O Poder do Mito

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O PODER DO MITO _____________________________________ Qualquer um que se entregue a um trabalho de criação literária sabe que a gente se abre, se entrega, e o livro nos fala e se constrói a si mesmo. Até certo ponto, você se torna o portador de algo que lhe foi transmitido por aquilo que se chama as Musas, ou, em linguagem bíblica, “Deus”. Isso não é força de expressão, isso é um fato. Uma vez que a inspiração provém do inconsciente, e uma vez que a mente das pessoas de qualquer pequena sociedade tem muito em comum, no que diz respeito ao inconsciente, aquilo que o xamã ou o vidente traz à tona é algo que existe latente em qualquer um, aguardando ser trazido à tona. Assim, ao ouvir a história do vidente, é comum alguém dizer: “Ha! Esta é a minha história. É alguma coisa que eu sempre quis dizer, mas nunca fui capaz”. É preciso que haja um diálogo, uma interação entre o vidente e a comunidade. O vidente que diz coisas que os membros da comunidade não querem ouvir é simplesmente ineficiente. Certamente será marginalizado. MOYERS: Quer dizer que quando falamos de contos populares estamos falando não de mitos, mas de histórias que pessoas comuns contam para se entreterem umas às outras, ou para expressar um nível de existência que está aquém daquele dos grandes peregrinos espirituais? CAMPBELL: Sim, o conto popular se destina ao entretenimento. O mito se destina à instrução espiritual. Há um dito sábio, na índia, a respeito dessas duas ordens de mitos, a idéia popular e a idéia fundamental. O aspecto popular é chamado desi, que significa “provinciano”, tendo que ver com a sociedade. Isso é para os jovens. E por esse meio que os jovens são admitidos no interior da sociedade e ensinados a sair e matar monstros. “Pois bem, aqui está um traje de guerreiro, temos um trabalho para você.” Mas também existe a idéia fundamental. A palavra sânscrita para isso é marga, e significa “caminho”. É a trilha de volta a você mesmo. O mito provém da imaginação e leva de volta a ela. A sociedade ensina o que são os mitos, e em seguida o libera para que em suas meditações você possa seguir o caminho certo. As civilizações se baseiam em mitos. A civilização da Idade Média se baseia no mito da Queda do Paraíso, na redenção pela Cruz, e na doação ao homem da graça da redenção por meio dos sacramentos. A catedral era o centro do sacramento, e o castelo, o centro protetor da catedral. Você tem aí as duas formas de governo, o governo do espírito e o governo da vida física, ambos em acordo com a mesma e única fonte, qual seja a graça da crucificação. MOYERS: Mas nessas duas esferas as pessoas contam muitas histórias de duendes e feiticeiros. CAMPBELL: Existem três centros do que pode ser chamada a criatividade mitológica e folclórica da Idade Média. Um deles é a catedral, associada a mosteiros e eremitérios. Outro é o castelo. O terceiro é a cabana, a habitação popular. A catedral, o castelo e a – 71 –


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