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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano

Coleção Meio de Cultura Comissão Executiva Marcelo Knobel (coord.) – Andréa Guerra Luiz Carlos Dias – Peter Schulz Sandra Murriello – Yurij Castelfranchi Conselho Consultivo João Schmidt – Luiz Davidovich – Miguel Nicolelis – Marcelo Gleiser Iván Izquierdo – Luisa Massarani – Sergio Pena – Antonio C. Pavão – Marcelo Leite Carlos Henrique de Brito Cruz – Carlos Nobre – José Antônio Brum – Carlos Vogt Leopoldo de Meis – Mauricio Tuffani – Alberto Passos Guimarães Mônica Teixeira – Ildeu C. Moreira

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação N414e

Neves, Walter A. Um esqueleto incomoda muita gente... / Walter A. Neves – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2013. 1. Arqueologia. 2. Paleopatologia. 3. Antropologia pré-histórica. I. Título.

cdd 913.031 616.07 e-isbn 978-85-268-1157-7 301.2 Índices para catálogo sistemático:

1. Arqueologia 2. Paleopatologia 3. Antropologia pré-histórica

Copyright © by Walter A. Neves Copyright © 2013 by Editora da Unicamp

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores do direito. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal.

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meio de cultura Nosso cotidiano é permeado de ciência e tecnologia. Mas o que é ciência? Como é feita? Quem a faz? E a tecnologia? A coleção Meio de Cultura traz textos que, em linguagem acessível a todos (e às vezes divertida), apre­ sentam os caminhos e os descaminhos da ciência e da tecnologia. Neles encontramos histórias de sucessos e fracassos, contradições e embates, enigmas e polêmicas da ciência e da tecnologia na sociedade — uma bússola para explorar a cultura científica até as fronteiras do saber.

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Este livro ĂŠ dedicado a Solange B. Caldarelli, sem cujo brilho e generosidade eu jamais teria me tornado um arqueĂłlogo.

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agradecimentos

Quero registrar meus agradecimentos a Eliane Rapchan e Rodrigo Elias de Oliveira por terem lido a primeira versão do manuscrito e feito várias sugestões para sua melhoria. Agradeço também a todos aqueles que contribuíram com ilustrações para o livro, cujos nomes estão assinalados nas próprias figuras. Estendo esses agradecimentos a Pedro Henrique de Carvalho, pelo auxílio na organização das ilustrações, e Mariluce Moura, pelo estímulo e por ter aceitado o convite para fazer a Apresentação da obra.

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sumário

apresentação......................................................................................................................................... 15 introdução................................................................................................................................................ 19 1 muita paciência........................................................................................................................ 25 2 os vivos e os mortos......................................................................................................... 41 3 quantos eram?............................................................................................................................ 53 4 quem eram meus parentes?.................................................................................... 67 5 a comilança.................................................................................................................................... 83 6 o pau comia!..................................................................................................................................... 113 7 ai, que dor nas costas!................................................................................................. 127 8 não tinha antibiótico.................................................................................................. 141 9 tem futuro?..................................................................................................................................... 151

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apresentação

ossos e antepassados em narração íntima e fascinante

Walter Neves é um pesquisador corajoso. Mais que isso, é uma pessoa corajosa, traço de caráter que explicita tanto em suas proposições científicas quanto nas polêmicas acadêmicas em que se envolve ou se vê envolvido, nos acidentados percursos de sua vida e na clara exposição de si mesmo, quando convocado a isso. É, sem sombra de dúvida, também um cientista extraordinariamente talentoso, criador de uma teoria original sobre o povoamento das Américas e é, como sintetizou a revista Pesquisa Fapesp em 2012 (http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/05/11/walter-neves-o-pai-de-luzia/), “o pai de Luzia”. Para os pouco familiarizados com os domínios da arqueologia, vale registrar que Luzia é o mais antigo crânio humano encontrado nas Américas — e o famoso rosto “construído” a partir dele —, datado de 11 mil anos. Não foi Walter Neves quem o resgatou em meados dos anos 1970, num sítio pré-histórico na região de Lagoa Santa, arredores de Belo Horizonte, mas foi ele quem, no meio da década de 1990, o estu15

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dou detalhadamente e o reconheceu como um belíssimo suporte da sua teoria dos dois componentes biológicos no povoamento americano, esboçada no final da década anterior, o que garantiu, a partir daí, uma notável repercussão inter­ nacional para essa formulação singular sobre os primeiros habitantes dos continentes ao leste do Atlântico (http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/22/a-am%C3%A9rica-de-luzia/). Pois bem, é esse excelente cientista brasileiro, arqueólogo e bioantropólogo, que agora revela sua impressionante capacidade narrativa para falar a públicos não especializados, ao traçar um panorama fascinante, multifacetado, das possibilidades que o exame científico de esqueletos humanos encontrados nas escavações arqueológicas oferece à reconstrução teórica e imaginativa da vida de nossos mais remotos antepassados. Em outras palavras, Walter Neves mostra de forma abrangente, com charme e senso de humor, mas sem nunca deixar de lado o rigor da informação, como a pesquisa de bioantropólogos especializados em esqueletos humanos tem contribuído decisivamente, nas últimas décadas, para a expansão do conhecimento em arqueologia pré-histórica. Já pelo título do livro, jogando com as palavras, o autor dá mostras de que vai procurar capturar o leitor jogando luz numa certa dimensão lúdica que a produção do conhecimento sempre abarca e que ele naturalmente vê ampliada na bioantropologia, “talvez um dos campos mais fascinantes aos quais alguém pode se dedicar”, em seu olhar. Um esqueleto incomoda muita gente... é, claro, paródia de uma famosa canção infantil (“Um elefante incomoda muita gente”), que, concluída a lei­tura da obra, estará plenamente justificada — nada tem de gratuita. O percurso feito não deixa dúvidas de que é mesmo necessária uma quantidade a priori inimaginável de profissionais “para 16

