Revista Jurídica da FA7 5ª Edição

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António Santos Justo

e só agora florescem, o Iluminismo tem como grandes marcas o laicismo, o naturalismo, o cientismo, o individualismo, o estatismo e o economismo, que rompem com o passado e perspectivam um mundo novo. O Homem volta a ser a medida de todas as coisas, quer compreender os fenómenos naturais, afirmar os valores da liberdade, da igualdade e da propriedade, construir um Estado que garanta a segurança das pessoas e bens num ambiente de paz económica dirigido por uma mão invisível que fará convergir a actuação de todos na realização do equilibro económico27. No plano jurídico, defende-se a lei como única fonte do direito porque, além de expressão da razão e, por isso, geral e abstracta, é segura, certa e clara e constitui um instrumento poderoso de transformação social. Afasta-se o costume porque é incerto e comprometido com o passado que urge transformar. A crença na omnipotência da razão justifica o afastamento da velha opinio communis doctorum, da Glosa de Acúrsio e das opiniões de Bártolo porque não passam de meras probabilidades e a razão pensa que tem acesso à verdade. E, finalmente, afirma-se o direito natural e submete-se o direito romano ao crivo da razão, pelo qual só passa o direito do usus modernus pandectarum28. E especificamente no direito penal e no direito processual penal impôs-se o Humanitarismo com contributos notáveis: a explicação religiosa da pena como expiação é substituída pelas ideias de necessidade e utilidade com expressão na prevenção de todos (prevenção geral) e do próprio delinquente (prevenção especial). As penas corporais são substituídas pela pena de prisão, considerada a regina poenarum. Afirma-se a ideia de proporcionalidade da pena à gravidade do delito. E o respeito pela dignidade humana justifica os princípios in dubio pro reo e nullum crimen sine lege e determina a estrutura acusatória do processo penal. Com base na teoria do contrato social, considera-se que a pena de morte não é necessária nem justa. E combate-se a tortura porque leva à condenação de inocentes débeis e à absolvição de celerados fortes29. É neste ambiente de racionalismo que o Marquês de Pombal realizou as suas reformas que actuaram no direito positivo, na ciência jurídica e no ensino do direito. Assim, em 1769 a famosa Lei da Boa Razão afastou o costume contra legem e reduziu o direito subsidiário ao direito romano do usus modernus pandectarum30 e, em matéria de carácter político, económico, mercantil e marítimo, às leis das nações cristãs, polidas e civilizadas. Ferindo gravemente o costume, aquela lei abriu o caminho para a afirmação da lei como a única fonte do direito31.

Vide ALMEIDA COSTA, o.c. 359-361; e SANTOS JUSTO, ibidem 47-48. Vide SANTOS JUSTO, ibidem 48. 29 Vide ALMEIDA COSTA, o.c. 362-364; e SANTOS JUSTO, ibidem 52-53. 30 Sobre o usus modernus pandectatum, vide ALMEIDA COSTA, o.c. 356-358; e SANTOS JUSTO, ibidem 53-54. 31 Vide ALMEIDA COSTA, o.c. 364-371

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RevJurFA7, Fortaleza, v. V, n. 1, p. 197-242, abr. 2008

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