Cultura imperial e projetos coloniais (séculos XV a XVIII)

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Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori de Decca

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior

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Diogo Ramada Curto

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação C948c

Curto, Diogo Ramada Cultura imperial e projetos coloniais (séculos XV a XVIII)/ Diogo Ramada Curto. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2009.

1. Colonização internacional. 2. Europa – História – séculos XV-XVIII. 3. Ásia – História – século XV–século XVIII. I. Título. cdd 325.3 940.2 isbn 978-85-268-0857-7 950.3 Índices para catálogo sistemático: 1. Colonização internacional 2. Europa – História – séculos XV-XVIII 3. Ásia – História – século XV–século XVIII

325.3 940.2 950.3

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Sumário

Introdução........................................................................................................................................................................................................... 

I A língua, a literatura e o império (-) Apresentação .................................................................................................................................................................................................  . Os negros em Portugal: representações e práticas de comunicação .........................  . O sistema do escravo-intérprete.............................................................................................................................  . O tempo de Zurara: conselhos, crônicas e relatos de viagem ...........................................  . Os múltiplos tempos do Gama .....................................................................................................................................  . As décadas de  e  ................................................................................................................................................ 

II Cultura escrita e práticas de identidade (-) Apresentação ..............................................................................................................................................................................................  . O Teatro do Mundo e o pensamento imperial......................................................................................  . O Estado da Índia: entre Zain al-Din e as DÉCADAS ......................................................................  . Remédios ou arbítrios ..........................................................................................................................................................  . As Cristandades no Oriente .......................................................................................................................................  . Relatos de viagem a Goa e ao Estado da Índia ...................................................................................  . Terra do Brasil ou Província de Santa Cruz ........................................................................................  . Os holandeses no Brasil: lutas e discursos .............................................................................................  . Maranhenses, bandeirantes, peruleiros e escravos .......................................................................  . Projetos coloniais para a África Ocidental.......................................................................................... 

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III Iluminismo e práticas de escrita (-) Apresentação ..............................................................................................................................................................................................  . Relatos de viagem, histórias e traduções na Europa das Luzes...................................  . Heróis do Estado da Índia, cientistas e orientalistas..............................................................  . Cerimônias públicas e academias no Brasil .............................................................................................  . Naturalismo, indigenismo, reformas e relatos de viagem ......................................................  Índice onomástico .................................................................................................................................................................................  Índice remissivo ....................................................................................................................................................................................... 

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Introdução

os estudos aqui reunidos inserem-se no plano mais vasto de uma história cultural do império português. Foram publicados, desde 1997, sobretudo em língua portuguesa, mas também em inglês e francês. Designá-los como capítulos seria inibidor, uma vez que a expressão foi conotada de um sentido global — próprio de quem pretende traçar a emergência de uma unidade associada à formação da identidade nacional — por Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido. Mais adequado se afigura remontar ao século XVII para reparar nas expressões de discursos vários, de miscelânea ou de epanáforas, utilizadas respectivamente por Manuel Severim de Faria, Miguel Leitão de Andrade ou D. Francisco Manuel de Melo. Em todos os ensaios, análises de acontecimentos, biografias e exercícios literários reunidos debaixo de tais expressões existia uma dimensão moral ou uma lição política, que eram consideradas inerentes a qualquer ato de produção discursiva. Inspirei-me nessa mesma dimensão para traçar diferentes relações entre a esfera de produção de discursos — reconhecendo que, hoje, só alguns deles são considerados como sendo da ordem do literário — e uma esfera de atuação política. Este livro reproduz igualmente o caráter heterogêneo de cada um dos fragmentos relativamente ao todo, que os referidos escritores do século XVII exemplificavam nas suas obras, apostados que estavam em experimentar novos gêneros e em romper com alguns dos cânones retóricos mais instalados. A este propósito, Leitão de Andrade falava provocatoriamente da sua Miscelânea (Lisboa, 1629) como sendo uma salada. E o chantre de Évora, Severim de Faria, foi mais longe, ao considerar que os seus Discursos varios politicos (Évora, 1624) eram preparação para uma grande obra a publicar mais tarde, podendo por isso serem comparados à Batracomiomaquia, poema satírico atribuído a Homero, que se julgava ter sido composto como preparação da escrita dos poemas épicos. Procurando legitimar-se através da alusão a uma das obras mais clássicas da Antiguidade e de um gênero elevado como o da épica, o chantre introduzia assim, na reflexão sobre as formas de dizer e de fazer a política, um efeito comparável ao da paródia satírica sobre os poemas épicos de Homero.

