CORPOCASA

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Índice EDITORIAL

NARRATIVAS

Corpocasa Adriana Amaral, Priscilla Vilas Boas, Sandra Cunha e Valeska Figueiredo Colaboradoras: Karime Nivoloni, Milene Perez e Simone Lima................................................................. 4

EMIA: Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo Sandra Cunha ................................................................... 11

INSTITUCIONAIS

A formação no centro da agenda cultural Juca Ferreira........................................................................ 6 EMIA, Vocacional e PIÁ: Trajetórias, singularidades e desafios Eduardo Augusto Sena........................................................ 7 O agente público artesão e a cidade em formação Mica Farina.......................................................................... 8 Ensaio para políticas intersetoriais ou Sobre cultura, saúde e outras políticas de fronteira Priscila Tamis....................................................................... 9 Processos artísticos, tempos e espaços: Encontro sobre formação artístico-cultural na cidade de São Paulo Andrea Fraga, Cintia Campolina, Fafi Prado, Flávia Giacomini, Priscila Tamis, Priscilla Vilas-Boas, Suzana Schmidt e Zina Filler .............................................. 10

A iniciação como modo de existir da EMIA Andréa Fraga ..................................................................... 12 O que cabe na EMIA? Liseti Bonamin .................................................................. 15 O que as “Narrativas Poéticas” têm a nos dizer sobre o ensino de Arte para crianças na EMIA? Sandra Cunha ................................................................... 16 A integração de linguagens artísticas como um modo específico de ensino-aprendizado em arte na EMIA: possibilidades diversas Priscilla Vilas Boas ............................................................. 18 Observação do parque Marcos Venceslau ............................................................... 20 Instalações permeáveis Telmo Rocha ..................................................................... 22 Entremundos: Fragmentos de uma iniciação mítica Celso Amâncio, Karime Nivoloni, Paulo Farah e Simone Lima ............................................... 24 Fantasia Odino F. A. Pizzingrilli e Rogério Almeida ........................ 26

Viagem na máquina do tempo e do lugar: uma experiência de integração de linguagens Giselle Ramos Maria Silvia Monteiro Machado ....................................... 29

Ensino coletivo de cordas na EMIA: novos caminho Adriane Krindges e Cintia Zanco ...................................... 46 Além do nada há o vazio Rogério Almeida e Fábio Marques ..................................... 48

Extemporâneo e contemporâneo Flávia Ferraz, Fábio Marques, Liliana Bertolini e Valeska Figueiredo ................................ 32

Chão de estrelas Marco Glauco ................................................................... 50

EMIA Espaço do acontecer Chico Lu .......................................................................... 34

Que ventos nos levam? Celso Amâncio e Flávia Ferraz .......................................... 53

O que é fazer arte na EMIA? Carlos Henrique Sgreccia................................................... 35

Conexão Marcos Venceslau, Berenice de Almeida, Valeska Figueiredo e Wando Piras ..................................... 54

Narrativa de ensino musical: aulas de flauta doce Meri Angélica Harakava .................................................... 36 Plantio do milho – de São José a São João Julio Cezar Giudice Maluf Rosa Maria Comporte ...................................................... 37 Onde surgiu o teatro? Perguntas para se colocar no espaço de uma exposição Paulo Farah André ............................................................ 40 Entrelaçando os fios Milene Perez ...................................................................... 42 Histórias de pescador Alexandre Medeiros de Oliveira Maria Silvia Monteiro Machado ....................................... 44

Coral da EMIA: “Quem sou eu?” Maru Ohtani ..................................................................... 56 Dança na EMIA: experiência em processo Karime Nivoloni ............................................................... 58 ...poética por um fio... Alexandre Medeiros de Oliveira Sheila Christina Ortega ..................................................... 60 Descobrindo e idealizando uma Orquestra Infanto-Juvenil na EMIA Geraldo José Olivieri Junior .............................................. 63 Da sucata ao som, do som à música Wilson Dias ...................................................................... 66 Equipe 2014 .................................................................. 68

Criando o mundo através da mascara Telmo Rocha e Antonio Correa Neto ................................. 27

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EDITORIAL

Corpocasa

A equipe editorial

CORPOCASA dá nome à primeira edição da EMIA em Revista, publicação que traz histórias, relatos, reflexões e poesias de artistas-professores, coordenadores e da equipe de direção da Escola Municipal de Iniciação Artística-EMIA/SP. Os textos vêm carregados de inúmeras experiências que partem do convívio diário com colegas, funcionários, familiares, comunidade e, principalmente, da intensa troca com as crianças que frequentam esta escola. Iniciamos este projeto com a intenção de compartilhar o nosso fazer artístico-pedagógico, nos apropriando do título e do conceito do trabalho de um grupo de crianças. Em CORPOCASA, elas desenharam o contorno de seus próprios corpos e começaram a ocupá-los, a partir dos mais variados tipos de casa de gente e de bichos. Criaram cômodos, e as memórias de suas casas reais e seu rico imaginário deram lugar às múltiplas ocupações, e possibilidades variadas de corpos que viraram casas. A partir deste estímulo, nos lançamos ao seguinte processo de reflexão: o que constitui o corpo EMIA? O que cabe em nossa casa? Como os corpos de crianças, familiares, artistas-professores, gestão da escola e comunidade dialogam ao ocupar três casas situadas dentro do Parque Lina e Paulo Raia? Ao nos indagarmos sobre estas questões, percebemos que o fato de a EMIA estar há trinta e quatro anos neste espaço, dentro de um parque público, determina de certa forma os modos como os processos são elaborados nessa escola. Por outro lado, as construções antigas e sólidas têm suas características modificadas, na medida em que são habitadas por pessoas cujos corpos são impregnados de histórias, pensamentos, ideias e concepções de mundo diversas. É nessa possibilidade de troca que reside a beleza de se constituir o corpo EMIA. Assim, EMIA em revista se propõe a ser como a escola de fato é: um espaço para construção de conhecimento em arte, aberto para promover diálogos entre os artistas-professores, que habitam esta casa, e seus possíveis interlocutores.

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Nessa publicação, a proposta da revista é de se apresentar como a planta baixa de uma casa, que permite, tanto aos autores quanto aos leitores, um olhar amplo de todos os cômodos que a compõem; além de convidá-los a adentrarem suas portas e janelas, de modo a construírem pontes entre suas práticas e as experiências vividas nesta escola. Pontes que possam modificar nossa casa, penetrar nossas paredes, mudá-las de lugar, pintar nosso chão, invadir nosso telhado, plantar novas sementes em nossa terra, regar nossas plantas, iluminar nossos sótãos e porões. Esta primeira edição revela a diversidade de propostas e a riqueza dos trabalhos compostos por crianças e artistas-professores. Os textos, permeados por imagens, expõem, de forma conceitual e/ ou poética, múltiplas maneiras de trabalhar com integração de linguagens, infância e iniciação artística. Em comum, há a busca em mergulhar no âmbito do sensível e ampliá-lo por meio da sensibilização; do afeto, da estética e da arte. É essa diversidade o que, justamente, dá a possibilidade disto ocorrer de forma complexa e variada. Por conta disso, ao nos debruçarmos sobre os textos que compõem CORPOCASA, assumimos a postura de acolher e respeitar a pluralidade de pensamentos sobre arte e ensino de arte com e para crianças, tal como expressos por cada um dos autores. Sem termos a pretensão de adotarmos um discurso hegemônico, nos abrimos aos diferentes olhares sobre nosso fazer artístico com as crianças na escola, reforçando assim a importância dos diálogos. Nosso desafio foi o de desenhar neste espaço as conexões possíveis entre tais escritos, que revelam um corpo docente sensível e imensamente envolvido com o fazer artístico e com o ensino de arte para crianças. É com grande satisfação, portanto, que convidamos os leitores a adentrarem em um universo de arte e de infância com CORPOCASA, a primeira publicação da EMIA em formato de Revista. Sejam todos bem vindos!

Adriana Amaral. Artista visual, artista-professora na EMIA e coordenadora artístico-pedagógica no Programa Vocacional Artes Visuais. Atualmente pesquisa processos criativos dentro de práticas artístico-pedagógicas na relação de ensino e aprendizagem. Priscilla Vilas Boas. Mestre em Educação e graduada em Dança pela UNICAMP. Atualmente é coordenadora da àrea de Dança da EMIA. Sandra Cunha. Doutora em Educação e Mestre em Artes pela USP, professora de música na EMIA de 2007 a 2012, atualmente é assistente pedagógica da escola. Pesquisadora do GEPSI-Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Sociologia da Infância e Educação Infantil/FEUSP. Valeska Figueiredo. Doutora em Artes Cênicas pela UNICAMP e mestre em Educação pela UFSC. Atua profissionalmente como coreógrafa, bailarina, pesquisadora e professora de dança. Atualmente, é artista-professora da EMIA e integrante do [-MOS]. Concepção poética da revista: Adriana Amaral Colaboradoras: Karime Nivoloni. Mestre em Dança pela UFBA e graduada em Dança pela UNICAMP. Professora de dança na EMIA e bailarina do Núcleo Mirada e do [-MOS]. Milene Perez. Graduada em Artes Cênicas pela FPA. Artista pesquisadora em teatro para a infância, atriz e diretora da Cia. da Tribo, é professora de teatro e coordenadora da área de teatro da EMIA. Recebeu os prêmios: Mambembe e APCA de Melhor Atriz Teatro Infantil. Simone Lima. Graduada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela UNESP/Bauru, é artista visual, performer e artista-professora na EMIA. Gosta de trabalhar com crianças e com adultos que brincam. É integrante do ...Avoa! Núcleo Artístico.

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INSTITUCIONAL

A formação no centro da agenda cultural

EMIA, Vocacional e PIÁ:

trajetórias, singularidades e desafios

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ão Paulo se consolida como uma das principais capitais culturais do mundo. Nos últimos anos, cresceu a oferta de programação e outras iniciativas artísticas, com forte atuação do poder público na produção, financiamento direto e fomento dessas atividades. A Prefeitura de São Paulo conta hoje com uma ampla rede de equipamentos culturais. São mais de 200 espaços, como teatros, bibliotecas, centros culturais, CEUs e Casas de Cultura, que aliam programação diversa e de qualidade com atividades de formação artística. No âmbito das ações de formação da Secretaria Municipal de Cultura, o papel dos programas PIÁ, Vocacional e a Escola Municipal de Iniciação Artística é estratégico. Esses programas de formação estão em franco crescimento e têm sido fortalecidos, aliando objetivos de iniciação artística com formação de novos públicos. Em 2014, 84 espaços da cidade ofereceram mais de 8 mil vagas para crianças, jovens, adultos e idosos. Por meio da parceria entre as Secretarias de Educação e Cultura, o PIÁ e o Vocacional vêm ampliando sua rede de atuação, e ganharam força com a retomada, neste ano, da gestão compartilhada dos CEUs. A Secretaria também investiu na reflexão sobre esses processos com a realização do Seminário ‘Processos Artísticos, Tempos e Espaços’. Ainda no âmbito das novas políticas que estão em fase de implantação, a recente incorporação da primeira infância e da terceira idade são estratégicas para atuar efetivamente no campo da inclusão. Em parceria com o São Paulo Carinhosa, programa da

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Prefeitura de São Paulo com foco na primeira infância, as ações para este público devem ser incrementadas no próximo ano. Está prevista também para o ano de 2015 a ampliação das linguagens oferecidas, incluindo literatura, circo, fotografia, moda e cultura digital. Além de seu objetivo primordial, tais programas de formação ajudam também a identificar e apontar demandas e necessidades culturais em diversos pontos da cidade, pois são ações capilarizadas nos territórios, que quando incorporadas e transformadas em políticas públicas contribuem para a valorização da pluralidade de manifestações. A Secretaria Municipal de Cultura pretende seguir no aprimoramento e ampliação de suas atividades de formação, garantindo também reflexão qualificada e avaliação permanente de suas iniciativas.

Juca Ferreira Secretário Municipal de Cultura de São Paulo

Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo realiza continuadamente diferentes ações que tem por objetivo fomentar o fazer artístico e cultural, propiciar a experimentação estética e o desenvolvimento de processos criativos emancipatórios. Realizadas em uma rede de equipamentos públicos espraiada por todas as regiões da cidade, oferecem a um público bastante diversificado vivências e meios que potencializam o desenvolvimento autônomo de seus universos simbólicos. Nesse cenário, o Departamento de Expansão Cultural (DEC), através de sua Divisão de Formação Artística e Cultural, é responsável pela gestão de três importantes iniciativas, portadoras de características distintas, mas que compartilham esses propósitos e cujas ações se direcionam para o seu alcance. Com uma trajetória que completa 35 anos em 2015, a Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA) se consolidou, ao longo desses anos, como umas das mais importantes instituições destinadas ao público infantil na cidade. Desenvolvida a partir de uma inovadora metodologia, fundamentada na integração das linguagens de música, dança, teatro e artes visuais, e concebida para atuar junto à faixa etária compreendida entre os 5 e 12 anos, a EMIA ofereceu, em 2014, um total de 1.800 vagas. Durante a gestão da Prefeita Marta Suplicy, em reconhecimento dessa trajetória, e com o objetivo de estender para um público mais amplo o acúmulo de vivências que tem palco na EMIA, foi realizado nos Centros Educacionais Unificados o Programa “EMIA nos CEUs”. Em 2008, a partir dessa experiência, e da atualização de seus princípios conceituais e metodológicos, nasce o Programa de Iniciação Artística – PIÁ, que vem construindo uma trajetória e identidade próprias. Gradualmente implementado em diferentes equipamentos públicos desde então, o programa atende atualmente 1.800 crianças em 18 equipamentos públicos (Centros Educacionais Unificados, Bibliotecas, Centros Culturais), além do projeto piloto desenvolvido em parceria com a EMEF Brigadeiro Henrique Fontenelle. Com um percurso singular, que contou com a participação ativa de artistas e atores culturais na sua formulação e desenvolvimento, o Programa Vocacional, que completou 13 anos em 2014, realiza suas atividades em mais de 70 equipamentos, localizados em todas as regiões da cidade e responsáveis pelo oferecimento de mais de 4.600 vagas, distribuídas nas linguagens de música, dança, teatro, artes visuais e artes integradas. Resultado dessa

capilaridade e alcance, o programa vem se afirmando como um importante agente articulador das dinâmicas culturais locais, envolvendo tanto indivíduos quanto grupos e coletivos artísticos. Em conjunto, a atuação dos quase 350 artistas, que anualmente tomam parte dessas iniciativas, é responsável pelo florescer de novas vocações, vivências e percepções e, importante ressaltar, de uma memória cultural viva da cidade. Contudo, essa formidável estrutura, reconhecidamente bem avaliada como estratégia de implementação de políticas públicas com foco na iniciação e formação cultural, também precisa enfrentar desafios e lacunas importantes. Primeiramente, se faz necessário reconhecer que o alcance desses programas ainda é insuficiente para atender a demanda observada pela Secretaria Municipal de Cultura. A inclusão de novas linguagens, notadamente nas áreas de livro e leitura, bem como a expansão das ações para atendimento específico do público de terceira idade e da primeira infância nos programas, projetos e ações da Divisão de Formação Artística e Cultural, conformam tópicos que tem sido reiteradamente solicitados nas escutas e diálogos públicos realizados pela Pasta. É igualmente imperativa a necessidade de formulação e desenvolvimento de novos marcos operacionais, aptos a captar a multiplicidade dos atores culturais e as novas formas de organização que as dinâmicas culturais contemporâneas admitem, bem como adequar os programas à modos mais adequados de gestão, que permitam aos artistas e profissionais envolvidos lograr melhores condições de trabalho. O método adequado para romper esses obstáculos e vencer esses desafios, acreditamos, deve estar assente no diálogo constante entre os diferentes atores interessados (artistas, usuários, Poder Público) e na criação de estratégias que consideram as premissas que orientam as ações (e aspirações) de cada parte. Desse modo, é possível admitir que do embate de ideias e proposições seja possível emergir as bases que irão orientar as ações futuras dessas iniciativas que, desde sempre e então, se fortaleceram a partir de uma plataforma que tem como força motriz a ação coletiva e colaborativa, e a interação entre o público e o artista. Eduardo Augusto Sena Diretor do Departamento de Expansão Cultural

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INSTITUCIONAL

O agente público artesão

e a cidade em formação

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m luthier é um artesão. Busca sonoridades. Pesquisa madeiras, materiais, formatos e fluxos. Cria e constrói exoesqueletos - prolongamentos dos dedos, dos punhos, do coração que percutem, amplificam, filtram e modulam vibrações no mundo. É também um esteta da pólis. Todos, fundamentalmente, o são. Podemos definir o cidadão cultural como um esteta da pólis. Um agente público é também um artesão. Que cidade estará construindo o artesão agente público? Diferença como expressão, igualdade como razão A diferença é matéria prima da expressão cultural. Da diferença, identidade e de suas relações nascem as culturas. Diferença não é sinônimo de desigualdade como poderíamos imaginar. E igualdade não é massificação. Na vida urbana, cada vez mais urbana e menos vivida, esta pseudo-igualdade, não a de direitos e oportunidades, mas aquela reduzida à hegemonia cultural, sustenta para todos e tudo que é preciso aniquilar para assim, consumir mais. Uma criança de doze anos já assistiu mais de 20 mil assassinatos reproduzidos em telas. Sem perceber, extenuados e excitados, nós adultos capturamos o tempo expressivo das crianças. Nosso filho sonhou com uma heroína com asas de borboleta, ela tinha uma cicatriz no queixo e não vendia doces e balas nos faróis. O tema da formação em evolução Retorno ao artesão agente público. Quais serão os instrumentos do amanhã? Michel Serres afirma que o “mundo mudou tanto que os jovens precisam reinventar a roda”. Missão compartilhada pela formação cultural. Ouvimos, ao mesmo tempo, ecos do pensador italiano Umberto - “algumas invenções não podem ser melhoradas”. Um francês pensou o mundo enquanto raízes, um alemão pensou com espinhos, nós, queremos folhas, flores, odores e cores. Há cidades dentro da cidade: imensas, invisíveis, um mapa da exclusão. Uma política redistributiva não significa dividir mentes e espíritos. Significa outra coisa. Não significa reforçar ou levantar novos muros. Significa conviver. Parece inexistir um único problema público que possa ser tratado individualmente, isolado ou segregado. Precisamos de todos. 8

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Cidadania cultural, saberes e convivência A atualidade da cidade de São Paulo aponta de um lado, para a ampliação dos tempos e espaços formadores, com mais acesso, participação e diversidade, e do outro, para a insistente manutenção da capitalização dos indivíduos submetidos ao jogo mercadológico. São Paulo se revê nesta gestão que busca avançar superando paradigmas culturais opressivos e excludentes que levaram seus habitantes a se enclausurarem em seus domínios privados, nos habitáculos de seus carros, e territórios que reforçam guetos e muros. As políticas culturais do município se revestem de estratégias para reverter esta lógica com o resgate e a valorização do espaço público; o fortalecimento do diálogo na construção das políticas públicas e no seu reconhecimento como elemento democrático por excelência; na atualização e na recuperação de iniciativas criativas para a cidade; e na busca de sinergias para o enfrentamento de problemas públicos que emperram a construção de uma cidade mais inclusiva e humana. Mais festiva, alegre e feliz. Práxis - diretrizes da formação artística e cultural para a cidade Finalizamos assim, recomeçando. Seguimos caminhando em direção diversa daquelas que reduzem a experiência artística e a vivência cultural a seus valores mercadológicos e a sua dimensão eventual. Reafirmamos as diretrizes das nossas políticas de formação com a radicalidade de uma produção artística e cultural para toda e qualquer idade, para todo e qualquer tempo, em todo e qualquer espaço: Promover a formação artística e cultural livre e emancipadora; Fortalecer as políticas de cidadania cultural; Democratizar o acesso à formação artística e cultural para todos; Contribuir para as políticas setoriais de formação cultural; Contribuir para a memória cultural da cidade e de suas políticas de formação; Estabelecer projetos de formação para formadores. 2014, é primavera em São Paulo. Mica Farina Diretor da Divisão de Formação Artística e Cultural

Ensaio para políticas intersetoriais ou Sobre cultura, saúde e outras políticas de fronteira

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ideia é a integralidade dos indivíduos e populações, alcance, articulação e garantia de direitos fundamentais. A ação é a política de agenciamentos na qual os atores são cada um e todos - agentes públicos na construção coletiva dos espaços, sejam estes equipamentos, ruas, trens, ônibus, praças ou avenidas. O método é cartográfico - diálogo, agenciamento de forças e afetos, escrita, planos, ato. O que nos acompanha - experiência e experimentação, sustentadas pela emancipação e voz de seus compositores. Não se alcança integralidade sem a ousadia da disposição e disponibilidade em criar junto ritmo, espaço, tempo, contratempo. Quando integralizamos nossas práticas conceituais e atitudinais nos comprometemos com a diversidade de forças que atravessam um campo e essa é a aposta das políticas intersetoriais. Política de fronteira, que não despedaça nem fragmenta, borra os especialismos, arranja e desarranja, movimenta e sacode as linhas, alinhavando qualidade intensiva nas parcerias. Afirmamos a transversalização das vidas em acontecimento e do cotidiano da cidade. Tensionar as certezas é um desvício do olhar de grande utilidade. Articular proposições macropolíticas pede uma constante complexificação micropolítica de posturas e olhares. E é assim que a intersetorialidade potencializa nossas ações, tornando-as mais engajadas com as singularidades territoriais, com as vozes que constantemente nos alcançam e fazem passagem. Abrimos interstícios oxigenadores e tornamos o diálogo uma força ativa de relação para fazer-inventar o que desconhecemos: novas linguagens, novos caminhos e caminhares, novos discursos, novo corpo... deslocar fronteiras de percepção e afecção. Tecnologia relacional que dá visibilidade e dizibilidade às diferenças, produzindo responsabilização ética pelos efeitos que constantemente somos capazes e pelas variações de estilísticas que afirmamos. É a produção de subjetividades e subjetivações, as quais nos implicam histórica e coletivamente aos ambientes, às propostas de cuidado, às dimensões democráticas de organização social.

Aqui subjetividade não é compreendida como propriedade intimista de um sujeito ou por determinações sociais, mas em conexão rizomática com processos sociais, culturais, tecnológicos, midiáticos, ecológicos, urbanos. Pensamos a subjetividade como processo e não como estrutura: a ideia de interioridade identitária cede lugar à de processualidade e pluralidade em constante transmutação e relação com exterioridades, sendo assim processos de subjetivação. Em 1986 aconteceu no Brasil a 8ª Conferência Nacional de Saúde que, de modo complementar e colaborativo à Organização Mundial de Saúde (OMS), define saúde como “a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. Neste sentido, a relação dicotômica saúde/doença do paradigma hegemônico do saber biomédico (com o fim ideal de conservação funcional do corpo orgânico), patologizante e quimicoterapêutico, dá lugar ao corpo associado à mente, às emoções, relações socioeconômicas e coletividades. Saúde, portanto, que não é da unicidade de um órgão, mas da trama também rizomática na qual este estabelece suas relações e funcionalidades, desnaturalizando procedimentos que transformam problemas sociais em problemas de saúde. É neste sentido criativo e ampliado que as políticas de cultura e formação artística e cultural estão implicadas com as políticas do corpo, políticas de narratividades, de produção de saúde, subjetividades e territórios geográficos e existenciais. Está aí nosso desafio e compromisso, enquanto agentes públicos, enquanto cidadãos. Este é o intento de uma narrativa dos atravessamentos, da transversalidade das práticas e conceitos - o movimento de uma abertura comunicacional. Priscila Tamis Coordenadora de Ação Cultural

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NARRATIVAS

Processos artísticos, tempos e espaços: Encontro sobre formação artístico-cultural na cidade de São Paulo

EMIA – Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo Sandra Cunha

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omo um dos marcos da Coordenação de Formação e Pesquisa no Programa de Iniciação Artística (PIÁ) e no Programa Vocacional o encontro Processos Artísticos, Tempos e Espaços, veio configurar-se como um espaço de conexão, discussão e novos apontamentos, implicados com as diretrizes de formação da Secretaria Municipal de Cultura. A esta proposta somou-se a participação da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA) para a construção de um eixo comum. Para a efetivação do encontro, a parceria com o Centro Cultural São Paulo foi de fundamental importância. O acontecimento teve a oportunidade de fazer importantes articulações entre os programas do Departamento de Expansão Cultural (DEC) - Vocacional, PIÁ e EMIA - bem como as aproximações e interlocuções com as Coordenadorias de Bibliotecas, Centros Educacionais Unificados (CEUs) , Centros Culturais e Secretaria Municipal de Educação através dos Departamentos de Orientação Técnica (DOT) de São Paulo. Realizado entre os dias 5 e 19 de setembro de 2014, o encontro estruturou-se em diversos momentos. As Rodas de Conversa “Territórios de Atuação e Cartografias Artísticas”, com a Profa. Dra. Lilian Amaral e Rodrigo Munhoz (PIÁ); “Tempos e Espaços da Experiência”, com a Profa. Dra. Lucia Maciel Barbosa de Oliveira e Tatiana Guimarães (Programa Vocacional) e “Infância e Construção Compartilhada de Saberes”, com o Prof. Dr. Marcos Ferreira e Sandra Cunha (EMIA) foram abertas à participação do público. Com a finalidade de abordar o tema do encontro sob distintas perspectivas pelos pesquisadores convidados, artistas educadores e representantes de equipamentos públicos de cultura, as rodas acompanharam os perfis dos convidados que expuseram suas dinâmicas próprias em diálogo com proposições artísticas dos programas.

