O Poder do Mito

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JOSEPH CAMPBELL _____________________________________

MOYERS: O que acontece à imaginação mítica quando os seres humanos se transformam, de caçadores de animais, em plantadores de sementes? CAMPBELL: Ocorre uma transformação dramática e total, não apenas dos mitos, mas da própria psique, creio. Veja, um animal é uma entidade total contida dentro de uma pele. Quando você mata um animal, ele está morto – é o seu fim. Não existe, no mundo vegetal, nada parecido com um indivíduo contido em si mesmo. Quando se corta o talo de uma planta, uma nova planta surge. A poda é benéfica à planta. A coisa toda é apenas uma contínua realimentação do ser. Outra idéia associada às florestas tropicais é que da decomposição surge a vida. Eu vi maravilhosas florestas de pau-brasil, com grandes, imensas toras de árvores cortadas havia décadas. Brotavam delas essas novas criancinhas iluminadas, que são parte da mesma planta. Se você corta um ramo de uma planta, surge outro. Se você corta uma parte de um animal – a menos que seja um tipo especial de lagarto – ela não volta a crescer. Assim, nas culturas da floresta e do plantio, existe uma noção de morte que, de algum modo, não é propriamente morte, pois a morte é necessária à nova vida. E o indivíduo não é propriamente um indivíduo, é o ramo de uma planta. Jesus usa essa imagem, quando diz: “Eu sou a parreira, vocês são os ramos”. Essa imagem proveniente da parreira é totalmente distinta daquela originária dos animais individualizados. Numa cultura de plantio, ocorre o cultivo de uma planta que vai ser comida. MOYERS: Que histórias se inspiraram nessa experiência do plantador? CAMPBELL: O motivo das plantas comestíveis, que cresceram a partir da poda e sepultamento do corpo sacrificado de uma deidade ou de uma personagem ancestral, ocorre um pouco por toda parte, mas particularmente nas culturas do Pacífico. Essas histórias de plantas, na verdade, penetram uma área que nós normalmente entendemos como área de caçadores, nas Américas. A cultura da América do Norte é um expressivo exemplo da interação de culturas caçadoras e plantadoras. Os índios eram principalmente caçadores, mas eram também plantadores de milho. Uma história algonquina, sobre a origem do milho, fala de um menino que teve uma visão. Nessa visão, aparece lhe um jovem, com a cabeça ornada de plumas verdes, e o convida para um combate. Ele vence o menino, volta mais uma vez, torna a vencer, outra mais, e assim por diante. Um dia, o jovem diz que na vez seguinte o menino precisará matá-lo, enterrá-lo e cuidar do lugar onde ele será enterrado. O menino então faz o que lhe ordenaram fazer, mata e enterra o belo jovem. Um tempo depois, o menino volta e vê o – 116


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