaterra e o debate constitucional inglês: Hume contra a ideia de lei fundamental A História da Inglaterra é fundamentalmente a história da lei inglesa. Na atenção que dá às circunstâncias e particularidades da história inglesa a fim de reconstituir a história da lei, Hume é o herdeiro do intenso debate constitucional que se desenrolou na Inglaterra desde o período que precede à guerra civil inglesa - desde o reino de Jaime I - até o momento em que ele escreve, após a Revolução Gloriosa, quando então a constituição mista inglesa havia enfim se estabilizado, sem que, contudo, tivesse se arrefecido o debate em torno de sua natureza e do seu equilíbrio. Minha intenção é a de situar a História da Inglaterra no debate constitucional inglês, indicando que a contribuição de Hume para este debate esteve na recusa da ideia de uma “lei fundamental”, em prol de uma interpretação integralmente histórica da lei enquanto instituição social. * Professora do Departamento de Filosofia, UFPR. belimongi@yahoo.com.br

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 Marília Cortês de Ferraz* Filosofia e felicidade em O Cético de Hume O segundo volume dos Ensaios morais, políticos e literários (1742) de Hume contém quatro ensaios sobre a felicidade, cujo conteúdo filosófico relativo ao tema é marcado por seus títulos: O Epicurista, O Estoico, O Platônico e O Cético. Tais títulos referem-se às afinidades que cada um destes ensaios tem com algumas concepções filosóficas antigas sobre a vida e felicidade humanas. Logo no início do primeiro ensaio (O Epicurista) Hume assinala em nota que “a intenção deste e dos três ensaios seguintes não é tanto explicar acuradamente as opiniões das antigas seitas filosóficas quanto interpretar as opiniões das seitas que se formaram naturalmente no mundo, ensejando diferentes ideias sobre a vida humana e a felicidade”. Trata-se, pois, de um conjunto de opiniões comuns que, na análise filosófica de Hume, revelam tipos ou caracteres humanos aparentados a essas seitas. Uma das questões que se coloca é se estes quatro ensaios podem ser compreendidos independentemente uns dos outros. Outra questão que pode também ser levantada diz respeito à qual dos personagens representa a própria posição de Hume (se é que algum deles representa-o inteiramente). Robert Fogelin, em seu livro Hume’s Scepticism in the Treatise of Human Nature, desconsidera a importância dos três primeiros ensaios e afirma que “a despeito de certos pontos particulares de concordância”, os três primeiros “não são expressivos da própria posição de Hume”. Fogelin argumenta que é o ensaio final O Cético que representa a própria posição de Hume, e que este pode ser lido independentemente dos três primeiros. Fogelin considera O Cético com aproximadamente a mesma função do Tratado da natureza humana. O Cético seria um outro trabalho filosófico técnico, no qual Hume tenta, de maneira diferente, estabelecer a relação entre ceticismo, moralidade e paixões. Já John Immerwahr, em seu artigo Hume’s Essays on Happiness, sustenta que há, substancialmente, muitas doutrinas em O Cético que são alusivas a outros trabalhos filosóficos de Hume, mas discorda da interpretação de Fogelin argumentando que há um diálogo entre todos os discursos. Para Immerwahr seria um erro ler um dos discursos fora do contexto do diálogo como um todo. Do ponto de vista de Hume, segundo Immerwahr, todos os discursos assinalam importantes pontos sobre o tema, mas também contêm erros significativos, portanto, para Immerwahr, nenhum dos personagens representa a real posição de Hume. Com base no que foi dito acima, pretendo mostrar que embora O Cético não represente Hume tout à fait, a maioria das teses defendidas neste ensaio são também defendidas em seus outros trabalhos, e que a principal diferença entre o cético do Ensaio e o próprio Hume é marcada por um maior pessimismo do cético quanto aos poderes da filosofia em nos conduzir à felicidade, ainda que, quanto a isso ─ tema principal deste ensaio ─ ambos sejam pessimistas. Palavras-chaves: filosofia, felicidade, ceticismo. * Doutora em filosofia, USP mariliacortes@hotmail.com

