Da Diáspora

Page 84

contrario nao poderiamos identifica-las como pertencentes ao rnesmo fenomeno social. Mas ao dizermos isso, apenas expressamos algo sobre a lingua em um nivel muito geral de abstrafao; o nivel da "linguagem em geral". Este e apenas o imcio da investigate. O problema teorico mais relevante a se pensar e a especificidade e a diferenca das linguas; examinar, em analises concretas, as muitas determinacoes das formacoes linguisticas ou culturais que as diferenciam umas das outras. Um dos mais profundos insights criticos de Marx, uma de suas proposicoes epistemologicas mais negligenciadas, que ate mesmo Althusser interpreta um tanto incorretamente, e a de que o pensamento critico se afasta da abstracao para o nivel do concreto-pensado, o qual resulta de muitas determinacoes (ver Hall: "Notas sobre a 'Introducao de 1857'", 1974). Entretanto, devo acrescentar imediatamente que Althusser nos permite pensar a "diferenca" de uma forma especial e um tanto distinta das tradicoes subseqiient.es, que as vezes o reconhecem como seu criador. Se considerarmos a teoria do discurso,1 por exemplo — o pos-estruturalismo ou Foucault — veremos que ali, nao apenas o deslocamento da pratica para o discurso, mas tambem a forma como a enfase sobre a diferenca — sobre a pluralidade dos discursos, sobre o perpetuo resvalar do significado, sobre o infinite deslizamento do significante — ultrapassa hoje o ponto onde ela e capaz de teorizar as irregularidades necessarias de uma unidade complexa ou mesmo a "unidade na diferenca" de uma estrutura complexa. Creio que por esse motivo, sempre que Foucault se ve diante do risco de associar as coisas (tais como os muitos deslocamentos epistemologicos tracados por ele, os quais fortuitamente coincident! com a passagem do ancien regime para o moderno na Franca), ele se apressa em nos garantir que nada jamais se encaixa a coisa alguma. A enfase sempre recai sobre o continue resvalamento de qualquer conjuntura concebfvel. Creio que nao ha outra forma de compreender o eloqiiente silencio de Foucault sobre a questao do Estado. Naturalmente, ele diria que sabe que o Estado existe: que intelectual frances nao o sabe? Mesmo assim, ele consegue apenas postula-lo como um espaco abstrato e vazio — o Estado como gulag — o outro ausente/presente 162

de uma nocao igualmente abstrata da Resist^ncia. Seu protocolo revela "nao apenas o Estado, mas tambem as microfisicas dispersas do poder"; sua pratica privilegia continuamente este ultimo e ignora a existencia do poder de estado. E claro que Foucault (1972/1980) esta correto ao afirmar que muitos marxistas concebem o Estado como um tipo de objeto unico; isto e, simplesmente como a vontade unificada do comite da Classe Dominante, seja la onde for que ele esteja se reunindo hoje. Desta concepcao deriva o necessario "emparelhamento" de tudo. Concordo que nao se pode mais pensar o Estado desta forma. O Estado e uma formacao contraditoria, o que signifies que ele possui distintos modos de acao, atua em diferentes locais: e pluricentrado e multidimensional. Exibe tenddncias bem distintas e dominantes, mas nao apresenta a inscricao de um carater de classe unico. Por outro lado, o Estado continua a ser um dos locais cruciais na formaclo social do capitalismo moderno, onde praticas politicas de diversos tipos sao condensadas. Em parte, a funcao do Estado consiste em unir ou articular em uma instancia complexa uma gama de discursos politicos e praticas sociais que, em diferentes locais, se ocupam da transmissao e transformacao do poder — sendo que algumas dessas praticas tern pouca relacao com o dommio politico em si e se preocupam com outros dominios articulados ao Estado, como por exemplo, a vida familiar, a sociedade civil, as relacoes economicas e de genero. O Estado e a instancia de atuacao de uma condensacao que permite a transformacao daquele ponto de intersecao das praticas distintas em uma pratica sistematica de regulacao, de regra e norma, e de normalizacao dentro da sociedade. O Estado condensa praticas sociais muito distintas e as transforma em operacoes de controle e dommio sobre classes especificas e outros grupos sociais. A maneira de chegar a essa concepcao e nao substituir a diferenfa pelo seu oposto especular, a unidade, mas repensar ambas em termos de um novo conceito — a articulacao.2 E este justamente o passo que Foucault se recusa a dar. Portanto, devemos caracterizar o avanco de Althusser nao apenas em termos de sua insistencia na "diferenca" — este e o grito de guerra da desconstrucao derridiana — mas em termos da necessidade de se pensar a unidade com a diferenga; 163


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.