Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 | revista Fugas [Público]

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

Lazer

18 • Sábado 14 Janeiro 2012 • Fugas

A Igreja e o Largo d


argo da Oliveira são um dos postais da cidade

O turista tradicional é “despejado” pelo autocarro na colina do castelo e do Paço dos Duques de Bragança, aconselhado a descer a Rua de Santa Maria até à Praça de Santiago e ao centro histórico, e depois recolhido no Largo do Toural para regressar ao seu destino. Não podendo esquecer este roteiro, uma visita ao património histórico e arquitectónico de Guimarães, que no próximo sábado é investida Capital Europeia da Cultura, não deve ficar por aqui. É isso que Sérgio C. Andrade (texto) e Nelson Garrido (fotos) explicam, guiados pelos arquitectos Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues

Dez séculos de arquitectura(s) aos nossos pés “Ad vos homines qui venistis populare in Vimaranes et ad illos qui ibi habitare volerint”. Ler uma inscrição assim em latim, e emoldurada em calçada portuguesa, aos nossos pés acrescenta alguma patine e dá até uma certa solenidade ao passeio que podemos fazer no centro urbano de Guimarães, Património da Humanidade. É também uma forma diferente de viajar no tempo, em plena Praça de Santiago. Ficaremos depois a saber, pela tradução desta frase roubada ao foral do Conde D. Henrique que deu origem à povoação (1096) — “A vós homens que viestes povoar em Guimarães e àqueles que aqui quiserem habitar” —, que a mensagem não nos é dirigida tanto a nós, visitantes ou turistas acidentais, mas aos habitantes desta terra, de quem se diz que não são cidadãos iguais aos outros. Não foi ao acaso que o arquitecto Fernando Távora (1923-2005), com raízes familiares vimaranenses, decidiu inscrever esta frase numa das praças do centro da cidade de cujo restauro se ocupou desde que, em 1980, elaborou o Plano Geral de Urbanização de Guimarães. A sua preocupação principal, e a da equipa do Gabinete Técnico Local (GTL) constituído pela câmara em 1983, foi servir, em primeiro lugar, os habitantes do centro histórico. “O nosso programa teve como princípio ordenador não expulsar ninguém das suas casas; simultaneamente tivemos o cuidado de refazer o antigo sem deitar nada fora”, explica a arquitecta Alexandra Gesta, vereadora da autarquia e responsável, desde o início, pelo projecto de requalificação urbana do centro histórico. Quem chega a Guimarães e percorre as suas ruas estreitas e praças aconchegadas constata que

esse programa foi concretizado com sucesso. A roupa a secar nas varandas floridas, as mulheres às janelas conversando com os vizinhos, as crianças a jogar à bola na rua, as bancas às portas das mercearias, as pessoas cumprimentando quem passa, mostram que estamos perante gente da terra. E que se distingue facilmente dos habitantes que, desde o século XVIII, fizeram crescer a cidade para fora das muralhas que delimitam o núcleo classificado pela UNESCO em 2001. A pulsão humana no centro histórico é um motivo acrescido para uma visita a esta cidade onde os portugueses normalmente se deslocam para viajar no tempo e participar desse lugar mítico que esteve na origem da nacionalidade. Mas se um passeio por Guimarães não pode prescindir do circuito entre o castelo e o Paço dos Duques de Bragança, seguido da descida até à Praça de Santiago e à Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, ele pode (e deve) ir além desse roteiro turístico convencional. E prestar atenção não só a outros sítios como a detalhes menos óbvios nos edifícios mais conhecidos, tanto do património histórico como da arquitectura contemporânea. Para fazer este percurso, a Fugas contou com a ajuda de dois guias com um conhecimento especial da terra: os arquitectos Alexandre Gesta e Ricardo Rodrigues (também membro da equipa do GTL). A ordem deste roteiro em dez etapas é arbitrária e adaptável aos interesses (e à disponibilidade de tempo) do visitante, que tanto pode demorar um dia inteiro, como fazêlo em escassas horas. Mas deve ser feito a pé — pois é a pé, e devagar, que se vê longe.

1. Monte e santuário da Penha Ver Guimarães de longe é um bom ponto de partida para esta visita guiada. Ao monte e santuário da Penha, na encosta nascente da cidade, chega-se de automóvel, de bicicleta, a pé e também de teleférico (demora pouco mais de dez minutos a fazer este percurso paisagístico de quase dois quilómetros). Lá em cima, comece-se por subir ao miradouro mais alto, encimado pela estátua do papa Pio IX. “Daqui vemos de que é feita esta terra, que não

é uma cidade como as outras também do ponto de vista da ordenação urbanística; não é uma cidade canónica, como Braga, por exemplo”, começa por dizer Alexandra Gesta, chamando a atenção para a leitura que daqui se pode fazer do núcleo central e da sua relação com as linhas de água e a envolvente verde, mas também com as novas faixas de crescimento urbanístico. Mas é o santuário projectado por José Marques da Silva (1869-1947) a principal atracção arquitectónica deste lugar também marcado pela profusão de megalitos e grutas. O arquitecto portuense (Estação de São Bento e Teatro São João) desenhou o templo em 1930 (as obras começaram no ano seguinte e só acabaram em 1947), um edifício que é “uma profissão de fé no granito” e uma obra de “volume massivo e depurado”, como o descreve André Tavares no seu livro Em Granito – A Arquitectura de Marques da Silva em Guimarães. Na descida à cidade, o visitante poderá depois ver de perto mais duas das várias obras que o arquitecto aqui projectou: o edifício da Sociedade Martins Sarmento (1900-08), que é “verdadeiramente a obra parisiense e de expressão Beaux Arts de Marques da Silva” — diz André Tavares à Fugas —, e a fachada do mercado municipal (1927-42), actualmente em estaleiro para a transformação no Centro de Artes José de Guimarães, mas onde é ainda notória a elegância das suas linhas. μ

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A Casa da Rua Nova foi recuperada por Fernando Távora no início dos anos 80

2. Pousada de Santa Marinha Na encosta poente da Penha fica a Pousada de Santa Marinha da Costa, instalada num edifício que remonta ao século IX. Ao longo dos tempos, o convento foi também colégio de artes e escola de teologia, até à transformação em pousada, em 1977. Fernando Távora foi o autor da adaptação, realizada após um estudo exaustivo da história do edifício. Seguiu o critério de “continuar, inovando” — como o próprio escreveu —, mantendo e actualizando a austeridade monástica que marca o conjunto convento-jardins-parque. Foi uma intervenção exemplar e de extrema simplicidade, que, no entanto, não deixou de motivar polémica, quando o arquitecto decidiu desenhar uma ala suplementar para o serviço hoteleiro em jeito de sequeiro rural, com uma linguagem moderna.

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Na viagem no tempo que o visitante/hóspede pode experimentar nesta pousada, Alexandra Gesta sugere a visita a um recanto entre o claustro e igreja onde Távora deixou, em tosco, as sucessivas camadas de intervenção no edifício, desde os vestígios duma porta moçárabe até ao betão armado do século XX. Esta mão silenciosa e sábia da arquitectura de Távora, vamos senti-la depois em muitos lugares de Guimarães. “Ele foi o verdadeiro mentor da nossa intervenção arquitectónica e paisagística na cidade”, reconhece Gesta. Mas já lá chegaremos.

3. A Colina Sagrada/ Monte Latito A caminho dos principais ex-líbris de Guimarães, vindo do teleférico, o visitante passa pelo Largo da Condessa Mumadona [Dias, c. 900-968], personagem a quem é atribuída a fundação de Vimaranes, quando determinou a construção de um castelo e de um mosteiro. Vale a pena parar e ver como o arquitecto Álvaro Siza dissimulou

Edifício Muralha

nesta praça a implantação de um parque de estacionamento automóvel, que no piso -1 tem luz directa e um jardim de camélias, como se fosse o prolongamento do passeio público. “É o mais belo parque de estacionamento que conheço, uma solução inteligente, onde não se vêem aquelas bocas de túnel a engolir-nos para debaixo do chão”, elogia Alexandra Gesta. A propósito, recorde-se que para este largo esteve projectado, e começou mesmo a ser construído, o projecto de Marques da Silva (1916) para os paços do concelho. A obra foi lançada em 1924, mas o golpe militar de 1926, que daria origem ao Estado Novo, acabou por resultar no abandono do projecto (duma anacrónica “ambição medievalista”, nota André Tavares) e na aposta na reconstrução do Paço dos Duques de Bragança, a partir de 1936, segundo um desenho do arquitecto Rogério de Azevedo, e com supervisão da Direcção-Geral dos Edifícios e

Parque de estacionamento da autoria de Álvaro Siza

Monumentos Nacionais (DGEM). Sobre este edifício — que em 1959, terminada a obra, foi erigido em residência oficial (na província) do Presidente da República e simultaneamente aberto ao público como museu —, vale a pena dizer que a sua arquitectura baralha qualquer tentativa de definição, e se afasta claramente do perfil da casa senhorial do século XV que o precedeu. “A influência das deslocações ao estrangeiro [de Rogério de Azevedo] levam a que sejam considerados para esta obra modelos alheios à tradição portuguesa (…), sendo apontadas influências italiana, normanda e francesa”, escreve Eduardo Fernandes no seu recém-editado Guia de Arquitectura de Guimarães (Argumentum). Ricardo Rodrigues vê nele “um edifício flamengo”, a copiar os modelos construtivos do Norte da Europa, com os telhados muito inclinados, por exemplo, mas curiosamente usando telhas dos edifícios modernos. No espólio de mobiliário, louças, armaria e tapeçaria que contém, o Paço dos Duques de Bragança guarda as cópias das famosas tapeçarias de

Pastrana (século XV), atribuídas a Nuno Gonçalves, representando a conquista do Norte de África (Arzila, Tânger…), e cujos originais se encontram em Espanha. E há o castelo, claro, também restaurado pela DGEM em meados do século passado, e sobre o qual não há muito a acrescentar à história documentada na informação turística — o mesmo acontece com a capela românica de São Miguel, ao lado, lugar onde se crê que D. Afonso Henriques foi baptizado. Uma experiência curiosa será comparar o perfil actual da colina do Monte Latito com as fotos do lugar anteriores à intervenção da DGEM, que estão na imperdível exposição Reimaginar Guimarães, no CAAA (Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura).


Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012 Guimarães

Universidade do Minho

Rua de Santa Maria A artéria histórica da ligação do Monte Latino ao centro urbano, onde se encontra a Casa da Rua Nova Castelo, Capela de S. Miguel e Paço dos Duques de Bragança Os três principais monumentos da Colina Sagrada são os ex-líbris da cidade

Casa Ant. Rocha e Edifício Muralha Dois exemplos, de épocas diferentes, da arquitectura contemporânea na cidade

Parque da Cidade

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Estádio D. Afonso Henriques

Recuperação do velho convento é um momento marcante na obra de Fernando Távora

Largo Condessa Mumadona

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Pr. Santiago

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Largo do Toural O espaço foi alvo de uma nova intervenção urbanística a pretexto da Capital Europeia da Cultura Guimarães Shopping

Pousada de Santa Marinha da Costa

Colina Sagrada

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Museus de Alberto Sampaio e da Sociedade Martins Sarmento Duas instituições de referência na história da cidade no século XX

Lisboa

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Igreja de N. Sra. da Oliveira O principal edifício religioso da terra foi mandado construir por D. João I

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6. Museu de Alberto Sampaio e Sociedade Martins Sarmento

10 4 Teleférico

Mercado Municipal

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9 Percurso Pedonal

Pavilhão Multiusos

Palácio Vila Flor Edifício modernizado e ampliado em 2005 é actualmente o principal espaço cultural vimaranense

Cidade Desportiva

4. Da Rua de Santa Maria à Casa da Rua Nova Descendo a colina em direcção ao centro urbano, temos a estátua de bronze de D. Afonso Henriques do escultor Soares dos Reis (1887), cuja figura ajudou a formar o imaginário histórico de muitas gerações de portugueses — já agora, vale a pena compará-la com a nova estátua de pedra de João Cutileiro (2001), no Largo da Misericórdia. Ainda no Largo Martins Sarmento (ou do Carmo), os guias da visita chamam a atenção para a fachada ondulada das casas, situação que se repete, mais à frente, no Largo de Santiago. “Com o tempo, as casas começam a ondular e a ligar-se umas às outras, não sendo nada fácil intervir nelas separadamente”, nota Ricardo Rodrigues.

Estação CP

Bairro de Couros e Ilha do Sabão Dois testemunhos, bem preservados, da história pré-industrial da cidade

Entramos depois na Rua de Santa Maria (antiga Rua da Infesta), que foi a artéria original de ligação do castelo ao mosteiro (depois Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira) do tempo da Mumadona. O antigo Convento de Santa Clara, actual sede da Câmara Municipal, surge à esquerda. A Praça do Município é a primeira das quatro que foram reabilitadas por Fernando Távora, e que, mesmo na fonte desenhada pelo arquitecto, se coaduna com o estilo barroco pré-existente. “O arranjo de cada local reveste-se de um carácter próprio, de acordo com a sua forma, as suas funções, o seu ambiente construído”, escreve Eduardo Fernandes no seu Guia, citando o próprio Távora. É assim que teremos, mais à frente, um figurino medieval na Praça de Santiago, renascentista no Largo da Misericórdia, e romântico no da Condessa do Juncal. Ainda no encalço da intervenção de Távora, Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues levam-nos à Rua de Egas Moniz para mostrar a Casa da Rua Nova (velho nome desta artéria junto à muralha), que é a sede do GTL. É uma pequena construção de três pisos do século

Monte da Penha Um lugar privilegiado para ver a cidade de longe

XVII/XVIII, que foi recuperada pelo arquitecto portuense no início dos anos 80 (recebeu o Prémio Europa Nostra em 1985), e que se tornou num modelo para a política de intervenção da câmara no centro histórico. Nessa casa típica da terra, com primeiro piso em granito e os dois seguintes com fachadas em ressalto e em madeira (taipa de fasquio e de rodízio), Távora seguiu as técnicas e os modelos construtivos tradicionais para reparar a fachada pré-existente e reconstruir a parte anterior, que estava destruída. “Ele dizia: ‘Deixem os empreiteiros fazer como sabem fazer’”, recorda Ricardo Rodrigues. No interior da casa, que, apesar de acolher os serviços municipais do GTL, está aberta a visitas, vários óculos abertos nas paredes fazem uma espécie de radiografia dos materiais e das técnicas utilizadas nas diferentes intervenções ao longo do tempo.

chamando a atenção, por exemplo, para os vestígios de pinturas sobre o granito das colunas e das paredes — “é errada essa ideia agora muito generalizada de que o granito era sempre deixado em pedra viva”, diz o arquitecto — , mas também para as “coisas imperfeitas” que denotam o passar do tempo e nos dão pistas de leitura para as diferentes épocas e estilos. Os roteiros do Turismo dão-nos a indicação de que há em Guimarães oito igrejas, três capelas e outros tantos conventos a visitar, todos eles com a sua história e a sua diferença. Ricardo Rodrigues aconselha a que se não perca, além da da Oliveira, as igrejas de São Francisco (também convento) e de São Domingos, construídas fora dos limites da muralha e por isso testemunhos do crescimento da cidade. Ambos os edifícios têm raiz gótica, mas foram alteradas sucessivamente, assumindo no século XVIII o perfil barroco. No interior, têm marcas de várias estéticas, na talha dourada, azulejos, frescos, mobiliário...

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5. Igreja de Nossa Senhora da Oliveira No regresso à História e ao centro urbano, desaguamos no Largo da Oliveira, onde as arcadas dos antigos Paços do Concelho fazem a ligação com a Praça de Santiago, mantendo o figurino medieval. Vale a pena entrar e subir ao primeiro piso da velha câmara para admirar, na sala das audiências, um tecto de madeira em masseira decorado com uma belíssima pintura a óleo representando a Justiça e a deusa grega Atena. Crê-se que a pintura, que foi restaurada recentemente, date dos séculos XVII-XVIII. O Largo da Oliveira — lugar fundador de Vimaranes e que mantém uma “réplica” da árvore associada à lenda das origens — é dominado pela Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, mandada construir no final do século XIV por D. João I, a assinalar a vitória em Aljubarrota. O seu interior “está cheio de cicatrizes da História”, mostra-nos Ricardo Rodrigues,

Geminado com a Igreja da Oliveira, o Museu de Alberto Sampaio (homenagem a um historiador local) abriu em 1928 nas instalações do velho mosteiro para mostrar a valiosa colecção da Colegiada: escultura medieval e renascentista, pintura, ourivesaria e peças icónicas dos primeiros tempos da nacionalidade, como o cálice românico de D. Sancho I, ou o loudel que D. João I usou em Aljubarrota. Vale também a visita o seu meio claustro, a mostrar mais uma dessas cicatrizes do desenvolvimento urbano. Este museu e o da Sociedade Martins Sarmento (1881-85), fora das muralhas, são as instituições museológicas mais prestigiadas da cidade. O que acolhe o espólio reunido pelo arqueólogo que decifrou a Citânia de Briteiros desenvolveu-se também num processo idêntico ao do Alberto Sampaio, invadindo progressivamente, através do já referido projecto de Marques da Silva, os terrenos do convento de São Domingos, que fora destruído por um incêndio no século XIX, e do qual apenas sobreviveu o belo claustro do século XIV. Para além da arquitectura de Marques da Silva (o hall de entrada e o salão nobre), a visita a este museu de arqueologia oferece outra inesperada viagem no tempo, já que as peças são expostas de acordo com os princípios metodológicos de há um século. É também indispensável ver a biblioteca e o arquivo. μ

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A Ilha do Sabão pertenceu a uma família ligada à manufactura dos couros

7. Largo do Toural É tempo agora de sair do núcleo histórico. Não para retomar a camioneta dos turistas apressados, mas para fruir a cidade na sua face “exterior”. O Largo do Toural é uma espécie de “sala de visitas”, que, fruto da intervenção apadrinhada pela Fundação Guimarães 2012, hoje apresenta um perfil diferente do das últimas décadas. A sua história remonta ao século XVI, mas a configuração actual vem de Setecentos, do tempo da construção da Igreja de São Pedro (que ficou incompleta, faltando-lhe a segunda torre) e principalmente da dita “frente pombalina” (um desenho enviado pela Rainha D. Maria I), e cuja unidade contrasta com as fachadas do centro histórico. A recente intervenção neste largo, e na Alameda de São Dâmaso que lhe dá continuidade urbanística, teve assinatura da arquitecta Maria Manuel Oliveira, e o novo piso (representando o mapa do núcleo histórico classificado pela UNESCO) foi desenhado pela pintora Ana Jotta. Nele não deixa de causar alguma perplexidade ver o pavimento colado aos troncos das jovens árvores que aí foram plantadas, sem lhes deixar espaço para o crescimento natural. Dizem que é para mostrar como a natureza simultaneamente dialoga e rompe com o espaço edificado!...

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Ainda que dizendo não gostar de falar de arquitectura, nem da obra dos seus colegas de profissão — “há regras gerais, e depois cada um faz o que lhe aprouver, e assina”, diz —, Alexandra Gesta vê na intervenção no Toural e na Alameda “um projecto de actualização dos espaços públicos que continua a permitir a leitura da cidade e é coerente com a política urbanística geral”. (O visitante pode também comparar a imagem do Toural de hoje com a de há cerca de um século na já citada exposição de fotografias no CAAA).