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Apesar do seu caráter fragmentário e incompleto, este livro procura analisar como foi pensada e registrada por escrito a expansão dos portugueses. Trata-se de um processo que implica a formação de uma cultura imperial, difícil de reduzir a um todo homogêneo, no qual orientações glorificantes se misturam com críticas às mais diversas situações e tipos de organização. Ou seja, onde as interpretações mais dogmáticas de uma identidade imperial, nas suas diversas configurações, foram acompanhadas por dúvidas e reflexões de ceticismo relativamente à missão expansionista. A existência, quase constante, de projetos coloniais constitui, porventura, uma das dimensões mais constantes dessa mesma cultura. Sendo que a existência de tais projetos coloniais, conciliando a análise dos quadros imperiais com a idealização quase utópica de cenários de controle, era compatível com situações em que a presença portuguesa se afigurava extremamente débil. Mas, para além de atender a esta dimensão, conferindo-lhe o estatuto de argumento principal, uma história cultural do império — interessada em reconstituir o ponto de vista dos agentes que participaram nesse mesmo processo ou que com ele entraram em contato — terá de considerar muitas outras operações de construção de sentido relativas a esse mesmo império: da especificidade de cada gênero ou tradição discursiva às várias formas de comunicação; dos efeitos da figura do autor às idéias assumidas por grupos e corpos sociais; do papel das instituições (conselhos, tribunais, câmaras, etc.) às conjunturas econômicas e interesses manifestados por centros de decisão política. Para além desses aspectos de natureza mais contextual, o desenvolvimento da investigação sobre a cultura imperial portuguesa dependerá da tomada em linha de conta de quatro aspectos principais, a saber, do reforço dos instrumentos comparativos nomeadamente no que respeita a outros impérios europeus; da análise das reações aos portugueses e respectivas respostas locais; do alargamento do tipo de fontes, para além das que são consideradas mais propriamente literárias; e de um trabalho de reflexão sobre os modelos historiográficos e as engrenagens ideológicas que tendem a reproduzir-se e a naturalizar-se condicionando fortemente as interpretações históricas. Claro que um estudo da cultura imperial que atende sobretudo aos registros escritos também terá de tornar explícita a variedade de temas e de gêneros, como acontece com: a) os encontros lingüísticos e as práticas de tradução; b) as cerimônias políticas e os rituais diplomáticos; c) os diferentes discursos que supõem uma utilização do passado, da poesia épica à historiografia; d) as percepções do espaço e as diferentes formas de o cartografar; e) o vasto denominador comum de descrições, relatos de viagem e expedições científicas; f ) os métodos de conversão e os debates religiosos; g) projetos, conselhos, arbítrios e instruções de governo; h) cartas, rumores e circulação de livros; i) petições e práticas de escrita mais individualizadas; j) discussões de idéias imperiais, discursos de resistência e rebelião e discursos de política econômica. A enunciação de todas essas formas de comunicação, supondo a análise de diversos tipos de discursos, contextos e pontos de vista, não pretende substituir-se à explicitação de um método, mas visa sobretudo refletir sobre a constituição de um arquivo imperial nas suas relações com as formas de governo e controle colonial — mesmo