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Vivências Artísticas e Compartilhamentos de Processos foram oferecidos pelos artistas dos Programas Vocacional, PIÁ e EMIA em alguns equipamentos públicos da Cultura apresentando as pesquisas-ação efetuadas nos respectivos programas e as abordagens artístico-pedagógicas da EMIA. Além disso, aconteceram conversas com os artistas Roberto André e Guto Lacaz e com a Profa. Dra. Patrícia Prado que, por meio de suas experiências, estabeleceram um diálogo com as práticas dos programas e da escola. Com o intuito de dar voz aos participantes dos programas PIÁ e Vocacional e aos alunos da EMIA, o encontro ofereceu um Espaço Expositivo no Centro Cultural São Paulo que abrigou uma instalação áudio visual, performances e outras materialidades dos processos desenvolvidos pelos seus participantes. Como síntese e memória do encontro Processos Artísticos, Tempos e Espaços está prevista uma publicação em parceria com o CCSP contendo textos reflexivos e registros fotográficos. A distribuição será feita em equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educação, além de outras instituições culturais da cidade de São Paulo. Na certeza de termos inaugurado novos tempos e espaços de diálogo entre os programas e as diretrizes das Secretarias de Cultura e de Educação, esperamos ter colaborado de maneira efetiva com a discussão sobre formação artístico-cultural na cidade de São Paulo. Concepção e Organização do Encontro: Andrea Fraga, Cintia Campolina, Fafi Prado, Flávia Giacomini, Priscila Tamis, Priscilla Vilas-Boas, Suzana Schmidt e Zina Filler

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A Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo – EMIA/SP pertence à Secretaria de Cultura do Município de São Paulo e está vinculada ao Departamento de Expansão Cultural – DEC. Fundada no ano de 1980, a escola ocupa três casas espalhadas dentro do Parque Lina e Paulo Raia no Jabaquara, ao lado da estação Conceição do Metrô. O acesso de crianças de cinco a doze anos de idade é feito mediante sorteio e as aulas e cursos são oferecidas de modo inicial e não profissionalizante nas áreas de artes visuais, dança, música e teatro. Nos dois primeiros anos do curso regular da EMIA, as crianças de cinco e seis anos de idade têm duas horas de aulas com dois professores de áreas diferentes. Nos cursos das crianças de sete e oito anos de idade as aulas duram três horas. Em seguida, no “Quarteto”, curso que dura dois anos, as crianças têm a oportunidade de contar com quatro professores em aulas de três horas e meia de duração. Nos dois últimos anos na escola, escolhem uma das linguagens oferecidas para empreenderem aprofundamentos em conteúdos específicos de cada uma delas e são orientadas por um único professor em aulas que duram três horas. Em paralelo ao curso regular, a partir de sete anos de idade, as crianças têm ainda a seu dispor cursos optativos em dança, teatro e artes visuais. Em música, a possibilidade é no estudo de um instrumento musical, em aulas individuais ou em grupos. Oficinas em todas as áreas, coral e orquestra também são opções que alunos, ex-alunos, pais e comunidade têm a seu dispor. São eixos estruturantes da proposta artístico-pedagógica da EMIA:

Integração de linguagens artísticas. Os projetos de aulas e cursos são planejados e desenvolvidos de modo colaborativo por dois ou quatro professores, têm por objetivo possibilitar a emergência de novos saberes compartilhados entre adultos e crianças no livre trânsito entre áreas artísticas e constitui-se na principal proposta de trabalho da escola. Infância. A ideia de infância que permeia a ação artístico-pedagógica da EMIA é a das crianças como competentes naquilo que fazem, em que seus modos de ser, pensar e criar arte informam seus mundos de vida e sua interpretação para os fenômenos à sua volta. Cada criança é considerada e respeitada na sua singularidade, e no encontro com outras crianças e com os artistas-professores, participam ativamente da construção do seu conhecimento em Arte. Artistas-professores. São especialistas que trazem sua experiência artística e educativa e, junto às crianças, empreendem experimentações e escolhas de tempos, espaços e materiais nas quatro áreas artísticas, o que leva as crianças ao exercício da criação e à aquisição de repertórios de atuação.

Sandra Cunha. Doutora em Educação e Mestre em Artes pela USP, professora de música, foi artista-professora na EMIA de 2007 a 2012 e atualmente é assistente pedagógica da escola. Pesquisadora do GEPSI-Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Sociologia da Infância e Educação Infantil/FEUSP.

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A iniciação como modo de existir da EMIA

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odemos enxergar a iniciação como um processo contínuo e de muitas voltas, uma experiência em si e não necessariamente um começo para um fim determinado. Neste sentido, a EMIA inicia e é constantemente iniciada em sua existência, instaurando ciclos espiralados que voltam a lugares conhecidos em momentos diferentes. Sendo assim, arrisco aqui comparar o que vivenciam as crianças em seus processos artísticos na escola com a vida da própria EMIA. Numa definição de dicionário, iniciação pode ser tanto o ato de dar ou receber os primeiros elementos de uma prática ou os rudimentos relativos a uma área do saber quanto condição daquele que é introduzido em alguma experiência misteriosa ou desconhecida (HOUAISS). O que chamamos de iniciação artística na EMIA abrange os dois aspectos, considerando que esta ocorre também como ritual, como processos de criação ou acontecimentos estéticos produzidos compartilhadamente por crianças e artistas. Não existe de fato uma progressão de conteúdos que dite o que vem antes ou depois, mas um aprofundamento na própria experiência de se fazer arte. Iniciação e princípio comungam a ideia de começo, no entanto trazem também consigo a noção de fundamento, base, do que sustenta e ao mesmo tempo propulsiona uma ação. Penso que na EMIA a iniciação, além de ser um dos princípios, vai além da esfera artística, caracterizando um modo de existir. Pensando assim, iniciação também tem a ver com criação, com cosmogonia, com inventar e descobrir o mundo pela ação. É deste modo que vejo a EMIA, uma escola inventada, construída na própria experiência, que nasceu de um projeto que não tinha como prever o que veio a se tornar. Quantas EMIAs já foram e ainda serão sonhadas, criadas e vividas concomitantemente nesse mesmo Parque Lina e Paulo Raia...? Entre tantas histórias possíveis a serem contadas sobre essa escola, apresento aqui uma visão. Quando entrei na EMIA, em 1997, como professora de dança, fui tomada pelo encantamento de um espaço de liberdade, onde arte e infância conviviam estreitamente 12 EMIA 2014

entrelaçadas, compartilhando âmbitos em comum no encontro entre artistas e crianças. Aos poucos fui sendo iniciada... De lá pra cá, vejo um percurso evolutivo de idas e vindas, lugares históricos revisitados, momentos políticos determinantes, modos diversos de fazer, entender e ensinar arte, e uma estrutura móvel que se criava a partir da experiência. Nesta trajetória mutante, modos singulares de trabalhar foram sendo criados, como por exemplo, o quarteto - quatro professores juntos ao mesmo tempo. Cursos novos foram inventados e formas tradicionais foram mantidas. Eventos significativos foram incorporados ao calendário, como o Encontro Criança Criando Dança, o Encontro de Corais, a Viradinha Musical, a EMIA Galeria e outros tão importantes deixaram de existir como as apresentações no Espaço Cultural - programação artística apresentada pelos próprios artistas professores. Algumas iniciativas se perderam no caminho, como os núcleos de comunicação e de registro, formados por professores. Outras despontam no presente, como a Revista da EMIA, as parcerias com o CCSP com a participação das crianças na rádio e no programa Site Specific e a aproximação com os programas de formação da SMC, PIA e Vocacional no Encontro: Processos Artísticos, Tempos e Espaços. Nesse caminhar, professores fundadores se aposentaram e ex-alunos tornaram-se professores, outros foram embora, seguindo outros rumos. Traçar essa longa história de como a EMIA se tornou o que é hoje não é o objetivo aqui. No entanto, cabe lembrar que mesmo passando por diferentes gestões da Prefeitura de São Paulo, ameaças de extinção pela máquina burocrática, situações políticas adversas e direções diversas, o precioso processo de iniciação artística vivenciado na EMIA foi preservado pela forte relação existente entre artistas-professores e crianças, todos profundamente envolvidos na construção de um projeto legitimado e defendido pela comunidade. Hoje, em 2014, na direção da escola, experiencio junto aos colegas, funcionários e famílias mais um começo. Do mesmo modo

Julia Salgueiro

Andréa Fraga

Primeira reunião de 2014 em que a nova direção apresentou a proposta de gestão A EMIA SOMOS NÓS para os artistas-professores, coordenadores, funcionários e equipes terceirizadas da limpeza e segurança

que as crianças se iniciam na arte já sabendo muita coisa e descobrindo tantas outras sobre o mundo e sobre si mesmas, também nos iniciamos numa forma de gestão, assumidamente democrática embora já tenhamos vivido tantos momentos de decisão e construção conjunta. Outros professores já assumiram a direção da escola em tempos diferentes, assim como os cargos de assistente artístico e pedagógico. Os coordenadores de área há muito já são eleitos entre os colegas a cada dois anos. Ou seja, já temos um caminho trilhado em direção às relações mais democráticas nas diversas instâncias da escola. Agora, percebemos a necessidade de afinar conceitos, estabelecer consensos a respeito do nosso pensar, fazer e modo de existir enquanto escola. O que retomar? Pra onde avançar? Experimentamos muita coisa nesses 34 anos e construímos uma maneira de trabalhar a iniciação artística com crianças que serviu de referência para outros projetos na cidade de São Paulo, como a EMIA nos CEUs (tentativa frustrada de reprodução dessa experiência), e o PIA - Programa de Iniciação Artística (que desenvolveu um caminho próprio, sedimentando-se como política pública).

Recebemos recentemente visitas de gestores culturais de Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte que buscam na EMIA um modelo de escola pública de artes. Acolhemos estagiários de cursos de artes de várias universidades e estamos presentes em algumas teses e dissertações de professores e ex-professores da EMIA. Hoje temos até uma lei que nos legitima! Mesmo assim, como nossa prática nesses anos foi se estabelecendo empiricamente, ainda não temos sistematizados nossos princípios e conceitos norteadores. Portanto, um dos focos desta gestão é buscar coerência na diversidade que convive na EMIA, para elaborarmos coletivamente nossos princípios a partir do que somos hoje. Para tanto é preciso haver diálogo entre o antigo, o atual e o novo (experiências e perspectivas); entre o conservador e o progressista (pensamentos que convivem dentro da escola); entre a tradição e a contemporaneidade na arte; entre a criança e o artista adulto, entre a escola e a comunidade. Um objetivo é construir um discurso coeso na escola sobre o que desenvolvemos no âmbito artístico pedagógico, articulado a pensamentos contemporâneos sobre a infância, arte e ensino da EMIA 2014

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arte. Um desejo é também retomar ações perdidas no tempo em que já fomos mais lúdicos e artísticos, compartilhando momentos de criação entre artistas-professores, considerando que a convivência em torno do fazer artístico propicia relações mais sensíveis e singulares entre os profissionais e potencializa a ação com as crianças assim como o trabalho coletivo na escola. Nesta mesma direção caminha a vontade de aproximação entre o nosso fazer artístico e a organização da escola, com a intenção de torná-la menos burocrática - como aconteceu nos últimos anos - e mais criativa, num ambiente mais estético e lúdico e menos escolarizante. Enfim, adequar a forma ao conteúdo é um propósito, trazendo para outras instâncias da escola a riqueza do que se faz no espaço/tempo artístico pedagógico, inclusive englobando o que é aparentemente administrativo e desencadeando um processo emancipatório em todos os sentidos. Acredito que a arte seja libertadora em sua forma de fazer e de ver o mundo e desejo que isso impregne a instituição pública, fazendo o caminho reverso do que tem acontecido, que é a burocratização da arte e das relações humanas. Neste sentido, a ideia é que nossas práticas sejam todas de fato significativas, produtoras de conhecimento, ou potencialmente artísticas. Ao falar da iniciação como modo de existir, penso de fato na aproximação entre a experiência proporcionada às crianças e a vivida individualmente por cada um de nós, além daquela que acontece coletivamente no grupo a que chamamos de escola. E o que significa ser uma escola? Numa visita a EMIA, o educador José Pacheco nos disse que “escola não é um lugar, escola são pessoas”. Com essa ideia de que A EMIA SOMOS NÓS, é que a escola inaugura um novo ciclo de sua existência, na maturidade de seus 34 anos, com a proposta aberta de uma construção coletiva, pensada e vivida em todas as instâncias com base em valores e princípios no lugar de regras e determinismos. Respeito, Transparência, Diálogo, Confiança, Participação, Responsabilidade e Coerência são os valores a partir dos quais pretendemos constituir a forma

de relação entre indivíduos e coletividade nas mais diversas esferas que compõe a escola. Respeito como atitude em relação ao outro (criança, colega, famílias, funcionários), ao espaço de convivência, ao trabalho desenvolvido. Transparência na troca de informações de forma clara e aberta em relação às ações de cada um e à gestão da escola. Diálogo como princípio de comunicação entre todos e ferramenta de mediação de conflitos. Confiança como postura frente à fala e à ação do outro, e elo que permite o trabalho colaborativo. Participação, como ação pró-ativa em ser parte do que somos e na construção coletiva do que fazemos. Responsabilidade frente às ações inerentes a função de cada um no todo e como consequência da autonomia e participação nas decisões. Coerência entre todas as esferas da escola; entre discurso e ação artístico-pedagógica; entre a ação do adulto e o que propõe às crianças; entre o que se faz no espaço/tempo artístico-pedagógico e a organização da escola; entre como pensamos e agimos; entre forma e conteúdo; e enfim, como fio que une todos os outros valores em torno do que nos fundamenta: arte e iniciação, infância, integração de linguagens e a atuação compartilhada entre artistas professores. Enfim, nesse lugar que ocupo agora, me identifico com a experiência das crianças e da própria EMIA, mergulhadas num processo de constante iniciação na arte e na vida em que aprendemos como crescer, indo cada vez mais fundo.

Referências HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Andréa Fraga. Mestre em Artes pela ECA/USP, atualmente é diretora da EMIA, onde atuou por 17 anos como artista-professora de dança e também como coordenadora de área em alguns anos.

Liseti Bonamin. Bacharel em comunicação visual e Licenciatura em artes plásticas pela FAAP. Atua como artista-professora desde 1980e atualmente coordena a área de Artes Visuais da EMIA. Artista selecionada como representante do Brasil no ano do Brasil na França, 2005.

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O que as “Narrativas Poéticas” têm a nos dizer sobre o ensino de arte para crianças na EMIA?

Karime Nivoloni

Sandra Cunha

A

o iniciar este ano de 2014 no cargo de assistente pedagógica da EMIA e podendo contar com a experiência como professora de música desta escola, me vi diante do desafio de elaborar uma proposta para a condução deste trabalho de pensar a escola como um todo. Como primeiro passo, julguei importante olhar para aquilo que nós somos enquanto corpo docente com o intuito de compreender nossos modos de ensinar arte para crianças e, a partir desta primeira mirada, propor um caminho rumo ao aperfeiçoamento das práticas artístico-pedagógicas que habitam nossa escola. O tema eleito para o início das reflexões sobre como fazemos arte com crianças foi a “infância”. Trouxe, para tanto, alguns conceitos vindos da Sociologia da Infância para pensarmos sobre as crianças e seus modos de ser e de fazer cultura, porque acredito que os pressupostos deste campo de estudos dialogam com muito do que acontece na EMIA. Estudar a infância é, portanto, questão que considero fundamental para o aperfeiçoamento do trabalho desta escola. Como desdobramento do tema da infância propus que o relatório anterior fosse substituído pela construção de uma documentação pedagógica em que cada artista-professor pudesse inventar modos próprios de contar sobre seu trabalho com as crianças, nas “Narrativas Poéticas da EMIA”. Foi proposto também que esta documentação fosse apresentada para toda a escola em formato de mostra ou compartilhamento de processos. A intenção foi a de que toda a equipe pudesse conhecer de modo mais bem detalhado os projetos dos professores responsáveis pelas “Duplas” de 5-6 e de 7-8 Anos, dos “Quartetos” e dos 11-12 Anos que compõem o Curso Regular da EMIA, além de sabermos como são desenvolvidos os Cursos Optativos e as Oficinas. Em relação estreita com o tema da infância, dois princípios nor16 EMIA 2014

tearam a construção das “Narrativas Poéticas da EMIA”: 1- As crianças têm direito de participação na construção do seu conhecimento em Arte e 2 – A presença de adultos mais qualificados para conduzir este processo. Sobre o item 1 - o direito de participação das crianças - ressalto que, no contexto das aulas na EMIA, essa participação acontece, quando os professores elaboram projetos que são abertos e permeáveis às interferências das crianças e depois se abrem ao que elas têm a contribuir, considerando-as como capazes de fazer escolhas e de criar, permitindo a emergência do seu protagonismo. Projetos que ganham nomes poéticos como “casas”, “bichos que voam” e outros tantos são grávidos de possibilidades criativas e ganham vida no encontro com as crianças e seu rico imaginário. Quanto ao item 2 - os adultos qualificados – o são na medida em que compreendem que as crianças possuem modos de ser e capacidades que são distintas em relação a eles. As crianças não são apenas seres em transição, elas têm outras lógicas e outras linguagens para se expressar (SARMENTO), com as quais nós temos o privilégio de trabalhar, enquanto professores do campo artístico. São as crianças, elas mesmas, as pessoas mais qualificadas para falar sobre seus mundos de vida e expressá-los em formatos que nos remetem às artes visuais, à dança, à música e ao teatro, ou a todas elas integradamente, assim como é característica da nossa principal proposta de trabalho. A construção das “Narrativas” e a “Mostra” já estão em prática na EMIA e nos contam sobre os modos dos artistas-professores trabalharem arte com as crianças. Elas começam a nos revelar também a diversidade de suas formações e experiências, enquanto artistas e educadores e nos informam sobre suas concepções de infância, educação, escola, arte e ensino de arte. Nas falas, imagens, gestos, frases e também nas escolhas feitas para apresentar e

compartilhar os trabalhos, algumas características das maneiras de desenvolvê-los e de conduzi-los começam a ser reveladas e podem ser ressaltadas nos: -Professores que trabalham mais em consonância com a arte contemporânea - integração de linguagens, desmanche entre áreas artísticas, hibridismos, happenings, performances, ocupações e pesquisas; -Professores que trabalham mais em sintonia com a cultura popular - história, tradição; -Professores que trabalham de modo a cultivar rituais com as crianças - repetições, crenças, mitologia; -Professores que trabalham mais no campo da ludicidade – brincadeiras, jogos, brinquedos, recreação; -Professores que trabalham mais próximos às especificidades de cada linguagem artística - metodologias, saberes básicos, habilidades e técnicas. Estas abordagens educativas em arte, plurais, do ponto de vista do percurso de aprendizagem artística das crianças na EMIA, acabam por compor um caldeirão de saberes que proporcionam a elas possibilidades variadas de caminhos a serem trilhados. Tal diversidade na condução do trabalho é rica e válida. No entanto, para que isto se dê de modo mais coeso, é necessário que tenhamos princípios em comum, e um deles é a consideração pelas crianças e seus direitos de participação e proteção. (SOARES) Do ponto de vista pedagógico, em específico, observam-se pelo

menos três tipos de atuação: professores mais centrados em suas propostas, com ensinamentos, lições de como e do que fazer; outros que se mostram mais próximos das crianças, conduzindo seu trabalho com base nas respostas delas aos seus planejamentos iniciais; e outros ainda que atuam de modo a não seguir planos estabelecidos. Trabalhando de modo mais determinado previamente ou de modo mais receptivo às interferências das crianças, as “Narrativas” nos apontam um desafio, como Escola que se quer mais coerente no tocante às suas concepções e propostas artístico-pedagógicas. Como conduzir o trabalho em uma escola de iniciação artística para crianças, não profissionalizante, e com os princípios de integração de linguagens e participação das crianças, sem perder a riqueza da nossa diversidade? O caminho que se apresenta nesse momento inicial nos indica que devemos refletir sobre nosso próprio fazer, explicitarmos concepções e ideias que subjazem às nossas práticas e buscarmos juntos maior concordância entre nossos modos de atuação com as crianças. Nesse caminhar, já iniciado com as Mostras das “Narrativas poéticas da EMIA”, enxergamos belezas, reafirmamos algumas certezas, revelamos nossas angústias, dificuldades e dúvidas, mas, acima de tudo, nos abrimos ao diálogo. O caminho parece ser o do desenvolvimento de um trabalho artístico-pedagógico que não é decidido unilateralmente e antecipadamente só pelos professores, só pelas crianças, ou ainda que ele aconteça de um modo completamente espontâneo. Encontrar este equilíbrio, enquanto escola é o nosso desafio, porque ele não está dado de antemão, ele não se encontra em nenhum livro, método, curso ou ensinamento. Ele será construído por cada um de nós junto às crianças, ao olharmos para nós mesmos e nos reconhecermos. Esse caminho é o da construção compartilhada de saberes, feito do encontro entre projetos lançados pelos artistas-professores e que ganham vida no encontro com o espírito investigativo e brincante das crianças. Um modo muito EMIA de fazer arte com crianças. Referências SARMENTO, M. J. Sociologia da Infância: correntes e confluências. In: Sarmento, Manuel Jacinto & Gouvea, Maria Cristina Soares de (Orgs.), Estudos da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 17-39. SOARES, Natália Fernandes. Os Direitos das Crianças nas encruzilhadas da Protecção e da Participação. Florianópolis: UFSC, Zero-a-Seis. Nº 12, Julho/Dezembro de 2005.