8. Couros e Ilha do Sabão O bairro ou Núcleo Industrial de Couros (ou Pelames) foi um importante centro de actividade económica em Guimarães, desde a Idade Média. Nos séculos XVIII-XIX, na era pré-industrial, este lugar conheceu um grande desenvolvimento com a instalação, nas margens da ribeira de Couros, de várias manufacturas de peles. Actualmente, perdida a importância dessa actividade que praticamente desapareceu da cidade, a autarquia incluiu a intervenção no bairro nas prioridades da Capital Europeia da Cultura. Esse trabalho está em curso, e nele avulta o projecto — com assinatura de Ricardo Rodrigues — de restauro da antiga Fábrica Âncora e da Ilha do Sabão. A primeira é especialmente notada pela rede de tanques de

O Largo do Toural é uma espécie de sala de visitas da cidade

lavagem e tratamento das peles, que se estende por 500 metros, e que é um exemplar único na Europa desta forma tradicional de tratamento dos curtumes — e que o arquitecto afirma ser comparável, em dimensão, aos tanques de curtimento de Fez, Marrocos. A intervenção na antiga fábrica, iniciada em 2005, teve como preocupação central o reparo das estruturas existentes, mantendo, na medida do possível, a sua estrutura arcaica — edifícios e pavilhões em pedra e madeira, pintadas de branco e vermelho. Já aí funcionam, nos edifícios anexos, uma creche, um centro de dia, um Instituto de Design (arquitecto José Manuel Soares) e uma pousada de juventude (arquitectos Pedro Botelho e Maria do Rosário Beija), e a Câmara de Guimarães projecta também a instalação de centros de Ciência Viva e de Pós-Graduação da Universidade do Minho. O passeio por esta face mais escondida de Guimarães deve ser completado com a passagem pela Ilha do Sabão, um pequeno núcleo habitacional que é uma espécie de “Portugal dos Pequenitos”, e que pertenceu a uma família de grandes proprietários da manufactura dos couros. Ricardo Rodrigues quis manter também aqui a traça e a atmosfera originais, com o objectivo de devolver as casas aos habitantes, àqueles que aí já viviam e aos novos que são agora convidados a reocupar e humanizar esta zona deprimida da cidade.

9. Centro Cultural Vila Flor Do bairro de Couros à Avenida D. Afonso Henriques, que nos leva ao Palácio/Centro Cultural Vila Flor, é um saltinho. Este palácio barroco que começou a ser construído no século XVIII e só foi acabado no século XX foi adquirido em 1976 pela câmara, inicialmente para funcionar como extensão da Universidade do Minho. Em 2005, foi transformado em centro cultural, e dotado com um novo módulo (atelier Pitágoras), com dois auditórios (800 e 200 lugares), restaurante, café-concerto, sala de ensaios e de serviços administrativos, para além de um parque de estacionamento. Transformou-se com naturalidade no principal pólo cultural da cidade, acolhendo, entre outras estruturas, a Oficina de Teatro. O minimalismo do moderno edifício vai bem com o palácio barroco (sede actual da Fundação Guimarães 2012). É entre estes dois espaços que vão decorrer muitas das iniciativas do calendário da Capital Europeia da Cultura (ver caixa). E, nos intervalos, justifica-se fazer um passeio pelos jardins do Vila Flor, e ver na fachada posterior do edifício antigo as estátuas dos primeiros reis de Portugal.

10. Arquitectura moderna e contemporânea Já aqui vimos que o património de Guimarães não se esgota no castelo, no Paço dos Duques de Bragança e nas igrejas. A cidade tem vindo a ser também marcada, nas últimas décadas, com intervenções e edifícios modernos, alguns dos quais entraram já por mérito próprio no roteiro arquitectónico da cidade — como se pode ver pelo guia de Eduardo Fernandes. Alexandra Gesta regressa, uma vez mais, ao papel de Fernando Távora na mudança de paradigma estético na cidade. “A vinda dele deu também a Guimarães uma arquitectura corrente renovada e de qualidade acima da média, que seguiu a sensibilidade introduzida na gestão municipal”, diz a arquitectavereadora. Dois exemplos a visitar. A Casa António Rocha (Delfim Amorim e Oliveira Martins, 1947), junto ao Largo do Carmo, “é a primeira casa de desenho moderno construída no centro histórico de Guimarães; os seus autores tiveram de enfrentar alguma resistência das autoridades municipais” para levar por diante este projecto, que denota a influência de Corbusier, diz Eduardo Fernandes. Os seus autores integraram o grupo ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos), que no final da década de 40 introduziram a linguagem moderna na arquitectura


Capital da Cultura em quatro estações A equipa de programação de Guimarães 2012 estruturou o calendário de eventos em quatro ciclos, que acompanham as estações do ano. Das mais de seiscentas iniciativas anunciadas (e nem todas ainda calendarizadas), aqui ficam algumas a não perder. 21 de Janeiro – O dia inaugural divide-se entre um concerto de músicas do mundo no Pavilhão Multiusos (18h) — com Ritinha Lobo (Cabo Verde), Chico César (Brasil), Yami (Angola), ao lado de Cristina Branco, Rão Kyao e o grupo Danças Ocultas —, e o espectáculo de animação de rua, Berço de uma Nação, no Largo do Toural (22h). Aqui, a companhia catalã La Fura dels Baus envolve a população numa performance em volta da história da cidade e do tema do coração, ícone da CEC. 1 de Fevereiro – 2º Festival GUIDance: Ballets C. De la B. estreia a coreografia de Koen Augustijnen, Au-delà. Dois dias depois, será a vez de Dancing with the Sound Hobbyist, de Simon Mayer e Anne Teresa de Keersmaeker (a coreógrafa belga regressa a 16 de Junho, com a peça Cesena). O Palácio de Vila Flor ganhou um novo edifício em 2005

portuguesa. O Edifício Muralha (António Gradim, 1985), sede da Polícia Municipal, no Largo da Condessa do Juncal, constituiu uma excepção à regra do ordenamento camarário, já que o arquitecto, que trabalhou em colaboração com Távora, pôde fazer uma intervenção moderna neste lote duplo atravessado pelas pedras medievais. Manteve a fachada original, do lado da Alameda, e abriu uma grande superfície envidraçada na outra face, que permite ver (e também visitar, como espaço público) como o edifício preserva e expõe a própria muralha. Também os arquitectos Álvaro Siza (Plano de Pormenor dos Pombais, na Avenida de Londres), Pedro Ramalho (Plano da Quinta da Senhora da Conceição, bairro social que, no ano passado, foi objecto de obras de conservação

com a assinatura colorida da designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada), Eduardo Ribeiro (Casa na Rua Joaquim de Meira, 198788, um prédio misto de habitação e comércio que faz bem a ponte entre a vizinhança histórica do Monte Latito e o tempo moderno) projectaram em Guimarães. E há muitos outros exemplos dispersos pela cidade: o Hotel Fundador (Sergio Fernandez e Pedro Ramalho, 1969-77), o Edifício Salgueiral (Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, 1998-2003), a intervenção no Estádio D. Afonso Henriques para o Euro 2004 (Eduardo Guimarães,

2001-03). Ou, já mais fora de portas, o invulgar e muito discutido cemitério de Monchique na colina da Penha (Maria Manuel Oliveira e Pedro Mendo com o paisagista Daniel Monteiro, 1996-2004), cujo desenvolvimento se tem afastado, contudo, do projecto que em 2005 valeu aos autores o Prémio Nacional de Arquitectura Paisagística. Este roteiro pela arquitectura mais recente obriga já ao uso do automóvel. Alexandra Gesta sugere que o passeio termine na colina oposta à Penha, a olhar na encosta do vale do rio Selho a casa da família de Távora (Quinta da Covilhã), uma propriedade que o próprio arquitecto recuperou — como “um acto de amor”, escreveu o próprio — de forma “muito simples e muito culta”. Desse miradouro, observamos a mancha rural que envolve uma cidade que mantém essa matriz, mas que simultaneamente quer projectarse de forma cosmopolita para o futuro. “Entre estes lavradores que aqui vemos a trabalhar a terra e os músicos chineses e finlandeses que estão a tocar na Fundação Orquestra Estúdio há dez minutos de distância. É esta a realidade do nosso território”, diz Ricardo Rodrigues.

12 de Fevereiro – Começa o ciclo dedicado a Sacha Guitry (1885-1957), um dos grandes nomes do cinema clássico francês. 18 de Fevereiro – Primeiro concerto da Fundação Orquestra Estúdio (FOE), sob a direcção do maestro Rui Massena. Pedro Burmester é o solista convidado. 25 de Fevereiro – Rui Simões estreia o filme sobre as festas Gualterianas, o primeiro dos dez documentários televisivos prometidos sobre temas vimaranenses. 1 de Março – The Anarchy of Silence: John Cage e a Arte Experimental – revisitação da obra do compositor americano na relação com as artes visuais e performativas e com o cinema. 2 de Março – Estreia de A Morte de Danton, que Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos encenam a partir de George Büchner. 7 de Março – Concerto do flamengo Wim Mertens com a FOE. 10 de Março – O Ser Urbano – Nos Caminhos de Nuno Portas, exposição comissariada por Nuno Grande sobre esta figura dominante da arquitectura e urbanismo português da segunda metade do século XX. 7 de Abril – O Castelo em 3 Actos, projecto de Paulo Cunha e Silva em volta do símbolo mais mediático de Guimarães.