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 Pedro Vianna da Costa e Faria* As paixões do trabalho e o surgimento dos costumes da sociedade comercial Interpretações recentes (Wennerlind, 2002; Berry, 2006; Sakamoto, 2003) enfatizam a importância do conceito de “costume” na estruturação da economia política de Hume: segundo essas interpretações, Hume constrói nos dois primeiros ensaios dos Discursos políticos uma narrativa sobre o surgimento dos costumes da sociedade comercial de sua época — resumidos na tríade “indústria, conhecimento e humanidade” — para, nos ensaios seguintes, analisar as conseqüências desse conjunto de costumes sobre outros aspectos da vida econômica (sobre a quantidade de moeda ou a taxa de juros, por exemplo). A narrativa sobre o surgimento dos costumes da sociedade comercial é, segundo os comentadores acima mencionados, fundada na descrição da natureza humana e do funcionamento das paixões feita por Hume no Tratado. O objetivo do presente trabalho é, portanto, tentar esclarecer qual é a relação desse conjunto de costumes com o Tratado. Mais especificamente, me concentro na virtude da indústria, isto é, no trabalho diligente, inteligente e contínuo que Hume apresenta como o elemento indutor dos dois outros na tríade de costumes da sociedade comercial. Procuro responder de que maneira um hábito de trabalho industrioso é introduzido em uma sociedade, que paixões esse hábito influencia e como ele desencadeia os dois outros. Para alcançar esse objetivo, tento mostrar a ligação entre os dois primeiros ensaios dos Discursos políticos e as seções 2.3.4, 2.3.5 e 2.3.10 do Tratado, que apresentamos efeitos das paixões violentas e do costume e o amor pelo conhecimento. Obviamente, a relação entre os Discursos políticos e o Tratado não se limita ao tema que apresento aqui. No entanto, acredito que, ao fim desse trabalho, poderemos compreender melhor porque Hume considerava os costumes da sociedade comercial como “o curso mais natural e usual das coisas” (Ensaios, p. 259). Palavras-chave: economia política; costume; sociedade comercial; indústria; trabalho. * Mestrando em filosofia, UFMG. pedrovianna.cf@gmail.com

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 Rafael Adolfo* Ensaio de um diálogo entre Hume e Aristóteles: a eloquência das paixões Objetivamos no presente trabalho ensaiar um diálogo entre Hume e Aristóteles quanto ao papel das paixões no discurso. Hume reserva à antiguidade clássica um modelo perfeito de eloquência, ou seja, sublime e patético, em relação ao qual a modernidade fracassa. Para ele, as paixões se tornam um critério que distingue a obra do gênio. Aproximando-se de Aristóteles, o filósofo escocês reconhece que cabe ao produtor do discurso se deixar inflamar por elas para, logo, comunicá-las aos seus interlocutores, com destreza e talento. Desse modo, o eloquente se torna um conhecedor da natureza humana, de modo que os princípios das paixões se encontram em todos os homens. Se a eloquência é exercida com propriedade, o orador terá sempre mais autoridade sobre eles, mas não sem o uso apropriado da linguagem. Pra fundamentar nossa pesquisa quanto às obras de David Hume, partiremos do seus pequenos escritos Da eloquência e Da tragédia, presentes em Ensaios morais, políticos e literários, e Da paixões, o livro segundo de o Tratado da natureza humana; aqui e ali, recorreremos à Investigação sobre o entendimento humano; quanto às obras de Aristóteles, Retórica e Poética serão nossas bibliografias primárias. Esperamos mostrar que, tal como Aristóteles, Hume compreende as paixões como matéria de conhecimento e arte, evidenciando o papel significativo que elas assumem na linguagem. Palavras-chave: Hume; Aristóteles; paixões; eloquência. * Mestre em Filosofia, UFSC. rafael.adolfo@ymail.com