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introdução

quando essas se afiguram na prática extremamente débeis. Neste sentido, o estudo das formas de conhecimento, de celebração, de crítica e de resistência suscitadas pela existência de um império implica uma recuperação do papel dos portugueses — e dos poderes por eles representados, incluindo o do Estado colonial — na feitura de diferentes configurações imperiais. O que equivale a dizer, para utilizar uma expressão que foi recentemente utilizada em relação ao império britânico, que será necessário trazer de volta, para o centro das nossas análises, o Estado colonial com todos os seus limites como agente da história.1 Pois só assim será possível ultrapassar uma visão eufemizada e excepcional do império português que, longe de se poder considerar propriamente um império, passou a ser visto quer como uma rede de comércio, quer como uma mera constelação de interesses extremamente fragmentada submetida a forças e relações locais. É, em parte, contra essa visão eufemizada — espécie de perspectiva neolusotropicalista tantas vezes difundida e revestindo o caráter de modelo de pacotilha — que se insurgem os estudos apresentados neste livro. Não é por acaso que tal visão se acomodou bem aos novos tempos de celebração do império, quando o nacionalismo que tomou os Descobrimentos como um período áureo serviu de panacéia saudosista a uma obsessão identitária, requerendo simultaneamente um ajuste às novas modas conceituais (da mestiçagem às conexões globalizantes promovidas pelos portugueses espalhados pelo mundo). É que só através de uma visão eufemizada do império português será possível continuar a festejá-lo, relegando para um canto as inúmeras formas de violência, exploração, intolerância e racismo que sempre o caracterizaram. De fato, desde o início da época pós-colonial ou, no caso português, desde a Independência de Goa e do eclodir das Guerras de Libertação em África, que as historiografias dos impérios europeus, em geral, e português, em particular, se polarizaram em torno das questões da violência e do racismo.2 Que tal polarização tem sido reveladora de pontos de vista ideológicos antagônicos parece-me ser uma constatação evidente, a qual exemplifica bem os usos políticos da história. No entanto, será também de reconhecer que são as perspectivas analíticas capazes de atender aos mesmos temas — num quadro geral em que são concebidos muitos outros comportamentos e situações, do colaboracionismo à resistência indígenas — que têm demonstrado uma maior distância e objetividade nas utilizações políticas da história. No início dos anos 60, a discussão em torno do lusotropicalismo — entendido como ideologia colonial de elogio da capacidade integradora dos portugueses, adotada pelo salazarismo no pós-Segunda Guerra — levou a uma discussão particularmente intensa e polarizada. Ora, foi nesse momento que se ergueram, contra os ideólogos do regime (defensores da mestiçagem e da missão civilizadora dos portugueses), as 1 2

Christopher A. Bayly, Origins of nationality in South Asia: patriotism and ethical government in the making of modern India. Nova Déli: Oxford University Press, 1998, pp. 276-8. Frantz Fanon, Peau noire, masques blancs, pref. (1952), posf. (1965) François Jeanson. Paris: Seuil, s.d.; idem, Les damnés de la terre, pref. Jean-Paul Sartre. Paris: François Maspero, 1961; Hannah Arendt, The origins of totalitarianism. San Diego: A Harvest Book, Harcourt Inc., 1968, pp. 123-302.