15 de Abril – Começa o ciclo dedicado ao realizador italiano Ermano Olmi. 28 de Abril – Concerto Expensive Soul Symphonic Experience, com a FOE. 2 de Junho – Delfim Sardo reúne João Queiroz, Julie Mehretu, Michael Biberstein e Michael Borremans na exposição Flatland Redux. 10 de Junho – Os Lusíadas são o tema de uma conferência internacional sobre Camões e os tempos de crise. 16 de Junho – Exposição do artista francês Christian Boltanski, organizada por João Fernandes. Apresentação dos trabalhos do concurso internacional Performance Architecture, comissariado por Pedro Gadanho. 1 de Julho – Estreia do filme que levou Jean-Luc Godard de regresso a Sarajevo e ao tema da História e da Memória. 27 de Julho – Concerto da Orquestra Chinesa de Macau. 28 de Julho – Recital de Ute Lemper, a última diva do cabaret europeu. 7 de Setembro – Estreia de Where have we been and what did we do there, da coreógrafa sérvia Sanja Mitrovic. 16 de Setembro - Ciclo dedicado ao realizador brasileiro Glauber Rocha. 18 de Setembro – Concerto da FOE com a violinista russa Victoria Mullova. Setembro (data a designar) – Homenagem a Fernando Távora, com coordenação de Álvaro Siza. 29 de Setembro – Exposição Archigram: Arquitectura Experimental 1961-1974, comissariada por Gabriela VazPinheiro. 29 de Setembro – Concerto da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. 5 de Outubro – Exposição Terzo Paradis, de Michelangelo Pistoletto. 21 de Outubro – Congresso Histórico de Guimarães. 3 de Novembro – Estreia de Quadros Vivos para o Ano Jubileu, a partir de O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil, encenação de João Pedro Vaz (Oficina/Comédias do Minho). 8 de Novembro – Guimarães Jazz. 12 de Dezembro – António Fonseca recita Os Lusíadas. 15 de Dezembro – Estreia da ópera Mumadona, Carlos Tê e Carlos Azevedo.

A Fábrica Âncora foi reabilitada no âmbito da Capital da Cultura Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 23


Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

O Centro Cultural Vila Flor foi criado em 2005

A cidade no divã Guimarães só é Capital da Cultura porque durante anos teve o Guimarães Jazz. E os Festivais Gil Vicente. E o maior cineclube do país. E uma cambada de gauleses que, contra a maré e contra a geografia, teimam em agrupar-se em clubes e associações de todos os tamanhos e feitios. Natália Faria (texto) e Nelson Garrido (fotos) puseram-nos a discutir a identidade da cidade onde nasceu Portugal 24 • Sábado 14 Janeiro 2012 • Fugas

Há um Hitchcock de corpo inteiro recortado numa porta com as sobrancelhas em perpétua interrogação. Mas não é preciso o talento detectivesco do mestre do suspense para descobrir como é que Guimarães chegou até aqui — e por aqui entenda-se Capital Europeia da Cultura 2012. Basta olhar pela janela que abre para o Largo João Franco, em pleno centro histórico de Guimarães, fazer um rewind até ao início dos anos de 1990 e recordar o largo a abarrotar de gente, que ali se juntou para ouvir os Madredeus, numa altura em que a voz de Teresa Salgueiro era revelação só de alguns. Basta ouvirmos Carlos Mesquita, um dos mentores do Cineclube de Guimarães, em cuja sede nos encontramos, recuar mais alguns anos para, quase envergonhado da cedência à imodéstia, confirmar que este cineclube, criado em 1958, é o mais antigo e o maior do país: quase 900 sócios, uma média de 14 mil espectadores por ano. E isto sem pipocas e a golpes dos Bergman, dos Godard, dos Visconti e dos irmãos Coen que deixam

auditórios de 800 lugares com poucos vazios. Bastaria dar umas passadas até à sede da Associação Cultural Convívio, no mesmo largo, e recordar como é que o Guimarães Jazz, velhinho de 20 anos, se afirmou no cartaz cultural como o mais importante festival de jazz do país. Ou atravessar até à Rua de Santo António e seguir, na direcção oposta à do Toural, em direcção ao Centro de Artes e Recreio (CAR) para recordar a génese dos Festivais Gil Vicente nos idos anos 1950. É tudo à distância de alguns passos. Mas já lá iremos. Por enquanto está Carlos Mesquita com Guimarães no divã. “O que separa Guimarães das outras cidades é a pequenez humanizada. Esta dimensão de varandinhas e de roupa a secar que confere um lado mimoso e maneirinho, que é pequeno mas que nada tem de menor. Pelo contrário, que só reforça a identidade fortíssima desta cidade”, introduz. Para cimentar a identidade vimaranense, claro que o castelo teve papel importante. Assim como o Paço dos Duques, apesar do seu ar pintado de fresco, assim como a muralha onde pesponta, sobranceira, a convicção “Aqui

Nasceu Portugal”. Mas nem sequer são estas as imagens que aparecem quando jornais como The Guardian ou The New York Times elegem a cidade como um dos locais a visitar em 2012. O que estes jornais dão a conhecer é o tal cenário maneirinho das varandas, com camisolas, vestidos, toalhas, cuecas, a secar ao sol. “Isso ajuda a criar a sensação de que em Guimarães não se vive só, de que ninguém morre no passeio, porque há sempre uma mão que se estende”, prossegue Mesquita, para quem foi a escala geográfica humanizada que deixou o associativismo germinar. “Braga, por exemplo, pagou a factura de uma certa lógica de crescimento. Nós aqui mantivemos um lado gregário, quase gaulês, em que os romanos são todos os tipos que não gostam de Guimarães. Mas essa espécie de patriotismo de cidade e esse lado gaulês são q.b. como na culinária, porque, sendo fechado e cioso de si, é muito amante de quem, vindo de fora, gosta de nós.”


Esta desmesura também se vira do avesso. “Às vezes, há alguns exageros por se amar de mais”, aponta Amaro das Neves, presidente da Sociedade Martins Sarmento, uma instituição criada em 1882, que funcionou como a força motriz da cidade antes de a câmara ser câmara e que continua activíssima. É ele que nos transporta para o momento em que José Hermano Saraiva se atreveu a pisar solo vimaranense pouco depois de ter coordenado um dicionário da História de Portugal em que se escrevia em letra impressa que D. Afonso Henriques nasceu “provavelmente em Coimbra”. “Isso foi em 1990 ou 1991. A publicidade a esse dicionário tinha chegado às caixas de correio num daqueles panfletos das Selecções Reader’s Digest e, tendo-se sabido que o homem ia estar cá, até panfletos anónimos houve, distribuídos durante a noite por um grupo de cidadãos. No dia, estava uma multidão na Sociedade Martins Sarmento a querer pedirlhe contas, polícia como eu nunca tinha visto. O Hermano Saraiva lá resolveu a coisa dizendo que o

texto não foi ele que escreveu e que ele era pela tradição e se a tradição dizia que D. Afonso Henriques tinha nascido em Guimarães...”. À frente da Muralha, uma associação de defesa do património criada em 1981, Rui Victor Costa diverte-se quando vê miúdos no pré-escolar a repercutirem já o toque das Nicolinas, a festa dos estudantes do secundário, e papaguearem o significado do enterro do Pinheiro, um ritual que se repete no dia 29 de Novembro de cada ano, e a tratarem Afonso Henriques por tu. “Tudo isso ajuda a conservar a identidade local”, sugere. À sombra do seu Hitchcock, Carlos Mesquita enternece-se com este “lado fantasista” da cidade e minimiza-lhe a carga negativa. “As pessoas são muito mais constituídas por coisas que pensam de si próprias do que por coisas que são demonstráveis do ponto de vista da ciência histórica. Somos muito mais imaginadores do que conhecedores e, portanto, não me parece mal que se estejam nas tintas para o conhecimento histórico, que, aliás, tem a sua própria fragilidade e está em permanente reconstrução.”

Small is beautiful Quanto a controvérsias históricas, demo-nos por conversados. Batamos antes à porta da Associação Cultural Convívio, no n.º 8 do Largo João Franco, mesmo em frente à estátua de D. Afonso Henriques por João Cutileiro, não há que enganar. O Convívio está a reinventar-se para acolher uma residência para artistas, por ora a cineasta Margarida Gil está aqui a filmar para um documentário sobre Joaquim Novais Teixeira (nasceu em Guimarães, privou com Garcia Llorca, integrou o júri de Cannes, há até um prémio com o nome dele — para quem nunca tenha ouvido falar, é uma questão de “googlar” o seu nome) mas o que aqui nos trouxe foi o facto de o Convívio ter sido — e continuar a ser — o berço do Guimarães Jazz. “O grande capital de Guimarães é o seu património humano. Julgo que a escala humana da cidade tem essa enorme vantagem de proporcionar

o encontro de pessoas sem travar o fluxo de ideias que são expansionistas implacáveis. E se temos hoje o maior festival de jazz do país isso deve-se à nossa capacidade de vermos para além do nosso umbigo. Há até quem diga que Guimarães é melhor madrasta do que mãe, precisamente porque acolhe muito bem quem traz saber de fora”, caracteriza Isabel Machado, presidente do Convívio. “Em Guimarães as coisas acontecem facilmente. Primeiro porque há pessoas que querem que elas aconteçam, uma espécie de sede, e depois o poder político é encorajador e facilitador do processo. Noutros lugares isso não acontece, por falta de vontade, porque as pessoas estão demasiado cientes do seu umbigo e têm medo de perder protagonismo...”, aponta Ivo Martins, director artístico do Guimarães Jazz há 16 anos. “Não sendo de Guimarães, chamaram-me para fazer isto sem preocupações de protagonismo e isso diz bem do desprendimento e da abertura que se vivem na cidade”, acrescenta. Esta recusa da “fossilização da identidade” no

património histórico tem retorno. Todos os anos, por alturas de Novembro, desaguam pessoas de Lisboa, Algarve, Galiza e até Madrid para assistirem aos concertos de jazz mais às jam sessions que se lhes seguem noite fora e que depois saem dali rendidas àquela espécie de small is beautiful que Guimarães oferece. Desafiado a escolher uma imagem que sintetizasse a identidade da cidade, se a esta lhe fôssemos atribuir um BI, José Bastos, à frente do Centro Cultural Vila Flor, criado em 2005, escolheria “um cidadão numa postura acolhedora”. Porquê? “Os vimaranenses têm uma enorme disponibilidade para acolher o que vem de fora, uma grande vontade de quebrar barreiras”. Mas “não aceita imposições nem não ser chamada a participar”. Foi esse um dos pecados capitais das pessoas que primeiro foram chamadas a assumir a Fundação Cidade de Guimarães, que gere a capital da cultura. μ

