Da Diáspora

Page 122

que ja quase se tornou banal. Este e certamente o destine a que chegou a distincao do alto/baixo no debate sobre a cultura. Colin McCabe, por exemplo, esta correto em seu ensaio "Definindo a cultura popular" quando chama a atencao para a importancia das "formas complexas pelas quais as tradicoes e as tecnologias se combinam para produzir publicos" e quando argumenta que "a figuracao de diferentes publicos" recorta radicalmente ou desorganiza as posicoes dos campeoes da arte culta e da cultura popular igualmente.32 Ele tern razao quando observa como a ideia do "nacional popular" de Gramsci, que tanto contribuiu para o debate sobre o "popular" nos anos 70, transcende as formas de leitura da cultura do tipo classe-contra-classe, as quais, diz ele, enfraqueceram a esquerda europeia. E pode ter razao ainda quando afirma que, mesmo assim, Gramsci estaria de certa forma aprisionado a teoria hegeliano-marxista da cultura da qual tentava escapar. McCabe talvez esteja correto ainda ao descartar a alternativa (que eu apresentei em "Notas sobre a desconstrucao do 'popular'") de que, na sua opiniao, "o social e teorizado como terrenos sobrepostos de luta e a cultura popular e considerada simplesmente como uma forma de especificar £reas de resistencia as formas ideologicas dominantes".33 Afirma o autor que, assim, "nao importa quantos milhoes de mediacoes existam", reproduz-se a propria fraqueza da posicao que se tenta reparar.3^ A unica alternativa, ao que parece, e abandona-la. "O que me parece positive no comprometimento com a cultura popular", argumenta ele, "e o elemento destinado a romper com toda e qualquer formulacao que dependa de distincoes do tipo alto/baixo, elite/massa".35 John Caughie, que adiciona ao argumento de McCabe consideracoes relevantes como "a discriminate do prazer e uma compreensao dos complexos maquinas de desejo envolvidos na circulacao do popular", chega a mesma conclusao em um ensaio posterior no mesmo volume.36 Pode-se responder apenas que depende do que se quer dizer por abandona-la. Coloca-la "sob rasura", como diria Derrida, sim. Abandona-la completamente, nao. Certamente, a distincao alto/baixo nao e — nem nunca foi — convincente nos ternios naturalistas e transistoricos pelos quais foi introduzida. Mas se a proposicao for de que, ao "abandona-la", 238

transcendemos o problema ao qual ela se referia — a persistente tendencia de que falam Stallybrass e White exibida pela cultura europeia de mapear "o corpo humano, as formas psiquicas, o espaco geografico e a formacao social ... dentro de hierarquias interdependentes e inter-relacionadas de alto e baixo" — entao, deve-se duvidar dessa estrategia. Stallybrass e White, de qualquer forma, nao tendem para esse lado. Consideram, em vez disso, os processes de ordenacao e classificae.ao que os eixos alto e baixo representam como processes culturais fundamentals, essenciais dentro da cultura europeia para a constituicao da identidade de qualquer dominio cultural. Os conceitos de ambivalencia, hibridismo, interdependencia que, conforme argumentamos, comecaram a perturbar e transgredir a estabilidade do ordenamento hierarquico binario do campo cultural em alto e baixo, nao destroem aforca operational doprincipio hierarquico da cultura, nao mais, pode-se dizer, que o fato de a "raca" nao ser uma categoria cientifica valida que "de forma alguma enfraquece sua eficacia simbolica e social".37 O alto e o baixo podem nao ter o status canonico que se reclama para eles; mas eles continuam sendo fundamentais a organizacao e regulacao das praticas culturais. "Desloca-los" nao significa abandona-los, mas mudar o foco da atencao teorica das categorias "em si mesmas", enquanto repositories de valor cultural, para o proprio processo de classificacao cultural. Este se revela necessariamente arbitrdrio — como uma tentativa trans-codificada de um dominio ao outro, de fixar, estabilizar e regular uma "cultura" em uma ordem hierarquica ascendente, utilizando toda a forca metaforica "de cima" e "de baixo". A classificacao dos dommios culturais em distincoes aparentemente transcendentais e auto-suficientes de alto e baixo e revelada, pela operacao do carnavalesco e pelas transgressoes do prazer, do jogo e do desejo, como um exercicio de regulacao cultural destinado a transformar as praticas culturais em umaformafao que possa, entao, ser mantida em uma forma binaria pelas estrategias do poder cultural. O fato de que o campo cultural nao pode ser estabilizado dessa forma nao impede o exercicio de se tentar construir fronteiras novamente em outro lugar, uma outra vez. As praticas culturais nao se situam fora do jogo do poder. Uma das formas pelas quais o poder opera na esfera aparentemente 239


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.