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vozes de Charles Ralph Boxer e de Vitorino Magalhães Godinho, sem dúvida os dois mais importantes historiadores do império português da segunda metade do século XX.3 Racismo e violência, enquanto temas reveladores de uma atenção às lógicas do conflito envolvidas na construção de um império, opunham-se assim ao elogio dos mecanismos integradores utilizados pelos portugueses espalhados por esse mundo fora. De qualquer modo, o aspecto que se visa aqui defender diz respeito ao fato de os intervenientes no debate não se encontrarem todos ao mesmo nível. Isto é, os que enalteciam as práticas de integração dos portugueses estavam mais próximos de uma visão comemorativa da história, pejada de anacronismos, porque preocupada em servir a um regime político ansioso de encontrar na história uma base ideológica excepcional para a sua política colonial; enquanto os dois referidos historiadores se insurgiam contra o modo como se pretendia colocar a história a serviço de um regime político. Tratava-se de um ponto de união entre os dois grandes historiadores do império português, pese embora a divergência entre o conservadorismo de Boxer e a visão progressista da cidadania pela qual Godinho tem lutado durante toda a sua vida. Numa perspectiva mais metodológica, haverá também que sublinhar a diferença entre a atenção concedida pelo primeiro à tenacidade dos indivíduos, frente ao estudo das grandes estruturas defendido pelo segundo. Em suma, para as gerações subseqüentes, que aprenderam a fazer história refletindo sobre o sentido das obras de gigantes tais como Magalhães Godinho e Boxer, o debate histórico e político que coincidiu com o início da Guerra de Libertação de Angola assumiu uma enorme importância. Existe, no entanto, um intervalo de cerca de 20 anos entre as discussões de inícios dos anos 60 e o momento em que a minha geração começou a iniciar-se na prática de fazer história. Durante esse intervalo de tempo, muitos foram os que escolheram o exílio para se opor ao regime de Salazar. Alfredo Margarido constitui, a este respeito, uma figura emblemática da historiografia portuguesa. E, mau grado a dispersão da sua obra e a pouca atenção a que tem sido votado dentro de Portugal, o seu labor representa talvez um dos esforços mais consistentes destinados a aprofundar de forma reflexiva a história colonial em tempos do fim do império. Porém, as razões que explicam o esquecimento em que acabaram por cair muitos dos textos de Margarido — aos quais deveria ser conferido o estatuto de manifestos fundadores de uma nova orientação historiográfica, destinada a dar voz aos oprimidos e a criticar muitas idéias feitas — acabam por ser bem reveladoras do modo como se organizou a pesquisa histórica sobre o império e as ex-colônias em Portugal: pura e simplesmente, calando as vozes incomodamente críticas e dissonantes. Paralelamente, o impacto que teve, na historiografia portuguesa posterior à década de 60, o paradigma formado em torno das questões da modernização — o qual se sobrepôs a reflexões, velhas de mais de um século, sobre a decadência portuguesa — pode ser avaliado pela concentração da pesquisa nos limites do território do

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Cf. do autor “O atraso historiográfico português”, in Charles Boxer, Opera minora, vol. III — Historiografia. Lisboa: Fundação Oriente, 2002.

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Portugal considerado europeu e continental. Porventura, uma das obras mais relevantes desse centramento nas questões da modernização do território português intitula-se Estruturas da antiga sociedade portuguesa. O seu autor, Magalhães Godinho, propôs então as bases que inspiraram outros estudos mais localizados relativos aos bloqueios econômicos e sociais de Portugal. Após o 25 de abril de 1974, a descolonização e os projetos de adesão à Comunidade Européia intensificaram essa tendência, a ponto de os próprios discípulos de Godinho que se iniciaram na investigação no início da década de 80, e entre os quais me incluo, se terem decidido em geral por primeiros projetos centrados na análise do Portugal continental. A história do império nas suas formas mais institucionalizadas, herdadas do regime de Salazar, fazia então uma espécie de travessia do deserto — beneficiando-se sobretudo das cumplicidades e dos aproveitamentos de católicos conservadores alinhados com uma direita saudosista e tradicional. As possibilidades abertas à investigação por um ciclo de comemorações dos Descobrimentos, que teve lugar desde meados da década de 80, permitiram aos herdeiros dessa mesma linhagem fortalecer e mesmo alargar as suas posições institucionais. Por isso mesmo, o já referido neolusotropicalismo, capaz de apresentar uma versão excepcional do império português, também se instalou nos centros mais institucionalizados de pesquisa, chegando mesmo a ganhar reputação internacional. É neste quadro de evidentes polarizações que deverão ser lidos os estudos que formam este livro. Não posso esconder que a minha simpatia vai para os historiadores que, sendo capazes de pôr o passado em perspectiva, sempre revelaram particular interesse em explicar os mecanismos da opressão, do racismo e da violência. Claro que existem muitos outros comportamentos, situações e representações envolvidos num processo de expansão, imperial e colonial. Mas estou em crer que sem um tratamento das questões da violência — prática e simbólica — a nossa compreensão do processo histórico em causa ficaria não só incompleta, como deturpada. Creio, aliás, que o fato de uma das grandes obras recentes relativa aos tempos coloniais, O trato dos viventes, de Luiz Felipe de Alencastro, ser dedicada às vítimas da ditadura no Brasil revela que também ali será possível detectar idênticas polarizações, no interior de um campo historiográfico caracterizado por uma grande riqueza de tradições e centros de pesquisa. A apresentação deste livro não ficaria completa sem uma referência a todos aqueles que me apoiaram e a quem gostaria de expressar o meu agradecimento. Francisco Bethencourt, Rosa Maria Perez e AbdoolKarim Vakil desafiaram-me, cada um à sua maneira, a levar mais a fundo o estudo do império, pelo que lhes estou profundamente grato. Este livro deve igualmente muito às condições de trabalho que encontrei na Universidade de Brown, onde durante cinco anos letivos fui calorosamente acolhido por Onésimo Teotônio de Almeida, Philip Benedict, Norman Fiering (diretor da John Carter Brown Library), Anthony Molho (colega e mentor exemplar, primeiro na Brown e, depois, no Instituto Universitário de Florença) e Gordon Wood. Na Universidade de Yale, K. David Jackson, Stuart Schwartz e Robin Winks ajudaram-me

