Da Diáspora

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Alem do mais, tendemos a privilegiar a experiencia enquanto tal como se a vida negra fosse uma experiencia vivida fora da representacao. So precisamos, parece, expressar o que ja sabemos que somos. Em vez disso, e somente pelo modo no qual representamos e imaginamos a nos mesmos que chegamos a saber como nos constituimos e quern somos. Nao ha como escapar de politicas de representacao, e nao podemos lidar com a ideia de "como a vida realmente 6 la fora" como uma especie de teste para medir o acerto ou o erro politico de uma dada estrategia ou texto cultural. E nao sera surpresa para voces que eu considere que "negro" nao e, na realidade, nenhuma dessas coisas. Nao e uma categoria de essencia. Portanto, essa maneira de compreender o significante flutuante na cultura popular negra e hoje, consequentemente, insatisfatoria. Existe, e claro, um conjunto de experiencias negras historicamente distintas que contribuem para os repertories alternatives que mencionei anteriormente. Mas e" para a diversidade e nao para a homogeneidade da experiencia negra que devemos dirigir integralmente a nossa atencao criativa agora. Nao e somente para apreciar as diferencas historicas e experienciais dentro de, e entre, comunidades, regioes, campo e cidade, nas culturas nacionais e entre as diasporas, mas tambem reconhecer outros tipos de diferenca que localizam, situam e posicionam o povo negro. A questao nao e simplesmente que, visto que nossas diferencas raciais nao nos constituem inteirarnente, somos sempre diferentes e estamos sempre negociando diferentes tipos de differences — de genero, sexualidade, classe. Trata-se tambem do fato de que esses antagonismos se recusam a ser alinhados; simplesmente nao se reduzem um ao outro, se recusam a se aglutinar em torno de um eixo unico de diferenciagao. Estamos constantemente em negociac;ao, nao com um unico conjunto de oposJ96es que nos situe sempre na mesma relagao com os outros, mas com uma serie de posifoes diferentes. Cada uma delas tern para nos o seu ponto de profunda identificae.ao subjetiva. Essa e a questao mais dificil da proliferacao no campo das identidades e antagonismos: elas freqiientemente se deslocam entre si. Assim, colocado de maneira direta, certas formas pelas quais os homens negros continuam a viver suas contra-identidades 346

enquanto masculinidades negras e reapresentam fantasias de masculinidades negras nos teatros da cultura popular sao, quando vistas a partir de outros eixos de diferenga, as mesmas identidades masculinas que sao opressivas para as mulheres e que reivindicam visibilidade para a sua dureza as custas da vulnerabilidade das mulheres negras e da feminizacjio dos homossexuais negros. O modo como politicas transgressoras sao, em um dominio, constantemente suturadas e estabilizadas pelas politicas reacionarias ou nao examinadas em outro dominio s6 pode ser explicado por este continue deslocamento-cru/ado de uma identidade por outra, de uma estrutura por outra. Etnicidades dominantes sao sempre sustentadas por uma economia sexual especifica, uma figuracao especifica de masculinidade, uma identidade especifica de classe. Nao existe garantia, quando procuramos uma identidade racial essencializada da qual pensamos estar seguros, de que esta sempre sera mutuamente Hbertadora e progressista em todas as outras dimensoes. Entretanto, existe sim uma politica pela qual vale lutar. Mas a invocagao de uma experiencia negra garantida por tras dela nao produzira essa politica. De fato nao e nada surpreendente a pluralidade de antagonismos e diferencas que hoje procuram destruir a unidade da politica negra, dadas as complexidades das estruturas de subordinate que moldaram a forma como nos fomos inseridos na diaspora negra. Estes sao os pensarnentos que me impulsionaram a falar, em um momento de espontaneidade, do fim da inocencia do sujeito negro ou do fim da noc.ao ingenua de um sujeito negro essencial. Quero simplesmente concluir lembrando a voces que esse fim e tambem um comedo. Como Isaac Julien disse, em uma entrevista com bell hooks, sobre o seu novo filme Young Soul Rebels, a respeito da tentativa, em seu proprio trabalho, de retratar uma serie de corpos raciais diferentes, para constituir uma gama de diferentes subjetividades negras e de se engajar com as posicoes de uma serie de diferentes tipos de masculinidades negras: A negritude enquanto signo nunca e suficiente. O que aquele sujeito negro faz, como ele age, como pensa politicamente... o ser negro realmente nao me basta: eu quero conhecer as suas politicas culturais.6 347


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