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 Rafael Bittencourt Santos* Hume e o princípio fundamental da filosofia moderna Na seção “Da filosofia moderna”, no Tratado da natureza humana, Hume se propõe a analisar a filosofia moderna e identifica um princípio que afirma ser fundamental a ela, a saber, o de que cores, sons, sabores, aromas, calor e frio são “apenas impressões na mente, derivadas da operação dos objetos externos e sem qualquer semelhança com as qualidades dos objetos” (T 1.4.4.3). Em seguida, apresenta uma razão para o princípio que credita ser “satisfatória” e, através de um raciocínio causal, o justifica. Logo após, apresenta uma objeção, a de que “se cores, sons, sabores e aromas são somente percepções, nada que possamos conceber possui uma existência real, contínua e independente” (T 1.4.4.6). A objeção, no entanto, não apresenta o equívoco na premissa e no raciocínio apresentado em favor do princípio. Ela ataca as suas consequências e a seção termina com a alegação de que “há uma oposição direta e total entre nossa razão e nossos sentidos” (T 1.4.4.15), o que reflete na conclusão do livro I: “é-nos impossível raciocinar de maneira correta e regular a partir de causas e efeitos e, ao mesmo tempo, acreditar na existência contínua da matéria” (T 1.4.7.4), “Não nos resta escolha, portanto, senão entre uma falsa razão e razão nenhuma” (T 1.4.7.7). Alguns intérpretes tomam essas passagens como representando a posição definitiva de Hume. Apesar de uma consequência extremamente forte – a de que há uma contradição na natureza humana, porquanto tanto a máxima causal quanto a crença em corpos são fundadas na imaginação e são crenças naturais (no sentido de que não está no arbítrio humano abdicar delas) – pode-se avançar refletindo sobre o tipo de ceticismo de Hume, a função do apelo à natureza e certa irreligiosidade como pano de fundo do Tratado. Todavia, é característico dos princípios que não são universais nem necessários aos homens que eles se oponham entre si ou a algum princípio universal (T 1.4.4.1). Não pode ser o caso, pelos critérios do próprio Tratado, que o princípio da filosofia moderna seja legítimo. Minha proposta é uma leitura que não assuma a afirmação de que há uma contradição na natureza humana como consequência da filosofia do Tratado. Um caminho é procurar o equívoco presente no princípio da filosofia moderna. A partir da apropriação de certas posições tomadas na Parte II - “Das ideias de espaço e tempo” - pode-se vislumbrar o erro. Hume defende que certas qualidades secundárias (cor e tangibilidade) podem ser concebidas independentemente das primárias (extensão, solidez e movimento) e, mais que isso, são necessárias para a concepção destas. Se for assumido que nossa percepção é adequada à realidade – não que esgota o que há para ser percebido, mas que aquilo que nos apresenta é fidedigno ao que há – e que temos uma ideia adequada de extensão, deve-se admitir que as qualidades necessárias para sua concepção devem ter um estatuto ontológico semelhante. Palavras-chave: Hume; qualidades primárias; qualidades secundárias; objetos materiais. * Graduado em filosofia, UFRGS. rafael.bittencourt@ufrgs.br

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 Renato Mendes Rocha* Sobreveniência neo-humeana Essa comunicação divide-se em duas partes. Na primeira apresento um panorama geral de trabalhos recentes em metafísica da ciência e na segunda parte apresento o mosaico e a sobreveniência humeana. Esses trabalhos podem ser divididos em dois grupos: as teorias de inspiração neo-aristotélica (GHINS, 2013; MUMFORD & ANJUM, 2011; JACOBS, 2013) e a de inspiração neo-humeana (LEWIS, 1986). As do primeiro grupo podem ser caracterizadas como posições que aceitam a crença de que objetos possuem poderes causais em virtude de suas propriedades intrínsecas. A teoria do segundo grupo defende que poderes causais dos objetos podem ser explicados usando regularidades e mundos possíveis. Outra forma de distinguir essas duas teorias é a partir do dictum humeano: a negação de conexões necessárias entre eventos. Enquanto as teorias neoaristotélicas do primeiro grupo rejeitam o dictum afirmando que há pelo menos algum tipo de conexão necessária entre eventos no mundo, as teorias neo-humeanas fundamentam-se nesse dictum. Embora sejam duas teorias radicalmente diferentes, ambas oferecem definições importantes na metafísica da ciência (ou da natureza), ou seja, explicam o que é uma lei científica (ou da natureza), a relação de causalidade, e as propriedades disposicionais. Por um lado, as metafísicas neo-aristotélicas oferecem essas explicações usando a noção de essência e poderes causais. Por outro lado, a metafísica neo-humeana nega que esses poderes sejam intrínsecos na natureza e que relações causais não são necessárias no mundo, mas apenas regularidades observadas. Na segunda parte do trabalho procuro apresentar a tese da sobreveniência humeana e o mosaico humeano. O mosaico é uma representação pictórica de um parte de um mundo possível que está relacionado à tese da sobreveniência humeana. Essa tese afirma que todas as verdades a respeito do mundo podem ser reduzidas à distribuição espaciotemporal de propriedades naturais. Dessa forma, os objetos do senso comum sobrevêm à localização das entidades fundamentais. As entidades fundamentais nesse mosaico são propriedades instanciadas nos pontos do espaço-tempo (NOLAN, 2007, p. 27). Um neo-humeano para explicar o carácter nomonológico das leis precisa, portanto, de uma metafísica de mundos possíveis, em que poderes causais são obtidos a partir da relação de ordenamento e acessibilidade entre mundos possíveis. Nesse sentido, A causa B, envolve o raciocínio contrafactual de que se A não ocorresse, B não ocorria. Palavras-chave: metafísica da ciência; mundos possíveis; mosaico humeano; sobreveniência humeana; David Lewis * Mestre em Filosofia (UFG). Doutorando em filosofia, UFSC. mendesrocha@gmail.com