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igualmente de forma decisiva. Luiz Felipe de Alencastro, Christopher Bayly, Leonard Blussé, Peter Burke, Pietro Costa, Luciano Figueiredo, Kenneth Maxwell, Michael N. Pearson, Fernando Portugal, Juan Pimentel, Jaime Reis, Laura de Mello e Souza e Rafael Valladares apoiaram-me também em diferentes ocasiões. Luís Farinha Franco, como sempre, foi generoso com a sua enorme erudição. Em duas universidades norteamericanas e, depois, no Instituto Universitário Europeu de Florença, devo muito aos alunos que me escolheram como supervisor ou co-supervisor das suas teses de doutoramento, bem como a todos os participantes nos meus seminários e nos que tive a oportunidade de organizar em conjunto com Anthony Molho. Aprendi também muito com Miguel Jerônimo e Ricardo Roque, que completaram comigo as suas teses no âmbito do mestrado de Sociologia Histórica da Universidade Nova de Lisboa. Dulce Figueiredo e Paula Gonçalves foram assistentes de investigação exemplares. Recordo também que a idéia de reunir em formato de livro esta série de estudos, tendo em vista a sua publicação pela Editora da Unicamp, partiu de Alcir Pécora e de João Adolfo Hansen, tendo sido acolhida com entusiasmo por Paulo Franchetti, a quem agradeço a possibilidade de publicar este livro no Brasil. Enfim, sem a presença da Filipa e, mais recentemente, da Maria e da Madalena, sem os seus conhecimentos e as nossas viagens por diferentes continentes e oceanos, e todas essas jornadas de trabalho e de sonho, este livro nunca teria existido. K A organização deste livro obedece a uma seqüência cronológica e temática já exposta nos seguintes capítulos: “A Língua e o Império” e “A Literatura e o Império: entre o espírito cavaleiroso, as trocas da corte e o humanismo cívico”, in História da expansão portuguesa, eds. Francisco Bethencourt and Kirti Chaudhuri, vol. 1 — A formação do império (1415-1570) (Lisboa: Círculo de Leitores, 1998), pp. 414-54; “Cultura Escrita e Práticas de Identidade”, in História da expansão portuguesa, eds. Francisco Bethencourt and Kirti Chaudhuri, vol. 2 — Do Índico ao Atlântico (1570-1697) (Lisboa: Círculo de Leitores, 1998), pp. 458-531; “As Práticas de Escrita”, in História da expansão portuguesa, eds. Francisco Bethencourt and Kirti Chaudhuri, vol. 3 — O Brasil na balança do império (1697-1808) (Lisboa: Círculo de Leitores, 1998). No capítulo 4, acrescentei textos que escrevi para o livro, por mim editado, O tempo de Vasco da Gama (Lisboa: Difel, 1998). O capítulo 7 inclui uma seleção do estudo introdutório da obra de Charles Boxer, Opera Minora, vol. II — Orientalismo / Orientalism (Lisboa: Fundação Oriente, 2002). No capítulo 8, encontra-se um extrato do capítulo intitulado “Quadro da Presença dos Portugueses no Oriente”, in Os portugueses e o Oriente. História, itinerários, representações, ed. Rosa Maria Perez (Lisboa: D. Quixote, 2006). Os capítulos 5 e 10 integram extratos de “Descrições e representações de Goa”, in Histórias de Goa, ed. Rosa Maria Perez (Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1997), pp. 45-86 — versão inglesa intitulada Stories of Goa (Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1997), pp. 45-86. Nos capítulos 13 e 16, acres-

