O Poder do Mito

Page 242

JOSEPH CAMPBELL _____________________________________ está subindo, até que subitamente ultrapassa um limite e a extensão do horizonte se abre e, de algum modo, com o minguar do seu próprio ego, sua consciência se expande para uma experiência do sublime. Uma outra modalidade do sublime é a da energia prodigiosa, a força e o poder. Conheci um bom número de pessoas que estavam na Europa Central durante o auge dos bombardeios anglo americanos em suas cidades; muitos deles descreveram essa experiência desumana não apenas como terrível, mas também como sublime. MOYERS: Uma vez entrevistei um veterano da Segunda Guerra Mundial. Conversei com ele sobre sua experiência na batalha de Bulge, naquele amargo inverno, pouco antes de acontecer o assalto alemão. Perguntei: “Quando você recorda esse fato, como ele lhe parece?” E ele respondeu: “Foi sublime”. CAMPBELL: E então o monstro aparece como uma espécie de deus. MOYERS: E por monstro você entende... CAMPBELL: Quando falo monstro quero dizer alguma presença horrível, ou uma aparição, que abala todos os nossos modelos de harmonia, ordem e conduta ética. Por exemplo, Vishnu no fim do mundo aparece como um monstro. Lá está ele, devastando o universo, primeiro com o fogo e depois com um sangue torrencial que extingue o fogo e todas as coisas. Nada resta senão cinzas. Todo o universo e tudo o que era vivo nele fica totalmente destruído. É deus no papel de destruidor. Tais experiências ultrapassam julgamentos éticos ou estéticos. A ética é eliminada. Isso porque em nossas religiões, com a ênfase dada ao humano, há também um destaque para o ético; Deus é qualificado como bom. Não, não! Deus é horrível. Nenhum deus capaz de inventar o inferno pode ser candidato ao Exército de Salvação. Pense no fim do mundo! Mas há um dito muçulmano sobre o Anjo da Morte: “Quando se aproxima, o Anjo da Morte é terrível. Quando alcança você, é uma bem aventurança.” Nos sistemas budistas, especialmente os do Tibete, os Budas da meditação aparecem sob duplo aspecto, um pacífico, outro colérico. Se você se apegar fortemente ao seu ego e ao seu pequeno mundo temporal, de mágoas e alegrias, querendo preservar uma vida desejada, aparecerá o aspecto colérico da deidade. Esta será terrível. Mas no momento em que o seu ego se desprende e se entrega, aquele mesmo Buda é experimentado como doador de felicidade. MOYERS: Jesus falou sobre carregar uma espada. Mas não creio que ele sugerisse com isso que devêssemos usá-la contra o nosso semelhante. Ele a considerava no sentido de uma abertura do ego: Eu vim para libertá-lo, separando o ego que está amarrado em você. – 242


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.