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apresentação

extrair de um esqueleto tudo que potencialmente ele pode fornecer sobre a história e o comportamento de populações que hoje já não estão entre nós”. Neves estende o olhar irônico, ou banhado em humor, para compor também os títulos dos capítulos: “A comilança”, “O pau comia!” ou “Ai, que dor nas costas!” são expressões que trazem promessas de leitura deliciosa. E um resultado, entre outros, de ceder à sedução dessas palavras é seguir um per­ curso que nos acerca de maneira inédita, nos aproxima, como jamais, de nossos antepassados remotos, em seu conjunto. Mérito de um narrador que, tendo por ferramentas palavras e ossos, caminhando sobre o solo firme da competência multidisciplinar, adentra com intimidade pela dieta, pela saúde, pelas diferenças sexuais, pela violência interpessoal, mesmo pela organização social e pelo universo simbólico dos primeiros agrupamentos humanos a que chegaram os arqueólogos. Ao fazer essas incursões, Walter Neves pode nos trazer, por exemplo, a informação de que o estudo de marcadores não métricos em fragmentos de ossos dos crânios (crânios inteiros são exceções, e não a regra, em arqueologia), desde que se tenha uma amostra significativa de esqueletos de um mesmo sítio arqueológico, pode ajudar a inferir o parentesco biológico entre indivíduos desse sítio. Mais: pode ajudar no cálculo da diversidade biológica de homens e mulheres desse local, e, com base nisso, auxiliar a inferir os padrões de residência pós-matrimonial que aí eram praticados. Inconcebível? “Se as mulheres se mostrarem mais diversas, ou seja, menos aparentadas, isso significa que elas devem ter vindo de várias outras aldeias e, portanto, o padrão de residência é virilocal. Já, se os homens se mostrarem mais diversos, ou seja, menos aparentados, isso 17

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significa que eles devem ter vindo de várias outras aldeias e, portanto, o padrão de residência é uxorilocal”. Um esqueleto incomoda muita gente... torna transparente a profunda compreensão do autor quanto ao peso decisivo da multidisciplinaridade, para responder aos grandes desafios da produção do conhecimento, caso evidente do esforço por remontar em todos os aspectos a vida dos grupos humanos primitivos. E é notável a desenvoltura com que, manejando uma infinidade de dados teóricos, sempre seguidos de estudos de caso, ele se desloca por entre épocas muito distintas, de alguns milhares de anos atrás a séculos mais recentes, flui por entre pesquisas de seu grupo, de outros grupos brasileiros e de co­ legas de várias partes do mundo. Difícil, muito difícil, apresentar-se no âmbito da divulgação científica panorama tão abrangente e tão atraente da bioantropologia quanto este trazido à cena por esqueletos humanos graças ao olhar inspirado de Walter Neves. Mariluce Moura

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introdução

A especialidade que estuda a evolução e a diversidade humanas através de caracteres biológicos é denominada bioantropologia ou antropologia física, e os especialistas nessa área podem trabalhar tanto com remanescentes ósseos humanos, como com humanos atuais. O trabalho do bioantropólogo especializado em esque­ letos humanos não se dá num vazio; ele faz parte de um contexto maior de conhecimento, que é a arqueologia. Por isso, os especialistas na área são também conhecidos como bioarqueólogos. Existem vários tipos de arqueologia, mas aqui vou me concentrar naquilo que no cotidiano tratamos como arqueologia pré-histórica. Muitas pessoas acreditam que a arqueologia é uma busca desenfreada por objetos antigos. Longe disso! O contexto em que tais objetos são encontrados é tão ou mais importante que os objetos em si. 19

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O que o arqueólogo busca, na verdade, é recuperar o comportamento de sociedades extintas, utilizando para isso os objetos encontrados, a distribuição desses objetos no espaço escavado, bem como a distribuição dos sítios na paisagem. Os objetos no sítio escavado podem ocorrer de forma isolada ou em conjuntos denominados estruturas. Dessa forma, uma ponta de flecha encontrada isoladamente corresponde ao primeiro caso. Já uma fogueira é constituída, enquanto estrutura, de vários elementos: blocos de pedra formando um cír­ culo, carvões, cinzas e restos de comida, sobretudo ossos de animais que foram ali consumidos. Por isso, hoje em dia, os objetos que vão sendo encontrados durante as escavações não são removidos imediatamente do chão, o mesmo ocorrendo com as estruturas. Ambos os tipos de vestígios são meticulosamente mapeados e desenhados, preservando-se assim sua feição original. O estudo dos objetos, bem como das estruturas presentes em um sítio arqueológico, pode trazer informações preciosas de como os nativos organizavam seu espaço residencial. Assim como nós organizamos nossas casas em cômodos especiali­ zados, como cozinha, copa, sala de estar e quartos de dormir, os homens pré-históricos faziam, à sua maneira, uma organização distinta da nossa, mas com lógicas muito similares. Em algumas regiões dos sítios, principalmente as mais bem iluminadas, os homens pré-históricos se aglomeravam para lascar a pedra, ao passo que áreas mais protegidas eram utilizadas como zona de preparação de comida, enquanto outras eram utilizadas para enterrar os mortos. Se os vestígios arqueológicos não forem mapeados com exatidão, antes de serem removidos, essas informações estão irremediavelmente perdidas, dificultando, ou até mesmo im­ 20

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