Sandra Cunha. Doutora em Educação e Mestre em Artes pela USP, professora de música, foi artista-professora na EMIA de 2007 a 2012 e atualmente é assistente pedagógica da escola. Pesquisadora do GEPSI-Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Sociologia da Infância e Educação Infantil/FEUSP. EMIA 2014

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Simone Lima

A integração de linguagens artísticas como um modo específico de ensino-aprendizado em arte na EMIA: possibilidades diversas Priscilla Vilas Boas

Como abordar, ainda uma vez, as possíveis relações do estar junto? Misturando-se até a diluição? Afirmando limites e singularidades? Quais rituais, sacrifícios e acordos seriam necessários para a constituição de um coletivo, ainda que temporário? (...) Ciclos de morte, transformação, vida. Lia Rodrigues

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Estes dizeres que constituem o release do trabalho Pindorama produzido pela Companhia de Danças Lia Rodrigues, explicita questões pertinentes à formação de coletivos e podem nos ajudar a compreender como os professores artistas da EMIA propõem o ensino-aprendizado em arte com crianças por meio da integração de linguagens artísticas. Entre os cinco e os dez anos de idade, as crianças matriculadas nos cursos regulares têm uma experiência de aprendizado em arte com dois ou até quatro professores. A cada ano são formados coletivos distintos de professores e crianças na escola, sendo que os professores têm autonomia para decidir a forma como a integração de linguagens será trabalhada em cada grupo. A cada novo coletivo formado surge uma maneira de se estabelecer uma experiência de pesquisa em arte. Um mesmo professor pode experimentar modos variáveis de operar, já que a experiência se dá na intersecção das maneiras de pensar e agir de todos os envolvidos no processo de ensino- aprendizado. Assim, os professores artistas pesquisadores da EMIA, assim como os demais, têm modos próprios de olhar para si, para o outro, para a arte, para o ensino-aprendizado e para a relação com a criança. Porém o fato de fazerem parte de um coletivo que atua na chave da integração de linguagens artísticas, lhes confere a necessidade de exercitar uma atitude facilitadora do diálogo e uma disposição para a aceitação da dissolução de suas certezas. No ano de 2006 iniciei meu trabalho na EMIA como artista professora da área de Dança. Naquele momento eu tinha muitos so18 EMIA 2014

nhos, muitas ideias e pouco tempo de experiência como professora de arte de crianças. Estava ciente de que os cursos regulares da escola, ou seja, sua “espinha dorsal”, eram ministrados de forma a integrar as linguagens artísticas, porém, não me atentei para o fato de que seria uma experiência distinta das outras que eu havia tido até aquele momento. Desde o início, desejava me mostrar como uma profissional qualificada e dedicada e, com este objetivo, iniciei o ano com o planejamento das aulas de todas as turmas para os dois meses iniciais. Contudo, logo no primeiro dia, não consegui concretizar nem ao menos a segunda proposta que constava em meu planejamento e isso se repetiu em quase todas as aulas. Senti-me frustrada, pois, não compreendendo características importantes sobre a experiência de integração de linguagens, como o fato de compartilhar as propostas com meus parceiros, de modo a estar aberta às suas intervenções, acreditava que meus parceiros de trabalho interrompiam a organização de meu pensamento, impedindo assim, que ocorresse um processo de construção de conhecimento progressivo. Para ilustrar este relato e aproximar o leitor da experiência de fato, contarei sobre uma situação que me foi significativa e que iniciou meu processo de compreensão do trabalho por meio da integração de linguagens. Certo dia, levei bexigas amarelas para que, equilibrando-as em seus corpos, as crianças pesquisassem movimentos lentos, como se estivessem flutuando no espaço. Além disso, a ação de equilibrar a bexiga sem deixá-la cair, seria capaz de fazer

Professores e crianças do quarteto de terça-feira de manhã em confraternização, após compartilhamento de composição estética com os pais

com que a criança percorresse os níveis espaciais baixo, médio e alto de maneiras diferentes das quais estaria habituada. Ao observar a experiência, minha parceira de trabalho propôs que a bexiga se transformasse em outros objetos, a partir da relação da criança com ela, de modo a ressignificá-la. Logo pensei: Mas depois de equilibrar as bexigas, o próximo passo seria tirá-las do espaço e procurar reproduzir com o corpo a qualidade de movimento empregada para equilibrá-las. Na minha visão, este seria um exercício importante, pois, as crianças estariam aprimorando suas habilidades físicas e, ainda, estariam brincando. Eu ainda não compreendia que a minha proposta de planejamento era sim um caminho possível e interessante, porém, não o único e que minha insistência impossibilitava o acontecimento de um diálogo entre todos os presentes. Eu valorizava apenas o meu saber e não percebia que havia mais saberes e desejos envolvidos naquele espaço-tempo- os de meus parceiros e os das próprias crianças. Eu propunha a investigação, mas se a pesquisa da criança não fosse em direção aos objetivos que eu havia traçado, insistia de maneira demasiada, ignorando as necessidades de cada criança e a possibilidade de intervenção do outro educador. Não permitia que a pesquisa fosse autêntica e composta com liberdade pelos sujeitos que estavam sendo provocados a pesquisar. Quando comecei a me atentar para os dizeres de todos os indivíduos que compunham o espaço-tempo das aulas e encontrar maneiras de propor conectadas com todo o grupo, de fato começou a ser estabelecido um diálogo naquele ambiente, constituído por proposições e atitudes de escuta de todos os envolvidos no processo. E este diálogo de saberes, desejos e dificuldades, possibilitou, não só às crianças, mas à todos nós, um processo de ensino aprendizado denso. Percebi que, desta forma, as crianças não assimilariam tudo o que eu gostaria de ensiná-las mas, por outro lado, seu aprendizado era

múltiplo, amplo, mutante. Muito maior e mais potente do que eu poderia sequer imaginar. Percebi que suas habilidades físicas eram aprimoradas ao mesmo tempo em que eram trabalhadas suas capacidades criativas e sensíveis, que as crianças aprendiam a assumir a autoria de seu próprio aprendizado, a perceber seus assuntos de interesse, a dialogar, a olhar para si, para o outro e para espaço compartilhado de maneira sensível. Por meio do aprendizado na chave da integração de linguagens, é possível experimentar um modo de fazer arte que flerta com o que há de essencial na criação artística, um modo de expressão que transita entre os contornos das linguagens, que aceita que estes contornos sejam móveis, que se interessa pelos borrões, pelas misturas, pelas intersecções, pelas formas híbridas. Essa maneira de pensar a experiência em arte propõe um espaço vazio para que se estabeleça o vínculo entre as pessoas envolvidas no processo, um espaço de compartilhamento de experiências e de construção de saberes. Um espaço que aproxima as pessoas de si mesmas, que desvela suas camadas mais profundas, que faz com que tenham condição de ocupar o espaço-tempo de maneira sensível e consciente de suas ações.

Priscilla Vilas Boas. Mestre em Educação e graduada em Dança pela UNICAMP. Atualmente é coordenadora da àrea de Dança da EMIA.

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Observação do parque Marcos Venceslau Curso de Artes Visuais 11 e 12 anos de 2014 Professor: Marcos Venceslau Técnica: aquarela e guache

Intérpretes criadores: Beatriz Efigênia Silvestre de Oliveira, Beatriz Galluzzi Ferreira, Fábio Yukio Kamashiro, Gustavo Ferrari Barbosa, Jamile Nadyer Lisboa, Julia Simão da Silva, Leonardo Campos Guimarães, Nikolas Kalicki, Teo Bressane Sabadin,Vitória Pereira Rotea.

Marcos Venceslau. Licenciado e especialista em Artes Plásticas/FAAP. Artista plástico, desenhista, quadrinista e artista-professor, é professor de artes visuais na EMIA desde 1996. Compôs as equipes do Núcleo de Comunicação e foi coordenador da área de artes visuais desta escola.

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Instalações permeáveis Telmo Rocha

No campo da educação, desprender-se, compartilhar, mergulhar em diferentes linguagens artísticas, encontrando os entremeios possíveis de fazer arte, são elementos de construção humana; transpor para o cotidiano essas possibilidades e atitudes, podem significar um diferencial cognitivo, sensível e saudável.

Travesseiro dos sonhos

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romóbiles

As crianças têm um potencial criativo latente ainda não suplantado pelas supostas necessidades do mundo dos adultos. Propiciar um espaço para que este potencial se desenvolva é fundamental, já que criar é inerente ao ser humano, e uma formação integrada é mais eficiente e natural. Aprender com o processo de criação, com o fazer artístico, individual e coletivamente, permite que a criança se desenvolva com mais sensibilidade, reflexão e organicidade.

Houve um momento de compartilhamento intimista, de compreensão coletiva e abertura para que cada um pudesse imergir no sonho do outro, compactuando de um mesmo universo, rico e repleto de possibilidades artístico pedagógicas. A pedagogia está atrelada a todo o processo, desde a confecção coletiva, expectativa, construção, organização, até o momento de pesquisa de movimento, concepção e exploração do espaço.

O objeto nasceu a partir da idealização de um grupo de Trabalho de Conclusão de Curso da UNICAMP, composto por Carlos Oliveira, Stella Andreatta e Mainá Yamachi e orientado por Marisa Lambert e Sílvia Geraldi. O propósito era criar objetos cênicos que se relacionassem com a obra Milwalkee, de Santiago Calatrava e tivessem um mastro com base móvel. As obras do arquiteto desafiam a gravidade, têm pontos de desequilíbrio, deslocamento e até mesmo movimento.

Mainá Fernandes Yamachi

Travesseiro dos sonhos

Cromóbiles

A instalação e procedimento denominado Cromóbiles consiste em um trabalho criado para ser tocado e reorganizado no espaço, ser penetrado e colorido com gotas de tintas que, com o movimento do objeto, propicia diversas abstrações coloridas, encontro entre as cores, desenhos, traços, impressões deixadas pelas ações e envolvimento de cada espectador.

Instalações Permeáveis e Pesquisas Artístico-Pedagógicas Cromóbiles

Exposto na galeria EMIA, Cromóbiles pôde ser vivenciado pelas crianças de várias turmas, tornando-se além de uma obra exposta, um espaço para intervenção e criação de procedimentos para os educadores. As experiências pautadas na porosidade e na troca favorecem o envolvimento com a obra e permitem recriações, gerindo novas composições, a partir de uma relação artista/expectador, intermediada pela obra ressignificada. Esta pode ser uma estratégia significativa no campo da formação ou desenvolvimento de público, uma vez que, havendo identificação ou objeção, pode-se intervir, apreciar a própria arte sobre a arte e, depois, desprender-se para os próximos vivenciarem.

Cromóbiles

Travesseiro dos Sonhos

O travesseiro dos sonhos, confeccionado com jornais e inflado com ar, é feito para criar uma dimensão que instaura um espaço de compartilhamento de sonhos, de vivência e transformação das notícias, trechos de textos ou imagens, bem como para criar desenhos, poesias, abstrações e serem apreciados dentro do travesseiro inflado, em diversas perspectivas, gerando sensações, inspirações, fruições. A partir dos desdobramentos desta instalação, como procedimento artístico, as crianças da Oficina Brincando de Dançar desenvolveram uma pesquisa corporal do que era vivido nos sonhos que trouxeram, materializando em movimentos que, posteriormente, a partir da relação, viraram dança, dentro do travesseiro, ao redor do travesseiro, fora dele.

Estas obras caracterizam meu interesse por materiais que possam ser tocados, refeitos e ressignificados pelos expectadores. Aliando este desejo à arte-educação, sobretudo relacionado à Iniciação Artística, desenvolvo uma pesquisa de dança, a partir de brinquedos confeccionados pelas crianças. A confecção aproxima a criança, que se apropria do objeto quando pronto, se relacionando mais intrinsecamente diante das propostas de exploração e criação em dança. Alguns procedimentos não são necessariamente instalações, porém quase toda instalação permeável pode se tornar um procedimento, dependerá apenas da criatividade e permissividade de quem estiver se relacionando; quando educador, que quiser utilizar para desenvolver procedimentos artísticos, quando expectador, que quiser apenas vivenciar, levar a experiência e transformá-la de acordo com suas necessidades; ou quando criança, que costuma saber melhor do que nós o que é permeabilidade e o que fazer com as obras permeáveis. Telmo Rocha. Artista-professor dos Programas PIÁ e Vocacional, e professor de dança na EMIA. Desenvolve pesquisa sobre criação em dança a partir de brinquedos, em processos relacionados às suas experiências em artes visuais e dança. Trabalha com a Cia. Discípulos do Ritmo e Cia. No Escuro.

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Entremundos: Celso Amâncio, Karime Nivoloni, Paulo Farah e Simone Lima

Turma - Quarteto (terça- feira - manhã)

Q

uando nós, Celso, Karime, Paulo e Simone, do quarteto de terça-feira de manhã, iniciamos nossos encontros de 2014 não imaginávamos os lugares que, intuitivamente, alcançaríamos. A ideia inicial, logo no primeiro encontro, era instigá-los a completar uma frase: Quando eu criei o mundo... Sabíamos que se tratava de algo abrangente, amplo, até polêmico por perpassar territórios como religião e ciência. No entanto, nosso foco era o imaginário, as diversas possibilidades, mistérios, devaneios e alucinações que tangem os mitos de criação. O fluxo entre assuntos e procedimentos ocorria de diversas maneiras, tínhamos em mente uma possível sequência de estímulos que eram alterados de acordo com as respostas que imediatamente colhíamos e suas reverberações. O interesse pelo assunto mostrou-se forte para as crianças. Em quase todos os encontros alguém trazia um livro para compartilhar. Transitamos entre imagens do universo (fotografias do telescópio Hubble e slides vindos da Nasa); informações do Sistema Solar que vinham acompanhadas das histórias dos nomes greco-romanos dos planetas; mitos de criação diversos e histórias compartilhadas à luz de velas; experiências com terra e água, argila e realização de danças circulares. Foi então que começamos a criar nossos próprios ritos. Entre os assuntos que emergiam das crianças, vieram os animais 24 EMIA 2014

Como foi que tudo começou? Quando eu criei o mundo ele era muito pequeno. Os mundos que eram do tamanho de bolas de gude. O mundo era pequeno que nem existia nuvem. Tudo era preto. Tudo era azul e o mundo era do tamanho de um alfinete. O mundo era uma grande bola de fogo. Eu vivia pendurado em uma árvore. Tudo flutuava. Estava num baile funk. O mundo era só canção. Era só uma plantinha no espaço que foi crescendo. Eu comecei a nadar. Os animais mandavam em tudo. Ele era feito de água. Eu era metade tubarão e metade humano. O mundo explodiu. Quando eu pulei de paraquedas. O planeta peido explodiu e as partículas peidônicas criaram a terra. Os tapetes eram feitos de panqueca. Um meteoro caiu e matou mais de cem pessoas. - Peraí! Agora eu vou contar a história verdadeira: O adão veio do macaco que veio do espaço, e a Eva, nasceu de um ovo!

(Divagações reflexivas e contadas pelas crianças, sobre a criação dos mundos no nosso primeiro encontro do ano)

e buscamos descobrir os animas a que cada um de nós se assemelhava. Como consequência, vieram invenções de nomes, inspirados em práticas de nossas culturas indígenas, cujos membros assumem novos nomes em diferentes fases da vida. Mesclando nossos desejos, cada um buscou criar um nome que o descrevesse e o iniciasse no ambiente particular de nossos encontros. Ao invés de Marcela, Elis, Frederico ou Gabriel, agora tínhamos Raicuru, Tigre do Sol, Sombra Sombria, Boca de Panda... Destes nomes surgiram tribos, cada uma ligada a um elemento, tribos que, graças ao amplo parque público em que estamos inseridos, tiveram seus espaços simbólicos, seus pés na terra, seus amuletos sacros em galhos, folhas nos cabelos e sementes. Em meio ao turbilhão que era criado e aos múltiplos estados que eram alcançados com as crianças, pudemos perceber que estávamos intuitivamente próximos de um ponto interessantíssimo para uma iniciação em arte. Talvez até mais do que isso, assim como os ritos com que brincávamos, realizávamos uma iniciação à sensibilidade, à percepção da realidade que se volta para as origens, que são múltiplas, que são discursos polifônicos e plenos de sensações que estão muito além de uma concepção formal e estética de arte. Então não é somente na arte que iniciamos, mas em outros domínios da existência, talvez a filosofia, talvez a intuição ou ainda a pura alegria de estar em um convívio distinto e estimulante com

Karime Nivoloni

fragmentos de uma iniciação mítica

outras pessoas que, por um momento, se sintonizam, sejam crianças ou adultos. Pensando nestas vivências, que reúnem descobertas científicas e intuitivas, podemos nos remeter a Edgard Morin, que em seus “Sete saberes para a educação do futuro”, aborda a importância do conhecimento complexo, ou seja, o conhecimento que está entramado, costurado, entrecruzado e que não se limita a uma disciplina, ou a uma área do saber. Nas palavras de Morin:“(...) existe complexidade desde que sejam inseparáveis os elementos diferentes constituindo um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e desde que exista tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e o seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre elas”. Em nossas vivências, linguagens artísticas se misturam com brincadeiras e estados de livre expressão, ou à loucura, enquanto estado dionisíaco e anárquico de entusiasmo e presença.

Nas palavras de Paulo Freire: “Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, que compara, avalia, valora, que decide, que rompe”. Nosso modelo artístico passa a ser outro, algo que talvez esteja mais próximo da arte de culturas ancestrais, nas quais a consciência mágica e poética coaduna não enquanto modelo de beleza ou técnica, mas como inquietação, transformação constante, como vida cotidiana que passa também a ser plena de sinestesia, mitos e enraizamentos.

Se eu pudesse mudar algo no mundo o que eu mudaria? Eu acabaria com o chulé do pé. Eu acabaria com a poluição dos rios de São Paulo. Tiraria os carros de circulação. Acabaria com o dinheiro do mundo. Eu tiraria os rios dos canos de baixo da terra.

Celso Amâncio de Melo Filho. Mestre em Artes Cênicas pelo

Paulo Farah André. Especialista em arte-educação pela ECA/

IA/UNESP e graduado em violino pela UFU. É músico, ator, pa-

USP, iniciou sua prática teatral no Teatro Ventoforte e é professor

lhaçólogo, professor de música e brincante na EMIA desde 2013.

de teatro na EMIA. Ator, artista-professor e bonequeiro, atualmente, no Teatro Pipa Poesia, pesquisa a relação do texto lírico com

Karime Nivoloni. Mestre em Dança pela UFBA e graduada em

a cena teatral.

Dança pela UNICAMP. Professora de dança na EMIA e bailarina do Núcleo Mirada e do [-MOS], é aficionada por seres marinhos,

Simone Lima. Graduada em Educação Artística com habilitação

em especial as lulas colossais.

em Artes Plásticas pela UNESP/Bauru, é artista visual, performer e artista-professora na EMIA. Gosta de trabalhar com crianças e com adultos que brincam. É integrante do ...Avoa! Núcleo Artístico. EMIA 2014

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Fantasia Odino F. A. Pizzingrilli Rogério Almeida

Telmo Rocha e Antonio Correa Neto

Criando o mundo através da máscara Telmo Rocha Antonio Correa Neto Depus a Máscara Depus a máscara e vi-me ao espelho. — Era a criança de há quantos anos. Não tinha mudado nada... É essa a vantagem de saber tirar a máscara. É-se sempre a criança, O passado que foi A criança. Depus a máscara, e tornei a pô-la. Assim é melhor, Assim sem a máscara. E volto à personalidade como a um términus de linha.

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Odino F A Pizzingrilli

Eu, criança, quero poder imaginar todos os dias de minha vida, brincar com minhas fantasias a qualquer momento, sem preocupar - me com a hora do banho, com a hora de comer, com a hora de dormir, com a hora de brincar, com a hora de estudar e com hora nenhuma. Mas ser, simples assim, Criança! Criança que chora, que ri, que corre, que grita, que brinca, que se esconde, que pinta, que desenha, que toca, que fala, que dá gargalhada, que agradece, que diz: Bom dia! Que beija, que lê, que conta histórias, que interpreta, que escolhe, que olha, que ama, que estuda, que aprende... — Deixe – me ser criança. Apenas assim, posso pensar se quero construir para mim, para outros ou para todos e que essa escolha seja minha; que possa ter todos os “quês”, todos os “sem me preocupar” e sem os “porquês”, pois a vida é assim, simples. — Sabem, o quero ser? Quero ser humano. Ser criança sem idade... E, por favor, não confunda, não quero ter 4, 6 ou 10 anos. Infância não tem idade, infância tem sabedoria. Certa vez, um velho disse: “Quem atinge alta idade sem ter infância fica ranzinza, desintegra a vida. Porém, quem atinge alta idade sem perder a infância, fica velho e acolhe a vida em sua plenitude!”.

Turmas de 5 e 6 anos (sexta-feira - manhã)

Odino F. A. Pizzingrilli. Artista Plástico graduado pela Universidade de Belas Artes de São Paulo e especialista em Gravura pela Fondazione II Bisonte per lo Studio Dell’Arte Grafica de Firenze – Itália é artista-professor da EMIA e coordenador do Projeto Vocacional de artes visuais. Rogério Almeida. Licenciado em música pela Faculdade Santa Marcelina é artista-professor de música na EMIA. Diretor musical, músico, ator e contador de histórias. Criador do Núcleo de Pesquisas em Cultura da Infância “Brincadoque”.

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Álvaro de Campos, in “Poemas” Heterónimo de Fernando Pessoa

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s máscaras estão presentes em diversas culturas, em distintos momentos da história da humanidade, seja imbuída de propósitos religiosos, simbólicos, práticos (máscaras de proteção), artísticos, lúdicos (bailes e carnaval). Sua palavra origina-se provavelmente do latim mascus, ou mascas = a “fantasma” ou do árabe maskharah = “palhaço” ou homem disfarçado, aliás, foi justamente o “nariz de palhaço”, reconhecida como a menor máscara do mundo, o “start”, para o nosso trabalho com as crianças. Obtendo sucesso no trabalho com o universo cênico do palhaço no ano de 2013, percebemos que tínhamos um campo bastante fértil a ser explorado. Partindo dessa avaliação, surgiu o desejo de expandirmos para a máscara pessoal, ou seja, aquela advinda da subjetividade de cada criança em um processo de construção que teve seu início na confecção do objeto, passando pelas vestimentas, a máscara corporal e as afetações entre estas práticas, lançando mão de elementos visuais, mas tendo como norte a dança e o teatro, fazendo uso de dois principais aspectos do elemento “máscara”, relacionado ao nosso trabalho: o lúdico e o artístico. Qualquer um destes aspectos, bem como a feitura do elemento “máscara”, implicaria também em aspectos técnicos, já que a máscara esta inscrita em uma tradição milenar, que embora menos importante para as crianças, mereça de nós, educadores, respeito, não no sentido mítico, ou sagrado, mas de algo que está circunscrito dentro de uma tradição que remonta a um passado, que

não se originou no aqui, mas que se faz presente em cada práxis, independente da idade do escultor/manipulador, que em nosso caso eram crianças de sete e oitos anos. Tínhamos em nós uma forte intuição, que toda esta tradição, se inserida com ludicidade, poderia despertar o que chamamos de jogo da máscara, o trabalho do eu e do outro em mim, do eu e do meu duplo. Como trabalhar estas questões com as crianças, sem sermos abstratos, doutrinários e dogmáticos, respeitando e despertando a criatividade das crianças de forma prazerosa, partindo do universo simbólico para o significante? Mais uma vez intuímos que precisávamos partir do mais próximo para o mais distante, daquilo que já faz parte do universo infantil, afinal a máscara é um elemento arquetípico, e que, se é verdade que está presente em todas as culturas, bastava averiguar onde ela se faz presente na cultura infantil. O texto que segue é uma tentativa de reprodução de um possível diálogo entre os dois educadores e as crianças, a fim de despertar nestas o interesse sobre a máscara, tendo como finalidade as artes cênicas: A maioria dos heróis de história em quadrinhos, cada vez mais em voga nas telas de cinema, usa máscaras! E por que o fazem? Para esconderem a sua verdadeira identidade! Mas só por isso? Não! Alguns se transformam em outras EMIA 2014

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Customização do figurino

pessoas! Mas elas passam a ser outras pessoas? Não! Continuam sendo elas, mas como se fossem outras! Como assim? Elas são elas, mas também são outras, com outros nomes, outra voz, outro corpo, outra roupa... E a roupa, por exemplo, é importante? Sim! Tão importante quanto a máscara! É como se a roupa também fosse máscara! Hum... interessante! E o que acontece quando um deles coloca a máscara? Eles se transformam! Se transformam no quê? No super-herói! E por que super-herói? Por que eles ficam poderosos! Só por isso? Não! Alguns são quietos e ficam bagunceiros! Outros são covardes e ficam destemidos! Uns são fracos e ficam fortes! E um super-herói, pode se transformar na frente de todo mundo? Não! Ninguém pode ver se não ele revela sua identidade! Podemos perceber que neste diálogo, se encontra todo o ritual de um performer ao empunhar uma máscara: A questão da identidade, a máscara e seu duplo, a máscara objeto e máscara corpo/voz, a máscara objeto e a máscara cênica, a vestimenta da máscara, etc. Iniciamos a confecção das máscaras, temerosos de que a conversa levasse para um lugar, que buscasse mais a reprodução de seus heróis preferidos do que características próprias. Escolhemos trabalhar com a empapelagem de cola e jornal, utilizando bexigas como moldes. Uma forma mais apropriada para a idade de nossos aprendizes, antes, porém, foi pedido que cada qual fizesse o desenho de sua máscara e, logo nesta etapa, todo temor da influência dos quadrinhos na confecção das máscaras, se dissiparam por completo! O que se viu foram projetos arrojados,

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escolhas, cores, identificação. O duplo eu em ação! Estávamos no caminho certo! Enquanto confeccionávamos as máscaras, iniciávamos um trabalho, visando o corpo expandido, corpo grotesco, do ridículo, que veio se juntar ao objeto máscara, quando este ficou pronto, trazendo novas descobertas, conformações e descartes, dentro de um interessante processo de escolhas, inteiramente, sob responsabilidade das crianças. Em um terceiro estágio, foi pedido aos pais que nos enviassem roupas, que não pertencessem às crianças, já que a ideia era trazer estranhezas, incômodos e dificuldades: Braços maiores, pernas maiores, tamanhos maiores! Uma sensação de uma roupa que não é minha, mas deve se ajustar a minha, agora pronta, máscara. O processo de customização das roupas foi bastante instigante: Cortar, costurar, colar, remendar, refazer, reaproveitar, trocar com o outro, sugerir ao outro e ao mesmo tempo entender que toda esta rica experiência está ligada com algo que é seu, que faz parte de uma construção estética que está no olhar, no rosto, nas mãos, nas pontas dos dedos, em cada pedacinho de papel colado, na roupa que antes era do pai, da mãe, dos avós, dos tios e agora vai, pouco a pouco, se transformando em sua! Em sua? Não! Tudo isso pertence à máscara! Tudo isso pertence ao dono da máscara que, tal qual um herói de quadrinhos, vai descobrindo toda a plenitude de seus poderes.