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 ± “Os vimaranenses sentem esta cidade como sua e, positivamente orientado, este bairrismo tem efeitos fantásticos. Caso contrário, traduz-se em rejeição e recusa”. Saiu Cristina Azevedo, subiu João Serra, que rejeitou movimentos pendulares e tratou de se tornar morador — basta usar de alguma psicologia para ter a cidade aos pés. “A cidade não é atávica nem fechada, longe disso, mas tem um bairrismo muito próprio que a leva a unir-se na defesa do que é seu”, concorda Manuel Azevedo Graça, a viver no Porto mas à frente do Museu Alberto Sampaio. Não fosse isso e algumas peças — por exemplo, o loudel que o rei D. João I usou na batalha de Aljubarrota — “provavelmente já não estariam por cá”, diz-se convencido Azevedo Graça, apontando um cliché fácil, o do futebol. “Quando o Vitória desce à II divisão, fica com o terceiro estádio mais cheio do país, com 20 mil espectadores por jogo. Se a cidade ou alguma instituição precisa, os vimaranenses unemse para a defender contra tudo e contra todos.” (Não nos detenhamos nas manobras futebolísticas e nas paixões que estas incendeiam, quanto ao Vitória de Guimarães lembre-se apenas que a Biblioteca Municipal Raul Brandão tem mais sócios que o clube de futebol — 35.645 a primeira, cerca de 25 mil o segundo — e voltemos ao museu.) Copiando o exemplo da cidade, o Alberto Sampaio não cristalizou no património que detém e inovou quando, há dez anos, decidiu abrir as portas à noite nos meses de Verão. “Foi uma experiência inédita e muito bem-sucedida”, sublinha Azevedo Graça, deambulando do museu até à Praça da Oliveira, onde pontifica a árvore com o mesmo nome. Podia lá estar João Salgado. Ele que foi durante alguns anos um dos responsáveis da Bumerangue, uma revista de poesia produzida e editada a partir de Guimarães que, ao longo dos seus cinco números, publicou nomes como Adília Lopes, Alberto Pimenta e Nuno Júdice, além de Hisaki Matsuura e Manuel Gusmão. “O movimento associativo aqui nasceu da necessidade de criar oásis dentro do deserto e isso redundou nesta originalidade de valorização da actividade cultural de uma forma que não existia noutras cidades, até que o poder político, de certa forma pressionado pelo associativismo, surge a apoiar este efeito de bola de neve.” A Bumerangue convive com outro atrevimento chamado Pedra Formosa, uma editora de poesia que, entre 1993 e 2003, “editou à volta de 40 títulos”, segundo Carlos Poças Falcão, vimaranense, professor e poeta premiado. “Durante décadas, a cidade foi pobre e bastante marginal no contexto da circulação dos bens culturais e até económicos. Houve uma geração nos anos 30 e 40 que teve algum peso e que depois, nos anos 60, levou a um boom de associações que, sem Internet e

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Devolver Um Amor Feliz a Guimarães Crónica Natália Faria

O Cineclube de Guimarães é o maior e o mais antigo do país

sem as acessibilidades que hoje existem, criaram as estruturas para conseguir trazer à cidade escritores, artistas plásticos, do teatro e do cinema e cujo trabalho acabou por ter receptividade por parte daquilo a que se pode chamar a classe média jovem de Guimarães. Foi isto que fez levedar a massa e que permitiu que a cidade se constituísse como depositária de um centro cultural.” Carlos Poças Falcão, como João Salgado, resistem, porém, a aderir acriticamente “à visão festiva que alguns agentes culturais e alguns políticos têm de uma cidade fortemente cultural”, como caracteriza Salgado. “Há de facto uma atitude muito positiva de valorização da cultura, mas as manifestações artísticas e culturais que exijam maior conhecimento e maior disponibilidade continuam a ter um público reduzidíssimo”, nota. Se calhar porque nasceu na periferia da cidade — e convém não esquecer que, dos 158 mil habitantes do concelho, apenas cerca de 56 mil residem na sede do município, os restantes estão espalhados pelas suas 59 freguesias —, João Salgado rejeita igualmente a ideia de um homo vimaranensis, descendente de heróis e de santos. “O facto de estarmos numa cidade que simbolicamente é o berço da nação empolou um bocadinho esse fenómeno”, diz. “A cidade continua a ser de grande pobreza, dotada de equipamentos bons e com qualidade de vida, mas com uma população pouco qualificada e de rendimentos baixos e ligada a indústrias em crise.” Estas manchas no retrato não impedem que, ao contrário de um

alentejano ou de um transmontano, um vimaranense se identifique “como vimaranense e não como minhoto”, lembra Amaro das Neves. Nem retiram força a movimentos como aquele que se formou quando se anunciou a Universidade do Minho para Braga. “Houve uma pressão fortíssima para que Guimarães também ganhasse a universidade e a coisa foi de tal ordem que a universidade acabou dividida em dois pólos, com a Engenharia e a Arquitectura a ficarem por cá”. Nascido em Valongo, Amaro das Neves gosta da sensação que a cidade lhe dá de conhecer toda a gente “mas não tão bem que as pessoas se metam a mexericar as vidas dos outros”. Small is beautiful. Desde que tenha aberta a janela para o mundo.

Guimarães para mim são as noites de domingo no cineclube e os entardeceres dengosos nas esplanadas do Largo da Oliveira, onde velhotas de preto se cruzavam com turistas de câmara e espanto apontado às esculturas fálicas da igreja com o mesmo nome, numa convivência que, de tão repetida, há muito tinha deixado de nos parecer estranha. Era o riso escarninho contra uma Clara Ferreira Alves ali convidada para apresentar um livro e a cronicar a sua estupefacção com a beleza das esplanadas e do património e com a pacatez cosmopolita a tantos quilómetros de Lisboa. Para mim, Guimarães nunca foi o Castelo nem o Paço dos Duques, com o seu permanente desaguar de autocarros turísticos a espalhar a confusão multilingue. Guimarães era a vitela saboreada sob uma ramada de vides na Penha a temperar o calor escaldante — chegavase lá pela curvilínea estrada da Costa, passando a Pousada de Santa Marinha, antes mesmo da preguiça do teleférico. Guimarães eram os festivais de world music que me apresentaram os Frei Fado D’El Rei, que ainda revisito em CD pirateado. Era a Adriana Calcanhotto num qualquer 24 de Junho de um ano em que Calcanhotto ainda prometia ser revisitação no feminino de Chico Buarque (promessa que nunca veio a concretizar-se, mas isso na altura ninguém podia saber). Eram as noites de Verão com cinema

ao ar livre — cinema e copos, cinema e velhas que nunca tinham visto a vida acontecer numa tela e se desmesuravam em reprovações sempre que um nu mais nu aparecia na tela. Era a tentativa de insistir com o Manoel de Oliveira na tela e não conseguir conter o riso quando o suposto era o contrário e, apesar disso, uma plateia no S. Mamede a reverenciar os desmandos da Bovarinha e eu sem saber como era raro isso numa cidade pequena e periférica. Eram os Madredeus no Largo João Franco e era a Maria do Céu Guerra versão mãe coragem no palco do auditório da Universidade do Minho. Eram, antes disso, os concertos da Orquestra do Norte e os livros da Gulbenkian — ali mesmo a demarcar o Largo da Oliveira (mais gente sentada) e a Praça de Santiago (mais copo na mão) — a abrir-me para a Yourcenar e para o Cardoso Pires e para o Norman Mailler, para citar só alguns dos que levei para casa sem o selo da bibliotecária, desculpem-me a desfaçatez, a culpa era de quem impunha um limite máximo de três livros por empréstimo e eu gostava de mais, de muitos mais. Como nunca fui dada a cumprir disciplinas, aconteciame enganar-me e acabar a devolver livros que tinha roubado e a senhora a rasurar a confusão nos cartões de empréstimo a julgar-se responsável porque uma Marguerite Duras aparecia de repente transfigurada em Milan Kundera. Ainda a posso ver, anafada, cabelo curto e encaracolado, óculos na ponta do nariz, a alternar o tricot com muitos “shiiiuuu” de fingida severidade. Guimarães era assim quando eu tinha aquela idade em que nos descobrimos adultos. Gostava de lá voltar e devolver Um Amor Feliz do David MourãoFerreira que ainda guardo lá em casa, meio desfeito mas com as páginas todas e a fita (será verde, será cor-de-laranja?...) que o agrupava alfabeticamente na prateleira dos romancistas portugueses. Não é verdade que não se deva voltar aos sítios onde fomos felizes.


PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS Secr etaria de Estado da Cultura Secr etaria-Geral

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 Também na culinária Guimarães é hoje espelho de sábia e equilibrada mistura entre história, tradição e modernidade. A Fugas embrenhou-se pelas ruas históricas em busca de aromas e sabores e deixa-lhe um roteiro que vai da sofisticação à tasca mais popular. José Augusto Moreira provou e Nelson Garrido fotografou

À mesa, entre a tradição e a modernidade Poderíamos recuar até aos primórdios da nacionalidade para se perceber que as tradições gastronómicas de Guimarães são um legado com muitos séculos. Já nas Inquirições de 1220, ordenadas por D. Afonso II, neto de Afonso Henriques, se referia o abastecimento de cabritos, cordeiros, patos ou capões aos conventos e casas senhoriais da cidade, sendo igualmente assinaladas as necessidades de pescados e polvos para os dias de abstinência ou o pagamento de foro pelas lampreias que por esse tempo seriam pescadas no rio Vizela. Como em outros aspectos, também na culinária Guimarães é hoje espelho de sábia e equilibrada mistura entre história, tradição e modernidade. A par de espaços de cozinha evoluída e que fornecem novos conceitos de bar e casas de comida, a cidade mantém os restaurantes de sempre com a sua cozinha opulenta, ou as populares tascas de comidas simples e saborosas e as inseparáveis malgas de tinto sanguinolento. Do centro histórico aos núcleos fabris, das modernas urbanizações às zonas rurais, a oferta é abundante e não é difícil encontrar poiso adequado para o conforto do estômago, sobretudo se o que se procura é a boa cozinha regional. A lista que se segue é uma escolha necessariamente limitada. Escolhas para todos os gostos, estilos e orçamentos, mas também acessíveis a pé a partir do centro histórico. Com uma única excepção: o restaurante São Gião, que fica bem fora da cidade mas sem o qual qualquer roteiro ficaria naturalmente incompleto.

