Da Diáspora

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tudo bem, nos todos teriamos lutado ate a morte contra isso. Mas eu nao podia lutar contra minhas alunas feministas. Outra forma de pensar essa contradicao seria ve-la como uma contradicao entre teoria e pratica. A gente pode apoiar uma pratica, mas e muito diferente de ter uma feminista de verdade na sua frente dizendo: "Vamos tirar o Raymond Williams do programa do mestrado e colocar a Julia Kristeva em seu lugar." Viver a politica e diferente de ser abstratamente a favor dela. As feministas me deram um xeque-mate; eu nao poderia me conciliar com isso, trabalhando no Centro. Nao foi nada pessoal. Sou amigo de muitas das feministas daquele periodo. Foi uma coisa estrutural. Eu nao poderia produzir nada de util no Centro, ocupando aquela posicao. Era hora de partir. Nos primeiros tempos no Centro, nos eramos como a "universidade alternativa". Havia pouca distancia entre alunos e funcionarios. O que vi surgir foi o distanciamento entre as geracoes, entre status — professores e alunos — e eu nao queria isso. Preferia estar em um lugar mais tradicional, se tivesse que assumir a responsabilidade de ser professor. Eu nao agiientava mais viver parte do meu tempo sendo professor delas, sendo pai delas, sendo odiado por ser pai delas, e ter a imagem de um homem antifeminista. Era uma politica insuportavel de vivenciar. Queria partir por todas essas razoes. A questao era: ir embora para fazer o que? Nao havia outro departamento de estudos culturais. Eu nao queria ir para^utro lugar para ser d]g£e-de-um^epaJtamento^de^j3j:lQjog^ Ai surgiu a chance na Open University. Eu ja trabalhara com a Open University. Catherine tinha lecionado la desde o inicio. Pensei: a Open University era uma opcao mais factivel. Num ambiente mais aberto, interdisciplinar e nao convencional, algumas das aspiracoes da minha geracao talvez fossem realizaveis — conversar com pessoas comuns, com alunos mulheres e negros num ambiente nao academico. Isso atendia a algumas das minhas aspiracoes politicas. Por outro lado, pensei, era uma boa oportunidade para levar ao nivel popular o paradigma mais elevado dos estudos culturais, gerado na^estufa. daj^balhpjde_ pos-graduacJ.o^do._C£ntro, porque os cursos da Open University eram acessiveis aos que nao possuiam 430

uma formacao academica. Para que as ideias dos estudos culturais se tornassem vivas para eles, era precise traduzi-las, se dispor a escrever naquele nivel mais popular e acessivel. Eu queria que os estudos culturais fossem abertos a esse tipo de desafio. Eu nao via porque nao poderiam "viver", como uma pedagogia mais popular. O Centro era uma estufa intelectual: os alunos mais brilhantes faziam ali seus doutorados. Eles aspiravam a se ligar, como intelectuais organicos, a um movimento maior, mas eles mesmos estavam no apice de um sistema de educacao muito seletivo. A Open University era diferente. A questao era: "Os estudos culturais podem ser realizados ali?" Kuan-Hsing Chen: Voltando a questao da diaspora, alguns dos intelectuais diasporicos que eu conheco exercitaram seu poder, para melhor ou pior, em seus proprios paises, mas voce nao. E alguns deles estao tentando voltar, de qualquer maneira. Neste sentido, voce e muito diferente. Stuart Hall. Sim. Mas lembre-se: a diaspora veio ate mini. Acabei participando da primeira onda de diaspora por aqui. Quando vim para a Gra-Bretanha, os unicos negros aqui eram estudantes e todos eles queriam voltar para seus paises depois da faculdade. Aos poucos, durante minha pos-graduacao e o inicio da Nova Esquerda, uma populacao negra trabalhadora se fixou aqui e essa se tornou a diaspora de uma diaspora. O Caribe ja e a diaspora da Africa, da Europa, da China, da Asia e da India, e essa diaspora se re-diasporizou aqui. Isso explica porque a maior parte do meu trabalho recente nao se volta somente para o pos-colonial, mas tern a ver com os fotografos negros, os negros que fazem filmes, com os negros no teatro, com a terceira geracao negra britanica. Kuan-Hsing Chen: Mas voce nunca tentou exercer seu poder intelectual em seu pais. Stuart Hall: Houve momentos em que intervim em minha terra de origem. Num certo ponto, antes de 1968, eu estava engajado em um dialogo com pessoas que eu conhecia daquela geracao, principalmente para tentar resolver diferencas entre grupos de marxistas negros e uma tendencia nacionalista negra. Eu disse, voces precisam dialogar uns com 431


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