Telmo Rocha. Artista-professor dos Programas PIÁ e Vocacional, e professor de dança na EMIA. Desenvolve pesquisa sobre criação em dança a partir de brinquedos, em processos relacionados às suas experiências em artes visuais e dança. Trabalha com a Cia. Discípulos do Ritmo e Cia. No Escuro. Antonio Correa Neto. Formado em artes cênicas e pedagogia, é ator, diretor teatral e artista-educador. É professor de teatro na EMIA.

Alexandre Medeiros

Telmo Rocha e Antonio Correa Neto

Confecção

Viagem na máquina do tempo e do lugar: uma experiência de integração de linguagens Giselle Ramos Maria Silvia Monteiro Machado

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sse relato trata de uma experiência realizada durante o ano de 2013 na EMIA com uma turma de crianças de 5 anos de idade.

O Planejamento Planejamos viajar numa máquina do tempo a lugares e tempos imaginados, passeando pelas linguagens de Artes Visuais e Música oferecendo às crianças a possibilidade de descobrir, investigar, explorar e vivenciar o que encontrássemos por ali, trazendo para o nosso dia a dia, transformando. Compartilhar experiências das viagens com a possibilidade de nossa própria vivência passou a fazer parte do projeto, inspiradas em John Dewey, que diz: “O aprendizado se dá quando compartilhamos experiências...”. Surgiu, então, a ideia de fazer um diário de bordo com registros dos acontecimentos de cada encontro com as crianças, incluindo fotos e pequenas gravações/filmagens. E assim quisemos ir! A construção da máquina do tempo Logo nas primeiras aulas falamos às crianças sobre a proposta de construir uma máquina do tempo. Conversamos sobre nossa infância e mostramos uma imagem do “Túnel do Tempo”, série que passava na TV quando éramos crianças. Maria Silvia contou que quando era pequena, ela e seus irmãos brincavam embaixo da mesa com panos e outros objetos. As crianças logo quiseram construir a máquina na sala de aula com banquinhos, tampos de mesas, cavaletes, caixotes, panos e colchonetes, imaginando para onde iriam! Conforme elaboravam o projeto, íamos perguntando por onde entrariam, se viajariam em pé, sentados ou deitados, e eles iam mostrando e adaptando o que já estavam criando... E viajamos!

Crianças ocupando a máquina do tempo

O som da máquina A máquina era reconstruída após algumas viagens e numa ocasião passamos a falar sobre quais sons ela poderia emitir. As crianças buscavam a sonoridade que fazia a máquina funcionar através da vibração de lábios, estalando a língua, batendo palmas, explorando sons corporais e de objetos. Depois, um aluno deu a ideia de fazer o som com instrumentos. Fomos buscar, então, diversos instrumentos para sonorizar a máquina: órgão/pianola, queixada, chocalhos, xequerê, xilindró, kabuletê,... as crianças foram pesquisando e explorando os sons da máquina, tocando todos juntos, alternando um e outro, entrando um por vez, contando uma história sonora e descobrindo a hora de terminar. Violeta Gainza diz que “Segundo pesquisas pedagógicas recentes, os educandos tem que ter total liberdade para explorar e descobrir suas próprias formas de expressão, experimentando a livre estruturação da matéria sonora, predominando enfoques criativos que envolvem descoberta e exploração, no uso sem preconceito de instrumentos tradicionais”. Nós demos essa liberdade às crianças e valorizamos sua expressão, observando interesse e concentração. EMIA 2014

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As viagens A viagem trazia várias possibilidades de tempos e lugares sugeridos pelas crianças. Por vezes tivemos que fazer uma votação... Mas às vezes surgia apenas uma ideia. Em todas as viagens, após a definição do lugar/tempo/época, nós e os alunos tínhamos que pesquisar em casa, durante a semana, algo para levar na aula seguinte. Contamos com a colaboração de algumas famílias, observando que algumas crianças se envolviam muito em levar as “coisas”, enquanto outras esqueciam. No primeiro dia da “viagem” organizávamos nosso espaço com tudo que chegava para ser compartilhado, partindo em seguida para a exploração dos materiais. Segundo Jorge Larrosa Bondia, “É experiência aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma”. O que interessava não era apenas a informação e as opiniões sobre esse lugar, esse tempo, sobre as coisas encontradas, mas na verdade, experimentá-las, entrando naquele lugar, naquele tempo, descobrindo coisas. Acolhendo sugestões das crianças, visitamos “Jurassic Park e seus dinossauros”, “A época em que éramos bebês”, “Quando não havia luz”, “A Idade da Pedra”, “Os Índios”, “Marte” e ainda, por sugestão nossa, duas “viagens” para fora do território escolar, uma para o Itaú Cultural na Exposição “Antônio Nóbrega e a cultura nordestina” e outra para a Pinacoteca dentro do Projeto “Museu em Família”.

Alexandre Medeiros

Primeiro contato com os índios

transmissão oral de aldeia não identificada. Depois, pedimos para que todos colocassem o que tinham trazido sobre um tecido estendido no meio da roda. As crianças trouxeram alguns artefatos como arco e flecha, estojo para guardar flechas, borduna e cocar; um colar de sementes, um chocalho de cabaça e o CD “Meu querido pé” de Helio Ziskind para ouvir a faixa “Tu, tu, tu tupi”. Nós também contribuímos trazendo imagens de pintura corporal do livro “Grafismo Indígena” de Lux Vidal; de arte plumária do “Catálogo da 17ª Bienal de São Paulo”; e dos índios Kalapalo do livro “Jogos e Brincadeiras na Cultura Kalapalo” editado pelo SESC SP. Trouxemos o CD “Memória Viva Guarani”, Ñande Reko Arandu, com crianças guaranis cantando, e ainda, chocalhos, peneira, sementes e uma cuia. Passamos a olhar e manusear todo o material disponível. Na exploração pudemos transformar as “coisas” no momento em que as tocávamos, cada um do seu jeito, observando, ouvindo e sentindo. Despertando para a linguagem sensível dos sons, passamos a ouvir os dois CDs. Fizemos perguntas sobre quais instrumentos reconheciam, como sentiam o ritmo, se a voz seria de adulto ou criança, homem ou mulher, e sobre as diferenças entre os dois. A fala de uma criança incentivava a fala de outra, e também a nossa. Alguns alunos disseram que no CD “Memória Viva Guarani” eram crianças indígenas cantando numa língua que não entendiam No outro “Meu pé meu querido pé” era “normal”, com palavras que conheciam. Conversamos sobre as palavras de origem Tupi que são usadas e conhecidas do nosso vocabulário: jabuticaba, caju, maracujá, pipoca... Percebemos que as crianças conseguiram permanecer concentradas muito tempo, reproduzindo as palavras que escutavam na música.

Fabricando tintas naturais Ao observarem as pinturas corporais e as dos objetos indígenas, como os utilitários, um aluno tinha dito que os índios fabricavam suas tintas com carvão e frutas. Sugerimos, então, fabricarmos nossas próprias tintas utilizando também elementos da natureza como pétalas de rosa vermelha, folhas de espinafre, cenoura e beterraba maceradas com álcool. As crianças ficaram muito animadas ao ver que desse material seria possível fazer tinta, pois ao ser macerado já se podia ver o pigmento sendo extraído. Enquanto trabalhavam, observamos a emoção das crianças em suas expressões. Deixamos tudo preparado, explicando que as tintas só seriam usadas na próxima aula para que o álcool extraísse todo o pigmento dos vegetais. Wanet Luna e Joyce Bisca afirmam que “Estar em contato com a natureza permite-nos a realização de um trabalho artístico, que pode ser uma experiência extremamente significativa, quando a criança é estimulada a perceber a importância dessa fonte infinita de materiais. Ao educador cabe conduzir a mão da infância para a observação das formas, dos sons, dos cheiros e para as possibilidades criativas com os elementos encontrados na natureza, sempre com a expectativa de que essa vivência possa ser representativa na vida do indivíduo que a experimentou.” “Manipular e descobrir novas formas de fazer tinta remete a criança às origens, à fonte, à essência, sendo estimulada a questionar o início de tudo, o início das cores, o nascimento das tintas. Esse conhecimento, também fonte de surpresa, alicerça-a culturalmente.” Discutimos um plano para fazer uma pintura com as tintas naturais usando como suporte papel canson. Acrescentamos a possibilidade de uso de carvão, também extraído da natureza, para desenharem e pintarem. À medida que foram pintando, fizeram novas descobertas. SURPRESA!... Perceberam que algumas tintas mudavam de cor, a tinta de pétalas de rosa vermelha ficava azulada e a cor forte da tinta no pote ficava esmaecida quando usada no papel.

A roda e a música Chegando à última etapa dessa viagem, retomamos a roda e a música. O envolvimento com a cultura indígena e o que ela nos proporcionou com a experiência da fabricação de tintas culminou num ritual realizado pelas crianças, como se elas vivessem numa tribo... Fizemos uma roda, distribuímos chocalhos, alguns livros escritos por indígenas ouvindo uma música do “CD Memória Viva Guarani”. As crianças foram se levantando, uma a uma, espontaneamente, e começaram a dançar com os chocalhos nas mãos, mantendo a força da roda. As crianças se aquietaram para sentir a música, percebendo a sonoridade, levaram seus corpos à expressão de suas emoções, encontrando ressonância no que diz Gainza, “A linguagem musical é aquilo que conseguimos conscientizar ou aprender a partir da experiência”. Depois, transformaram a dança numa brincadeira de seu repertório, fazendo uso de um dos chocalhos para brincarem de Corre Cotia. E fizemos outras viagens...

Giselle Ramos. Graduada em Composição e Regência pelo Instituto de Artes da UNESP, SP. Coordenadora da Área de Música da EMIA, atua como musicista e professora de música. Gravou uma composição e arranjo no CD Broto da EMIA de Santo André. Maria Silvia Monteiro Machado. Graduada pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), professora de Artes Visuais da EMIA, coautora do livro “300 propostas de Artes Visuais” das Edições Loyola.

Visitando os índios Numa das aulas, enquanto as crianças estavam brincando na “máquina”, perguntamos para onde queriam ir. Um aluno deu a ideia de visitarmos os índios e todos gostaram. Sugerimos que pesquisassem em casa alguma coisa indígena para a próxima aula: um objeto, fotos, livros, músicas etc. Começamos a aula seguinte com uma roda, cantando e dançando uma música indígena brasileira, “Tamatiohe”, recebida por Criança pintando com tintas naturais 30 EMIA 2014

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Fábio Marques

Extemporâneo e contemporâneo Flávia Ferraz, Fábio Marques, Liliana Bertolini e Valeska Figueiredo

A relação do tempo Com tempo de espaço Com tempo linear Com tempo cronológico Com tempo de esperar A relação do tempo Com tempo abstrato Com tempo compassado Com tempo relativo Com tempo de amar A relação do tempo Com tempo de espasmo Com tempo escatológico Com tempo verborrágico Com tempo de falar A relação do tempo Com tempo sortilégio Com tempo de mudança Com tempo de criança Com tempo de brincar A relação do tempo Com tempo de rapaz Com tempo de moçoila Com tempo quase adulto Com tempo de sonhar A relação do tempo Com tempo já perdido Com tempo transpassado Com tempo inumerado Com tempo de cantar A relação do tempo Com tempo de idoso Com tempo já moroso Com tempo de fazer Com tempo de criar A relação do tempo Com tempo temporal Com tempo atemporal Com tempo por idade Contemporaneidade 32 EMIA 2014

Turma Quarteto (quarta-feira - manhã)

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tema tempo foi escolhido para trabalhar com uma turma de quarteto no ano de 2014, mas, no decorrer do trabalho, percebemos que este nos ajudava a entender o nosso fazer artístico-pedagógico, o modo de operação da escola e como esse se integra a aspectos da vida social contemporânea. Começamos estudando a noção de tempo: seu fluxo que nos dá o transcorrer do passado, presente e futuro; a sincronicidade que faz com que coisas semelhantes aconteçam em corpos e lugares distintos; os pulsos e ritmos, temporalidades sonoras e corporais, que compõem nosso estar no mundo; as acelerações, desacelerações, pausas e suspensões. Entendemos que o tempo é concomitantemente, algo singular e compartilhado. Mesmo que por convenções o meçamos, o tempo não se restringe a isso, ao contrário, se integra às suas medidas e as subverte, já que é relativo e pode assumir distintas métricas e velocidades, de acordo com o que é estipulado. Isso pode vir do pulso de cada um, da percepção pessoal e/ou coletiva. Um minuto pode ser medido, e isso é um consenso. Porém, quanto vale um minuto para você? É o mesmo para o outro? Que imagem tenho eu do tempo? O que fazemos em um minuto? O estado emocional interfere nisso? A sensação do minuto na cidade é igual ao no campo?

Cabe aqui aprofundarmos esta questão. O que tem o trabalho artístico pedagógico a ver com isso? Afirmamos que o tempo é algo comum e também singular. Na EMIA, tentamos entender isso no nosso próprio fazer em arte. Levando em consideração a turmas regulares da escola que têm experiência de estudo coletivo, há uma atenção especial para que não sejam ignoradas as particularidades de cada um. As necessidades e desejos de cada um, sejam estes crianças ou adultos, são negociados com os do grupo, o tempo de cada um é entendido em sua especificidade e também em sua generalidade. Isso tem tudo a ver com a integração, um dos pilares do trabalho artístico-pedagógico da escola. Na integração, não há hegemonia de um modo de estar, tampouco há uma fórmula pronta para ser seguida. A integração de linguagens, de formas de viver e dos tempos da vida se constroem no próprio fazer, por negociações, encontros e desencontros, consensos e dissensos que são percebidos e resolvidos no possível de cada acontecimento/situação. Sim, às vezes o singular se sobrepõe, outras vezes o comum, e outras ainda encontramos a justaposição de ambas as coisas. Isso pode se dar num trânsito por opostos, por concessões, imposições ou mesmo por identificarmos que esse é o caminho viável naquele momento. Estamos todos aprendendo juntos como podemos agir ou não agir. Seguimos procurando como tornar comum o que temos de singular, como potencializar uns aos outros. Outro aspecto que a ideia de tempo contribui na reflexão é quando pensamos no fluxo que gera transformação. Passado, presente e futuro; primavera, verão, outono, inverno; infância, adolescência, fase adulta e velhice. Podemos observar a ação do tempo, quando mudanças abruptas ocorrem, assim como o que nos parece imperceptível se transforma completamente. Vale pensar na relação aluno e professor, criança e adulto. Cada tempo e espaço da vida têm suas particularidades e demandas próprias. Não à toa, o tempo na cidade não é igual ao do campo. E vem uma pergunta: como adentrar o tempo que não é o que estou hoje? Primeiramente, é interessante pensar que os tempos não são estanques e fixados. O passado invade o presente, o futuro é uma potência que de alguma forma se apresenta. Os adultos têm a sua infância atualizada na relação com as crianças. As crianças, por meio do brincar, lidam com a infância, mas também com a ideia do que é ser adulto. Desse modo, o futuro se presentifica no universo lúdico infantil. Obviamente, cada momento e lugar histórico-social constituem e são constituídos por certas infâncias e alguns modos de ser adulto. Todos esses têm seus pontos de confluência e de fricção. É enriquecedor para todos lidar com o que se tem de comum e também com as particularidades, exercitando a empatia, o diálogo, o compartilhamento. Esta foi mais uma reflexão importante que esta temática gerou, acerca do nosso trabalho na EMIA.

Por fim, a noção de tempo trouxe a experiência da própria suspensão do mesmo por meio da espera. Esperar o tempo transcorrer, o outro, a si mesmo. Ficar na inação, entender que nem sempre o mais potente é o produtivo, e que há um tempo para as coisas se assentarem e transformarem. Viver a repetição que leva à mudança, o apenas estar que já gera transformação. E tem mais uma vez algo que, para nós, se mostra primordial no trabalho na EMIA: o processo. O processo é algo que se desdobra e se consuma no seu próprio tempo de existir. Não é algo para consumir, mostrar serviço, (im)pressionar. O processo traz a beleza no caminhar, sem alvo fixo para chegar. Ele está aberto aos atravessamentos que surgem, é atento, sabe ouvir e esperar. Quando nomeamos este texto de Extemporâneo e contemporâneo estamos, justamente, chamando atenção para a nossa busca em tentar gerar possibilidades de estar fora do tempo da mercantilização e do consumo da vida, do correr pelo correr que não gera transformação. O extemporâneo trata do tempo de cada um, que diz respeito àquilo que está fora do tempo consentido. Porém, esse precisa da efetiva troca, do compartilhamento do tempo que o faz contemporâneo, sendo simultaneamente subversivo e generoso.

Flávia Ferraz. Atriz e professora de teatro para crianças e adolescentes em diversos espaços educativos. Desenvolve seu trabalho como artista-professora na EMIA desde 1995, onde também foi coordenadora da área de teatro. Fábio Marques. Artista-professor de artes visuais na EMIA, desenvolve seu trabalho visual em xilogravura, escultura, objetos e instalações sonoras. Realiza cenografias para dança e teatro e é integrante do GEM – Grupo Experimental de Música onde atua como músico e artista visual. Liliana Maria Bertolini. Bacharel em Comunicação Social pela FAAP, pós-graduada em flauta transversal pela Faculdade Carlos Gomes, é professora de música na EMIA há dezoito anos. Flautista do Grupo AUM, do Grupo Fricotando e do Grupo Mil folhas de contos e canções. Valeska Figueiredo. Doutora em Artes Cênicas pela UNICAMP e mestre em Educação pela UFSC. Atua profissionalmente como coreógrafa, bailarina, pesquisadora e professora de dança. Atualmente, é artista-professora da EMIA e integrante do [-MOS].

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EMIA

espaço do acontecer

Carlos Henrique Sgreccia

Chico Lu

V

enho observando como nossos alunos estão cada vez mais dispersos e distraídos no curso de suas atividades, implicando diretamente na maneira de vivenciarem uma real experiência. Há vários fatores da vida moderna que contribuem para este anular da experiência, vou ficar restrito aos que eu mais percebo estarem interligados com os problemas da educação, como o distanciamento dos pais e de casa, cada vez mais cedo, e as crianças terem de ser inseridas no mundo público precocemente, muitas vezes despreparadas para enfrentar a quantidade enorme de informações e estímulos do mundo lá fora. Outro fator acontece ainda na infância, como na idade de nossos alunos, que é o excesso de opinião. O sujeito moderno, depois de informado, necessita opinar, começa então a opinar sobre tudo aquilo que se passa, tornando tanto a informação, quanto a opinião em um imperativo, às vezes, um tanto quanto exagerado. Com essa exigência de ter opinião, o indivíduo acaba se expressando antes mesmo de completar a experiência e de assimilar o que aquilo representa para ele. Ainda um fator que também anula a experiência é a falta de tempo, pois segundo Bondía (2002. p.23), “a velocidade que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre os acontecimentos”. Desta forma, podemos dizer que impedem também a memória, já que cada acontecimento é rapidamente substituído por outro, e ele passa sem deixar qualquer vestígio. E a EMIA, neste contexto, é o “espaço do acontecer”, que contribui e aponta para que este “saber da experiência” traga outra possibilidade de perspectiva pedagógica que parte do par experiência/sentido. Bondía (2002) define “o saber da experiência” como um saber que não é o da informação, mas sim o “saber vivenciado”. Chegou-se ao consenso de que a essência da educação é o nascimento, pois a partir do momento em que o individuo nasce para o mundo e para uma cultura, ele tem o potencial de viver, interferir e renovar, nos mais distintos aspectos. Desde recém-nascidos, vivenciamos o mundo, temos experiências, faz parte do processo da vida. Mas isto não quer dizer que a experiência ocorra continuamente 24 horas por dia, enquanto estivermos vivos. É muito

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O que é fazer arte na EMIA?

comum em nosso dia-a-dia, fazermos atividades diversas e mudarmos rapidamente sem pensarmos, sem nenhuma elaboração da nossa ação. Experiência define-se por aquelas situações e episódios que chamamos espontaneamente de “experiências reais” das quais dizemos, quando as lembramos, que “aquela foi uma experiência”. É o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. É quando a vivência, desconhecida e imprevisível, segue seu curso até sua realização, e ela é tão integra que seu fim é uma consumação e não uma interrupção. E o terreno deste “espaço do acontecer”, chamado EMIA, faz de nossos alunos indivíduos que precisam estar expostos, abertos, que se deixam abordar em si próprio pelo que os interpela. Ele atravessa um espaço indeterminado e perigoso, experimenta e prova desse fazer artístico. Um espaço onde se permite sua passividade, sua receptividade e disponibilidade, mais até que a atividade em si. O que Larrosa discute é uma educação que valorize o sujeito e ao compartilharmos desse pensamento, procuramos através de diferentes linguagens artísticas, propostas de atividades em que a criança aprenda brincando, cantando, pintando, dançando, ouvindo e contando histórias, tendo uma educação artística que resgate sua essência – a passagem do nascimento para um mundo preservado, estimulando sua capacidade renovadora do “saber da experiência”. Em suma, a EMIA tem “o seu fazer” voltado para uma educação que desenvolve valores fundamentais do humanismo, de forma que cada um leve para si o sonho de uma vida autônoma, criadora e cheia de possibilidades, tendo como instrumento fundamental a Arte e suas mais diversas formas de integração - o que procuramos praticar por aqui.

Referências

É descobrir com a criança o desejo de SER. Esta é apenas uma definição. Têm muitas outras. Muitas. É provocar o pensar e ter ressonância. É poder com a criança inventar tudo, e depois escolher o que quiser (ser). É simplesmente PERMITIR. É voltar a ser criança pura, imediata, espontânea, verdadeira. É transformar-se. Reinventar-se. É não buscar coerência e sim totalidade. É ter coragem. É brincar de fazer o brincar sem início nem fim. O teu texto é teu corpo. Tua alegria. Tua mente. Teu coração. Tua história. Teu gesto. É ter prazer. É ser artista e a criança é. E, como professor, carrego comigo, no meu coração, em minhas mãos, um punhado de humanidade. Como disseram sobre Monet: “Ser do próprio tempo, e, além dele.”

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n.19, p.20-28, jan./ fev./abr.2002. Carlos Sgreccia. Formado em Direção pela ECA/USP e é Chico Lu. Pedagogo, ator, contador de histórias e professor de

professor de teatro na EMIA desde 1990. Trabalhou no Teatro

teatro na EMIA desde 1994.

Municipal, CCSP, TV Cultura e Rádio Globo. EMIA 2014

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Narrativa de ensino musical: aulas de flauta doce

Plantio do milho: de São José a São João

Palha verde-amarela era ela uma boneca de milho quem conhece ninguém mais se lembra dela...