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centei extratos de um capítulo escrito inicialmente em inglês, “Political Culture”, in Portuguese Oceanic Expansion, 1400-1800, eds. F. Bethencourt e D. Ramada Curto (Nova Iorque: Cambridge University Press, 2007). Parte do capítulo 14 foi inicialmente publicado em francês com o título “Idéologies impériales dans l’Afrique occidentale au début du dix-septième siècle”, in L’Empire Portugais face aux autres empires, eds. Luiz Felipe de Alencastro e F. Bethencourt (Paris: Maisonneuve et Larose, 2006, in print), pp. 203-47. No capítulo 16, consta um extrato traduzido para português de “Notes on the History of European Colonial Law and Legal Institutions”, in Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, vol. 33-34 (2004-2005), pp. 13-71. No mesmo capítulo, encontra-se igualmente a tradução parcial de um texto introdutório a um volume que organizei intitulado “Jesuits as Cultural Intermediaries in the Early Modern World”, Archivum Historicum Societatis Iesu (Rome, 2005). Ainda no mesmo capítulo 16, publiquei uma comunicação apresentada à conferência Portugal Índico. A conference of international historians and anthropologists on the Portuguese presence in South Asia in the colonial period, organizada por Rosa Maria Perez e Stephan Halikowski Smith, Brown University, Department of Portuguese and Brazilian Studies, a 16-17 de maio, 2003. Por último, o capítulo 18 inclui uma tradução do francês de “Notes à propos de la Nobiliarquia Paulistana de Pedro Taques”, Arquivos do Centro Cultural Português, 39 — Biographies (Paris, 2000), pp. 111-9.

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A língua, a literatura e o império (1415-1570)

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Apresentação

que efeitos teve a expansão dos portugueses na formação de uma literatura nacional? Esta é a questão que mais tem preocupado sucessivas gerações de historiadores interessados em identificar a nação a partir da construção de um cânone de textos literários. De fato, se considerarmos a existência de um processo assinalado pelas crônicas de Gomes Eanes de Zurara, o teatro de Gil Vicente, as Décadas da Ásia de João de Barros e Os Lusíadas de Luís de Camões, será possível reconhecer o grande impacto que teve a expansão na formação de uma literatura nacional. Mas, poderá esse impacto ser considerado uma especificidade portuguesa? Assim parece, se aceitarmos como válida a opinião de que, até século XVIII, a descoberta dos novos mundos pouca influência teve na literatura européia.1 Quando, por exemplo, François de Belleforest descreve a Ásia na sua Histoire universelle du monde (1572), baseia-se em textos antigos; os livros publicados pelos portugueses — os quais incluíam, no dizer do autor, muitas outras singularidades sobre aquelas terras longínquas — são referidos, mas não são por ele verdadeiramente incorporados.2 Ora, se partirmos da hipótese de uma especificidade da literatura portuguesa, ela terá de ser aprofundada em função de três questões. A primeira diz respeito à relação existente entre os atos e a sua representação escrita. A questão não é nova. Zurara refere-se-lhe, ao exclamar: “Que fôra dos feitos de Roma se Tito Lívio os não escrevera!”.3 Ao longo do século XVI, os escritores repetem a idéia do desinteresse dos portugueses em celebrar os seus feitos. A mesma idéia associa-se à oposição entre armas e letras que importará analisar em comparação com outros tópicos. No quadro das diferentes formas destinadas a pensar a relação existente entre os atos e as representações literárias, Charles Boxer insistiu 1

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John Elliott, The Old World and the New, 1492-1650. Cambridge: Cambridge University Press, 1970; Anthony Grafton, New worlds, ancient texts: the power of tradition and the shock of discovery. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1992. François de Belleforest, L’Histoire vniverselle du monde. Paris: Chez Geruais Mallot, 1572, ff. 55-55v. Gomes Eanes de Zurara, Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, ed. Larry King. Lisboa: Universidade Nova, 1978, p. 42.