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PapaBoa Para além de um restaurante com estilo, o PapaBoa é também um conceito onde gastronomia e modernidade andam a par. Sala ampla ocupando todo o piso térreo de uma moradia, decoração elegante e de estilo contemporâneo e cozinha a condizer combinando alguns dos pratos e sabores identificados com a tradição e as mais actualizadas técnicas e produtos gastronómicos. A cozinha é comandada pela chef Isabel Vitorino, que partilha a gestão do negócio com o irmão Filipe, que se ocupa da sala. Ainda jovens, ambos decidiram investir na terra natal depois de terem acumulado experiência em algumas das mais prestigiadas cadeias hoteleiras nacionais. PapaBoa Rua Capitão Alfredo Guimarães Tel.: 936 774 485; 253 416 872 www.papaboa.pt Fecha aos domingos

Histórico Da responsabilidade da mesma equipa do PapaBoa, o Histórico tem um estilo mais descontraído e de tendência petisqueira, mas igualmente apoiado na elegância e critério gastronómico. E preços bem mais em conta. Além de ter recuperado e dar utilização a um belo palcete do século XVII bem no miolo do centro histórico, é um espaço multifacetado com áreas de restaurante, esplanada, terraço e gelataria. Além dos preços moderados, a oferta gastronómica é também bastante interessante, privilegiando os petiscos de estilo tradicional. Pequenas porções de rojões, moelas, pataniscas, salada de bacalhau, tripas enfarinhadas, gambas fritas, polvo ou cogumelos

salteados. Tudo a rondar os 3€. Há também uma lista de carnes e peixes, a par de um almoço executivo que é servido de segunda a sexta pelo preço de 8,5€. Histórico Rua de Val Donas, 4 (entrada pela Pr. João Franco) Tel.: 915 429 700 www.papaboa.pt/historico Aberto todos os dias

Cheers O Cheers é também um espaço duplo, mantendo embora o mesmo estilo e personalidade. O conceito é apresentado como oferecendo “o melhor da cozinha tradicional portuguesa, através de deliciosos petiscos e pequenos prazeres de sabores e texturas” e é mesmo disso que se trata. Henrique Ferreira é um jovem chef em cuja cozinha se notam o benefícios do tempo em que trabalhou com Miguel Castro e Silva, provavelmente o mais genial intérprete da nossa cozinha tradicional. Pequenos mimos como uma massada de bacalhau com camarões, bacalhau com migas, açorda de gambas, perna de pato com castanhas ou folhado de aves, com o requinte da alta cozinha, em ambiente de bar moderno e a preços bem contidos. Outro dos atractivos é a alargada oferta de vinho a copo, abrangendo todas as regiões e incluindo espumantes, vinhos do Porto e colheitas tardias. Cheers Avenida Av. D, Afonso Henriques, 917 (junto à estação da CP) Tel.: 253 438 409 Aberto todos o dias Cheers Praça Pr. S. Tiago, 13/15 Tel.: 253 161 099 Fecha à terça (Férias até ao final de Janeiro)

Adega dos Caquinhos

PapaBoa


São Gião Mesmo ficando longe da cidade, o São Gião é de visita obrigatória e mais do que justifica a viagem até Moreira de Cónegos. Pedro Nunes é claramente um dos mais sólidos cozinheiros portugueses e um daqueles a quem a gastronomia (e a clientela) deve estar imensamente grata, e o seu restaurante um dos mais consistentes, pelo menos na região Norte. Cozinha de emoções e afectos, com base no receituário tradicional interpretado com inovação e elegância. Criações como a raia com manteiga negra, a açorda no pão ou o capão assado no forno são absolutamente únicos. Carta de vinhos abastada, serviço competente, num espaço amplo, confortável e elegante, mas despido de formalismos. Os preços são a condizer com o estatuto do restaurante. São Gião Rua Comendador Joaquim Almeida Freitas, 56 4815-270 Moreira de Cónegos Tel.: 253 561 853 Fecha às segundas e ao jantar de domingo

Prós e Contras Outro dos restaurantes de tendência mais actual é o Prós e Contras. Instalado no edifício da estação do teleférico, pratica uma cozinha que cruza a base regional e uma certa influência espanhola. João Silva, o proprietário e competente cozinheiro, propõe uma série de entradas quentes, sempre saborosas e criativas, a par de peixes frescos, bacalhau ou polvo em várias combinações. Nas carnes, folhados de frango caseiro ou de legumes, cordeiro, coxa de pato, e ainda uma soberba bochecha de vitela que degustámos há vários meses e que se mantém ainda viva na memória. A capacidade e qualidade técnica da cozinha é também evidente nas sobremesas. O espaço é confortável, em ambiente moderno, desafogado e decorado a preceito. Prós e Contras Edifício Teleférico – Hortas Tel.: 253 418 926; 919 801 805 www.prosecontras.pt Aberto todos os dias

Nora do Zé da Curva Aos sábados há rojões com papas de sarrabulho, o cozido sai às sextas, o arroz de pato às quintas e assim sucessivamente. Todos os dias há um prato típico, e de grande robustez, que incluem o cabrito mamão assado no forno ou o já célebre bucho recheado, isto para além dos bacalhaus e da vitela assada de todos os dias.

Tal como o nome indica, a tasca de outrora é hoje um restaurante bem-posto, com todo o conforto e comodidade e a cozinha saborosa e apaladada de todos os tempos. O mais difícil é mesmo dar com a porta deste Nora do Zé da Curva, que fica no interior do quarteirão formado pelas ruas de Santo António e de Gil Vicente. Acede-se por ambas, no caso da primeira atravessando um pequeno centro comercial, sendo que da Rua Gil Vicente a entrada é por uma oficina e automóveis. Não confundir com o moderno Nora do Zé da Curva, na Rua da Rainha, em pleno centro histórico, que é dos mesmos proprietários mas não é a mesma coisa.

exemplar. Noutro horário, há panados, pataniscas, moelas, codornizes, bolinhos de bacalhau e outros petiscos. É barulhento e há malgas de tinto por todo o lado, mas é ver a cara de satisfação da clientela para se perceber por que está sempre cheio. Casa Alves Rua da Caldeirôa, 41 Tel.: 253 516 984 Fecha aos domingos

Adega dos Caquinhos Apesar da competência dos cozinhados, os Caquinhos são uma das mais arreigadas tradições entre os locais pela sua histórica ligação às festas dos estudantes locais, as Nicolinas. A fama do local presta também tributo à língua afiada da Dona Augusta, que dispara como um pistoleiro perante a mínima observação, mas há muito mais que o lado folclórico do local. A cozinha é realmente muito genuína e saborosa. O bacalhau recheado, que na verdade é refogado com cebola e pimentão doce, é um dos petiscos preferidos, mas há também os rojões com papas ou a vitela assada no forno, igualmente bem cozinhadas. Fica na viela paralela ao passeio Norte do Largo do Toural e mantém o ambiente de tasca dos anos sessenta.

Nora do Zé da Curva Travessa Gil Vicente/Stº António Tel.: 253 414 457 Fecha ao jantar de domingo

Cervejaria Martins Em plena Praça do Toural, a Cervejaria Martins adquiriu já o estatuto de instituição local, funcionando como uma espécie de sala de recepção para quem visita o centro histórico. Além do esmerado serviço de snack, é o local ideal para uma refeição rápida, com ampla oferta de pregos, pica-paus, mariscos e uma francesinha que também já ganhou fama. Apesar de o espaço ser acanhado, com a maioria dos lugares ao balcão, é o lugar preferido pelos amantes do futebol, cujos adereços dominam a decoração. O destaque vai, naturalmente, para o clube local, cujos sucessos e desaires são aqui condignamente prolongados. Com petiscos e cerveja e à saúde do “Bitória”, tal como pronunciam os locais.

São Gião

Adega dos Caquinhos Rua da Arrochela Tel.: 253 516 917 Fecha aos domingos

Café Júlio Tem ar de café decadente e mal frequentado, mas é um dos lugares de eleição dos noctívagos vimaranenses, com destaque para a população estudantil. E facilmente se percebe porquê. Está aberto, ou melhor, abre a porta, até às sete ou oito da manhã e tem sempre prontos a servir uns saborosos e suculentos preguinhos e copos de cerveja a condizer. O resto da oferta restringe-se a umas inexpressivas sandes de kebab, mas é a suculência da carne, oriunda do Brasil, que verdadeiramente convence a clientela. É claro que com este horário, e a variedade de clientela que atrai, tudo pode acontecer. Mas isso parece funcionar como aliciante extra.

Cervejaria Martins

Cervejaria Martins Largo do Toural, 33/34 Tel. 253 416 330 Fecha aos domingos

Casa Alves Também conhecido como Porta Larga, a Casa Alves é uma das mais populares e concorridas casas de comidas da cidade. Apesar do ar de café, decorrente da cuidada remodelação do prédio cujo rés-dochão ocupa na totalidade (incluindo espaço ao ar livre nas traseiras), o ambiente é de tasca popular que serve petiscos para lá do horário de refeições e a preços bem convidativos. A refeição diária custa 4,5 € e a oferta pode ir desde os tradicionais rojões ao lombo assado, feijoada ou arroz de sardinhas, além da sopa e sobremesa. No dia em que fizemos a experiência serviamse rojões — muito bem cozinhados e com tripas enfarinhadas e tudo —, e lombo de porco assado com batatinhas no forno, igualmente saboroso e bem confeccionado. Para sobremesa, surpreendente pudim de ovos igualmente de confecção

Café Júlio Largo do Trovador, 20 Tel.: 253 41 77 61 Aberto todos os dias. De domingo a sexta, das 7h às 2h; sábados das 7h às 7h.