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eciono esse instrumento na EMIA desde 2007. A flauta doce é um dos instrumentos oferecidos para estudo na escola desde a inauguração, em 1980. No ensino da flauta, eu adoto a pedagogia Suzuki (do educador musical japonês Shinichi Suzuki), na qual venho me especializando. A pedagogia Suzuki – ou Método Suzuki, como também é chamado – é bastante difundida em todo o mundo desde a década de 50 graças aos seus vultosos resultados. Toma como modelo o aprendizado da língua materna: Suzuki compreendeu que a competência que as crianças demonstram ao aprender a falar a língua materna, poderia igualmente manifestar-se no aprendizado de um instrumento musical. E tal como na língua a criança aprende a falar, falando, imersa no ambiente da comunicação humana e sob o incentivo e apoio parental, no Suzuki as crianças aprendem a tocar... tocando. Assim, procuramos criar no ensino o mesmo ambiente de imersão e de incentivo: as crianças ouvem bastante música (ouvem CDs, veem vídeos), já tocam logo de início, seguindo por ouvido e por imitação o professor, e rapidamente vão conquistando sua autonomia. A escrita musical, pouco a pouco, vai sendo esclarecida, pois a criança utiliza as partituras: apenas não antepomos a capacidade de decodificar os signos musicais à capacidade de tocar e de escutar. Nós seres humanos falamos (e nos comunicamos) antes de ler e de escrever – e estas coisas só fazem sentido quando já fazemos pleno uso da fala, não é óbvio? –; igualmente não iniciamos lendo ou escrevendo música, pois o que nos motiva é tocar o instrumento, fazer música, usando nossas capacidades inatas. Basta ter um modelo e um incentivo para começar. E a partir do gosto e da satisfação de ver-se capaz de tocar, começa o interesse pela leitura e pela escrita musical, que dessa forma não se torna nenhum bicho de sete cabeças. Então toco muito nas aulas, toco com a criança e para a criança, deixo-as à vontade para me

seguir e para aventurar-se no instrumento, confiantes na própria capacidade de fazer música. Seguindo, então, as recomendações de Suzuki, em todas as aulas eu tenho os pais assistindo ao trabalho (pelo menos quando os alunos são pequenos e iniciantes). Os pais – pode ser um deles, pode ser um tio, uma avó – ajudam muito porque ao compreenderem o caminho do aprendizado, o esforço, a motivação da criança, sabem como ajudá-las em casa e como incentivá-las. Em alguns casos, os próprios pais também aprendem a tocar! Atendo crianças em aulas individuais, e as idades vão de sete a doze anos – em geral a melhor idade para início é de oito anos por causa da coordenação motora fina. A duração das aulas é de 30 ou 40 minutos, segundo a idade, e as mais adiantadas podem ter 50 minutos de aula. Também é muito importante nesta pedagogia o encontro das crianças para tocar em grupo: seja em ensaios, em aulas grupais ou em apresentações. O aprendizado ganha impulso quando as crianças interagem: são outras atividades, repertórios, desafios e estímulos. Por isso eu reúno os alunos e suas famílias em alguns sábados para essas atividades, e assim os laços comunitários entre crianças e famílias se fortalecem. E aproveitamos as oportunidades que surgem para apresentações: temos Audições regulares, mas também mostras e “canjas” dos alunos para os colegas em momentos especiais. Quero falar agora do que para mim significa ensinar instrumento numa escola como a EMIA. Meri Angélica Harakava. Pós-graduada em Música Brasileira pela Univ. Anhembi Morumbi, foi percussionista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal/RJ e de participou de outros conjuntos como flautista doce e coralista. Professora de flauta-doce e percepção musical na EMIA e organizadora de cursos e

Antônio José Madureira

A

A presente comunicação relata um projeto com proposta de interface entre as áreas do Verde e Meio Ambiente e a da Cultura. Por meio deste trabalho, interessa-nos o diálogo entre a vivência pelo reconhecimento dos ciclos da natureza junto ao trabalho criativo e artístico das crianças, fazendo ligação com o caráter cíclico de algumas festas populares, marcadas durante o ano, no caso específico, da Festa Junina. Semeadura O Plantio do milho é um projeto que foi desenvolvido no parque Lina e Paulo Raia, no Jabaquara, local onde se encontram as três casas que compõem a Escola Municipal de Iniciação Artística de SP (EMIA-SP). Desta forma, acreditamos que a EMIA tem suas especificidades por ser uma Escola de Artes situada dentro de um parque, assim como o parque Lina e Paulo Raia é o que é hoje em função de abrigar, desde 1980, a EMIA dentro dele, trazendo a cada semana para circulação no parque, entre plantas, árvores e pássaros, mais de 700 crianças de 05 a 13 anos, além de pais e familiares. Este projeto teve início, em 2010, nas turmas de sete anos dos professores Julio Giudice Maluf e Rosa Maria Comporte, com o propósito de aproximar as crianças que atendemos na EMIA ao Parque Lina e Paulo Raia, por meio da vivência, observação e interação dos ciclos da Natureza, evidenciando sua importância na vida do planeta e por consequência, do ser humano. Esta vivência se dá com o plantio do milho numa pequena área do parque de aproximadamente 4 metros quadrados, porém é importante salientar que o que nos motivou no projeto foi buscar um sentido, com as crianças, para a Festa Junina da EMIA. Sendo uma festa tradicional da escola, ocorre anualmente e

Rosa comporte e Julio Maluf

Julio Cezar Giudice Maluf Rosa Maria Comporte

Meri Angélica Harakava

A colheita

ocupa boa parte do parque. Queríamos evidenciar o sentido original da festa que era relacionada ao fogo e à celebração da colheita. Seguindo a tradição de diversas regiões do Brasil, plantamos o milho no dia de São José (19/03) para colher no São João (24/06), percorrendo assim o ciclo do crescimento do milho, observando o pé de milho, o despontar do pendão, a pequena boneca de milho até chegar ao momento da colheita. Tudo é acompanhado de um ritual que compreende o desenvolvimento do ciclo do milho, desde o debulhar das sementes que serão plantadas, a preparação da terra e o cuidado com a plantação, que deverá receber água e sol, até o momento da colheita. A plantação é “regada” com canções que são cantadas pelas crianças para que o milho possa crescer melhor até chegar ao ponto culminante do nosso projeto: o Cortejo do Milharal. Uma grande cantoria envolvendo pais, professores, alunos e comunidade saem em procissão pelo parque, durante a abertura da Festa Junina, para comemorarmos uma boa colheita e, a partir da tradição, dar um novo-velho sentido para a festa. No tempo certo, colheremos o milho com as crianças para cozinharmos e saborearmos juntos o fruto que semeamos. Todo material será aproveitado: as palhas do milho são separadas para a confecção de bonecos e painéis que são construídos junto com as crianças. Desta construção, brotam muitas histórias criadas e representadas por todos durante os encontros em sala de aula. As crianças fizeram bonecos com a palha do milho, mas antes se vestiram com as palhas, criando personagens. Com uma das turmas, fizemos um grande painel, pintado com guache, como cenário, onde os bonecos-personagens contavam as histórias criadas por eles. Numa das turmas em que trabalhamos, surgiu

oficinas no Conservatório Musical Brooklin Paulista. 36 EMIA 2014

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Rosa comporte e Julio Maluf

Milharal crescendo

Cortejo do Milho - Festa Junina

a vontade de construir um espantalho para cuidar da plantação e então construímos e pintamos um grande boneco enfeitado com as palhas pintadas. Este boneco ia à frente, abrindo o Cortejo do Milho na Festa Junina. Algumas das canções cantadas pelas crianças foram “Cio da Terra” de Milton Nascimento e Chico Buarque, “Boneca de Milho” e outras canções do CD “Bandeira de São João” de Antonio Madureira, além de “A Festa do Milho”, de Luiz Gonzaga, no ano do centenário de nascimento do compositor pernambucano. Interrupção do Projeto Milharal No terceiro ano do projeto (2012), tivemos uma triste surpresa: nossa plantação havia sido destruída e, em seu lugar, colocaram folhagens cobrindo a terra. As sementes de milho haviam sido plantadas há algumas semanas e já despontavam alguns brotos e, para proteção do futuro milharal, construímos junto com as crianças uma pequena cerca com gravetos e barbante. Ao buscar explicação com a administração do parque, fomos informados de que a plantação não poderia ocorrer naquele local e que se tratava de uma determinação do agrônomo responsável da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Apesar de o projeto existir há três anos e das evidências de que naquele local havia um trabalho sendo desenvolvido, não houve nenhum tipo de consulta ou comunicação por parte da administração do parque para a direção da escola. Desdobramentos Depois da interrupção brusca do projeto e da decepção causada nas crianças e pais, requisitamos à Administração do Parque Lina e Paulo Raia e à Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) que revisassem o posicionamento e autorizassem o uso 38 EMIA 2014

Criando personagens com as palhas

do pequeno espaço de terra para o plantio, defronte à sala de bateria da EMIA, por ser um espaço onde bate sol durante a maior parte do dia e de fácil acesso para as crianças. Em carta dos professores endereçada à Secretaria do Verde, pedíamos atenção e cuidado especial por parte da Administração e funcionários do parque (que sempre nos ajudaram, vale salientar) por se tratar de um projeto educacional, ecológico, social e artístico, único na EMIA, de interação entre o Parque (SVMA) e a Escola (SMC), justificando que, além do milho, muitos outros “frutos” são colhidos com esta ação. Reflexões a partir da prática Buscando interlocutores para pensar a importância de uma ação interligada entre secretarias rumo à cumplicidade e à construção de uma sociedade mais humana e que considere o processo da criança no mundo atual, nos deparamos com dois textos que achamos oportuno compartilhar. Um deles é o da educadora musical e pesquisadora de cultura da infância Lydia Hortélio, que faz algumas reflexões no texto intitulado Criança, Natureza e Cultura Infantil, discorrendo a respeito do quão urgente e importante é a ligação da criança com a natureza para seu crescimento e aprendizado, principalmente nos grandes centros urbanos. (...) temos que reconhecer quanto a Natureza é necessária à Criança para que haja afirmação de vida e crescimento. Não se pode pensar em educação, Educação verdadeira, se a Criança está afastada de seu verdadeiro habitat. Fora dele a Criança só apresenta desconforto, desajustes intermináveis e uma cadeia de equívocos que só poderão ser sanados se reconduzirmos nossas Crianças à sua verdadeira Casa: a Natureza. Ela é o espaço primordial, portador da Vida, com suas múltiplas dimensões e desafios (HORTÉLIO).

Terras, mãos e sementes

O segundo texto, trata-se de um trabalho disponibilizado no site do MEC, organizado pela ambientalista e professora da UNIRIO, Léa Tiriba, fruto de uma encomenda da Coordenação de Educação Infantil/COEDI/SEF/MEC e apresentado no I Seminário Nacional: Currículo em Movimento – Perspectivas Atuais, realizado em Belo Horizonte em novembro de 2010. Nele, a autora aponta para caminhos em que experiências, como a do Plantio do Milho na EMIA, se apresentam, ao mesmo tempo, como resistência à ideia do consumo e um resgate em direção à humanidade, fazendo-nos pensar como, a partir de pequenos gestos, estabelecemos ligações deste processo com a trajetória da Iniciação Artística na EMIA, em que a vivência e o conhecimento das diversas linguagens artísticas caminham em paralelo a um processo de construção do indivíduo que vive e pensa em sociedade. A intenção de educar crianças que sejam amantes da vida, cidadãs planetárias, responsáveis por relações equilibradas entre cultura e natureza, nos levará também a buscar inspiração em teóricos do passado: com Froebel, aprenderemos sobre a importância de uma infância em conexão com a natureza; com Maria Montessori, sobre os sentidos como guias para nos relacionarmos com a realidade; com Freinet, os princípios de uma educação comprometida com a livre expressão e a democracia. Por outro lado, a identificar práticas educativas que foram e/ou estão sendo abraçados por Pedagogias Libertárias, movimentos de Educação para a Paz, e pela Arte-Educação. Ancorados nos princípios da Educação Ambiental – estaremos na contramão de uma organização escolar que separa as crianças do ambiente, privilegia os processos racionais e entende que os recursos naturais, renováveis e não renováveis, existem para serem utilizados pelos seres humanos (TIRIBA).

Personagens que nasceram no milharal

cercada pela natureza, e exercitamos o imaginário do que poderia frutificar naquele bosque. Mas precisamos mais. Acreditamos que esta iniciativa e outras dessa natureza podem integrar o parque à escola como um grande bem público, propiciando apropriação e cuidado da comunidade com o que é de todos, trazendo melhoras na qualidade de vida para nós e para nossa cidade.

Referências HORTÉLIO, Lydia. Criança, Natureza, Cultura Infantil, 2012. Disponível em: http://www.memoriasdofuturo.com.br/admin/arquivos/ arq_2_128.pdf. Acesso em: 25 de ago. 2014. TIRIBA, Léa. ANAIS DO I SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO – Perspectivas Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_content&view=article&id=16110:i-seminario-nacional-do-curriculo-em-movimento-&catid=195&Itemid=164. Acesso em: 25 de ago. 2014.

Julio Cezar Giudici Maluf. Mestre em música e graduado em Composição e Regência pelo IA/UNESP, é professor de música e regente assistente da Orquestra da EMIA. Regente do Coral Cênico Cidadãos Cantantes e professor de música na Fac. Paulista de Artes e do curso de música da ETEC de Artes. Rosa Comporte. Professora de teatro na EMIA. Formação no

Resistência Depois de idas e vindas de cartas e solicitações administrativas, em fevereiro de 2013, recebemos a negativa da Secretaria do Verde e Meio Ambiente para o nosso plantio. Desde então, tentamos desenvolver o trabalho com o milho na sala de aula, mas não tivemos êxito. Buscamos principalmente manter o vínculo das crianças com a terra pelo privilégio de estarmos numa escola

Teatro Ventoforte. Atuou como atriz principalmente em peças infantis. Cursos e oficinas para crianças e educadores e assistente de direção de Ilo Krugli e Paulo Cesar Brito. Escreveu e dirigiu a peça “Cobra Grande ou a Velha e o Rio”.

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Onde surgiu o teatro? Perguntas para se colocar no espaço de uma exposição Paulo Farah André

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omo questionar faz parte do processo, escrevi estas perguntas em versos, pensando na exposição que estamos montando na Casa 1 da EMIA, falando de algumas épocas e gêneros do teatro. Estarão expostas máscaras, bonecos de sombra, mamulengos e figurinos. Além disso, haverá um espaço para a improvisação de cenas com esses objetos. Os objetos expostos são de uso pessoal dos educadores da EMIA, muitos utilizados em cena e carregados das histórias de cada um. Estamos fazendo uma exposição simples e muito interessante. Assim, estes versos foram escritos para estarem no espaço da exposição, buscando dialogar com a mostra. Talvez precisemos recortar, pois carregam questões da maturidade, mas como as crianças têm surpreendente capacidade de entender aspectos profundos da alma humana, fico com vontade de compartilhar.

I Onde surgiu o teatro? Em que ato? Nas sombras das cavernas enquanto tremulavam as fogueiras? Com rostos mascarados, com peles de animais, ao lado de manadas de bisões, levando-os para despenhadeiros... Ou ao lado de tambores retumbantes no terreiro? Amassando uvas com os pés, cantando para Dionísio, embriagados de vinho... No meio do povo, no meio da praça, na festa do novo, com engenho e pirraça.

II Onde surgiu o teatro? Com que máscara? Em que canto da alma nasceu o verso para aquela trapaça de um ator da Conchichina numa rua da Cornualha?

Paulo Farah André. Especialista em arte-educação pela ECA/ USP, iniciou sua prática teatral no Teatro Ventoforte e é professor de teatro na EMIA. Ator, artista-professor e bonequeiro, atualmente, no Teatro Pipa Poesia, pesquisa a relação do texto lírico com a cena teatral.

III Quais serão os atores da próxima safra? Colherão trigo ou tomarão ambrosia entreolhando-se no tilintar da taça? Sempre nascerão poetas! São as crianças em estado de graça...

IV E nasceu o teatro invertendo o padrão, criando seu rito, entornando gestos e palavras, tão inteiras e grávidas... 40 EMIA 2014

Chegou de mãos dadas com a dança e veio de longe, cantando, carregando estandartes, em palco-carroças com engenho e arte ... V Por que Édipo amou sua mãe e matou seu pai? Desde quando existe a consciência desse fato? Foi o teatro que inventou a filosofia? Quem se insurgiu primeiro, o ato ou o pensamento, a reflexão ou o barato? Foi Narciso ou Baco? Quem fez esse parto?

VI De que modo Shakespeare colocou a humanidade nas palavras e versos em seus personagens? Como nos transporta para outras paragens!? E, para dentro de nós mesmos, seguimos em profunda viagem... Já Brecht, com sua revolta, reinventou o teatro quando não restaram forças perante a guerra e o assassinato. Em que beco sem saída nasceu esse ato? Pulou o muro? Fugiu? Não! Encarou e deu um salto!

VII Realidade é teatro? Ou só o etéreo ato? Precisa de palavras, um movimento preciso? Precisa do público para ver aquela e aquilo? Quem juntou tudo no mesmo palco? Quem foi aquele, quem foi ela? Quem furou a tenda, quem entrou no circo? Quem na corda bamba virou lenda? Desejo de fama ou nostalgia? Ou só seria a alma vazia em mais um dia nos empurrando para a cena para desvendarmos íntimos estratagemas? “Por que brigamos se nos amamos?” Quem perguntou isso no teatro?

Alguém entendeu algo de um indeciso são e salvo? Ou só do apaixonado beijo no asfalto? Por que ainda fazemos teatro, se o cinema atrai mais gente?

VIII Suassuna é sua sina? Ou seria a Pina? Te orienta Kazuo Ohno? Quem é teu mano? Encontrou sua mina na mudança de rumo? Em um ensaio extraiu seu sumo? Teatro te ensina ou só revela o que é nato e íntimo?

IX Na plateia, se delicia o público, os atores são os peixes no prato? Ou ratos em um aquário se experimentando em sentido anti-horário? A ribalta é um espelho onde loucos se acham... Ou um porto onde partem presságios? Passageiros levam suas cartas! Estarão em suas mangas ou lavarão sua alma? Estamos longe da origem? Nos tornamos arbitrários ou levamos a essência tão necessária?

X Bem-vindos ao teatro! Este universo é vasto! E vário! Evoé!!!!

XI E cuidado com a vil vaidade. EMIA 2014

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Entrelaçando os fios Milene Perez

Milene Perez

Permiti estar por um fio, Em grande risco, estar por um triz. E então, fui descobrindo o fio da meada! E hoje me sinto De fio a pavio, do principio ao fim, de cabo a rabo Entrelaçando os meus fios e Deixando que eles me entrelacem.

Grupo Balangandança na EMIA

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o primeiro dia para “dar” aula na EMIA, cheguei com um caderno de capa dura encapado com tecido de algodão marrom e estampado com pássaros alaranjados nas mãos, nele estava contido o planejamento da aula. Mas, logo na primeira semana percebi o quão difícil seria manter aquela direção, porque, dando aula junto com outro professor, senti “perder” a autonomia, e uma sensação de frustração tomou conta de mim. Simplesmente não havia conseguido naquela semana cumprir aqueles planejamentos que haviam sido tão pensados e organizados. Uma enxurrada de perguntas e questionamentos rondou minha cabeça: As propostas estão engessadas? Estou fechada para novas experiências? No meu percurso, enquanto artista me proponho uma pesquisa cênica, baseada na criação processual e, aqui, o procedimento tem de ser diferente? Sou propositiva demais? Qual concepção de infância permeia meu fazer artístico? Que tipo de adulto tenho sido na relação com as crianças? Qual deve ser o meu papel como professora? Depois de noites em claro, lendo, me revendo e principalmente tentando me reconhecer naquela menina alegre, brincalhona, inventiva que costumava passar horas no quintal, brincando com uma máquina maluca de fazer pipoca. Mas, que, talvez no olhar adulto, poderia não passar de uma bicicleta virada de ponta cabeça, reconheci a criança brincante, que sabe que a maquina maluca de fazer pipocas é uma bicicleta virada de ponta cabeça, mas que na fantasia do real transita entre mundos.

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E foi me reconhecendo que pude me permitir estar por um fio, em grande risco, por um triz. Cheguei, na outra semana, levando somente um livro de histórias. Estava disposta a trabalhar com qualquer situação que pudesse surgir. Então, eu e minha dupla, logo no início da aula, colocamos o livro na roda. Como se tratava de um livro sem palavras, só com imagens, as crianças foram dando voz à história que, por sua vez, foi ganhando vida nos corpos delas. Não havia representação no sentido mimético do termo, como proposto no teatro dramático, havia uma gestualidade cênica, deslocando o foco da imitação para a experiência e o fazer, aproximando-se assim do teatro pós-dramático que proporciona o lúdico e provoca novas experiências aos atuantes. Num determinado momento da história, decidimos que a boneca iria tomar um banho, e então fomos até a cozinha e enchemos alguns baldes de água, depois voltamos para o nosso espaço cênico compartilhado. A partir daí, a água foi sendo incorporada nas cenas que ganharam novas e novas nuances. Num momento estávamos caminhando na chuva, no outro dançávamos na tempestade. Terminamos a aula de corpo e alma lavados! Foi com as crianças da EMIA, com tantas outras experiências vividas com minhas duplas, quartetos e também com meu filho, na época com cinco anos, que redescobri a beleza do “aqui e agora” e a preciosidade de um momento quando há troca de experiências. Foi como se meus olhos reaprendessem a enxergar e meu corpo reaprendesse a se comunicar. Eu finalmente havia descoberto o fio da meada!

Projeto Descobrindo o Teatro - Instituto Alfa de Cultura

Um fio que me leva a ter um olhar e uma escuta atenta e sensível, em um diálogo com as crianças que me aproxima de seus olhares, vozes e relações. E que me faz entender o meu “lugar” como professora mediadora, que instiga, nutre, provoca, observa, escuta e que faz suas intervenções, nos momentos oportunos, quando necessário. A experiência enquanto artista-professora na EMIA é ponto de partida para o desafio de atuar como coordenadora da área de Teatro. Os fios para esta atuação começaram a ser trançados nas rodas de conversas em que participei junto com as crianças, fazendo surgir um tramado de fios espessos em forma de propostas iniciadas e que poderão se desdobrar em outras tantas: – Proporcionar às crianças o contato com criações cênicas diversas e com espaços culturais e grupos de teatro com diferentes formas de organização e pesquisa, ampliando a experiência das crianças; – Fortalecer a área de teatro na EMIA: do diálogo entre suas especificidades enquanto linguagem artística e o hibridismo que integra teatro, dança, música e artes visuais. – Promover um encontro entre crianças e as várias linguagens que envolvem o fazer teatral e também a troca de experiências, a partir de uma exposição interativa de gêneros teatrais, propondo convivência, uma vez que o que será exposto, o será para ser compartilhado, vivido e experimentado por todos e de forma plena.

– Criar um camarim com e para as crianças, com tecidos, caixas, chapéus, máscaras e bonecos, para serem usufruídos e recriados por elas. A rã queria ser um passarinho. Só se for em teatro, meu amor. Em teatro você faz o passarinho E eu faço a rã. Teatro não é troca de experiências? Manoel de Barros

Milene Perez. Graduada em Artes Cênicas pela FPA. Artista pesquisadora em teatro para a infância, atriz e diretora da Cia. da Tribo, é professora de teatro e coordenadora da área de teatro da EMIA. Recebeu os prêmios: Mambembe e APCA de Melhor Atriz Teatro Infantil.

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Histórias de pescador Alexandre Medeiros de Oliveira Maria Silvia Monteiro Machado

Materiais: imaginação, barbante, tecido azul, corda, balde, sapatos.

Família de tubarões 2 - pintura a guache

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Família de tubarões Essa família é danada, Não sei se por sorte ou azar, foi nessa escola encontrada. Para uns pode parecer mentira, mas todos os presentes afirmarão, Estamos na barriga do Tubarão! Como isso aconteceu? Só perguntando para quem sabe a verdadeira versão, Tia Terezinha, parente da sereia, Estava lá na areia quando viu O Sr. Tubarão que vinha se aproximando mansamente. Disse que era só uma visita e que logo voltaria para o oceano, Mas o que vimos foi que ele acabou na escola se instalando. Como tudo estava tranquilo e todos estavam contentes, Ninguém reparava na sua quantidade de dentes, Que se algum corajoso fosse contar. Certamente passaria de um milhão. Algumas semanas se passaram e o que notaram? Que sua esposa, a Sra. Tutu, como era conhecida, Também estava bem instalada, com certeza de boa vida. A família de repente cresceu, E o pequeno bebê nasceu. Dentinho era seu nome. E ele, igual sua família, tinha fome. Foi então que, tarde, lá na escola perceberam. Aquela família que agora ali vivia, Tinha em sua barriga uma porção de crianças da EMIA. Foi uma grande comoção das famílias, Mas ninguém se atrevia a enfrentar o Sr. Tubarão. Todos com medo de perder a mão. Um passarinho destemido, Tião, Acostumado a limpar dente de jacaré, Acertou com seu Tubarão um tratamento dental Com direito a plano familiar. Era simples e fácil, bastava fechar os olhos, Tomar um calmante e respirar. O que o tubarão não sabia era que o calmante Era bem forte. Essa foi a sorte das crianças que estavam Na barriga da família tubarão, Tiradas vivas daquela escuridão, Agradeceram com muito alpiste o passarinho Tião, E com a indignação que todas elas sentiam, Expulsaram aquela danada família, E para lembrar do perigo às futuras gerações, Deixaram esse registro, Da família Tubarão.

Turma 6 anos (quarta-feira - manhã)

Alexandre Medeiros

Linha de pesca Em um dia que parecia ser ideal para uma boa pescaria, levantamos todos bem cedo, pegamos nossas linhas e anzóis, nos preparamos e fomos de ônibus até o local ideal para ter um ótimo dia de pesca. Um lugar tranquilo... até que tudo mudaria de figura, quando um de nossos pescadores caiu na água, ninguém estava acreditando, mas ele realmente havia sido pescado por um peixe! Como coisas assim acontecem todos os dias, voltamos a pescar nossos peixinhos, afinal nossa família esperava por nós para fazer uma grande festa. Muitos pescadores sairiam de lá carregados de peixes, mas outros sem tanta sorte não voltaram para suas casas, pois foram pescados e servidos com batatas e vinagrete. Quem conseguiu chegar a casa ligou imediatamente para seus amigos... ninguém entendia nada, parecia que aquele telefone estava com problema no fio.