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no desprezo a que foram constantemente votados os marinheiros ou os homens de mar, em comparação com os soldados.4 Resta saber que lugar ocupou o próprio discurso das petições destinadas à concessão de uma mercê no processo de representação pela escrita dos feitos de tantos portugueses. A segunda questão está relacionada com a circulação de modelos literários, com as oscilações dos diferentes gêneros e com os fenômenos de sincretismo ou de exclusão que percorrem os discursos. Questão tanto mais importante quanto o costume de se comparar os efeitos da expansão ultramarina, quer com as mutações provocadas pela apropriação dos modelos clássicos e italianos ao longo do século XVI, quer com a emergência de um teatro e de uma épica nacionais. Um último problema consiste em saber como se pode caracterizar sociologicamente a literatura relacionada com a expansão ultramarina. A preocupação com esses aspectos sociais prolonga uma revisão das idéias feitas acerca do papel do Estado na condução das iniciativas relacionadas com a expansão, nomeadamente as críticas à visão de um Estado monopolista empreendidas por Vitorino Magalhães Godinho.5 Assim, entre o espírito cavaleiroso, as trocas dos círculos cortesãos, os grupos profissionais ou estatutários de letrados, oficiais e mercadores, ou ainda as orientações de um humanismo cívico, o significado dos discursos considerados literários só poderá ser cabalmente compreendido se tivermos em conta os diferentes públicos e as diversas leituras que deles se apropriaram.

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Charles Boxer, The Portuguese seaborne empire, intr.; idem, “The politics of the discoveries”, in Portugal Brazil the age of Atlantic discoveries, eds. Max Justo Guedes e Gerald Lombardi. Lisboa: Bertrand/Franco Maria Ricci/Brazilian Cultural Foundation, 1990, p. 264. Vitorino Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a economia mundial, 2a ed., 4 vols. Lisboa: Presença, 1981-1982, 1a ed., 1963-1971.

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1. Os negros em Portugal: representações e práticas de comunicação

a existência de uma população negra em Portugal é um dos aspectos postos em destaque pelos viajantes estrangeiros dos séculos XV e XVI. Nicolau Lanckman de Valckenstein registra essa presença a propósito das festas, realizadas em Lisboa, pelo casamento de D. Leonor, irmã de D. Afonso V, com o imperador Frederico III. No dia 13 de outubro de 1451, um grupo composto por africanos e mouros veio perante a desposada com um dragão, seguido de muitas danças. Mais adiante, um outro grupo oriundo das Canárias homenageou a imperatriz também com danças e entregou-lhe uma carta na qual se dizia: “Embora sejamos homens da selva vindos das longínquas ilhas do mar, no entanto, subordinados, de há pouco, ao sereníssimo rei de Portugal, fomos enviados pelos nossos chefes a estas festas nupciais”. As cerimônias prosseguiram com múltiplas representações do reino. A 14 de outubro, numa arenga junto à Sé, celebraram-se as vitórias contra os mouros, a submissão dos africanos e a dilatação da fé, chorou-se o martírio de D. Fernando e, ali perto, exibiram-se diversos animais selvagens. A 17 do mesmo mês, antes do nascer do sol, surgiram de diversos lados: cristãos, mouros e homens da selva, cantando na sua língua e dançando. Já o dia ia avançado, apareceu na praça um elefante com quatro tocadores de trompeta e quatro meninos africanos distribuindo laranjas pelo povo. Por último, no dia 23, uma nova representação veio dançar e tocar à frente do palácio onde se encontrava a imperatriz. Integravam-na cristãos, mouros, judeus e um grupo — que Nicolau Lanckman designa de bárbaros — formado por africanos, mouros e homens selvagens das Canárias.1

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Aires A. Nascimento, Maria João Branco e Maria de Lurdes Rosa (eds.), Leonor de Portugal imperatriz da Alemanha. Diário de viagem do embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein. Lisboa: Edições Cosmos, 1992, pp. 33-53. Sobre o costume de muçulmanos e judeus participarem nas festas da monarquia, João Pedro Ribeiro, Extracto de huma memoria sobre a tolerancia dos judeos e mouros em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821, p. 7.