Café Júlio Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 29


Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

Sonhos à medida de cada um Cerca de 1300 camas disponíveis podem vir a ser poucas para os visitantes que a cidade espera receber este ano, enquanto ostentar a coroa de Capital Europeia da Cultura. Ainda assim, a oferta que existe, assegura Samuel Silva, é de qualidade. Das Pousadas de Portugal à Pousada de Juventude, passando por um hotel com mais vocação para um público sénior, há quartos para todos os gostos — e espera-se a abertura de mais unidades hoteleiras

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A afirmação de Guimarães como destino de turismo cultural trouxe à cidade visitantes com um perfil de exigência. Cerca de 60 por cento dos turistas que a procuram têm um curso superior e quase um terço é pós-graduado. Pelo que se percebe que a oferta existente em termos de hotelaria prime pela qualidade. Quase todos os principais hotéis vimaranenses estão classificados com quatro estrelas e existem ainda duas pousadas — uma delas, a de Santa Marinha, é uma das mais concorridas a nível nacional. Mas há também problemas na capacidade hoteleira vimaranenses. Desde logo porque a oferta é escassa. Os responsáveis vimaranenses não escondem essa dificuldade e têm, por diversas vezes, assumido que a oferta instalada no concelho não será suficiente para os níveis de procura que são esperados durante este ano. A Capital Europeia da Cultura espera atrair 1,5 milhões de visitantes, para os quais as 1300 camas actualmente existentes prometem fazer-se poucas. Neste momento, estão a ser ultimadas as obras que vão permitir a abertura de novas unidades hoteleiras na cidade, que vão acrescentar mais 200 camas à oferta existente, a maior parte das quais deve-se à criação de três novos hotéis de quatro estrelas. Mas para se precaver para os períodos de maior procura, Guimarães decidiu socorrer-se da lei do Alojamento Local, desafiando os vimaranenses a inscreverem as suas casas numa bolsa de alojamento disponível para o público e que os visitantes poderão encontrar no site do gabinete de turismo municipal. A mudança a que começa a assistir-se na hotelaria vimaranense vai também ao encontro do cada vez maior número de jovens que procuram a cidade. Numa das regiões mais jovens da Europa, a oferta dedicada a este público específico é ainda escassa, mas, nos primeiros meses deste ano, abrem dois novos hostels, um deles no centro histórico e o outro muito próximo do coração da cidade. As duas novas unidades vão complementar a solução já existente, a Pousada de Juventude construída no antigo bairro industrial de Couros.

Hotel Camélia

Pousada de Santa Marinha O conceito de pousada histórica tem ainda mais razão de ser na Pousada de Santa Marinha, instalada num antigo mosteiro de cónegos de Santo Agostinho, mas com ocupação que remonta à época romana e onde funcionou o primeiro esboço de uma universidade nacional. Já no último quarto do século XX, o espaço foi transformado numa unidade hoteleira, sob coordenação de Fernando Távora, já então uma das figuras-chave da regeneração urbana de Guimarães. O restauro valeu o Prémio Nacional de Arquitectura, em 1985, e criou um dos espaços mais exclusivos da rede de Pousadas de Portugal. Com 49 quartos duplos e duas suites, a pousada dispõe ainda de quartos para famílias e um serviço complementar de bar e restaurante com requinte. Está implantada na freguesia da Costa, na subida para a estância de montanha da Penha e a poucos minutos do centro histórico de Guimarães, do qual é possível apreciar uma extraordinária vista desde a pousada.

Guimarães oferece também uma pousada de charme. A Pousada de Nossa Senhora da Oliveira está na praça mais emblemática do centro histórico, a da Oliveira, num dos primeiros edifícios a ser recuperados no centro da cidade. Os visitantes têm à sua disposição dez quartos e seis suites. Pousada de Santa Marinha Rua Domingos Leite de Castro 4810-011 Guimarães www.pousadas.pt Preços a partir de 100€

Casa de Sezim O segmento de Turismo de Habitação tem várias opções de qualidade em Guimarães, mas nenhum outro lugar guarda tantos encantos como a Casa de Sezim. A monumentalidade do edifício começa na sua fachada e prolongase nos interiores requintados, onde assume particular relevo a colecção de papéis de parede panorâmicos da primeira metade do século XIX, impecavelmente preservados, que decoram os seus salões. A unidade hoteleira está instalado num edifício cuja construção remonta ao século XVIII, mas o terreno está nas mãos dos actuais proprietários desde o século XIV, através de um

descendente de D. João Freitas, um dos fiéis companheiros de Afonso Henriques durante a reconquista cristã. Sezim está a cerca de quatro quilómetros do centro de Guimarães, no meio do verde característico da região. A casa está aberta durante todo o ano aos visitantes, oferecendo oito quartos e serviços complementares, como campo de ténis e piscina. A Casa de Sezim é ainda conhecida pelos seus vinhos de qualidade, especialmente os verdes brancos. Casa de Sezim Rua de Sezim S. Tiago de Candoso 4835-249 Guimarães www.sezim.pt Preços a partir de 70€

Hotel Guimarães A localização excelente — a escassos metros do Centro Cultural Vila Flor e da estação de caminho-deferro — e o facto de ser a maior unidade hoteleira da cidade, com um total de 196 camas, fazem do Hotel Guimarães um dos espaços incontornáveis da oferta local. O hotel de quatro estrelas foi inaugurado em 1992, mas a


PAULO RICCA

NELSON GARRIDO

desse bairro dos criativos que está instalada a Pousada de Juventude da cidade. Construída em 2004, como parte do complexo multifuncional de Couros — o primeiro passo para a regeneração daquela área de arqueologia industrial —, a pousada é a única escolha para os visitantes jovens de Guimarães, enquanto não aparecem outras opções. Mas é uma boa escolha: integrada na rede nacional gerida pela Movijovem, tem um total de 62 camas, incluindo um apartamento com kitchenette para oito pessoas e quartos duplos privativos. Os preços da estadia variam entre os 11 e os 19 euros por pessoa. A antiga casa de industriais de curtumes, construída em granito, foi adaptada e apresenta uma decoração simples e moderna, disponibilizando ainda no espaço do logradouro uma soalheira esplanada e duas salas de convívio, uma delas com um ambiente muito informal no sótão do edifício. Pousada de Juventude de Guimarães Complexo Multifuncional de Couros Largo do Cidade, 8 4810-430 Guimarães http://microsites.juventude.gov.pt/ Portal/pt/PGuimaraes.htm Preços a partir de 11€

Hotel Camélia Casa de Sezim NELSON GARIDO

fazem parte da sua oferta global de 116 quartos (80 twins e 28 duplos), e ainda oito suites. O serviço inclui ainda um spa, restaurante e um bar com uma excelente vista sobre a cidade. Hotel Guimarães Rua Eduardo de Almeida 4801-911 Guimarães http://hotel-guimaraes.com Preços a partir de 70€

Hotel Toural

Pousada de Santa Marinha

renovação feita a pensar no campeonato da Europa de futebol de 2004 deu uma nova energia ao espaço, permitindo manter a decoração moderna. O equipamento distingue-se ainda pelo ambiente recatado e acolhedor, apesar da sua dimensão. A taxa de ocupação elevada ao longo dos últimos anos levou

a unidade a projectar o seu alargamento a pensar na procura proporcionada pela Guimarães 2012. Nos últimos meses, o hotel sofreu obras de ampliação que permitiram adicionar 16 novos quartos à oferta. Especialmente preparado para o turismo de negócio, o Hotel Guimarães tem quartos equipados para quem viaja em trabalho, que

Se há algo que a recente renovação da praça do Toural fez foi conferir uma sensação de maior dimensão ao espaço público mais emblemático da cidade. A ala Leste, cujo projecto é do período pombalino, é um exemplo único na arquitectura vimaranense, com uma continuidade das fachadas incomum. É aqui se situa o Hotel Toural. Das janelas da unidade hoteleira tem-se hoje uma vista ainda mais privilegiada sobre a “sala de estar” dos vimaranenses. Dali, olhar o novo piso desenhado pela artista plástica Ana Jotta — representando a planta do centro histórico

— permite uma leitura mais abrangente da obra recentemente inaugurada. Esta é a principal maisvalia deste hotel de quatro estrelas, um dos mais antigos da cidade, mas que tem a actual configuração desde os anos 1990. A decoração e o serviço parecem datados, mas a dimensão dos quartos e a proximidade com quase tudo o que importa conhecer em Guimarães compensam estas debilidades. Os visitantes têm à sua disposição 30 quartos, incluindo cinco suites, e estacionamento gratuito, o que no centro histórico vimaranense é quase um “luxo”. Hotel Toural Largo A. L. Carvalho 4800-153 Guimarães http://www.hoteltoural.com Preços a partir de 60€

Pousada de Juventude Um dos projectos mais marcantes da Capital Europeia da Cultura é o CampUrbis, uma parceria com a Universidade do Minho que está a transformar o antigo quarteirão industrial dos curtumes num pólo de inovação. É no coração