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 Rodrigo Fampa Negreiros Lima* A crença na ruptura: uma leitura de Hume por Octavio Paz “O singular e único é superestimar a mudança, convertida em uma filosofia, e fazer dessa filosofia o fundamento da sociedade. Um primitivo diria que essa maneira de pensar é, pelo menos, imprudente: equivale a abrir as portas para o caos original”. (PAZ, 2013, 170) Tentando compreender o mecanismo daquilo que chama “tradição da ruptura”, um tipo de tradição cujo princípio primeiro é romper a si mesma, Octávio Paz lança mão principalmente do romantismo alemão com sua religiosidade dessacralizada (ou ateísmo sacralizado) e nos contempla com o mais variado e rico leque de elementos que fazem com que nós, “Os filhos do barro”, vivamos em permanente estado de autodesconstrução. O poeta e ensaísta mexicano não faz isso, contudo, sem indicar que há um elemento de permanência sobre o qual essa sucessão de mudanças aparentemente anárquicas ensaia suas manifestações. O que é isso que dá ensejo a um caos controlado? Paz responde não apenas “o homem”, ele sugere que tal palco é o homem de “instinto religioso” tal como descrito por David Hume em suas considerações sobre a religião: “A crítica de Hume é decisiva porque, ao mostrar que se trata invariavelmente da mesma operação – quaisquer que sejam a sociedade, a época, o conteúdo e o caráter das representações e crenças -, implicitamente nos autoriza a suspeitar que estamos diante de uma estrutura mental comum a todos os homens. Ao mesmo tempo, ao sublinhar seu caráter inconsciente, indica que é resultado de uma necessidade psíquica e, de certo modo, instintiva” (PAZ, 2013, 176). Como o camaleão que, independentemente da velocidade e desenvoltura com que mude de cor, não pode nunca deixar de ter alguma cor, os homens têm de crer em algo que dote suas vidas de algum sentido, nem que seja um sentido em permanente e alucinada alteração. Pretendo fazer um breve exercício imaginativo de como Hume nos apresentaria esse homem moderno descrito por Paz não só por suas considerações concernentes à religião e à religiosidade como também por algumas daquelas presentes no livro I, sobre o entendimento, de seu Tratado da natureza humana cuja passagem que melhor ilustra essa possibilidade de o homem propor algo a si mesmo é a seguinte: “Dirijamos nossa atenção para fora de nós mesmos tanto quanto possível; lancemos nossa imaginação até os céus, ou até os limites extremos do universo. Na realidade, jamais avançamos um passo sequer além de nós mesmos, nem somos capazes de conceber um tipo de existência diferente das percepções que aparecem dentro desses estreitos limites. Tal é o universo da imaginação, e não possuímos nenhuma ideia senão as que ali se produzem” (HUME, 2009). Palavras-chave: instinto religioso; tradição; ruptura; permanência; crença. * Mestrando, UFF. rodrigofampa@yahoo.com.br