Alexandre Medeiros de Oliveira. Mestre em Comunicação e Semiótica e Bacharel em Teatro e Dança - Comunicação das Artes do Corpo, PUC/SP e professor de teatro na EMIA. Palhaço, ator e bailarino; integra a Balangandança Cia. de Dança Contemporânea para Crianças. Maria Silvia Monteiro Machado. Graduada pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), professora de Artes Visuais da EMIA, coautora do livro “300 propostas de Artes Visuais” das Edições Loyola. EMIA 2014

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Ensino coletivo de cordas na EMIA: novos caminhos Tania Mara Martinez da Silva

Adriane Krindges e Cintia Zanco

As meninas superpoderosas e suas professoras

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EMIA é uma escola de iniciação artística que tem entre seus pilares fundamentais o estímulo à liberdade de expressão, e nela, a fim de seguir essas diretrizes, o ensino das cordas friccionadas - violino, viola, violoncelo e baixo - precisa ganhar contornos diferentes da didática tradicional vigente, em que a criatividade e a expressão são costumeiramente deixadas para o futuro. Assim, incentivar a criação e ampliar a formação cultural através de um repertório adequado tornam-se atividades imprescindíveis em nossa prática na escola. No entanto, estas duas necessidades nos trazem algumas questões: Agregar o elemento da criatividade ao ensino destes instrumentos desde os primeiros passos constitui um caminho desafiador, seja pela dificuldade técnica destes ou pelas características inerentes à linguagem musical, arte do tempo cujo caráter abstrato torna menos evidentes seus códigos e convenções internas em comparação com outras artes. Seja qual for o gênero ou caminho estético escolhido, o processo criativo sempre demanda do artista a compreensão, mesmo que adquirida de forma intuitiva, da gramática e da dinâmica inerentes à linguagem, ou esse processo nunca terá subsídios para ser plenamente realizado como criativo. Quanto ao repertório, nos parece importante ampliar o espectro de opções normalmente trabalhadas, desfazendo a associação unívoca entre esses instrumentos e a música erudita, que praticamente exclui do campo de possibilidades e desejos do aluno iniciante executar outro tipo de música. Pensamos ser fundamental também, não só como recurso didático, mas como fator de formação cultural geral, fazer uso do amplo e rico universo da cultura musical nacional, o que favorece o aprendizado através da identificação e familiaridade do aluno com o repertório. Com estas questões sempre em mente, nós, Adriane e Cintia, fomos convidadas a dar início a um novo grupo de ensino coletivo de violinos e violas. O grupo é composto por 10 meninas com idades entre 8 e 10 anos, que têm aulas uma vez por semana de 1 hora e 30 minutos. O formato de ensino coletivo vem sendo

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plenamente explorado, em inúmeras escolas e países, como uma alternativa para a iniciação ao instrumento. Segundo Oliveira (1998) citado por Flavia Cruvinel: O ensino coletivo é mais estimulante para o aluno iniciante, devido ao seu maior desenvolvimento em menos tempo de aula, em decorrência das técnicas pedagógicas usadas no ensino coletivo. A sonoridade do grupo é mais agradável, no início, do que a sonoridade individual do aluno... E assim surgiu a oportunidade de desenvolver uma prática e um material didático que propicie e promova esses importantes aspectos do ensino musical, desde a iniciação aos instrumentos de cordas, servindo também como apoio ao vasto material já existente, mas que raramente os contemplam. Nessa nossa proposta, os alunos recebem, além das orientações técnicas para um começo saudável no instrumento, também ensinamentos, já a partir das primeiras músicas, que os tornem capazes de reconhecer suas estruturas internas e de improvisar, baseando-se em modos e escalas do universo brasileiro. Um exemplo prático: Para a canção Asa Branca (ver figuras 1, 2 e 3), de Luiz Gonzaga, construímos um arranjo a três vozes, constituído de melodia, coda, e duas vozes de acompanhamento harmônico com cordas soltas (e uso opcional do primeiro dedo), escritas em mínimas que, progressivamente, serão transformadas no ritmo de baião. Os alunos as aprendem de ouvido, memorizando-as. Desse modo, os alunos apreendem a estrutura da música, suas partes, frases e repetições, assim como noções de harmonia, ritmo e pulso, de forma intuitiva, auditivamente e dentro de um universo familiar e reconhecível. Esse modelo permite também que crianças de diferentes tempos de aquisição de conhecimento, aprendam juntas, fazendo cada uma, a parte acessível a seu desenvolvimento técnico.

Fig. 1: Asa Branca, partitura

Após o aprendizado das diferentes vozes, acrescentamos a prática da escala de Ré em uma oitava nos modos maior e mixolídio, sendo esse último usado como base para a prática do improviso. Todos sabendo todas as partes e suas funções dividem-se em subgrupos que se alternam, ora fazendo a melodia, ora o acompanhamento, ou individualmente, improvisando, sempre recebendo apoio rítmico e harmônico de um piano.

Referência Fig. 2: Modo mixolidio

Com o apoio do modo mixolídio, recorrente na música nordestina brasileira, o aluno é estimulado a experimentar o instrumento criativamente e a fazer suas próprias escolhas dentro de um ambiente no qual se sente seguro e confortável, sem vivenciar a experiência de tocar uma nota “errada”, adquirindo confiança, liberdade e prazer com seu instrumento, sua capacidade criativa e a música. O improviso promove também um momento “solo” a cada um dos alunos, que podem nesse momento ouvir, perceber e encontrar mais acuradamente seu próprio som e voz. Esperamos com esta proposta colaborar com o ensino de instrumentos de corda, trazendo recursos já utilizados no ensino da música popular a esse universo, assim como subsídios práticos para a iniciação do ensino da improvisação, da aquisição de liberdade com o instrumento e ampliação de horizontes estéticos para alunos iniciantes.

Fig. 3: Asa Branca, modelo aplicado a orquestra de cordas

CRUVINEL, F. M. (2005). Educação Musical e Transformação Social. Goiania: ICBC- Instituto Centro Brasileiro de Cultura.

Adriane Krindges. Bacharel em violino pela EMBAP/PR. Violinista e professora de violino na EMIA, tem 25 anos de experiência com crianças a partir de três anos de idade, com método de ensino de violino baseado na percepção auditiva e no uso de ferramentas lúdicas. Cintia Zanco. Violinista, é professora de violino na EMIA, atua como professora, instrumentista e arranjadora. Escreve para orquestras (Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, Orquestra Sinfônica da Bahia, entre outras) e atua como solista em diferentes grupos de música popular e erudita.

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Além do nada há o vazio Rogério Almeida e Fábio Marques

Turma 8 anos (quinta-feira - manhã)

o vazio e o nada Quando questionados sobre interesses pessoais há sempre uma ou mais de uma criança que responde: “Nada!”, “Nenhum!”, “Qualquer um!” etc. Levando essas respostas em consideração, escolhemos o “Nada!” e lançamos um desafio investigativo que o colocasse de frente com o conceito de “Vazio”. Seriam estes as mesmas coisas? Foi lançada a aventura! Energia Provocar, indagar, refletir, pesquisar, apreciar, explorar, experimentar, criar, relações com estes dois conceitos em uma possível acareação estética e poética.

as questões O encontro destes dois termos trouxe questionamentos. As hipóteses nascidas entre o que se vê e o que não se vê, o cheio e o vazio, ter algo e não ter nada, o acreditar e o não acreditar iniciou um processo instigante para a expansão das percepções sobre o concreto e o abstrato, o audível e não audível, material e imaterial. Energia Criação de motivo provocativo acompanhado do Desenvolvimento sensível por meio do diálogo pessoal e com o espaço

as narrativas Surgem histórias da tradição popular misturadas às histórias de cada criança capazes de alimentar soluções e ao mesmo tempo gerar novos conflitos no encontro do Vazio com o Nada, enquanto objeto de pesquisa. Energia: História de tradição chinesa “O Pote Vazio” na qual um imperador escolhe como seu sucessor aquele que cultiva o vazio. E o “O Sentinela – Guardião do vazio”, na qual um guardião misterioso protege uma caixa mágica, contendo segredos que se encontram no vazio. Atributos: O encontro com estes dois elementos narrativos abre uma fenda temporal que possibilitou perceber possíveis caminhos para o “Vazio”

plantando ideias PProvocados pela idéia de vazio enquanto preenchimento não explicito, o grupo com potes que antes poderiam ser considerados, sem “nada” dentro, porém agora começando a potencializar possíveis intervenções, foi provocado a resignificá-lo. Eis que escutamos: “E se a gente for lá fora plantar sementes?”. Assim foi feito, como na história do Pote Vazio. Energia: Motivados pelas histórias e os novos questionamentos, o grupo começou a experimentar suas idéias explorando o parque enquanto fonte de pesquisa. Saíram a procura de sementes, o que por sua vez trouxe para o repertório, além da respiração, o nascimento/ origem. Sementes em mãos, terra nos potes e plantio realizado. O tempo traria outras respostas?

soprando o vazio Após as narrativas ganharem o imaginário e refletindo sobre as percepções do grupo, surge a primeira configuração em que o Nada aparece como ausência de algo, enquanto o Vazio preenchido de uma coisa não explicita. Pois quando uma criança disse: “Não vemos o ar mas respiramos ele, então como pode não ter nada aqui?”. Então apresentamos a Shakuhachi, flauta japonesa feita de bambú, cujo sons nascem da respiração sobre o vazio. Energia: O questionamento individual e coletivo ganha força a medida em que são apresentados elementos manifestados artisticamente como a flauta de bambu em sua anatomia oca e potencialmente sonora.

o corpo Caminhando em paralelo as narrativas, jogos e brincadeiras trouxeram outro caráter para as reflexões. A narrativa do “O Sentinela – Guardião do Vazio”, citada anteriormente, associada ao seu jogo é um exemplo. Este guardião protege uma caixa, cujo conteúdo possui segredos do vazio. Porém despertará o Sentinela, aquele que fizer qualquer som ou movimento. Aqui o Nada passa a ser a imobilidade e ausência enquanto o Vazio ganha a intenção de movimento e presença. . Energia. Exploração corporal e auto reflexão sobre a vivência dos conceitos de respiração, silêncio, movimento, nascimento. Experimenta-se o corpo enquanto veículo expressivo e o silêncio enquanto ação sensível.

eu guardião Entre conversas e trocas sobre o vazio, as crianças trouxeram a referência da “PokeBola”. Objeto utilizado na animação intitulada “Pokémon”. A pokebola é uma esfera cujo interior é um mistério, inicialmente vazia, mas que abriga criaturas de poder utilizadas em desafios e aventuras. E se o grupo criasse seus guardiões/pokemons com características próprias incluindo formas, tamanhos, poderes e atributos? E principalmente, qual seria sua origem? O Jogo do Pá foi o ponto de partida, um cenário para as primeiras criações Energia: Pesquisa sonora, gestual, imagética atribuída as histórias e referencias de cada criança. Aplicação desta construção na criação de cartas/cards contendo sua pesquisa.

apreciações No decorrer das aulas apreciamos duas animações: “O Castelo Animado” e “O menino e o mundo”. O primeiro trazendo elementos em busca de uma narrativa mágica e encantada, enquanto o segundo uma relação estética e técnica sobre o tema. Ambos tornaram-se oportunidade ideal para refletir sobre diferentes técnicas de desenho, animação e sonorização. Importantíssimo na composição das cartas e suas associações sonoras e gestuais. Energia: O diálogo de possíveis associações dos elementos mágicos, encantados, estéticos e técnicos expressivos na concepção dos dois trabalhos. Bate Papo com Fábio Marques (GEM) sobre o processo de criação e produção do filme, já que seu grupo fez parte da trilha sonora.

reencontro As cartas enquanto representação dos seres/ personagens começaram a ganhar forma e o Jogo do Pá, foi totalmente resignificado utilizando novos gestos e sons criados pelas crianças. O próximo passo é encontrar a origem desses seres. Como era no princípio? Construir mitos da criação para cada personagem Energia: Ampliação do repertório estético e poético expresso pelo desafio investigativo de conceitos artísticos filosóficos.

Fábio Marques. Artista-professor de artes visuais na EMIA, desenvolve seu trabalho visual em xilogravura, escultura, objetos e instalações sonoras. Realiza cenografias para dança e teatro e é integrante do GEM – Grupo Experimental de Música onde atua como músico e artista visual. Rogério Almeida. Licenciado em música pela Faculdade Santa Marcelina é artista-professor de música na EMIA. Diretor musical, músico, ator e contador de histórias. Criador do Núcleo de Pesquisas em Cultura da Infância “Brincadoque”.

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Chão de estrelas Marco Glauco

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or este texto, ora redundante, aspirando à semelhanças com dimensões das águas,... e, se retumbante, das coisas da alma, tento este exercício de trazer nuances de pensamento, sobre um instante dum olhar, sobre formas de manifestações exploratórias através de meios artísticos, aqui, mais especialmente, em referência à questão da rítmica musical, em atividades de iniciação, sobre as quais, imaginei possíveis paralelos integrativos em relação a ideias de C.G, Jung e Nise da Silveira. Tendo em vista, a abrangência dinâmica do fenômeno musical, quanto à aspectos científicos, artísticos, técnicos, filosóficos, históricos, metafísicos, teóricos, práticos...entre compartilhamentos e desenvolvimentos, em movimentos diversos; da totalidade para os elementos, dos elementos para a totalidade, da totalidade para a totalidade, dos elementos para os elementos, dos elementos para si mesmos...considerando as especificidades de cada situação, procurando criar uma ambiência , onde em possíveis contextos, possa se estabelecer conexão com, entre outras identidades da arte...A poética...por dimensões e desenvolvimentos do já trilhado através dos tempos, e da busca pela significação, sensibilidade, e por novas perspectivas e olhares. A Poética transita pelo âmbito daquilo que não tem explicação, expressa o mistério, fala do mistério. O mistério como algo pertencente às coisas inacessíveis... Está para ser desvendado, e não equacionado. Existem graus de aproximação com o mistério, pois no pulsar permanente entre mostrar-se e ocultar-se é que se caminha na busca da verdade ALETHÉIA (em grego). A poética liberta o ser como vocação, o ser como fidelidade ao chamado da voz interior. (NOGUEIRA) Jung (1981) nos atenta para a relevância do contato com essa voz interior na educação e no desenvolvimento da personalidade. Parte integrante dessa voz interior constituir-se-ia de conteúdos inconscientes, que pelos meios artísticos, podem encontrar prolíficos canais por onde se manifestar, e ao se manifestarem, se desnudam, se realizam, se modificam, se diluem, se renovam, se resolvem. Tais processos podem encerrar considerável magnetismo atrativo e integrativo para com os meios pelos quais se realizam, aqui, no caso, a arte. Me atraiu então a atenção, sobre o que considero um momen50 EMIA 2014

to sensível, quando numa determinada relação com objetos das artes, numa prática exploratória em grupo, utilizando instrumentos musicais, por exemplo, pode surgir uma situação significativa, essencial, onde então o participante passa a ter conexão com experiências expressivas e interativas, que podem constituir meios prolíficos para dimensões relacionais com esta voz interior, e também, impulsionar o acesso, aos domínios da poética...o que no indivíduo pode se traduzir como identificação ou despertar...assim, conteúdos inconscientes, de diversas ordens e toda sua representatividade, podem emergir, também, em atividades relacionadas à sonoridade. E se poderá sentir que está nos domínios de algo misterioso, que pode ter uma face consideravelmente atrativa, podendo constituir considerável estímulo à expressão, favorecer o envolvimento no caminho com as artes, e contribuir para o desenvolvimento global do ser. Assim, também através da sonoridade, à semelhança daquele que molda uma peça de argila, pinta, dança, ou experimenta possibilidades com uso de máscaras, pode-se materializar ambiências favoráveis às manifestações destes conteúdos interiores, de forma integrativa. Preservando o espaço que prioriza a experiência expressiva, podemos estar aprofundando o grau de envolvimento, atratividade, desenvolvimento, e significação legítima. Numa determinada prática musical exploratória coletiva, onde se deseje preservar este espaço, poderá haver momentos onde se perceba multiplicidade rítmica, e de andamentos e dinâmica musical, que podem conter uma carga de relevante amplitude em processos legítimos de encontro e apropriação com a linguagem, permeando o sensorial, o relacional em diversos níveis, o corporal, o afetivo...de forma sincrética, com bom tom de caráter lúdico, onde se podem desvendar sensações e percepções, integrando fatores que podem contribuir para o grau de representatividade e da assimilação por cada um, da experiência...Enquanto os participantes permeiam por diversos contextos sonoro-musicais, em interações, simpatias, dissonâncias, diálogos...que vão definindo o caráter geral da ação, se faz presente também, o universo da escuta.

Ao nos referirmos a este universo, provavelmente em algum momento nos referiremos também ao som, sobre o qual nos chama a atenção Jourdain (1998) destacando que para a física, o som é vibração, em ondas e frequências...enquanto que para a psicologia, é sensação, experiência, impressão...Se por um lado, pelo aspecto da física se faz mais natural mesurar, pelo aspecto da psicologia tal ação torna-se quase imponderável... Ainda também provavelmente nos referiremos ao tempo (Cronos)...segundo Bulfinch (2002) divindade grega que era acusada de devorar seus filhos. Caesar (2012) ao citar Bulfinch e Jordain, nos chama a atenção para a questão do som e do tempo, e suas possíveis dimensões abstratas como constituintes da música. Ulteriormente, podemos a partir de tais referências, considerar alguns elos com nossos comparti-olhares artísticos, quando por exemplo, aludimos às possibilidades de cada indivíduo, nas vivências com meios artísticos, e as interatividades em práticas coletivas. A consideração destas referências, e muitas outras, da aventura musical humana através dos tempos, pode somar, à formação de nosso convencimento, sobre como pode ser efetivamente proveitoso, preservar espaços para estes momentos, e respeitar e aproveitar as resultantes mais espontâneas neles presentes, em nossas vivências de iniciação. Nestes momentos, procuro acolher, estimular a participação de cada um, colaborar com a realização, evitando forçar pulsações, porém, sem coibir os momentos em que se estabeleçam legitimamente, oriundas da interatividade do grupo, tentando valorizar o contato representativo para aquele que está experimentando...se descobrindo. Refletindo sobre estas atividades, lembrei determinada ocorrência; quando então, em um grupo envolvido numa determinada ação sonora, o educador interferia, introduzindo determinada pulsação, como sendo aquela a ser seguida por todos, e considerei esta observação, no desenvolvimento de uma reflexão, sobre a possibilidade de tal interferência, poder representar uma certa diluição qualitativa do grau de riqueza e envolvimento dos participantes, quanto ao espectro, e a amplitude mais desejáveis, na relação com a atividade, podendo assim, representar um fechamento do leque de recursos, no estabelecimento das primeiras conexões

com a expressividade, interferindo indesejavelmente na qualidade, e na gama de possibilidades de encontros, pelos caminhos com e pelo universo das artes. Assim, estaria em curso, em algum nível, uma passagem do sujeito, da qualidade, de expressivamente ativo, investigativo, integrativo, que mantém uma conexão com seus elementos interiores, buscando a integridade, em movimentos onde se vislumbra uma aventura de auto - descoberta, para a qualidade daquele que então passa a interagir com a atividade, de forma mais fracionada, ou à semelhança de um treinamento, onde o primordial é a capacidade para a execução de uma regra ou ordenação. Interferência semelhante, boa parte das vezes, talvez possa ocorrer, dentre outros fatores, devido à situações onde esteja presente a consideração do compartilhador, de que os participantes, não conseguem ainda se ouvirem uns aos outros, e/ou não dominam suficientemente os elementos da linguagem para se se expressarem adequadamente, o que em certa instância, pode ser uma possibilidade de análise, porém, em uma outra dimensão presente, faz-se notória a consideração de que existam também, outras formas destes se relacionarem com a percepção e interação, relativas às experiências sonoro-musicais, que podem integrar este universo do que está para ser desvendado, tanto de cada um, como na relação com o fenômeno artístico, e as variadas possibilidades integrativas. Assim, tal dimensão, se considerada, respeitada, aproveitada, valorizada...pode ser engrandecedora no caminho de iniciação com as artes. Também sobre a questão do tempo...podemos lembrar, apenas como exemplo, que à partir da teoria da relatividade de Einstein, se destacaram perspectivas particularmente interessantes, tendo destas, se embevecido, por exemplo, o futurismo...isto há aproximadamente um século...o que também pode somar, para fortalecer a consideração sobre a questão integrativa das artes, com as diversas áreas do conhecimento humano, como referência possível em diversos níveis. Creio que não deve parecer razoável com relação aos nossos fazeres em iniciação às artes, nos contentarmos com alguma consideração de que devemos atuar no sentido de “preparar” nossas crianças e jovens para alguma realidade existente, profissional, EMIA 2014

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Que ventos nos levam? Celso Amâncio e Flávia Ferraz

mercadológica, ou concursos, mas sim, principalmente considerando o universo de iniciação com que lidamos, em colaborar para que possam com maior liberdade atuar pelos caminhos que escolherem, e que poderão sim, ser inusitados..com atitude e capacidade criativa e transformadora, e não apenas interativa ou assimiladora. Então nos será tão mais importante, colaborar para a formação de seres dinâmicos, e com maior bagagem em experiências criativas, expressivas e integrativas, com maior amplitude em elementos prolíficos, não somente dirigidos ao desenvolvimento de capacidades de sobrevivência nos meios pragmáticos, mas sim, colaborando para que possam ter mais condições para escolher, transformar, e criar caminhos em consonância com uma possível?...Inteligência universal...lembrando Dias (1998), que nos traz um olhar para uma dimensão desta inteligência... Inteligência universal – A Maior – A Mor – AMOR. Então, tento trazer um pouco disto à consciência, compartilhar questionamentos e falar sobre a busca por um discernimento sensível, e colocar em questão se determinadas posturas e procedimentos, algumas vezes, podem funcionar como uma fôrma, e por sua vez, conduzir a alguma espécie de vórtice, onde se perde parte da amplitude espectral, da riqueza relativa à experiência relacional com abrangência artística, e também refletir sobre o papel daqueles que lidam com iniciação artística. Então, nestes momentos primordiais de iniciação, talvez mais importante que organizar um direcionamento onde todos se manifestem seguindo uma mesma pulsação, seja valorizarmos antes, a musicalidade ampla, estimulando a descoberta de conexões de cada um, com a expressividade, através dos meios artísticos, considerando mais amplamente, resultantes que podem estar carregadas de legítimo envolvimento expressivo e de apropriação relacional com o fazer artístico.

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Referências BULFINCH, Thomas. O Livro de ouro da mitologia. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. CAESAR, Wésley. Música, cultura e sociedade. São Paulo: Scortecci Editora, 2012. DIAS, Aluísio. All, a Língua Luz A. São Paulo: Editor A, 1998. JORDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1998. JUNG, C.G. O Desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes Círculo do Livro, 1981. p. 171-191. NOGUEIRA, Ana Maria Netto. A construção da obra: uma conquista laboriosa. São Paulo: Apostila, 2006. SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Brasília: Alhambra, 1981. SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Disponível em: http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br Acesso em 08/2014.

Marco Glauco – Especialista em Arte Integrativa na Universidade Anhembi-Morumbi, desde o ano de 1989 vem atuando em escolas e projetos ligados aos governos estadual e municipal de São Paulo. É professor de música na EMIA desde 1998, em grupos do curso regular e no curso de guitarra elétrica.

