Da Diáspora

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Este ultimo e o conceito a que o proprio Gramsci se referia. E isso que ele quis dizer ao afirmar que o relacionamento entre "estrutura" e "superestruturas", ou a "passagem" de qualquer movimento historico organico por toda a formacao social, desde a "base" economica ate a esfera das relacdes eticopoliticas, situava-se no amago de qualquer analise nao-reducionista ou economicista. Propor e resolver essa questao era conduzir uma analise propriamente fundada sobre a compreensao dos relacionamentos complexos de sobredeterminacao entre as distintas praticas sociais de qualquer formacao social. E este protocolo que Gramsci seguiu quando, em "O principe moderno", esbocou sua forma caracteristica de "analisar situacoes". Os detalhes sao complexos e suas sutilezas nao podem ser preenchidas aqui, mas vale a pena estabelecer os contornos gerais, mesmo que para propiciar uma comparagao com uma abordagem mais "economicista" ou reducionista. Ele considerou esta uma "exposicao elementar da ciencia e da arte politica — compreendida como um corpo de regras praticas de pesquisa e de observances detalhadas, que servem para despertar o interesse na realidade efetiva e para estimular discernimentos politicos mais rigorosos e vigorosos" — uma discussao, acrescentava ele, que deve ter um carater estrategico Primeiramente, argumentava ele, deve-se compreender a estrutura fundamental — as relacoes objetivas — dentro da sociedade ou "o grau de desenvolvimento das forcas produtivas", pois estas estabelecem as condicoes e os limites mais basicos para toda a forma de desenvolvimento historico. Daqui emergem algumas das principals tendencias que podem ser favoraveis a esta ou aquela linha de desenvolvimento. O erro do reducionismo e entao traduzir essas tendencias e limites imediatamente em termos de efeitos politicos e ideologicos absolutamente determinados; ou, entao, abstrai-los em termos de alguma "lei ferrea da necessidade". De fato, eles traduzem e determinam apenas na medida em que definem o terreno sobre o qual as forcas historicas se movem — eles definem o horizonte de possibilidades. Mas nao podem, nem em primeira nem em ultima instancia, determinar inteiramente o conteudo das lutas politicas e economicas, muito menos fixar objetivamente ou garantir os resultados dessas lutas. 308

O proximo passo na analise e distinguir entre os movimentos historicos "organicos", destinados a penetrar a sociedade profundamente e ter uma longa duracao, e os "movimentos mais ocasionais, imediatos, quase acidentais". Sobre isso, Gramsci nos lembra que a "crise", se for organica, pode durar decadas. Nao e um fenomeno estatico, mas e algo marcado por constantes movimentos, polemicas, contestacoes etc. que representam uma tentativa, empreendida por diversos lados, de superar ou resolver a crise e faze-lo em termos que favorecam sua hegemonia a longo prazo. O risco teorico, Gramsci afirma, esta em "apresentar causas como algo que opera imediatamente, quando de fato so operam indiretamente, ou em afirmar que as causas imediatas sao as unicas eficazes". O primeiro leva a um excesso de economismo; o segundo a um excesso de ideologismo. (Gramsci preocupava-se, especialmente nos momentos de derrota, com a oscilacao fatal entre esses dois extremos, que na realidade sao a imagem invertida um do outro). Longe de haver qualquer garantia de que alguma lei da necessidade inevitavelmente convertera as causas economicas em efeitos politicos imediatos, Gramsci insistia que a analise so prospera e se torna "verdadeira" se essas causas subjacentes se tornarem uma nova realidade. A substituicao de um tempo condicional por uma certeza positivista e crucial. Em seguida, Gramsci insistia no fato de que a duracao e a complexidade das crises nao podem ser mecanicamente previstas, mas que estas se desenvolvem por periodos historicos mais longos; movem-se entre periodos de relativa "estabilidade" e periodos de mudanca rapida e convulsiva. Consequentemente, a periodiza$ao se torna um aspecto-chave da analise. Ela se compara a preocupa^ao anterior com a especificidade historica. "E precisamente o estudo desses 'intervales' variados de freqiiencia que nos possibilita reconstruir as relacoes, por um lado, entre a estrutura e a superestrutura e, por outro, entre o desenvolvimento de um movimento organico e o movimento conjuntural em uma estrutura." Nao ha nada de mecanico ou prescritivo, para Gramsci, nesse "estudo". Havendo estabelecido dessa forma a base de uma estrutura dinamica de analise historica, Gramsci volta-se para a analise dos movimentos das forcas historicas — as "relacoes de 309


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