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 Rodrigo Violante Spagnol* Opinião e ideologia na crítica humeana ao contrato original Para Hume, o poder político é em última instância assentado nas opiniões prevalentes. A sua disputa estabelece sistemas especulativos que moldam as crenças da sociedade de acordo com os interesses das facções que buscam a supremacia. Este trabalho procura mostrar como a crítica ao contrato original é uma desconstrução daquela que, usando um termo anacrônico, podemos descrever como sendo a ideologia dominante de sua época. Apresento primeiro as características centrais das facções políticas da Inglaterra assim como estabelecidas após a Revolução Gloriosa (1688) e diagnosticadas por Hume em seus Ensaios e História da Inglaterra. Elas sofreram mutação a partir da Convenção do Parlamento (1689), que adotou posições associadas aos Whigs, a exemplo da defesa de uma antiga constituição assentada em contrato original entre rei e povo. Se novos tories, como o primeiro visconde de Bolingbroke (1678-1751), passaram a sustentar opiniões antes restritas a entusiastas do campo opositor, a maior independência da opinião política em relação à superstição religiosa contribuiu para minar a base da autoridade monárquica estabelecida na Sucessão Protestante (1707). Ao detalhar este deslocamento ideológico, argumento que ele é essencial para se entender como a opinião de direito ao poder é determinada e alterada por princípios secundários como interesse próprio e afeição, os quais, junto aos sistemas especulativos a que aderem, distorcem os desenvolvimentos históricos e os interesses expressos nas instituições políticas vigentes. Hume mostra como a fundamentação de regimes políticos deve ser antes procurada na conquista, na usurpação, na hereditariedade ou em leis positivas referentes a circunstâncias concretas do que na ficção de um contrato original. A convenção do artifício do governo, assim como descrita no Tratado, supõe o estabelecimento do interesse público por meio da consolidação de práticas regradas no tempo que excluem o voluntarismo político. Sendo assim, a discussão necessária para metodizar e corrigir as práticas políticas é deturpada pela difusão de ideologias arbitrárias tanto do ponto de vista da história civil como natural da sociedade. Concluo indicando que a crítica humeana ressalta os interesses comuns das facções e descarta disputas especulativas destituídas de significado político prático, buscando fomentar extensiva simpatia que assegure a prevalência de interesses gerais por meio da formação de uma opinião pública esclarecida. Palavras-chave: opinião; ideologia; consentimento; contrato original; convenção. * Mestrando em filosofia, USP. rodrigo.spagnol@usp.br

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 Silvio Seno Chibeni* Algumas observações sobre as críticas de Reid a Hume Deve-se a Thomas Reid (1710-1796) a primeira análise geral, minuciosa e explícita da filosofia moderna. Reconhecendo embora o enorme avanço experimentado pela filosofia ao adentrar o período moderno – avanço esse que Reid caracterizou em termos da substituição do antigo “way of analogy” pelo “way of reflection” –, Reid acreditou haver detectado dois vícios radicais na nova filosofia, que gradualmente a desencaminharam na direção de um ceticismo generalizado. Trata-se, por um lado, daquilo que Reid chamou de “teoria das idéias”, segundo a qual os únicos objetos imediatos da percepção são idéias – teoria que Reid atribuiu a Descartes, mas que teria sido adotada quase que invariavelmente por todos os modernos que o sucederam –; e, por outro lado, a tese, atribuída a Locke, de que “juízo e crença não são nada senão a percepção do acordo ou desacordo de nossas idéias”. Como se esperaria de um grande filósofo, Reid teceu essa crítica para apresentar uma teoria alternativa, capaz, segundo pensava, de recolocar a epistemologia nos trilhos de um robusto senso comum, cientificamente bem informado. No presente trabalho, examinam-se criticamente os aspectos principais do diagnóstico reideano dos males da epistemologia moderna, e em particular, da abordagem e teoria epistemológica de Hume. Procuro mostrar que existem problemas bem localizados, e por vezes sérios, na leitura reideana de Hume e dos modernos, de modo geral. Argumento que, apesar disso, o confronto entre o quadro que Reid traça de seus antecessores com a sua própria teoria epistemológica constitui material extremamente rico e instigante, de cuja exploração pode-se esperar uma melhor compreensão não somente da filosofia moderna como um todo, mas também das próprias questões epistemológicas e metafísicas que Reid situou no centro do debate, e que são de interesse perene para a filosofia. * Professor do Departamento de Filosofia, IFCH, Unicamp. chibeni@unicamp.br / www.unicamp.br/~chibeni