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ossos planos para este ano começaram grandiosos, primeiro pensamos em abarcar histórias, muitas histórias, todas aquelas que nosso desejo escolhesse, pensamos na Medusa, em monstros mitológicos, em deuses longínquos de lugares menos conhecidos, contos árabes, indianos, indígenas, africanos. Mas de toda esta bagagem sonhada, começamos com um poema de Manuel de Barros que nos transportou para quintais. E como seriam os quintais poéticos e arquetípicos daquelas crianças que mal conhecem um quintal? Discutindo e experimentando os mistérios dos primeiros encontros com as crianças, descobrimos que o tempo começava a fechar, havia algo de estranho no ar de São Paulo e eis que veio uma brisa estranha, começou até com “uma brisa com ares de garça”, como diria o Manuel, mas que cresceu e numa enxurrada de sons e movimentos se tornou uma ventania catastrófica! Mas divertida... e por fim esses ventos levaram temporariamente nossos monstros, contos e medusas, até embaçaram nossos quintais. O vento se tornou nosso tema, nosso fio condutor imprevisível que também tem seus mitos, sonhos e possibilidades. Já nos trouxe uma canção de Arnaldo Antunes, velocidades e intensidades de sons, cenas e já se atreve em virar dança. Vento enquanto metáfora da intensidade, da velocidade, das oposições e graduações entre calmaria e tempestade; placidez e turbilhão; silêncio e barulho. Dentre as atividades realizadas com essa turma de crianças de oito anos, fizemos muitas explorações e experimentações guiadas pelo vento: Como o corpo se comporta no vento? Além de movimentos, os corpos também ganharam sons de vento como acompanhamento. E o vendaval? Experimentamos também o antes e o depois do vendaval, como fica o espaço depois? Construímos cenários do antes e depois de um furacão. Exercitamos improvisações cênicas com histórias possíveis de se inventar em um lugar que, de repente, recebe um vento forte. Um grupo fez a história, outro fez com sons a interferência do vendaval. Então veio a canção de Arnaldo Antunes e Palavra Cantada, Do Vento. A letra da

canção trouxe outras metáforas e motivos para mais improvisações. Exploramos também o próprio vento em si, caminhando pelo parque para senti-lo na pele. Sobre a ponte nos tornamos pescadores do vento, observando os tecidos se mexerem, inflarem, voltarem à posição inicial. Quando já parecia que não havia mais o que inventar com o vento, aconteceu um sarau espontâneo com canções de vento, mas que também recebeu o mar. Por fim, vieram algumas histórias e mitos em que o vento é personagem: A história de Ventinho, de Ruth Rocha, a lenda de Uakti e o mito grego de Zéfiro, o Vento Oeste. Com este mito sonorizado para ser escutado de olhos fechados, finalizamos, numa brisa perfumada e multicor do casamento de Zéfiro e Íris, os sopros de nosso destino no primeiro semestre. Assim são nossos planejamentos, começam com os desejos dos adultos, despertados por nossas conversas e pelos anseios deixados pela turma do ano passado, mas que são sim volúveis, permeáveis, em constante mutação. Antes, eram principalmente papéis que já tiveram na escola até uma função mais burocrática e hoje podem ser também levados pelo vento, molhados, queimados. Começam a ser comungados! Não é tarefa tão fácil, já trazemos tanta ansiedade e expectativa, mas cada vez acreditamos mais na importância da escuta. Na beleza, por vezes difícil, de sermos permeáveis e olharmos nos olhos dos pequenos... Escutar e deixar realmente que o diálogo aconteça com todos os envolvidos, que nossos planejamentos, poéticos e pedagógicos, sejam verdadeiros também entre os anseios das crianças. Celso Amâncio de Melo Filho. Mestre em Artes Cênicas pelo IA/UNESP e graduado em violino pela UFU. É músico, ator, palhaçólogo, professor de música e brincante na EMIA desde 2013. Flávia Ferraz. Atriz e professora de teatro para crianças e adolescentes em diversos espaços educativos. Desenvolve seu trabalho como artista-professora na EMIA desde 1995, onde também foi coordenadora da área de teatro. EMIA 2014

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Conexão Berenice de Almeida, Marcos Venceslau, Valeska Figueiredo e Wando Piras

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onexão? Conexão... Conexão! Se buscarmos no dicionário de sinônimos, a palavra conexão pode ser substituída por muitas outras, como: contato, união, vínculo, concatenação, nexo, relação, analogia, identidade, semelhança, coesão, interface... Mas, o que me conecta a alguém? Quão profunda e superficial pode ser esta conexão? A partir desses pensares, iniciamos nossa conversa de planejamento para o trabalho com uma turma de nove e dez anos na EMIA, no ano de 2014. Éramos quatro professores: Berê, de música, Marcos de artes visuais, Valeska de dança e Wando de teatro, ou seja, quatro professores de linguagens artísticas distintas, trabalhando simultaneamente com o mesmo grupo, a partir de uma mesma proposta, buscando diversos processos e um único produto: pontos de integração. Na EMIA, a conexão é algo que se estabelece em várias dimensões: entre as crianças da mesma turma na sala de aula e fora dela; entre as crianças de turmas diferentes na entrada, no intervalo, no saguão; entre crianças e professores, dentro e fora do espaço da aula; entre crianças e as diversas manifestações artísticas e entre os professores que atuam no mesmo espaço de aula. Muitas e diversas formas de conexão, inúmeras possibilidades de se ligar, integrar, acessar e transpassar o seu universo com e para o do outro. A reflexão logo se concentrou no potencial e no poder das mídias eletrônicas e sociais na vida das pessoas, especialmente crianças e adolescentes.

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As tão faladas redes sociais. Por que não iniciar transpondo a rede virtual para uma rede concreta: no papel, no corpo, em sonoridades, em cenas, em imagens? Que tal partir da nossa autoimagem, das nossas afinidades e daquilo que a gente “curte”? Começamos com as crianças, sem mencionar as redes sociais virtuais, mas nos atentando para as possíveis ligações entre todos nós. A concentração foi um ponto importante, oferecendo um espaço para que as crianças percebessem a si próprias, suas demandas e desejos e, mais que isso, permitiu olhar também para o outro, aprendendo com ele e cooperando mutuamente. Este foi um aspecto que contribuiu para a descoberta e a intensificação das interações entre os alunos, possibilitando maior integração entre os elementos do grupo e a turma como um todo. Experimentamos a conexão por diversos caminhos não lineares, que se encontravam e se distanciavam uns dos outros, que partiam de um mesmo centro ou finalizavam no mesmo ponto. Propostas de atividades que nos levassem a sentir, a fazer e a refletir. Sintonia do olhar em movimento som-movimento sensação-palavra fio imaginário entre corpos e imagens linha transformada em figura ritmo nascendo de um pulso movimento-personagem-cena sopro transformado em som, som transformado em melodia

Enfim, a conexão levou crianças e professores a perceberem e pensarem sobre a interconexão entre a ação de um e a resposta do outro, entre o que é singular e o que é coletivo. Isso se deu por encadeamentos, em que o que um fazia repercutia no outro e que, de alguma forma, irradiava em várias direções e reverberava em todos. Isso também potencializou o trabalho de integração das linguagens artísticas, uma das premissas de atuação na escola. As atividades iniciadas eram retomadas, atravessadas, sobrepostas e transformadas pelos diferentes fazeres artísticos, bem como pelo olhar e atuar das crianças. Traçamos uma imensa e complexa rede, formada de conexões múltiplas entre experiências pessoais e coletivas. Fomos e viemos, voltávamos e/ou desviávamos com a mesma facilidade, desde que isso se mostrasse uma necessidade, um meio de consumar parte do nosso processo. Obviamente, isso em nada se parecia com uma tentativa de reviver o já ocorrido, ao contrário, foi um exercício de reinvenção. A cada experiência uma nova forma ou enfoque para criar outro caminho e, a cada encontro, infinitas possibilidades de conexão. E é justamente isso que permite um arejamento criativo, sem moldes ou modelos, mas sim, tão cheio de sintonias quanto de fricções, envolto em ajustes e negociações que viabilizam um fazer comum sem abrir mão das particularidades.

Wando Piras é ator, diretor teatral, bonequeiro e arte-educador. Fundador da CIA DA TRIBO, no grupo XPTO permaneceu por 15 anos. Realiza parcerias com o grupo PIA FRAUS, atuando e dirigindo vários espetáculos. Recebeu quatro prêmios, incluindo melhor ator e diretor de teatro infantil: MAMBEMBE, COCA-COLA FENSA E APETESP. Foi diretor de cena, durante três anos, no Projeto Fabricas de Cultura no Capão Redondo e trabalhou no projeto Circo Enturmando. Berenice de Almeida. Educadora musical e pianista formada ela ECA/USP, é professora de música na EMIA desde 1990. Autora de dez livros na área de Educação Musical, participa da Equipe Formativa e do Núcleo de Criação do Projeto “Brincadeiras Musicais da Palavra Cantada”. Marcos Venceslau. Licenciado e especialista em Artes Plásticas/FAAP. Artista plástico, desenhista, quadrinista e artista-professor, é professor de artes visuais na EMIA desde 1996. Compôs as equipes do Núcleo de Comunicação e foi coordenador da área de artes visuais desta escola. Valeska Figueiredo. Doutora em Artes Cênicas pela UNICAMP e mestre em Educação pela UFSC. Atua profissionalmente como coreógrafa, bailarina, pesquisadora e professora de dança. Atualmente, é artista-professora da EMIA e integrante do [-MOS].

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Coral da EMIA: “Quem sou eu?”

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garrafa atravessa o palco num silêncio absoluto! Essa é a imagem que aparece em minha mente para o início do espetáculo do Coral da EMIA, um dos corais da escola com crianças de nove a doze anos. Traz com ela a mensagem: Quem sou eu? Assim começa o ano. A ideia é levada às crianças dos três grupos de alunos distribuídos durante a semana na EMIA. Cada turma tem uma particularidade e responde de forma diferente à proposta. O tema gerou uma grande curiosidade nas crianças. Como assim quem sou eu? Pedi que fizessem a árvore genealógica até os avós, para perceberem que cada família é constituída de várias etnias do mundo e que no Brasil nosso povo é o indígena. Ficaram perplexos! Muitos respondiam que a família era brasileira. Conversamos muito até chegar à origem de cada um. Trouxeram desenhos e relatos dos pais que, na sua maioria, não conversavam a respeito. Descobrimos as mais diversas ancestralidades: suíça, portuguesa, espanhola, alemã, japonesa, muito curioso. A que teve maior mistura de etnias foi escolhida para abrir o espetáculo: “Quem sou eu? Eu sou alemã, portuguesa, africana, sueca e índia brasileira”. Outra particularidade foi o formato da família hoje. Os tempos mudaram e temos um grande ecletismo na formação familiar: pai e mãe com crianças adotadas, pai e pai, mãe e mãe, crianças com pai sem mãe, mãe e filho sem pai, etc... Acredito que todas as histórias trazidas nos aproximou muito, criança x professor, criança x criança. Comecei a pesquisar músicas sobre o tema. Uma das canções veio ao meu ouvido: “Lá fora, apitou o navio. Apitou e não pode parar. É que a barra tá toda tomada, da marujada de Martim Parangolá” (Mulheres Negras, domínio público). Mostrei a elas e fomos, aos poucos, mudando a letra. Ficou assim: “Lá fora vem 56 EMIA 2014

chegando uma barca, vem chegando e não pode parar, é que a barca tá toda tomada, com o povo todo que vem de outro lugar...”. A primeira sonoridade da garrafa: o sopro. Sopramos muitas garrafas e experimentamos a embocadura, para que o som saísse como vento, como apito. Foi o chamado do navio. Descobri no repertório do Lenine, Mote do Navio, de Pedro Osmar. É a barca chegando trazendo uma grande população, de onde vem? Pra onde vão? Não sabemos ainda. As crianças aprendem a canção e, ao mesmo tempo, criam uma forma de mostrá-la. Nem chamo de encenação, porque são movimentos criados junto com a música. Por serem três grupos, cada um sugere uma coisa que vai passando e acrescentando ao outro. Todas as ideias são “pescadas” e aplicadas na hora. Claro que todo o refinamento é feito por mim. Porém, o olhar atento à criança, o diálogo, a parceria e a cumplicidade acontece nesse momento. São muitas as propostas vindas dos alunos e, como já sabem como o coral funciona, ficam ansiosos por esse momento. O processo criativo é intenso. São vários experimentos, maneiras e jeitos de fazer a música até concluir como iremos executá-la. Mesmo assim, a cada ensaio, se uma boa ideia surgir, mudamos. A garrafa criou uma ansiedade nos grupos, que queriam muito poder experimentar, pegar, tocar. Fizemos experiências com a sonoridade do vidro e fomos escolhendo as diversas maneiras de tocá-la. É curioso que, como se fossem crianças pequenas, fizeram da garrafa um brinquedo. Brincaram intensamente com ela. Pedi que tirassem os mais variados sons e que me mostrassem o experimento. Muita criatividade: daria para fazer uma tese sobre o objeto. Soprar, tocar, rolar, tampinhas na garrafa, tampinhas enlouquecedoras!

Wando Piras

Maru Ohtani

Como a sonoridade da tampinha tem uma frequência alta, pedi que, pelo menos, evitassem esse som naquele momento, que em outro, seria recuperado. Toda aula tínhamos que pegar as garrafas, que eram muito esperadas. Outra canção escolhida foi Leão do Norte, de Lenine e Paulo Cesar Pinheiro. Essa música é bem complexa. Difícil de cantar e de entender. Passamos um bom tempo estudando as palavras, expressões e referências às representações da cultura popular da região. Foi muito interessante. A música foi entrando no ouvido e no corpo das crianças. Foi a que trouxe toda a motivação para o uso das garrafas. Com elas e, ao mesmo tempo, fomos criando movimentos para cada momento. Por ser experimental, decoraram rapidamente e criaram muita empatia pela canção. As estrofes têm uma movimentação diferente, que divide a música e mostra à criança o formato que ela tem. Assim, foi mostrado na Cantoria da EMIA, que ocorre, geralmente, no mês de junho. A retomada das tampinhas. Sua sonoridade é bem aguda, e percussiva. A música escolhida é Tche Nane, cantada por índios Jaboti, de Rondônia. Trouxe essa canção que aprendi com a cantora e compositora Marlui Miranda, com quem tive o privilégio de cantar e ter como uma querida amiga. É uma canção realizada na Festa

da Pescaria: de tanto bater o timbó (cipó), ele solta um veneno na água que adormece os peixes que, assim, podem ser pescados até com a mão. A canção indígena foi escolhida, porque quero mostrar a importância e a existência desse povo. O processo foi interessante. Expliquei que a música é de festa, e a sonoridade da tampinha é de muita alegria. Fizemos improvisações sonoras rítmicas e experimentos para o uso dela em cena, criando sons para a música. Esse é o momento do olhar. Disse que a brincadeira da tampa é o final da canção. Ficaram alucinados, jogando tampinha para o alto, para conseguirem realizar o desafio da brincadeira: jogar para o alto, bater palma em cima e embaixo da tampinha antes que ela caia. Desafio máximo e muitas crianças brincando. O visual é incrível, pois as tampinhas metálicas dão um colorido indescritível e as crianças, de fato, iam alucinadas atrás da tampinha. Garrafa, tampinha, som, silêncio, voz. Essa é uma possibilidade de música na EMIA. Maru Ohtani. Regente dos corais da EMIA. Em 1987, ingressou na escola como pianista. Foi coordenadora da Área Coral em 1990. E desde 1994 é regente de todos os corais da EMIA.

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Karime Nivoloni

Aprender é o processo pelo qual nós variamos nossas respostas às informações baseado no contexto de cada situação. Bonnie Bainbridge Cohen

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inistrar um curso optativo de uma linguagem artística específica dentro da EMIA requer um processo constante de reflexão. Estamos inseridos em uma escola que compreende o processo de iniciação artística, a partir da integração das linguagens e, principalmente, procura levar em conta os saberes da criança e seus processos de criação. Quando as crianças passam a participar dos cursos optativos (7 a 10 anos), a maioria delas já frequenta a EMIA por, pelo menos dois anos. Acredito que por esse processo de formação, as formas criativas de pensar e elaborar costumam integrar as linguagens, assim como o estado de espírito de brincar e criar, muitas vezes, tornam-se semelhantes. Vejo corpos criativos, que transitam pelas linguagens com fluidez e liberdade. É com eles que me deparo, nas quintas de manhã, ao optativo de dança. Como abordar e ser abordada? Como estimular o processo e me deixar estimular? Que tipo de pensamentos de dança trazer? Como perceber os pensamentos de dança que as crianças trazem? Como estabelecer os diálogos com as crianças? Quais conteúdos tocar e aprofundar? Como criar um ambiente de escuta e disponibilidade às experiências? Como estimular a criatividade da criança dentro da linguagem? Essas e tantas outras questões surgem constantemente, e sinto-me instigada a manter as respostas vivas, mutantes. Nesse sentido, tenho procurado iniciar os processos com propostas abertas, que partam de algum tipo de experiência que julgo relevante para o aprendizado da linguagem. Esse julgamento provém da minha experiência pessoal como educadora artista e traz em si concepções de arte, educação e visões de mundo. Há algum tempo tenho experimentado alguns princípios do BMC (Body Mind Centering) no aprendizado e desenvolvimento de dança com as crianças e tenho percebido que, essa forma de abordar corpo, movimento e criação, está em consonância com os princípios da EMIA. 58 EMIA 2014

Karime Nivoloni

Dança na EMIA: experiência em processo

O BMC não é um método, técnica ou estilo. É um estudo experiencial baseado na corporalização, aplicação e desenvolvimento de princípios anatômicos, fisiológicos, psicofisiológicos, que se utiliza de movimento, toque, voz e mente. Neste estudo, compreende-se que a relação entre mente e corpo é intrínseca e que a imaginação é uma porta para a percepção. Essa abordagem somática consiste, entre tantos aspectos, em formas criativas de investigação corporal focadas na percepção e sensação daquele que experimenta. Cada pessoa é estudante e assunto, e o foco está em descobrir o facilitador/caminho que fundamenta a transformação de cada um. A corporalização do material é explorada de forma aberta no contexto da autodescoberta e, por isso, é um processo de criação: o conhecimento se constrói pela experiência e compreende cada ser como existência única, autônoma. Essa forma de pensar o corpo e a investigação do movimento dialoga diretamente com os processos de criação em dança que tenho vivido em minha vida profissional, tanto como artista, quanto como educadora. E percebo que o mergulho na experiência de corporalizar e integrar alguns aspectos do corpo – do conhecimento de suas estruturas e seu funcionamento –, além de instrumentalizar e desenvolver aspectos de técnicas de dança, propicia um terreno fértil para a criação. O imaginário floresce nas sensações e percepções desses experimentos. Neste ano, estamos mergulhados em alguns princípios dos “Padrões Celulares e Neurológicos Básicos”. Sucintamente, esses são padrões de movimento que os seres humanos passam ontogeneticamente - de sua formação fetal até o padrão contralateral de engatinhar e caminhar-. No BMC, esse processo de desenvolvimento do ser se relaciona, analogamente, ao desenvolvimento da espécie (filogenético), ou seja, podemos identificar em animais

Desenhos do Diário Coletivo, optativo de Dança

de outras espécies momentos semelhantes ao que passamos durante essa fase de formação. Por exemplo, a estrela-do-mar que se alimenta pelo ventre e tem os membros que se expandem ou se recolhem em relação ao centro (como nós, em fase fetal, quando temos um cordão umbilical e temos os membros se desenvolvendo), ou o padrão homólogo quando estamos aprendendo a engatinhar, que se assemelha ao sapo (os membros direito e esquerdo movem-se igual e simultaneamente, simetricamente). Esse material, além de trazer a atenção e percepção da criança para aspectos de organização do movimento, o que dá a possibilidade de reorganizar os padrões, tem também um potencial lúdico que desperta o interesse, o imaginário e a criação. A experimentação desse material, então é aberta e às ideias de outros conteúdos relativos à linguagem, que relacionam corpo, espaço e tempo e são incorporados aos procedimentos de elaboração que surgem ao longo do encontro. A forma de abordar esses princípios é previamente escolhida e trabalhada, para ser acessível às crianças. Procuro utilizar objetos, imagens, vídeos, livros... o que for necessário, para conseguirmos visualizar o que está sendo focado. Também proponho alguns procedimentos os quais as crianças possam experimentar no corpo: às vezes, conduzo verbalmente; em outras, proponho toques em duplas ou ainda algumas sequências de movimento. Imagens do corpo humano bem como um esqueleto são muito utilizadas nesse processo. Essas escolhas e a

ordem em que aparecem ao longo do encontro, dependem do assunto do dia. E, principalmente, o foco está na criança e em sua relação com a dança como linguagem artística: há um cuidado constante em utilizar esse material em prol da iniciação à linguagem. Dessa maneira, a experiência conduz para os aspectos criativos, que surgem dos assuntos abordados em diálogo com as crianças... e, dessa maneira, temos passado por jogos, improvisos, composições, coreografias, brincadeiras, leituras, apresentações, desenhos, cenas, canções, danças...

Karime Nivoloni. Mestre em Dança pela UFBA e graduada em Dança pela UNICAMP. Professora de dança na EMIA e bailarina do Núcleo Mirada e do [-MOS], é aficionada por seres marinhos, em especial as lulas colossais.

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...poética por um fio...

Alexandre Medeiros

Alexandre Medeiros de Oliveira Sheila Christina Ortega

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ossa proposta teve como ponto de partida a linha; a linha que percorre o espaço, que conduz o olhar, que propõe formas, que contorna o corpo e que engancha, enrola na roupa, amarra na história do livro e segue um caminho inventado do que ela pode significar em sua continuação pela passagem do buraquinho do botão, caseado, na blusa costurada pela mão da mãe, avó, tia, tira de cetim que enrosca no cabelo e enfeita o corpo, que corre no parque, puxando uma linha de pipa, que sobe alto na árvore, que segura com seus galhos a aranha que tece sua casa entre suas folhas que caem além da ponte que liga um lugar a outro com seu arco na mão, segurando a flecha pronta a despontar, seguir o caminho que cruza o ar, ligando um sonho a outro, pulo que a corda com seu ritmo seguro convida às canções. Amarrar Dar nós Bordar Livros Esticar Ligar Costurar Buraco Linhas A formiga que entrou pelo buraquinho da fechadura e foi parar mil anos depois no final da história e andando em linha, torta, de maçã. As linhas do corpo e seus contornos. A medida do pequeno, do bem pequeno, do minúsculo e do maiúsculo. Um caminho pela intimidade das coisas. Quero contar a história de um encontro, melhor, de vários en60 EMIA 2014

contros, melhor ainda, de um grande encontro que aconteceu entre pessoas; crianças e adultos dispostos a escutar-se, um pouco a cada vez, um muito toda vez. De nosso lado, artistas-educadores, algumas ideias lançadas em um projeto de planejamento e uma escuta aberta, das crianças, a entrega, a disponibilidade e, de ambos, a confiança. Essa confiança foi cada dia se alimentando de calma, delicadeza, de escuta aos desejos, que conduziram todos, gerando um espaço de experiências, acolhimento e criações. Desde o primeiro dia, nosso encontro esteve em um lugar de intimidade, de lidar com algo de maneira própria, imergindo e emergindo do universo pessoal. Nosso primeiro objeto foi a linha, um fiozinho de lã, de costura, de pipa; nossa primeira história e desenhos juntos foi a de uma formiga que passeava por muitos lugares e por outros tempos e planetas; o primeiro objeto nos ligou e foi dando contornos bem flexíveis às continuações. O castelo que é daqueles tempos, mas que é destes também, aparecia e desaparecia em um jogo de esconder e achar. Achamos que não é muito legal espiar, quando não é a sua vez de esconder e que, se a mesma pessoa sempre acha e esconde, é um bom momento para fazer outra coisa que seja interessante para todos. O que é o contorno, como estabelecer espaços abertos, fechados, como e o que construir: são perguntas constantes que nos fazemos. As perguntas aparecem como pistas em um caminho que nos levarão para dentro de um labirinto, de um emaranhado que vamos atando e desatando. Na relação com cada criança e entre cada uma delas, esse contorno vai se fazendo visível e é nessa medida que os nós podem ser reforçados ou desatados. O labirinto pode até ter um ou outro monstro dentro e, aqui, uma pergunta: quando é que estamos prontos para enfrentar e lidar com as nossas dificuldades? E com as dificuldades do outro?