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cultur a imperial e projetos coloniais

Pelos anos de 1465-1467, o irmão da rainha da Boêmia foi recebido em Braga por D. Afonso V, tendo-lhe este oferecido dois escravos negros e um macaco. Que os levasse para a sua terra, onde os não havia, ter-lhe-á dito o rei, pois em Portugal eram em tal abundância que eram vendidos como carneiros.2 Trinta anos depois, quando Jerônimo Munzer visita Portugal, volta a registrar a presença de uma população negra. Recebido por D. João II em Évora, o médico de Nuremberg repara na presença na corte de muitos filhos de chefes africanos, educados nos nossos costumes e religião. A sua origem era muito diversa, conforme se podia constatar tanto pelas suas diferentes línguas, como pela cor, sendo uns acobreados, outros pretos, outros ainda anegrados. Todos aprendiam a língua portuguesa, sendo depois utilizados como intérpretes nas relações com os reis africanos. Para aquele viajante estrangeiro, nessas relações estabelecidas por intérpretes e acompanhadas de inevitáveis presentes, o rei procurava a proteção dos monarcas mais importantes, pois não era possível submetê-los, e mesmo que o fosse pouco proveito se tiraria disso. Já em Lisboa, impressionado com o número de escravos negros, Munzer estabelece a diferença entre os de cor acobreada, oriundos dos trópicos de Câncer e Capricórnio, e os negros retintos, naturais da zona equatorial.3 Ao longo do século XVI, sucedem-se os testemunhos sobre a população negra. O flamengo Nicolau Clenardo escreve de Évora, em 1535, que os escravos pululavam por toda a parte. Em Lisboa, informa com exagero, o seu número seria superior ao do resto da população, encontrando-se a seu cargo todos os serviços domésticos. No seu entender, essa integração social favorecia as ligações amorosas entre os senhores e as escravas, sendo os novos filhos lançados no mercado.4 Já bem entrada a década de 1570, Filippo Sassetti divide os habitantes de Lisboa em três grupos, a saber, cristãos velhos, cristãos novos e escravos. Considerando que estes últimos seriam cerca de um quinto da população da capital, o viajante e mercador florentino acentua a diversidade das suas linguagens e o fato de a maioria se ocupar no transporte das mercadorias, junto ao porto.5 Na mesma altura, Bartholomé de Villalba y Estaña refere-se a Lisboa como “madre de negros”, sendo estes uma chusma de gente, cerca de três ou quatro mil que viviam junto ao Tejo, com destaque para as negras ocupadas no transporte

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Barão L. de Rosmital, Iter annis 1465-1467 per Germaniam, Angliam, Franciam, Hispaniam, Portugalliam atque Italiam confectum (Stuttgart, 1844), trad. Manuel Bernardes Branco, Supplemento a João Baptista de Castro, Mappa de Portugal. Lisboa: Tipografia do Panorama, 1870, pp. 36-55, maxime pp. 39-40. Jerônimo Munzer, “Itinerario” do Dr. Jerónimo Munzer (Extractos), trad. Basílio de Vasconcelos, sep. de O Instituto, vol. LXXX. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1931, p. 51; Luís de Matos, L’Expansion portugaise dans la littérature latine de la Renaissance. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, p. 137. Munzer e negros em Portugal para aprender a língua, cf. Antônio Brásio, ed., Monumenta missionaria africana. África Ocidental (1471-1531), vol. I. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1952, pp. 157, 222, 224, 240 e passim. M. Gonçalves Cerejeira, O humanismo em Portugal. Clenardo (com a tradução das suas cartas). Coimbra: Coimbra, 1926, pp. 273-4. E. Marcucci, ed., Lettera edite e inedite di Filippo Sassetti. Florença, 1855, XLIV, pp. 111-2.

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