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 Stephanie Hamdan Zahreddine* O problema da justificação da resistência ao governo segundo David Hume A presente comunicação trata do problema da justificação da resistência ao governo segundo David Hume. Resistir ao governo, para Hume, equivale à cessação da obrigação à obediência civil. Esta cessação decorre da substituição da regra geral costumeira da obediência civil por sua exceção, que, como veremos ao longo do artigo, também é uma regra geral. Apesar de reconhecer o direito à resistência, Hume afirma que as leis e a filosofia não são capazes de estabelecer regras particulares pelas quais possamos saber, na prática, quando a resistência é justificada (Tratado da natureza humana, 3.2.10§16), o que sugere uma incompatibilidade entre o aspecto geral e teórico e o aspecto particular e histórico desta questão. Apresentaremos três possíveis soluções da tradição interpretativa para este problema - que denominamos soluções moral (Annette Baier), contextualista (Richard Dees e Jeremy Gallegos) e automática (Duncan Forbes) –, evidenciando que tais soluções não são capazes de trazer uma resposta definitiva ao problema. Feito isso, proporemos uma hipótese de leitura deste problema à luz do princípio humeano do costume, que, apesar de ser tradicionalmente explorado na epistemologia de Hume, também exerce papel significativo em sua filosofia política. Veremos que o costume atua, não somente na formação da regra geral costumeira da obediência civil, mas também na exceção desta regra geral, isto é, na resistência ao governo (Tratado, 3.2.9). Nesse sentido, a possibilidade de resistência justificada ao governo possui relação íntima com o costume, ou, em outras palavras, com o conflito de regras gerais costumeiras. Por fim, será possível constatar que nossa hipótese concilia e funde as três soluções da tradição interpretativa acima mencionadas, o que nos indica, mais uma vez, o papel crucial do costume nesta problemática. Palavras-chave: Hume; política; filosofia moderna; costume. * Doutoranda em Filosofia, UFMG. tefishamdan@yahoo.com.br

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 Susie Kovalczyk dos Santos* Do eu como feixe de percepções ao eu das paixões: Hume e a identidade pessoal no Tratado No Tratado da natureza humana David Hume (2009, p. 285-6 / T 1.4.6 (§5)) prescreve que “devemos distinguir a identidade pessoal enquanto diz respeito a nosso pensamento e imaginação, e enquanto diz respeito a nossas paixões ou ao interesse que temos por nós mesmos”. Enquanto o primeiro escopo é por ele abordado em seção específica no Livro I da obra em questão e pode ser sintetizado através da tese de que a atribuição de identidade sincrônica e diacrônica ao eu é imprópria e que o eu não passa de uma coleção ou feixe de percepções, a segunda delimitação é desenvolvida ao longo de todo o Livro II do Tratado, em meio a sua argumentação acerca das emoções, ou paixões, humanas. Uma vez tendo negado ser possível dispor de uma ideia de eu simples em um instante e contínua no transcorrer do tempo, devido à inexistência de qualquer impressão simples e duradoura para sustentá-la, é intrigante que, ao tratar das paixões indiretas, o autor reintroduza a noção de eu, desta vez como objeto do orgulho. Ademais, Hume (2009, p. 285 / T 1.4.6 (§4)) alega haver uma “propensão natural a imaginar essa simplicidade e identidade” do eu. Em que medida essa propensão deve-se não apenas à semelhança, à causalidade e à memória, como defendido no Livro I, mas também às emoções? Questiona-se ainda se há, como defende Rorty (2006), diferentes ideias de eu, uma pressuposta pelo orgulho e outra por este produzida, ou se Hume desenvolve diferentes aspectos de uma única ideia de eu em todo o Tratado, de modo que o eu como feixe de percepções é o mesmo implicado pela simpatia e produzido, enquanto objeto, pelo orgulho e pela humildade, como argumenta Carlson (2010). A fim de lançar luz sobre tais problemas e de compreender como o Livro II complementa os escritos humeanos acerca do eu no Livro I, o presente trabalho está organizado em dois momentos. Primeiramente será apresentado o viés humeano acerca do problema da identidade pessoal a partir da seção 6 da parte 4 do primeiro livro do Tratado, seguido pela apreciação das diferentes interpretações da noção de eu desenvolvida no Livro II. Palavras-chave: David Hume; eu; identidade pessoal; paixões. *Mestranda, UFSM. lczyk.susie@gmail.com