Lançamos aqui uma questão que pode ser um de nossos monstros (artistas-educadores) que vem a ser a de estar com o outro em sua dificuldade. Pode ser que não venhamos a resolvê-la, mas podemos auxiliar o outro a ter mais espaço para lidar com o que é difícil para ele. E aí começamos a tocar em uma qualidade de encontro que, tendo a abertura lúdica como possibilidade, pode oferecer e disponibilizar o espaço e materiais de criação que podem auxiliar cada um e o grupo a estarem juntos, ampliando repertórios pessoais, maneiras possíveis de lidar com uma questão de diferentes modos. Os labirintos e emaranhados estiveram presentes materialmente nas aulas, em histórias lidas, em composições visuais, mostradas a partir das obras dos artistas-educadores e de referências da história da arte, modos de compor de culturas indígenas e seus significados. Relatamos abaixo uma anotação de aula: “Sheila apresentou o trabalho que desenvolve artisticamente e falamos sobre composição nas Artes Visuais; lemos o livro, “Vestido de Menina” de Tatiana Filinto, Ed. Peirópolis e “O Livro dos Labirintos”; desenvolvemos uma atividade de criar histórias e fazer uma composição com fios que de algum modo a representasse. Em dois grupos, cada um criou, contou a história e explicou a composição. Houve uma representação cênica narrada pelo Matheus com a participação de dois objetos que fizeram parte das histórias, um pinguim de plástico inflável (chamado Perseu) e um castelo de resina pequenino.” Daí a apresentação das linguagens artísticas ocorreu em um terreno que é próximo à maneira de a criança compreender e apreender o mundo, ou seja, de maneira polimorfa, pois é assim que as linguagens igualmente estão sendo apresentadas. Elas são lugares de transição, não há a obrigatoriedade de fixação, o que não ex-

clui a possibilidade de adentrar em suas variáveis representativas e expressivas. E nesse sentido, ficar ou não por mais tempo desenvolvendo uma atividade, seja ela em que linguagem for, ocorrerá por estar contemplando um modo aceito pelo grupo de expressar algo, que poderá, sim, ser balizado pelo educador, o qual, apesar de ir abrindo e oferecendo as referências das linguagens artísticas, não necessita conduzir a criação. Abrir caminhos, estando presente e ao mesmo tempo deixando espaço para que o outro se aproprie, ou não, daquilo que lhe serviu de referência e apoio, apresenta-se como um modo de conduzir à autonomia de cada um e do grupo como um todo. Citamos aqui a Professora Dra. Marina Marcondes Machado, que em uma fala do Workshop Teórico-Prático “Arte, fenomenologia e infância: breve introdução à noção de criança performer”, diz que “o papel do adulto tem a ver com a generosidade, com uma postura aberta e observacional” e ainda que “a criança tem o direto de ser quem ela é”. Nesse rumo, há, no andamento das aulas, um olhar para a atenção e para a desatenção, que não necessariamente tem a ver com a falta de atenção de uma ou mais pessoas do grupo; é preciso ter espaços para perceber o quanto cada um lida com os limites de cada atividade e o quanto estas propõem experiências que trazem graus de facilidades e dificuldades, de aproximação e distanciamento daquilo que é conhecido. Nesse tempo de encontros, a corda como elemento de jogos e composições, também apareceu e enlaçada a ela o pular, o puxar, o esticar, relembrou ao grupo as parlendas de tirar e os desafios que mobilizam o corpo a passar por baixo, por cima, saltar, girar, etc. Esse fio-corda chama para o espaço, para fora e corremos para fora da sala, fomos para o parque e muitas outras crianças se sentiram à vontade para interagir e jogar juntos no Pedrão (lugar no EMIA 2014

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Descobrindo e idealizando uma Orquestra Infanto-Juvenil na EMIA

Ines Correa

Geraldo José Olivieri Junior

Orquesta Infanto-Juvenil da EMIA, Galeria Olido

parque onde todos brincam). Aliás, as pedras, pedrinhas e pedregulhos, que foram desenterradas com muito trabalho, formaram uma família enorme, repletas de histórias e aventuras; aventuras estas também vividas junto com o pinguim inflável Perseu, o qual visitando as crianças, uma a cada vez, durante semanas, trouxe histórias de brincadeiras, de encontros, passeios, almoços e jantares com os amigos, primos, tias e com as avós, que sempre tinham um bom bolo e pipocas estouradas na hora do filme. Aconteceu também teatro de bonecos de jornal, de dedos, de galhinhos de árvores de diversos tamanhos, amarrados com fios de linhas coloridas, personagens de diferentes materiais e formas, interagindo em histórias inventadas e fábulas já conhecidas. Amarrar e costurar foram ações práticas e poéticas que lançamos no planejamento e, como uma colcha de retalhos, vamos cozendo as ideias, os desejos, os desafios, as dificuldades, as histórias lidas, contadas, criadas, vividas; essa colcha se forma na totalidade das peças unidas e aí está sua poesia, sua beleza. Cozer as peças com uma linha, que venha amarrando as experiências ora com nós mais firmes, ora com nós mais folgados, torna-se o próprio modo de irmos apresentando e vivendo as experiências com os outros, com os materiais e com as linguagens artísticas. As ações práticas e poéticas implicam em lançar um algo, um não sei o que, amarrado por um fio invisível, sem saber o que será fisgado, mas ao sentir que esse fio tenciona está dado o sinal para a materialização poética, para que lancemos mão das linguagens artísticas, abrindo um leque de possibilidades expressivas, as quais criam uma rede imaginária que trará à vista algo inusitado. Quero contar uma história que não tem fim. Uma história inventada.

Referências bibliográficas BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ___________________. O Ar e os Sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001. CARROL, Lewis. Alice no país das maravilhas. São Paulo: Cosac Naify, 2009. MACHADO, Marina Marcondes. O brinquedo-sucata e a criança: A importância do brincar – Atividades e Materiais. São Paulo: Edições Loyola,1994. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006. NÓBREGA, Luisa. As aventuras de Ana Clara. São Paulo: Ed. Moderna. 2010. VIDAL, Lux. Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Studio Nobel, 2000. NÓBREGA, Maria José; PAMPLONA, Rosane. Salada, Saladinha: Parlendas. São Paulo: Ed. Moderna, 2005. SPERANZA, Graciela. Liliana Porter: el hombre con el hacha y otras situaciones breves. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación Eduardo. Alexandre Medeiros de Oliveira. Mestre em Comunicação e Semiótica e Bacharel em Teatro e Dança - Comunicação das Artes do Corpo, PUC/SP e professor de teatro na EMIA. Palhaço, ator e bailarino; integra a Balangandança Cia. de Dança Contemporânea para Crianças. Sheila Ortega. Mestre em Artes Visuais e graduada em Artes Plásticas pelo IA/UNESP. Professora de artes visuais na EMIA, e docente dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade Paulista de Artes e do Centro Universitário Metropolitano de São Paulo (2005-2014).

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o pensarmos na criação de uma Orquestra, logo nos vem à mente a tradicional formação sinfônica proveniente da rica história da música ocidental europeia. Pelo mundo afora, a curto ou a médio prazo, alcançam a tão conhecida formação com os naipes de cordas, madeiras, metais e percussão. Inicia-se, muitas vezes, a criação de grupos infantis com cada naipe separadamente e, posteriormente, juntam esses “naipes orquestrais” e assim nasce uma “Orquestra Sinfônica”. Pessoalmente trilhei este caminho na minha formação musical no conhecido “Conservatório Dramático e Musical” de Tatuí, participando como estudante dos grupos de cordas como violista e depois como professor do conservatório. Comecei um trabalho com a Orquestra de Cordas, regendo um grupo com 70 crianças e adolescentes. Por que estou relatando isso? Quando tive a honra de ser convidado a ingressar no corpo docente da EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) em 2002, a “priori” tive o pensamento da formatação de um grupo nos moldes sinfônico ou de uma orquestra de cordas com adesão de outros instrumentos, porém com uma grande diferença, aproveitar o que de melhor a escola oferece, a integração das linguagens artísticas (música, teatro, dança e artes visuais), inserindo a estrutura e a organização de um corpo sinfônico, mas abordando várias linguagens musicais e artísticas em praticamente todos nossos concertos. Abarcamos a música barroca à música contemporânea - nosso tema de 2014-, passando pela música popular brasileira de excelência, como Adoniran Barbosa, Noel Rosa, Luiz Gonzaga, Antônio Nóbrega, Tom Jobim, Milton Nascimento, André Abujamra, Arnaldo Antunes entre outros. Arranjos elaborados com instrumentos mais comumente usados na musicalização (xilofones, glockenspiel, flautas doces, violões e instrumentos de percus-

são), mesclando com a família das cordas (violino, viola, cello e contrabaixo). Percebi o grande potencial artístico desta formação e fui repensando formatos tradicionais e aprimorando o “fazer artístico” desta orquestra infanto-juvenil. Com isto, tive sempre a intenção de incorporar no trabalho com a orquestra as contribuições vindas das outras áreas artísticas. Aprendi e aprendo muito a cada ano e a cada projeto realizado na EMIA e ressalto o quanto uso esta experiência e modo de fazer em outros trabalhos. Presencio, a cada ensaio, a liberdade de criar e estabelecer outras saídas que por hora não estejam escritas no arranjo, na partitura e aprendo a transformá-la, a dar vida ao que está escrito, sempre estabelecendo parcerias com os corais da EMA, com grupos de Sete e Oito Anos e com Quartetos, além de grupos de teatro da escola. A formação da “Orquestra Infanto-juvenil da EMIA” veio logo após a fundação da Escola, com um grupo de crianças instrumentistas que se reuniam aos sábados, na década de 1980, com o então professor Pedro Mourão e Rogério Costa. Em 2002, demos continuidade ao que temos até hoje, ou seja, começamos com um grupo de 20 músicos, três professores auxiliares (Júlio Malufviolões e assistente de regência, Nado Garcia- percussão e Cláudia Freixedas- sopros e cellos). Posteriormente, a professora Cláudia se desligou e temos a professora Liliana Bertolini (sopros). Por um tempo, tivemos a ajuda valiosa de pais de alunos, em especial por cinco anos do casal Jefferson e Helena Takahashi. Depois, começamos a receber estagiários para colaborar no funcionamento do grupo, que chegou a ter um total de 63 crianças e adolescentes. A formação variou de acordo com a disponibilidade de alunos na escola, ex-alunos e estudantes de música da comunidade que podiam participar deste projeto. EMIA 2014

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Inês Correa

Projetos realizados: 1. A Orquestra EMIA, em parceria com o Coro EMIA e sua maestrina Maru Othani, registrarmos nossa produção em um CD. No ano de 2004, gravamos o CD “FAZENDO ARTE”, tivemos uma arrecadação dos pais e uma mãe do coral (Valdete Alves) procurou incentivo para finalizarmos e editarmos mil cópias deste trabalho. Gravamos uma composição de minha autoria “SUÍTE EMIA” em cinco Movimentos: I- Abertura, II- As três Casas, III- Fazendo Arte, IV- Caça ao Tesouro e V- Baião (Desafio Final). – Esta obra foi especialmente dedicada à EMIA, quando completou 25 anos da sua fundação. Posso relatar que abre com um motivo circense, passa a uma melodia lenta e simples, retratando as três casas dentro do Parque onde “fazemos Arte na EMIA”; o terceiro movimento levou o nome do CD “Fazendo Arte”, com participação de acordeom (ex-professora Rosana Massuela) e solo de violino (a ex-aluna Bruna Zenti); o quarto movimento produzia nos concertos uma encenação teatral com o ex-aluno Pedro Massuela, que saia procurando o “tesouro” pela orquestra e teatro, alguns lhe davam a dica que o tesouro era a batuta do maestro, acabava achando-a e roubando-a das mãos do maestro, para finalizar o movimento; por fim, o último movimento é um baião o qual, a cada momento um naipe da orquestra, tinha um solo e os outros naipes acompanhavam este solo, chamei de “desafio musical”. – Tivemos uma música no CD de autoria de um pai (Juan Rossi), cujo filho era percussionista da orquestra. – Tivemos obras (três) com o Coro EMIA. Uma música do Milton Nascimento (Bola de meia bola de gude), uma ex-aluna dançava um maracatu que inserimos na introdução; o folclore Pião com arranjo do professor Júlio Maluf e fechando o CD, gravamos o “Boi do Maranhão”, com o artista “Tião Carvalho”, especialista em cultura popular (Boi do Maranhão), acordeom (Rosana Massuela) e rabeca (Geraldo Olivieri).

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2. No ano de 2006 e 2007, apresentamos o projeto “Fábulas”, parceria com a área de teatro da escola. A Orquestra se dividia em duas partes, em formato de semicírculo, com violões e percussão ao fundo do palco. Eram contadas e encenadas fábulas de Esopo, e a orquestra interpretava músicas do compositor Bela Bartok, interferindo em algumas ocasiões, cenicamente, durante a apresentação. Tivemos confecção das máscaras pelas professoras Thelma Penteado e Lisete Martins e toda concepção do espetáculo da professora de teatro, Thereza Peric: – Projeto totalmente lúdico, educativo, inovador e rico para crianças e adultos assistirem e aprenderem a ouvir uma orquestra com um grupo de teatro. Com certeza, um dos projetos mais lindos que realizamos. 3. Em 2008, novamente com o Coro EMIA, homenageamos 80 anos do nascimento de Tom Jobim, com arranjos inéditos para este grupo. 4. Em 2009, acompanhamos o Grupo Vocal Arirê e o compositor consagrado “João Donato” na Multifesta Cultural- Alemã (Brooklinfest). O artista compareceu na EMIA para um ensaio, motivo de muito orgulho e prazer para nós professores e alunos da orquestra. Tal projeto foi sugerido pela nossa professora Mônica Olivetti (integrante do Grupo Arirê). 5. Em 2010, homenageamos dois grandes compositores: o paulista Adoniran Barbosa e o carioca Noel Rosa (100 anos de nascimento de ambos). Recebemos, além do Coro EMIA, um grupo de Choro da professora Rosana Bergamasco, alunos da classe de oito anos da ex-professora Márcia Lágua e o professor Fábio Marques, que interagiam com a orquestra e público, com textos contando a história dos compositores, junto com bonecos confeccionados por alunos, comemorando desta forma 30 anos da nossa escola EMIA. As professoras Liliana Bertolini e Rosana Bergamasco escreveram a “Suíte Adoniran” para este Concerto.

6. Em 2011, desenvolvemos dois grandes Projetos: – O “Carnaval dos Animais” do Compositor francês, Camille Saens Saints, adaptado para Orquestra Emia, recebendo dois pianistas Maria de Fátima Egídio Pimentel (ex-professora de piano da Emia) e João Antônio Parisoto. Tivemos a parte cênica executada pelo Quarteto de 10 anos do professor Chico Lú, que narrou toda a obra. – Homenageamos o compositor paulista André Abujamra com Coro EMIA, tendo a presença do compositor no Concerto, este projeto foi repetido em 2012. 7. Em 2013, desenvolvemos dois grandes Projetos: – Apresentamos uma Sonata de W. A. Mozart a quatro mãos, com dois alunos de piano da ex-professora Sílvia Chiappeta, na sala de Espelhos do Memorial da América Latina de São Paulo. – Desenvolvemos um lindo projeto com o artista Antônio Nóbrega, tendo a participação do Coro EMIA e alunos da dupla de professores Eugênia Nóbrega e Milena Perez de sete anos. Projeto especial em que, no final da apresentação, tivemos a honra de receber o homenageado, cantando suas músicas com todos os presentes. 8. Em 2014, desenvolveremos dois outros grandes Projetos: – Iremos homenagear o compositor baiano Dorival Caymmi, com o Coro EMIA. – Pela primeira vez, faremos, num processo de criação e escuta, a abordagem da Música Contemporânea, cuja ideia veio da professora Liliana Bertolini, a qual está coordenando este projeto. A Orquestra Infanto-juvenil da EMIA é dirigida pelo maestro Geraldo Olivieri Junior e os assistentes-professores Nado Garcia, Liliana Bertollini e Júlio Maluf. A regência do coral é realizada pela professora Maru Ohtani.

Projeto Fábulas, 2006/2007

Geraldo José Olivieri Junior. Bacharel em viola pela FAAM, é professor de violino e regente da Orquestra da EMIA, da Orquestra de Cordas da EMESP, da Orquestra Sinfônica Jovem da Fundação das Artes de São Caetano do Sul e regente Titular da Orquestra Filarmônica de São Caetano do Sul.

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Da sucata ao som, do som à música

Wilson Dias

Wilson Dias

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ste é o título da oficina multidisciplinar que trabalha em diversas frentes. De forma simplista, podemos dizer que se trata do fazer arte, a partir da reciclagem de materiais diversos, porém ao examinarmos com uma “lupa perceptiva”, podemos observar um trabalho muito, mais rico. A aula Em encontros semanais de 2 horas, os sábados dessas crianças começam animados, com jogos e brincadeiras que despertam para a aula. Sempre com objetivos específicos, esses momentos lúdicos vão trabalhar a concentração, a atenção, a coordenação motora, a afinação, a entonação, a expressão corporal, a intuição rítmica, a memória musical, a criatividade, as percepções auditiva e espacial, a motivação, o interesse, entre outras tantas habilidades intrínsecas à prática em grupo da oficina. Em seguida, de forma autônoma os alunos se dirigem ao depósito das sucatas, servem-se do seu material e se dirigem à sala de ensaio (claro, esse momento sempre é transformado numa nova brincadeira). Ao sinal do professor, todos se posicionam e o “show” começa. Muito frequentemente, novidades são acrescidas a esse número, afinal, algumas crianças atentas durante sua semana às situações do cotidiano, vão tendo ideias e querem por em prática. Histórico Durante 14 anos, esta oficina atende ao público em geral, alunos, ex-alunos da EMIA e crianças da comunidade. Tendo, como único filtro, a faixa etária entre 10 e 15 anos. E pré-requisito, chegar cedo no dia da matrícula, pois são atendidos os 15 primeiros inscritos, ficando os demais, em lista de espera. Muito comum, são os alunos que permanecem por vários anos, até que excedam os 15 anos -de idade - limites. Esses “veteranos” ajudam os iniciantes e isso é mais uma forma de trabalhar-se a socialização e o senso de cooperação mútua. Fazer a oficina por mais tempo não significa repetição, pois, durante esses anos todos, nunca foi realizado um espetáculo sequer parecido. Afinal, o trabalho é cons66 EMIA 2014

truído conforme o desenrolar das aulas, respeitando interesses e aptidões das crianças. Fato que justifica uma apresentação com muito movimento corporal e dança com bastões em 2001; em 2002 um cenário e uma montagem de uma cozinha de restaurante, num trabalho cênico e cômico; em 2003 com batucadas e percussão corporal... 2012, um tratamento cênico, intitulado “O Condomínio” (os temas e títulos são igualmente construídos coletivamente), que remetia aos conflitos e soluções vivenciadas pelas crianças em suas rotinas. Processo O ano começa com a experimentação livre de objetos do “sucatário” - sucatas do armário -: primeiramente, numa escolha partindo-se da observação (do visual), a criança pega o objeto e explora as possibilidades sonoras, coloca-se na roda e apresenta para os demais, o que descobriu - já encontramos aqui, um rudimento de apresentação em público -; depois que cada uma teve sua chance nesse processo demonstrativo, deixam os objetos no chão e fazem um rodízio para experimentar os objetos dos colegas, sendo este, um segundo desafio, uma vez que terão que manusear objetos escolhidos por outros. Depois de completo o rodízio e experimentado todos os objetos da roda, faz-se, então, uma primeira experiência de grupo em que as crianças têm como tarefa organizarem-se por semelhanças sonoras, segundo critérios próprios; combinam sonoramente seus equipamentos e apresentam para a turma (agora, uma apresentação coletiva). Bem, a partir dessa experiência, o professor consegue perceber quem (ou “quens”) são os mais rítmicos, melódicos, corporais, descontraídos, etc., etc., ou nenhum desses “etcs”. Quiçá planejar possíveis trajetos a percorrer com a turma. Conforme o interesse do grupo, ritmos e gêneros musicais são apresentados para a turma. Por vezes, usamos a percussão corporal como ferramenta de assimilação dos ritmos e instrumentos de percussão (tambores, xilofones, etc.). Desafia-se o grupo a transportar/traduzir as sonoridades dos instrumentos para os equipamentos disponíveis (sucatas).

A apresentação final Este não é o objetivo do trabalho e isso é colocado para todos, incluindo aos pais, desde o começo do ano, porém tem sido, naturalmente, a conclusão anual. Uma música-encenada (ou cena musicada), parte da ideia de contar-se uma história (com começo, meio e fim), usando sons e ritmos extraídos desses instrumentos feitos de material reciclado (latas, baldes, potes, bastões, peças de computador e uma infinidade de “traquitanas” recolhidas entre os alunos), expressões corporais e sons vocais, porém sem usar a fala. Essa história, criada coletivamente é transformada há todo momento, os sons que ilustram essa história, ora ruídos cuidadosamente organizados, ora ritmos aprendidos durante as aulas (ijexá, maracatu, samba-reggae, etc.), fazem com que a “dinâmica de importâncias”, seja alternada a todo instante, tendo-se uma cena musicada convertida numa música encenada, sem que se perceba a transição.

Depoimentos dos alunos João Victor (aluno há quatro anos no grupo)

“Pra mim, vir aqui no sábado de manhã, é muito bom porque a gente aprende ritmos de várias partes do Brasil, que a gente não conhecia. Acho isso importante, porque não só é legal, mas é cultura o que a gente tá aprendendo. Aqui é uma democracia, porque a gente ouve tudo, une tudo e faz uma peça “maior legal”. E aprende a fazer música com coisas que a gente achava que era lixo. Vale a pena acordar cedo para fazer música com os amigos”. Evelim (aluna há dois anos)

“Pra mim, eu gosto porque eu faço o “quarteto” - aula regular na EMIA, com quatro professores em sala de aula, um de cada linguagem - e lá é mais sério, mas aqui é mais engraçado e dá fazer música com toda essa sucata... é mais legal”. William (aluno há três anos)

A construção de instrumentos Nem sempre são necessárias, porém, quando o grupo sente a necessidade de refinamento sonoro para atingir determinados resultados, é sugerido que transformemos os materiais disponíveis: recheando, colando, pregando, furando, etc., obtendo-se novos timbres e efeitos para aprimorar a música trabalhada. Diversos tambores, ganzás, reco-recos, guizos, címbalos e muito mais, são conseguidos com a interferência da curiosidade e do intelecto.

“aqui a gente aprende várias coisas, inclusive sobre o comportamento, aprende a escutar direito o que os outros falam, aprende novas brincadeiras... a gente se diverte mais”. Luana (aluna há quatro anos)

“Bem, eu gosto dessa aula por que aqui é diferente das outras aulas, onde a gente tem que sentar e só ouvir o professor, não pode falar nada, tem que levantar a mão pra poder falar; aqui nós temos brincadeiras e a gente não faz nada forçado, a gente faz o que a gente quer”.

Wilson Dias. Baterista, percussionista e professor, é autor de quatro métodos para o estudo da bateria e de um para percussão. Foi supervisor musical da revista “Batera & Percussão” durante cinco anos e colunista da revista “Teclado & Piano”, escrevendo sobre “teoria musical” durante oito anos.

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Divisão de Formação Artística e Cultural Diretor

Mica Farina Coordenador Administrativo

Ilton Toshiaki Hanashiro Yogi

Equipe EMIA 2014

Coordenação de Ação Cultural

Diretora

Priscila Tamis Flávia Giacomini Costa

Andréa Fraga Assistente Artístico

Evandro Silveira Equipe

Assistente Pedagógica

Mercedes Cristina R. Sandoval Gilmar China K. Bueno De S. Leite Isabella De Souza Rodrigues

Sandra Cunha Coordenação de Artes Visuais

Liseti Bonamin Coordenação de Dança

Priscilla Vilas Boas Coordenação de Música

Cristina Rogatko e Giselle Ramos Coordenação de Teatro

Milene Cid Perez Secretaria Administrativa

Carmen Olivieri, Maria do Carmo Rego, Marina Shikichi e Ricardo Gisolfi Pires Secretaria de Alunos

Carla Cassia Rozante Lima e Wanda Saracho Portaria

Dulcinéia de Andrade Cesar Margarida Jesus da Silva Artistas-professores

Adriana Amaral dos Santos Adriane Cristine Krindges Geraldini Alexandre Medeiros de Oliveira Ana Claudia Cesar Antonio Carlos de Oliveira Jr. Antonio Corrêa Neto Beatriz Aranha Coelho Carlos Henrique Sgreccia Celso Amancio de Melo Filho Cintia Gomes zanco Dalva Argentino Eugênia Maria Nóbrega de Almeida Fábio Augusto de Souza Marques Flávia Marques Ferraz Francisco Luiz da Costa Carvalho Geraldo José Olivieri Jr. João Carlos de Souza 68 EMIA 2014

José Paulo da Rosa Júlio Cesar Giudice Maluf Karime Nivoloni Laura Longo Liliana Maria Bertolini Márcia Jesus Márcia Naomi Othani Marco Glauco da Silva Marcos Venceslau de Carvalho Marcus Charles Felix G. Ferreira Maria Berenice Simões de Almeida Maria Silvia Monteiro Machado Maristela Alberini Loureiro Campana May Kahtouni Meri Angelica Harakava Mônica Olivetti Soares Odino Fineo de A. Pizzingrilli Paulo Farah Andre Renata Facury Farias da Silva Rogério Rodrigues de Almeida Ronaldo Aparecido Barros Garcia Rosa Maria Comporte Rosana Bergamasco Silvestre Sheila Christina Ortega Simone Laiz de Morais Lima Telmo Rodrigues Rocha Thelma Antas Penteado Thiago Arruda Leite Valeska Marlete Guimarães Figueiredo Wanderley Oliveira Pira Wilson Bezerra Dias



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