Revista Movimento Médico Nº 07

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Gentil Porto

Num lugar do passado

C

Arquivo Pessoal

ostumo dizer que ninguém é dono da vida – a vida é realmente dona da gente. Assim, por ela fui levado para vários lugares e deles guardo lembranças imorredouras – Brejo da Madre de Deus, onde nasci; Caruaru, onde me criei; Recife, onde estudei e me formei; Floresta, onde trabalhei, e Petrolina, onde também exerci o meu ofício. Considero-me um nômade telúrico. Faltava, entretanto, falar em Pesqueira, terra dos meus antepassados maternos, do meu avô Gumercindo Saraiva Duque, tabelião da cidade, gourmet por vocação, poeta consumado. Lembrome do seu caminhar pelas ruas e praças daquela cidade, sempre de paletó, bogari na lapela, charuto entre os dedos. E é de Pesqueira a história que vou contar, repassada pela minha tia Aliete Duque de Miranda, espírito folgazão, moleca de carteirinha. Pesqueira do meu tempo de criança era aquela cidade circundada por serras. Na parte mais alta, as fábricas Peixe da família Brito, o Colégio das Dorotéias e, mais embaixo, a formosa Catedral de St'Águeda, o Colégio Cristo Rei, o Clube dos 50 e as praças do entorno. Para se deslocar da parte mais alta para a parte mais baixa, usava-se um bonde movido a burros, alegria da criançada do meu tempo. Nas proximidades da praça, existia (e acho que ainda existe) uma sorveteria que também funcionava como bar. Ponto de reunião dos intelectuais, boêmios, lugar do “disse-me-disse” da cidade. Certa feita, conforme me contou tia Aliete, numa roda “movida” à cerveja, a conversa, que se iniciou amistosa, degringolou para grossa discussão. Daí para a pancadaria generalizada foi um passo. Empurra p'ra cá, empurra p'ra lá, sopapos, bofetões, copos quebrados, cadeiras ao chão. Um dos valentões estava literalmente incontrolável. A polícia foi chamada e imediatamente segurou o “tranca-rua”, que aos gritos exigia: “me larga, me larga!”. Não sendo atendido, soltou a tradicional “vocês sabem com quem estão falando?”. A polícia estacou e o beberrão com a maior firmeza: “eu sou irmão da rapariga do cabo de Sanharó!” (pequena cidade das adjacências). Haja autoridade!

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GENTIL ALFREDO MAGALHÃES DUQUE PORTO nasceu no Brejo da Madre de Deus, em julho de 1940. É formado em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desde 1963. Passou a infância em Caruaru. Ocupou vários cargos importantes na área de Saúde como a direção do hospital Álvaro Ferraz, em Floresta, Hopsital Dom Malan, em Petrolina (onde morou boa parte de sua vida) e a VII diretoria Regional de Saúde. Além disso, Gentil fundou o jornal "O Leão da Floresta". Trinta anos depois de viver no Sertão, tranferiu-se para o Recife, onde foi admitido como membro da Academia Recifense de Letras. Também é membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Sobrames, da União Brasileira de Escritores (UBE) e colaborador do Jornal do Commercio. Atualmente, Gentil Porto exerce o cargo de Secrtário Executivo de Assistência à Saúde da Secretaria Estadual de Saúde.


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