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 Wendel de Holanda Pereira Campelo* Hume mantém compromissos teóricos? Nossa comunicação busca examinar a leitura smithiana sobre a filosofia de Hume, especificamente, no que diz respeito à compreensão de que as nomeadas “crenças naturais” (eu, mundo externo, corpos e agência causal) possuem uma justificação prática, como é apresentada, pela primeira vez, em seu artigo The Naturalism of Hume [1905]. Tal entendimento da filosofia humeana evidentemente tem as seguintes implicações: se Hume só pode justificar crenças a partir de um “teste prático de validade humana” (SMITH, 1905, 152), então, ele não poderia ter realmente nenhum compromisso teórico com relação a saberes tais como, por exemplo, a filosofia da natureza e a matemática. Aliás, em seu artigo Kant’s Relation to Hume and to Leibniz [1915], Kemp Smith argumenta que estes saberes teóricos, para Hume, só poderiam estar justificados a partir de alguma finalidade prática: “Até mesmo as matemáticas e as ciências naturais terão de ser vistas como comprometidas a um fim prático, não como satisfazendo uma necessidade teórica” (SMITH, 1915, 220). O que podemos concluir que, caso Smith realmente estiver correto, há um evidente contrassenso no que Hume defende. Aliás, essas implicações são curiosas, pois Hume jamais duvidou abertamente do sucesso da física newtoniana e, com exceção da geometria, também não questionou profundamente a validade da matemática. Além disso, a leitura smithiana alude ao teor crítico, porém, em parte obscuro, das reflexões tecidas por Kant sobre Hume em sua primeira Crítica [1781-87] e em seu Prolegômenos [1783] acerca da noção de “necessidade causal”. No entanto, é preciso notar que, em sua obra The Philosophy of David Hume [1941], Kemp Smith não parece levar sua leitura adiante, mas, por outro lado, não apresenta nenhum argumento satisfatório que explique porque aparentemente a abandonou. Alternativamente à leitura smithiana, sustentamos que o relato de Hume, no Tratado e na primeira Investigação, sobre a “conexão necessária” pode nos oferecer algumas evidências que mostram como o problema colocado por Smith é, em verdade, uma falsa questão e que, no entanto, parece ter repercutido, em certo alcance, em outras leituras, como a de Popkin [1951] e a de Fogelin [1985]. A nosso ver, ao passo que no Tratado a reflexão humeana sobre a necessidade causal culmina em uma normatividade fundamentada a partir de uma mescla entre o seu empirismo e seu naturalismo, descrita na Seção 1.3.15 Regras pra se julgar sobre causa e efeito, na primeira Investigação, Hume avança alguns argumentos defendendo por que a filosofia natural é filosoficamente mais bem-sucedida em suas explicações causais do que as doutrinas metafísicas teológicas. Todos esses pontos servem-nos, afinal, para elucidar de que maneira Hume mantém seus compromissos teóricos inicialmente questionados pela leitura smithiana. Palavras-chave: naturalismo; empirismo; normatividade; necessidade causal. * Doutorando em filosofia, UFMG. wendel_filosofia@hotmail.com

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Programação V Encontro Hume (Local: Auditório do CFH- UFSC)

Dia 08 de abril – Quarta-feira 14:00 – Abertura. Jaimir Conte. (UFSC) Seção temática: Moral e Política (Coordenadora: Marília Côrtes de Ferraz) 14:30 – Giovani Mendonça Lunardi. Sentimentos e consciência moral: a visão humeana de Annette Baier. 15:00 – Marcos Ribeiro Balieiro. Filosofia e vida comum na epistemologia de Hume. 15:30 – Hugo Estevam Moraes de Sousa. O problema da indução e a crítica de Hume ao argumento do desígnio. 16.00 – Intervalo 16:30 – Delamar Volpato Dutra. Sobre autoridade e obediência [allegiance] em Hume. 17:00 – Stephanie Hamdan Zahreddine. O problema da justificação da resistência ao governo segundo David Hume. 17:30 – Rodrigo Violante Spagnol. Opinião & ideologia na crítica humeana ao contrato original. 18:00 – Intervalo 19:00 – Palestra: Maria Isabel Limongi (UFPR). A História da Inglaterra e o debate constitucional inglês: Hume contra a ideia de lei fundamental. 20:20 – Palestra: Marconi José Pimentel Pequeno (UFPB). Paixões e senso moral em David Hume.