Se procura um hotel adaptado para receber seniores ou pessoas com mobilidade reduzida, o Camélia é a melhor opção que Guimarães tem para oferecer. Construído inicialmente para ser uma residência para a terceira idade, a meio do ano passado mudou o seu posicionamento, transformando-se num hotel de saúde e bem-estar. O mobiliário geriátrico, ergonomicamente adaptado, escolhido a pensar na sua função inicial, é uma garantia de conforto. Essa opção manifesta-se também na facilidade de acesso aos elevadores e casas de banho. Outro ponto forte para atrair esses visitantes com mais de 55 anos é a parceria com o hospital privado de Guimarães para prestar apoio médico 24 horas aos utilizadores do hotel. O Camélia tem disponíveis 27 quartos, num edifício moderno, que contrasta com o ambiente recatado, quase bucólico, de quinta minhota que mantém nos seus jardins. Apesar desta tranquilidade, está situado a quatro quilómetros da cidade e a poucos metros da antiga fábrica ASA, um dos novos espaços de criação cultural criados para a Guimarães 2012. Hotel Camélia E.N. 105, n. 787 4835-164 Guimarães www.camelia.pt Preços a partir de 60€ Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 31


Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A noite faz-se na rua

A diversão nocturna em Guimarães é quase sinónimo de centro histórico. A renovação da área central da cidade e o surgimento de uma movida local aconteceram praticamente ao mesmo tempo e não se tratou apenas de coincidência temporal. O aparecimento dos primeiros bares no rés-do-chão das casas de traça medieval ajudou a resgatar as praças, que hoje estão na moda, a um passado de marginalidade. Mas nos últimos 20 anos o circuito nocturno vimaranense concentrou-se praticamente no eixo composto pelo Largo da Oliveira, Praça de São Tiago e Rua de Santa Maria. A dimensão reduzida dos espaços que ocuparam as casas históricas fez também com que a noite de Guimarães seja feita na rua, com o público em movimento constante entre os cerca de 15 bares localizados no centro. As praças são o espaço privilegiado da diversão local, mesmo nos dias frios de Inverno. A essa condicionante da dimensão, junta-se outra: o centro histórico está cheio de moradores e os bares apenas podem funcionar até às 2h. E aqui PSP e Polícia Municipal não dão tréguas no que toca a respeitar o horário de encerramento. Pelo mesmo motivo, a oferta esteve durante vários anos demasiado limitada. Quase formatada, dir-se-ia, quer em termos da música que se podia ouvir como do serviço de cada um dos estabelecimentos: copo na mão e música comercial nos ouvidos. Ainda é assim em muitos dos locais de diversão vimaranenses, mas nos últimos anos a cidade assistiu a uma mudança também neste aspecto. A afirmação cultural de Guimarães criou novos espaços fora do centro histórico e a própria oferta dentro da zona amuralhada foi mudando. Especialmente nos últimos três anos, surgiram espaços alternativos, com serviços mais especializados. E a noite vimaranense tem agora opções de qualidade para continuar a ser viva, madrugada fora, durante os fins-desemana.

Café-concerto do CCVF

Depois de um passado de marginalidade, as praças da cidade começaram a estar na moda. E hoje o público nocturno vimaranense está em movimento constante entre os cerca de 15 bares do centro histórico. Samuel Silva (texto) e Nelson Garrido (fotos) traçam o roteiro da animação

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O Centro Cultural Vila Flor (CCVF) não é apenas a principal sala de espectáculos vimaranense e ponto de encontro das principais manifestações artísticas contemporâneas na cidade. O café-concerto, além do espaço agradável com vista sobre os magníficos jardins do palácio Vila Flor, é também um dos pontos de paragem obrigatória da noite da cidade.

Depois de uma reconfiguração há pouco mais de um ano, o caféconcerto do CCVF ultrapassou o estigma de inadaptação à qualidade do centro cultural. A música latina desapareceu das colunas para dar lugar a uma criteriosa selecção musical do melhor rock alternativo do momento, em linha com o que vem sendo a programação do espaço. Por ali têm passado nomes emergentes da cena indie nacional e internacional, num ambiente de clube que dá aos concertos características muito próprias. A mudança foi também física e hoje o espaço tem uma decoração moderna e sóbria, mantendo os padrões de conforto que sempre ostentou, ainda que o serviço nem sempre esteja à altura da qualidade que se impõe num local como este. Centro Cultural Vila Flor Avenida D. Afonso Henriques, 701 4810-431 Guimarães www.ccvf.pt

Tasquilhado Para fechar o triângulo de visita obrigatória do centro histórico de Guimarães falta conhecer a Rua de Santa Maria. Outrora eixo central da cidade medieval, ligando a Colegiada ao Castelo, a artéria mantém a configuração histórica, muito estreita. Nos escassos metros que separam as fachadas de um e de outro lado da rua é usual ver uma grande aglomeração de pessoas nas noites vimaranenses. A responsabilidade é, em grande parte, do Tasquilhado, um bar amplo como poucos em Guimarães, que passa música ecléctica, misturando clássicos do pop-rock dos anos 70 e 80 com canções da transição de milénio. O “Tasco”, como é chamado por aqui, tem dois balcões que servem quantidades respeitáveis de shots e cocktails. A vodka é a bebida mais procurada e a decoração brinca faz jus à tradição do Leste, brincando com a simbologia soviética. Há também um quadro de lousa onde os clientes podem deixar as suas mensagens e é por ali que encontramos promessas de reencontro entre a comunidade Erasmus do pólo de Guimarães da Universidade do Minho. Tasquilhado Bar Rua de Santa Maria, 42 4810 Guimarães


El Rock

Rolhas & Rótulos

É o bar mais antigo do centro histórico Guimarães e uma das suas casas incontornáveis. Se a ideia é fazer um percurso pelas ruas principais da animação nocturna, depois de um copo de vinho no Rolhas & Rótulos, siga por baixo das arcadas dos antigos Paços do Concelho até à Praça de São Tiago. Do lado esquerdo, num canto da praça, está o El Rock. Há 21 anos que o bar leva a sério o nome com que foi baptizado e há muito que é a casa de todos os amantes do rock and roll na cidade. O espaço em que funciona é pequeno, mas o El Rock estendese pela praça, com a clientela a aglomerar-se à porta, bebendo as cervejas e cocktails que saem de trás do balcão. Mais de duas décadas de actividade criaram uma espécie de comunidade à volta El Rock — retratada, no ano passado, num documentário dirigido por Ricardo Leite para celebrar os 20 anos — que é tão transversal como a música que anima o bar durante as noites. Dos conhecedores do póspunk dos Joy Division aos amantes do nu metal dos Korn, à porta do El Rock podemos encontrar gente dos 15 aos 45 anos.

Na varanda com vista para a oliveira que dá nome à praça maior do centro histórico de Guimarães, ou no conforto dos sofás do segundo piso, escolher o Rolhas & Rótulos é uma boa opção para início de noite. Com três pisos, é o maior bar do coração da cidade, mas nem sempre é fácil encontrar lugar para sentar. A casa nasceu em 2009 como um bar de vinhos, ainda que hoje esteja mais diversificado. O Rolhas & Rótulos mantém uma muito completa selecção de vinhos nacionais para todos os gostos e a maioria das carteiras e um serviço competente capaz de aconselhar convenientemente na hora da escolha. Para os mais exigentes, há sempre a possibilidade de pedir o

iPad com a carta de vinhos e todas as informações complementares acerca de cada uma das opções. Além disso, o bar do Largo da Oliveira oferece um serviço de vinho a copo com seis possibilidades de escolha, que mudam todos os meses, intercalando grandes escolhas e vinhos a dar os primeiros passos no mercado. Também está disponível uma boa selecção de cervejas importadas, um competente serviço de tapas e snack e ainda os complementos de crepes e gelataria. Rolhas & Rótulos Largo da Oliveira n.º 11 4810 Guimarães http://rolhaserotulos.com/

El Rock Bar Praça de S. Tiago, 31 4800 Guimarães http://elrockbar.com

Projecto Não são muitas as opções para uma noite com final tardio em Guimarães, mas, desde 2009, há um novo local de culto para os vimaranenses. Chama-se Projecto e nasceu como complemento às duas discotecas comerciais da cidade, mas rapidamente ganhou força própria. O Projecto funciona junto ao cais de embarque do teleférico da Penha, não muito longe do centro da cidade e tem sido capaz de congregar muitos dos que são frequentadores habituais dos bares da zona histórica. O que era para ser um clube dedicado ao rock descobriu também uma vocação para albergar um nicho de público local que procura a música electrónica. Hoje, a programação varia entre o rock, o drum and bass e o dubstep, com festas temáticas e DJ convidados capazes de praticamente preencher os cerca de 500 lugares de lotação do espaço, até às 4h30. O espaço que, às sextas e sábados, funciona como projecto, tem uma outra vida durante o resto da semana. Entre as 21h e as 2h, abre o Before Project, um bar de início de noite, que passa música electrónica calma e programa noites de poesia, jazz e cinema durante a semana. Projecto Parque das Hortas, nº 504 Costa 4810 Guimarães

Projecto

Rolhas & Rótulos

São Mamede

São Mamede – CAE Rua Dr. José Sampaio, 17-25 4810-275 Guimarães http://sao-mamede.com/

Há quatro anos, o antigo cinema São Mamede reabriu portas. É um caso raro de um centro de artes e espectáculos exclusivamente privado que, além de uma sala alternativa à cidade, ajudou também a mudar a forma como Guimarães se diverte. Ali há três espaços para conhecer, o mais recente dos quais promete tornarse numa referência da noite vimaranense. Chama-se Öga Club e foi inaugurado no passado sábado. Para já, vai funcionar uma vez por mês, aos sábados, ocupando o palco do antigo cinema com música electrónica, com particular incidência dos sons mais calmos. A ideia do São Mamede é dar versatilidade ao espaço, tornando a sua programação mais ecléctica e fazendo jus ao conceito de clubbing contemporâneo. O Öga será a continuação perfeita para as noites do Clube Zero, que às sextas-feiras e sábados transforma a galeria de arte do São Mamede numa pista aberta aos apreciadores da electrónica dançável. Os primeiros sons ouvem-se a partir das 23h00, mas antes, no primeiro piso, é possível passar pelo caféconcerto, que funciona como bar todos os dias da semana.

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