Da Diáspora

Page 219

os outros. Os marxistas negros buscavam o proletariado da Jamaica, mas nao havia industrias pesadas na Jamaica; eles nao estavam atentando para o impulso cultural revolucionario dos negros nacionalistas, os Rastafaris, que estavam desenvolvendo uma linguagem cultural mais persuasiva ou subjetiva. Mas essencialmente, nunca tentei exercer qualquer papel politico maior. Em parte porque a ruptura na politica la — a revolucao cultural que transformou a Jamaica em uma sociedade "negra" pela primeira vez nos anos 70 — coincidiu com uma ruptura em minha propria vida. Eu teria retornado para tentar desempenhar um papel la, se a Federacao Caribenha tivesse durado. O sonho acabou no momento em que, nos anos 50, decidi ficar e iniciar uma "conversacao" com o que se tornou a Nova Esquerda. A possibilidade de ter um cenario no qual eu poderia atuar politicamente no Caribe se fechou no exato momento em que encontrei um novo espaco politico aqui. Depois disso, uma vez que eu decidira viver aqui e nao la, uma vez que Catherine e eu nos casamos, a possibilidade do retorno ficou mais dificil. Catherine era uma historiadora social inglesa, uma feminista; sua politica estava aqui. Paradoxalmente, ela esta agora trabalhando com a Jamaica e a relacao imperial, e agora conhece mais a historia jamaicana do que eu, e adora estar la. Mas nos anos 60, era muito dificil para uma feminista britanica branca nao se sentir uma forasteira, em relacao a politica jamaicana. Minha "re-conexao" com o Caribe aconteceu por causa da formacao de uma populacao negra diasporica aqui. Comecei a escrever sobre isso de novo num contexto de estudos sobre etnicidade e racismo feitos para a UNESCO. Depois eu escrevi sobre isso em Policing the Crisis9 focalizando a raca e o racismo e sua relacao com a crise da sociedade britanica, e agora escrevo mais em termos de identidades culturais. Kuan-Hsing Chen: Entao a diaspora e definida pelas conjunturas historicas pessoais e estruturais e a energia criativa e o poder da diaspora vem, em parte, dessas tensoes nao resolvidas? Stuart Hall: Sim, mas e muito especifico e nunca perde sua especificidade. Esta e a razao porque o modo como tento pensar as questoes da identidade e um pouco diferente do pos-modernismo "nomade". Acho que a identidade cultural 432

nao e fixa, e sempre hibrida. Mas e justamente por resultar de formacoes historicas especificas, de historias e repertories culturais de enunciacao muito especificos,' que ela pode constituir um "posicionamento", ao qual nos podemos chamar provisoriamente de identidade. Isto nao e qualquer coisa. Portanto, cada uma dessas historias de identidade esta inscrita nas posicoes que assumimos e com as quais nos identiflcamos. Temos que viver esse conjunto de posicoes de identidade com todas as suas especificidades. [MORLEY, David; CHEN, Kuan-Hsing (Org.). Stuart Hall: Dialogues in Cultural Studies. London: Routledge, 1996. Traducao de Adelaine La Guardia Resende.]

NOTAS 1 Sobre o trabalho de Stuart Hall com a raca e a etnicidade, ver, [entre outros]: A relevancia de Gramsci para o esludo da raca e etnicidade (neste volume); Minimal selves. ICA Document, n. 6, 1967; ICA Document, n. 7, 1968; Ethnicity: Identity and Difference, Radical America, n. 23, v. 4, 1989; Identidade cultural e diaspora. Revista do Patrimonio Historico e Artistico National, n. 24, 1996, p. 68-76; The Local and the Global: Globalization and Ethnicity e Old and New Identities, Old and New Ethnicities. In: KING, Anthony D. (Ed.). Culture, Globalization and the World-system, London: Macmillan, 1991; BAILEY, David A.; HALL, Stuart (Ed.). Critical Decade: Black British Photography in the 80s. Ten 8 2(3); Que "negro" e esse na cultura negra?, neste volume; Identidade cultural na pos-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 2

GILROY, Paul. The Black Atlantic. Cambridge, MA: Harvard UP, 1993. [O Atldntico Negro: modernidade e dupla consciencia. Sao Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2001] 3

BAKHTIN, Mikhail. The Dialogic Imagination. Austin: University of Texas Press, 1981. 4

HALL, Stuart. The "First" New Left: Life and Times. Grupo de Discussao Socialista da Universidade de Oxford, Out of Apathy. Voices of the New Left 30 Years on. London: Verso, 1989. 5

WILLIAMS, Raymond. Culture and Society. 1780-1950. London: Penguin, 1958. [Cultura e sociedade: 1780-1950. Sao Paulo: Nacional, 19691.

6

HOGGART, Richard. The Uses of Literacy. London: Penguin, 1958. [As utilizacoesda cultura. Lisboa: Presenca, 19731433


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.