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Dia 09 de abril – Quinta-feira Seção temática: Epistemologia (Coordenador: Flávio Zimmermann) 08:00 – Carlos Eduardo Moreno Pires. Uma possível inversão kantiana da tese humeana da inércia da razão. 08:30 – Rafael Bittencourt Santos. Hume e o princípio fundamental da filosofia moderna. 09:00 – Hugo Macedo Arruda. Descrição, participação, experiência: a ‘distinção de razão’ no Tratado de Hume. 09:30 – Ítalo Lins Lemos. David Hume e o status epistêmico positivo das crenças formadas pela imaginação. 10.00 – Intervalo Seção: Estética e Filosofia Moral (Coordenadora: Andrea Cachel) 10:30 – Rafael Adolfo. Ensaio de um diálogo entre Hume e Aristóteles: a eloquência das paixões. 11:00 – Erisson José da Silva. A natureza das paixões no segundo livro do Tratado da natureza humana. 11:30 – Susie Kovalczyk dos Santos. Do eu como feixe de percepções ao eu das paixões: Hume e a identidade pessoal no Tratado. 12:00 – Franco Nero Antunes Soares. O movimento razão-crença na interpretação da teoria da motivação de Hume. 12.30 – Intervalo Seção: Epistemologia. (Coordenador: Jaimir Conte) 14:00 – Wendel de Holanda Pereira Campelo. Hume mantém compromissos teóricos? 14:30 – Claudiney José de Sousa. “Equilíbrio” e “estabilidade” epistêmica na filosofia de David Hume: uma crítica à interpretação de Norman Kemp Smith. 15:00 – Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann. Hume: um cético moderno. 15:30 – Evandro Oliveira de Brito. Franz Brentano leitor de David Hume: causalidade e intencionalidade como aspectos do mesmo problema. 16.00 – Intervalo Seção: Epistemologia e História da Filosofia. (Coordenador: André Luiz Olivier da Silva) 16:30 – Bruna Frascolla Bloise. A conexão necessária entre Hume e Malebranche. 17:00 – Andrea Cachel. Imaginação em Hobbes e Hume: cadeias mentais reguladas e virtudes intelectuais. 17:30 – Fernão de Oliveira Salles dos Santos Cruz. Hume e o problema da dupla existência. 18:00 – Marcos César Seneda. Da imaterialidade da alma: a desconstrução mais incisiva de Hume de um pressuposto metafísico. 18:30 – Intervalo 19:00 – Palestra: Silvio Seno Chibeni (UNICAMP). Algumas observações sobre as críticas de Reid a Hume. 20:20 – Palestra: André Nilo Klaudat (UFRGS). Paixões e Identidade Pessoal em Hume.

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Dia 10 de abril – Sexta-feira Seção temática : Filosofia Moral e Política (Coordenador: André Sabino) 08:00 – Lilian Piraine Laranja. O sentido da crença. 08:30 – Denize Carolina da Cunha – A Simpatia como fonte da aprovação moral da justiça. 09:00 – Pedro Vianna da Costa e Faria – As paixões do trabalho e o surgimento dos costumes da sociedade comercial. 09:30 – Leandro Hollanda. Realismo-ontológico e antirrealismo-epistemológico na problemática sobre o mundo externo em Hume. 10.00 – Intervalo Seção: Epistemologia (Coordenador: Ítalo Lins Lemos) 10:30 – Renato Mendes Rocha. Sobreveniência neo-humeana. 11:00 – Allysson Vasconcelos Lima Rocha. Hume e as perspectivas da Investigação. 11:30 – Roberto Azar & Bruno Borge. Consecuencias de las interpretaciones actuales de la metafísica humeana en el debate sobre las leyes de naturaleza. 12:00 – Luiz Helvécio Marques Segundo. O novo enigma da indução contra a defesa fiabilista da indução. 12.30 – Intervalo Seção temática: Filosofia Moral e Política (Coordenador: Marcos Balieiro) 13:30 – Andreh Sabino Ribeiro. Virtudes sociais e refinamento na filosofia moral de David Hume. 14:00 – Marília Côrtes de Ferraz. Filosofia e felicidade em O Cético de Hume. 14:30 – André Luiz Olivier da Silva. Hume e a vivacidade das crenças morais. 15:00 – Intervalo 15:30 – Palestra: Prof. Dr. Juan Adolfo Bonaccini (UFPE). Hume’s “a priori argument” against miracles? 16:40 – Palestra: Profa. Dra. Lívia Guimarães (UFMG). Hume Iluminista Sentimental.

19:30 – Reunião para discussão da proposta de criação do GT Hume Local a ser definido durante o evento.

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