Construir Sítios

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enfim...E esse museu é um pouco o coroário disto tudo, porque é um trabalho de grande generosidade de todos nós, que vamos ter com as pessoas que são proprietárias de fornos, de moinhos, de azenhas, de arquitectura popular interessante e propomos oferecer um projecto, encontrar formas de financiamento, acompanhar a obra, desenvolver o projecto e depois as pessoas têm a simpatia de abrir ao público permanentemente os seus objectos. Mas com a descoberta de Hassan Fathy principalmente, percebi que a Arquitectura popular era talvez a arquitectura que procurasse, de uma forma mais eficaz, mais próxima das pessoas que realmente com grandes necessidades encontraram ali um ponto em que os arquitectos poderiam ser os continuadores naturais dos artesãos, uma vez que o artesanato estava a colapsar e em muitos casos já tinha colapsado. Mas nos anos 80 finais dos anos 70, claro que ainda havia muitos mestres abobadeiros e até mestres taipeiros, embora não exercessem praticamente já nada, mas eram pessoas que tinham 50, 60 anos e portanto plenas na sua sabedoria e nas suas capacidades físicas e que se transformaram, ou a maior parte deles, em pedreiros banais e correntes, porque as técnicas tradicionais foram sendo abandonadas. Em 1985, depois de vir dos Açores, (que foi uma experiência que posso dizer que foi também muito interessante). Também vivi um ano na Madeira, para fazer o levantamento da Arquitectura Popular da Madeira. Ainda fiz com o arquitecto Filipe Dorge o levantamento das chaminés do Algarve, que foi um concurso que ganhámos, e a pretexto de desenhar as chaminés desenhávamos as casas, eu subia aos telhados, desenhava as chaminés, desenhava as casas e praticamente do Barlavento ao Sotavento desenhámos a arquitectura popular do Algarve e ele é um grande fotógrafo, fez brilhantes fotografias. Na Madeira já vinha com a experiência dos Açores e foi um trabalho que teve a particularidade de poder fazer uma coisa que eu sempre achei que só assim se fazem levantamentos, que é viver no sítio. O mundo rural era um mundo muito intenso, só se compreende a arquitectura através de actividades e eu tinha que participar nas actividades para conseguir interpretar a arquitectura. E daí quando eu lhe digo a minha vertente mais antropóloga do que arquitectónica, de vez em quando perde-se muito com isso, eu não posso estudar engenhos sem compreender como eles funcionam. A arquitectura popular, o interesse, a paixão que se tem por isso, é uma coisa que muitas vezes nos divide, porque sendo nós de formação erudita e tendencialmente numa perspectiva muito académica, a academia esteve quase sempre de costas voltadas para essas áreas, mesmo havendo o Inquérito à Arquitectura Popular. E eu julgo que nunca se fez uma verdadeira abordagem ao Inquérito, na sua verdadeira potencialidade. Houve ali um momento importante político de dizer ao Salazar que não havia uma “Casa Portuguesa”, haviam muitas tipologias, muita diversidade. E houve muitos arquitectos que tiraram proveito desse conhecimento e o introduziram numa vertente contemporânea da altura, numa alternativa ao modernismo, numa revisitação, digamos, ao regionalismo português, mas numa perspectiva erudita, evoluída, elegante e séria, com arquitectos como o Távora, o Keil do Amaral e muitos outros até mais anónimos e que até não deixaram de fazer peças notáveis de arquitectura. Eu acho que esse trabalho está por fazer. Eu quando andei agora no inquérito da arquitectura contemporânea, calhou-me o Alentejo e o Algarve – com

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